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A intervenção do Estado na Economia no âmbito da reestruturação

Introdução

O argumento fundamental deste texto é que a decisão política condiciona o modelo económico, portanto, não se pode desligar a actuação do governo do funcionamento da economia. Há seis anos em crise profunda, a economia angolana necessita duma profunda reforma estrutural. Na verdade, o modelo assente no consumo desenfreado e na produção de petróleo terminou, levou o país a um “beco sem saída”. Por isso, desde 2014 que definha sem encontrar soluções de crescimento. Em 2015, o PIB já cresceu apenas 0,9%, em 2016, decresceu -2,58%, 2017,-0,14% e 2018,- 2,1%. É uma longa e penosa recessão. É necessária a intervenção do Estado para promover uma intensa reforma da estrutura da economia, do modelo de desenvolvimento adoptado, pelo menos, desde 2002.

Tabela 1 – Comparação simbólica da evolução do PIB angolano com o preço do petróleo[1]

Se analisarmos o quadro acima exposto, apesar da sua visão esquemática, verificamos que numa primeira fase, existe uma ligação entre o preço do petróleo e o crescimento da economia angolana, embora haja um certo desfasamento, i.e., a baixa do preço do petróleo demora algum tempo a repercutir-se na economia. Isso verifica-se em 2014, que ainda é um ano de crescimento do PIB, apesar de a meio do período o preço do barril sofrer uma queda, da qual nunca recuperou. Durante os anos seguintes, a recessão económica acompanha a diminuição do preço do petróleo. Essa relação razoavelmente directa deixa de se verificar em 2018, altura em que o preço do barril aumenta, passada de 47 USD em Junho de 2017 para 75 USD em Junho de 2018, e a economia afunda-se numa maior recessão. Duas explicações poderão ser adiantadas para tal evento. O primeiro é o desfasamento já referido. O impacto das variações do preço de petróleo demora tempo a surtir efeito na economia real. Todavia é possível uma outra explicação, que resulta do facto de a maioria das políticas seguidas pelo novo Presidente serem de cariz recessivo, pelo que, pelo menos numa primeira fase, aprofundam a recessão. Na verdade, a desvalorização cambial aliada a uma diminuição da massa monetária em circulação para controlar pressões inflacionistas, o corte na despesa e o aumento/criação de impostos tem um efeito recessivo na economia. É por isso, que argumentaremos que a mera adopção de políticas do Fundo Monetário Internacional não chega para sair da crise e lançar um novo modelo de crescimento. É preciso mais.

No modelo proposto não está em causa que a forma de garantir crescimento resulta manifestamente da institucionalização séria de uma economia de mercado liberal. A questão que se coloca é qual o papel do Estado para criar essa economia, assegurar o seu desenvolvimento e manutenção. O mercado não se cria sozinho.

Quer isto dizer que as mais fundamentais decisões económicas são de cariz político e não estritamente técnico. Angola atravessa um momento em que é confrontada com a necessidade de tomar esse tipo de decisão. Numa primeira fase, após a independência, seguiu o modelo de planificação central inspirado na experiência marxista e estalinista, envolvido pelas necessidades da guerra civil. Tal aproximação durou entre 1975 e 1992. Nesta última data, houve a decisão constitucional de introduzir a economia de mercado e abandonar a experiência socialista. A questão é que esta economia de mercado tornou-se numa “economia falsa de mercado” e confirmou o velho dito do pensador radicado na Grã-Bretanha Isaiah Berlin ““Freedom for the wolves has often meant death to the sheep” (A liberdade dos lobos muitas vezes significou a morte das ovelhas). Na verdade, tivemos uma “economia dos lobos” que tudo comeram e mataram. Não foi uma economia de mercado, mas de devastação felina.

A actuação estrutural do Governo para sair da crise

Chegamos a 2014, e à crise profunda e estrutural da economia angolana. Depois de anos de hesitações, em 2017, o novo Presidente da República, João Lourenço, tenta enfrentar a crise clamando por um novo modelo económico. O Presidente parece apostar naquilo que, para simplificar, chamaremos o modelo FMI-mercado. Estando com os instintos certos, a realidade é que este modelo não chega, nem garante a sustentabilidade da economia angolana por si só, podendo tornar-se numa “economia dos lobos II”.

Vejamos dois exemplos práticos e façamos algumas considerações históricas sumárias. Um primeiro exemplo, liga-se à redução/ eliminação dos subsídios aos combustíveis de uso corrente. Tal medida tem sido ampla e veementemente defendida pelo FMI (Fundo Monetário Internacional). O problema desta medida é que não existe um mercado de distribuição de combustíveis. O que neste momento prepondera é uma situação oligopolista em que essencialmente dois actores (Sonangol e Pumangol) dominam o mercado. Assim, têm poder para fixar os preços no nível que entendam. Se o Estado retirar os subsídios, é a população que vai sofrer o embate e os aumentos, mantendo-se as empresas numa situação de domínio, significando isto que passará a ser o povo a subsidiar os preços altos praticados pelo oligopólio e não o Estado. Ora o que se deveria fazer, antes de retirar os subsídios era criar um verdadeiro mercado concorrencial de distribuição de combustíveis em que empresas em concorrência perfeita competissem, remetendo os preços para o seu nível de equilíbrio. Primeiro, há que criar mercados e depois deixá-los funcionar. Não se pode entregar sectores ao mercado, quando este não existe…

Um segundo exemplo, também prático, foi levantado pelo Presidente João Lourenço recentemente, quando disse que não estava a existir novo investimento. Como se vê não basta uma retórica FMI ou anúncios esparsos para se obter investimento. É necessário promover aquilo que o economista austríaco Joseph Schumpeter chamava “clima social”, uma situação em que há um ambiente geralmente favorável ao empresário e ao investimento; isto envolve tribunais independentes e a funcionar, instituições financeiras eficientes e sem compadrios, impostos moderados, liberdade de circulação, instituições consistentes. Em resumo, o investidor tem de ter confiança que traz o seu dinheiro e não fica sem ele. Também há aqui um trabalho de construção de “clima social” que ainda está no início.

Significativamente, as primeiras medidas que o executivo tem de tomar são de criação de mercados e de condições gerais de confiança nas instituições. São, por isso, medidas essencialmente políticas.

Também, há que assinalar que os actuais países que estão na primeira linha das economias de mercado, como os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, tiveram os seus arranques industriais com alguma protecção face ao exterior. Basta lembrar o Navigation Act de 1651 na Grã-Bretanha, e as medidas proteccionistas do século XIX nos Estados Unidos.

Um processo de desenvolvimento tem de apostar num “fine-tuning” (afinação) entre Estado e mercado. Repetindo a ideia, não se pode deixar o mercado funcionar quando não há mercado. A primeira tarefa é política, criar instituições, mercados e ambiente adequado.

Cinco vectores de mudança

Nessa medida, defende-se que o Governo angolano terá pela frente cinco tarefas fundamentais para criar o novo modelo económico:

1-Luta contra a corrupção. Ao contrário do que muitos insignes economistas afirmam, a luta contra a corrupção é um verdadeiro programa económico. A razão é simples. Sendo os recursos de um país escassos e limitados, o dinheiro desviado pela corrupção (entendida em sentido alargado) acaba por não ser aplicado na economia nacional, são recursos desperdiçados. Ora esses recursos têm de voltar à economia. Imaginemos que a economia angolana produz anualmente 100 unidades. Se 80 unidades são desviadas pela corrupção e vão parar ao estrangeiro, a bens de luxo importados ou ficam entesourados, não produzem nada. A economia apenas fica com 20 de onde sairá o investimento. O primeiro papel do Estado é evitar os desvios de recursos da economia nacional. Assim, a luta contra a corrupção, devido à magnitude que assumiu em Angola é tarefa primordial do Governo.

2-Infra-estruturas. O segundo papel do Governo é óbvio e consiste na construção de infra-estrutuas básicas para o desenvolvimento: aeroportos, portos, estradas, redes de telecomunicações, hospitais e escolas.

3-Instituições, clima social e criação de mercado. Esta será das tarefas mais importantes do Governo, que é dotar o país de instituições credíveis, tribunais que funcionem rapidamente e de forma imparcial, repartições públicas que atendam bem e com celeridade e agências de investimento transparentes. No fundo, o referido “clima social”. Além disso, nos sectores onde não existem mercados concorrenciais, criá-los, promover a entrada de novas empresas nesses sectores e levantar as barreiras legais, administrativas e técnicas a esses novos acessos.

4-Kick-Start estratégicos. O próprio Governo há-de reflectir quais são as áreas que reputa essenciais para o desenvolvimento do país e aí deve investir ou promover o investimento em empresas mistas que ocupem espaços não requeridos pelos privados.

5- Proteccionismo deslizante. Finalmente, naquelas actividades que estejam a nascer em Angola, devem ser adoptadas medidas de proteccionismo deslizante, isto é, será necessário acompanhar o crescimento dessas actividades até que elas se sintam fortes para enfrentar a concorrência. Lembremo-nos que o denominado “pai” do liberalismo económico, Adam Smith, defendia a protecção do Estado às “indústrias nascentes”, é este conceito que aqui se aplica.

Tabela 2 – Cinco áreas de intervenção do Governo para reformar a Economia

Luta contra a corrupção
Infra-estruturas
Instituições, clima social e criação de mercado
Kick-start estratégicos
Proteccionismo deslizante

Defendendo um modelo básico liberal para Angola, há que perceber que este é um ponto de chegada e não de partida. O ponto de partida é um conjunto de políticas articuladas que simultaneamente promovam o mercado e criem um Estado ágil e inteligente.


[1] Dados do PIB obtidos no Banco Mundial, IBRD-IBA Data. Preço do Petróleo com referência a Junho de cada ano. Barril/Brent.