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Economia angolana tendências, reformas necessárias e Plano Nacional de Emprego

A vida social em Angola é muito viva e, neste momento, os assuntos políticos e judiciais dominam a agenda do país. No entanto, é no domínio da economia que se regista uma evolução extremamente significativa sobre a qual é importante refletir e proceder a uma análise cuidada.

O recente (Fevereiro de 2023)[1] relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI)sobre o país sublinha os avanços favoráveis da economia angolana e também as reformas necessárias. É com base nesse relatório que vamos enunciar as principais tendências de Angola no campo económico e os pontos nevrálgicos para evitar recaídas como a que originou a última longa recessão que começou na presidência de José Eduardo dos Santos.

TENDÊNCIAS POSITIVAS

A economia de Angola está em franca recuperação após a recessão que durou cinco anos (2016-2020). Em 2022, apoiada por preços de petróleo mais elevados e atividade não petrolífera resiliente já alcançou um crescimento superior a 3%, estimando o FMI que em 2023 o país continue a ver o PIB aumentar na ordem dos 3,5%.

Portanto, assistimos a crescimentos superiores a 3% ao ano, que pelos nossos cálculos, mantendo-se o preço do petróleo e acelerando-se a liberalização dos mercados angolanos e o investimento estrangeiro, poderá acelerar para números na ordem dos 4% ou 5%, adotadas que sejam as políticas acertadas.

O otimismo que aqui partilhamos resulta do facto de o crescimento não petrolífero ter sido generalizado, apesar de um ambiente externo difícil, tal significando que o sector não petrolífero está a revivescer, bem como da atenção que vários países desenvolvidos com economias de mercado estão a prestar a Angola, como é o caso dos EUA, Espanha, França e Alemanha. Mencionem-se as recentes visitas a Angola do Rei de Espanha e do Presidente da República Francesa, Emmanuel Macron (Fevereiro e Março 2023).

Refira-se que a dívida que a relação dívida pública/PIB caiu cerca de 17,5 pontos percentuais do PIB, para estimados 66,1% do PIB, auxiliada por uma taxa de câmbio mais forte. Estima-se que a conta corrente tenha permanecido com um grande superávit em 2022, enquanto a cobertura das reservas em moeda estrangeira permaneceu adequada (dados FMI).

O facto é que o governo angolano tem, segundo o FMI, sabido adotar e manter sólidas políticas macroeconómicas e mantido um compromisso com reformas estruturais que são fundamentais para a economia de Angola.

REFORMAS NECESSÁRIAS

Entendemos que é na verificação de reformas estruturais fundamentais que reside o futuro da economia angolana. Destacamos algumas reformas que é necessário tomar e/ou continuar.

1-A primeira reforma, com impacto no médio e longo prazo, é fomentar a formação para a economia dos jovens. Formação não significa apenas, e talvez não na maioria, formação universitária, mas formação sólida no ensino básico e em aspetos profissionais. Defendemos, pois, que deve existir uma efetiva aposta no ensino profissional e técnico em Angola, antes de qualquer outro. Uma aposta real nas escolas e institutos profissionais e técnicos, que sejam vistos como alternativas valiosas ao academismo e não meras imitações universitárias (erro trágico dos politécnicos portugueses).

2-A segunda reforma acarreta a criação de mais condições para o investimento, já não a nível legal, onde existe um enquadramento moderno e atualizado por duas vezes durante a presidência de João Lourenço, mas ao nível judicial, administrativo e de boas práticas. O investidor deve-se sentir seguro para chegar e Angola e aplicar o seu dinheiro. Não deve ter medo de ficar sem ele devido a qualquer interferência de um oligarca, ou ver qualquer processo arrastar-se no tribunal. A celeridade e imparcialidade da justiça está ligada ao bom investimento.

3-Uma terceira reforma dedica-se ao setor financeiro, aí tem especial relevo o aumento do crédito às pessoas privadas e a resolução das fragilidades bancárias. Depressa há que fundir e capitalizar bancos, criando um setor bancário não dependente do Estado, do clientelismo ou da mera gestão da dívida pública.

Finalmente, entre outras mais reformas, destacamos o verdadeiro imperativo que é fazer mais progressos no fortalecimento da governação, e transparência, para melhorar o ambiente de negócios e promover o investimento privado.

Naturalmente, que continuar e acelerar a estratégia anticorrupção também é importante.

PLANO NACIONAL DE EMPREGO

Todas estas notícias devem ser enquadradas com o bem-estar da população e com os problemas graves ainda pendentes. Aquele que mais destacamos é o desemprego, que embora anotando uma ligeira descida, ainda se situa em valores muito altos, cerca de 30%.[2] Esta é uma área em que advogamos uma intervenção direta do Estado. É evidente que o aumento do PIB corresponde a uma diminuição de desemprego, no entanto, acreditamos que face os índices tão elevados de desemprego, no curto prazo é fundamental a atuação imediata do governo.

Nesse sentido, o recente anúncio da disponibilização pelo Banco Mundial de 300 milhões de dólares americanos para um projeto de aceleração da diversificação económica e criação de emprego[3] é de saudar. Não se conhecendo em detalhe o desenho desse programa de aceleração, a sua existência deve ser sublinhada, como também o anúncio anterior da ministra do Trabalho angolana da criação de um Programa Nacional de Emprego, com o objetivo de criar mais oportunidades de inserção de jovens no mercado de trabalho.[4] Também, neste caso, os dados são escassos acerca do desenho do Plano, sendo certo que o Presidente da República tinha declarado no discurso do Estado da Nação de 2022, a criação do referido Plano.

Até ao momento estas iniciativas referentes ao desemprego, embora positivas, parecem descoordenadas e pouco concretizadas. Por isso, a verdade é que Angola ganharia em ver um Plano Nacional de Emprego abrangente, específico e coordenado diretamente pelo Presidente da República, sem o que há o risco de não se implementar devidamente um Plano, que no curto prazo é fundamental para a economia e população angolana.

Fig.n. º1- Números fundamentais da economia angolana


[1] https://www.imf.org/en/News/Articles/2023/02/23/pr2352-angola-imf-executive-board-concludes-2022-article-iv-consultation-with-angola

[2] https://www.ine.gov.ao/

[3] https://correiokianda.info/banco-mundial-financia-usd-300-milhoes-para-fomento-do-emprego-em-angola/

[4] https://www.jornaldeangola.ao/ao/noticias/programa-nacional-de-emprego-e-implementado-este-ano/

Angola: A legislatura do emprego

Resultados eleitorais e desemprego

As recentes eleições angolanas ocorridas a 24 de agosto de 2022 foram objeto de intenso escrutínio por parte da opinião pública angolana e internacional. Curiosamente uma boa parte da atenção foi dedicada a assuntos de índole política e/ou jurídica. Falou-se muito de tribunais, processos eleitorais, aplicação da lei, contagem de votos, alternância e mesmo revisão constitucional.

No entanto, os inquéritos qualitativos que um nosso parceiro executou durante o período eleitoral não apontaram essas como as principais preocupações dos angolanos, mas sim aquelas ligadas à economia, designadamente ao emprego e desemprego. O que os angolanos parecem pedir acima de tudo é emprego e boas condições de vida.

Consequentemente, a questão do desemprego é daquelas que mais importância tem na atividade do executivo que agora tomou posse.

Neste momento, os dados mais atuais apontam para uma taxa de desemprego geral de 30,2% (dados do Instituto Nacional de Estatística referentes ao II trimestre de 2022) e a taxa de desemprego jovem (15-24 anos) situar-se-á nos 56,7%[1]. A população desempregada com mais de 15 anos na totalidade do país está calculada em 4 913 481 de pessoas, enquanto os jovens de 15-24 desempregados serão 3 109 296.

Fonte: Instituto Nacional de Estatística de Angola

Mesmo que se duvidem das estatísticas e considerando o peso muito grande da economia informal, o que dificulta os cálculos, a realidade é que a taxa de desemprego é demasiado elevada. Aliás, é quase certo que a elevada taxa de desemprego juvenil contribuiu manifestamente para a derrota do MPLA em Luanda.

O desemprego é um dos mais graves e importantes problemas políticos, económicos e sociais de Angola.

Política de emprego do governo

A política do governo relativamente ao desemprego tem sido essencialmente passiva, embora acompanhada por alguns programas concretos.

Essencialmente, o governo espera que o esforço de estabilização macroeconómica (equilíbrio orçamental, controlo contas públicas, liberalização taxa de câmbio, etc) se traduzam num incentivo ao investimento privado que por sua vez fará aumentar o emprego.

O discurso de investidura do Presidente da República reafirmou essa aproximação quando afirmou que “Continuaremos a trabalhar em políticas e boas práticas para incentivar e promover o sector privado da economia, para aumentar a oferta de bens e serviços de produção nacional, aumentar as exportações e criar cada vez mais postos de trabalho para os angolanos, sobretudo para os mais jovens”[2] (ênfase nosso).

O ministro de Estado para a Coordenação Económica, agora reconduzido, já tinha apontado este rumo quando ao referir-se ao desemprego e aos programas públicos de promoção de emprego, não os menciona concretamente, mas foca-se nos aspetos macroeconómicos. No início de setembro, Nunes Júnior avançava que estava confiante na redução do desemprego assente no sector privado, afirmando ter o governo conseguido “colocar o país no crescimento económico conferindo estabilidade cambial e nas reservas internacionais líquidas” e colocado “o país na rota do equilíbrio económico, da estabilidade cambial e das reservas internacionais”[3].

Não se contestam os sucessos do governo na área da estabilização das finanças públicas e política cambial, o que se duvida é da crença que o sector privado angolano tem capacidade imediata para resolver a questão do desemprego.

Na base desta política não interventiva na correção do desemprego excessivo está o modelo neoclássico que resume a essência de toda a atividade económica à interação livre entre oferta e procura mediada pela flexibilidade do preço. O modelo neoclássico tem uma relevância válida em muitas áreas da análise económica, mas certamente não será aplicável linearmente no mercado de trabalho[4] e ainda menos em Angola.

O governo continua a acreditar que basta criar as condições adequadas de enquadramento financeiro e cambial e o emprego aparece movido pelo sector privado.

Isto seria assim se Angola fosse uma economia de mercado livre com o sector privado forte e capitalizado. Angola não é nada disso. É uma economia que começou por um processo de destruição e sovietização após a independência em 1975 e cuja “liberalização” após 1992-2002, foi falsa, ou melhor, foi pós-soviética, imitando a mãe-Rússia: Alguns oligarcas ligados ao poder aproveitaram-se das privatizações e supostos mercados livres para rapidamente de “braço dado” com o poder político tomarem posições dominantes. Aliás, nunca houve verdadeiros empresários, mas essencialmente políticos empresários. E nunca existiu sector privado, mas sector de amigos do poder. Esta realidade não tem força para promover o emprego como quer o ministro.

Fazer depender, em Angola, a recuperação do emprego e o combate ao desemprego apenas do sector privado é impossível.

Há duas ordens de razões pelas quais a política contra o desemprego apenas assente no sector privado.

Em primeiro lugar o funcionamento do mercado. Regra geral o mercado de trabalho não funciona como um mercado livre obedecendo às regras da oferta e procura definidas pelo modelo económico neoclássico que parece sustentar a filosofia governamental, o comportamento do mercado de trabalho é tendencialmente rígido, dificilmente se baixam salários ou se despedem pessoas sem tumulto social e constrangimentos legais.

Em termos técnicos diz-se que o mercado de trabalho opera como um mercado sem compensação (non-clearing market)[5]. Enquanto de acordo com a teoria neoclássica a maioria dos mercados atinge rapidamente um ponto de equilíbrio sem excesso de oferta ou procura, isso não é verdade para o mercado de trabalho: pode haver um nível persistente de desemprego. A comparação do mercado de trabalho com outros mercados também revela diferenciais compensatórios persistentes entre trabalhadores similares.

Keynes no âmbito da crise dos anos 1930s estudou bem o assunto e concluiu que a economia poderia entrar em equilíbrios de subemprego, isto quer dizer que pode atingir um nível em que nunca vai empregar todos os potenciais trabalhadores e não sair daí sem a intervenção de uma “mão visível” que seria o Estado[6].

A segunda razão é a magnitude do desemprego em Angola. Uma coisa é esperar que o sector privado contrate pessoas quando o desemprego está a 10% e se pretende que desça para 6%.

É possível que um crescimento económico automaticamente aumente o emprego. A famosa lei de Okun[7], mesmo sendo imprecisa, diz-nos que uma subida de 2% do produto (PIB) implica uma descida de 1% do desemprego. Assim, se o PIB de Angola aumentasse 4% em 2023, o desemprego apenas desceria 2%, i.e., para 28%. Manifestamente insuficiente.

   Explicitação da Lei de Okun

Portanto, há aqui um problema para as teorias económicas em que o governo assenta a sua política. Para descer o desemprego para níveis aceitáveis, por exemplo 8%, seriam precisos 11 anos com um crescimento médio de 4% ao ano. Só em 2033 o desemprego estaria a um nível satisfatório para o bem-estar da população.

Exemplificação do necessário para alcançar uma taxa de Desemprego de 8% sem intervenção do Estado

Políticas alternativas e complementares

É possível que esta realidade tenha sido o que levou a recém-empossada ministra de Estado para a área social, Dalva Ringote, a anunciar a “redinamização” de vários programas sociais do governo. Embora não se tendo especificamente referido ao desemprego, presume-se que programas de formação, educação ao longo da vida e combate à pobreza estejam incluídos no portefólio das preocupações da ministra e comece a haver alguma inflexão na ortodoxia passiva do combate ao desemprego[8].

É evidente que não há milagres, mas tem de haver um esforço do governo para idealizar uma política de emprego mais ativa que suplemente o sector privado e o previsto crescimento económico.

Essencialmente essa política assentaria em três pilares:

PLANO DE EMPREGO

  1. a contratação de quadros para o Estado para a cobertura das necessidades fundamentais em educação, saúde e solidariedade social. Aqui o foco seria a contratação de quadros licenciados para ocupar posições de capital humano que reproduzissem o bem-estar social;
  2. O subsídio às empresas privadas para procederem à contratação de trabalhadores a contrato, dando preferência a angolanos;
  3. O lançamento de programas vastos de formação profissional de não-licenciados para os dotar de qualificações práticas na agricultura e nos ofícios variados.

Para financiar estes programas massivos de luta contra o desemprego ter-se-ia, em parte, de contar com os fundos superavitários do orçamento e noutra parte com as famosas recuperações de ativos do combate contra a corrupção.         

Não permaneçam dúvidas que muito do futuro do governo assenta naquilo que for feito na área do emprego. Esta terá mesmo de ser a legislatura do emprego


[1]INEAngola:https://www.ine.gov.ao/Arquivos/arquivosCarregados//Carregados/Publicacao_637961905091063045.pdf

[2] Presidência da República de Angola. Discurso de Investidura, 15-09-2022, in https://www.facebook.com/PresidedaRepublica

[3] https://correiokianda.info/governo-cria-programas-para-reducao-de-desemprego-no-pais/

[4] Ver uma descrição equilibrada do tema em Dagmar Brožová, Modern labour economics: the neoclassical paradigm with institutional content, Procedia Economics and Finance 30 ( 2015 ) 50 – 56.

[5] Ver por exemplo: Willi Semmler & Gang Gong, (2009), Macroeconomics with Non-Clearing Labor Market, https://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/download?doi=10.1.1.587.8716&rep=rep1&type=pdf

[6] A melhor explicação continua a ser a de Paul Samuelson & William Nordhaus, Economics, 2019 (20 ed).

[7] Ver nota anterior.

[8] https://www.verangola.net/va/pt/092022/Politica/32628/Dalva-Ringote-anuncia-%E2%80%9Credinamiza%C3%A7%C3%A3o%E2%80%9D-dos-programas-de-combate-%C3%A0-pobreza-e-seca.htm

A questão do capital em Angola

1-Introdução: FMI, políticas económicas sólidas e acumulação de capital

Ao contrário do que se pode entender de algumas análises e previsões económicas presentemente realizadas por algumas consultoras mais ou menos desconhecidas, a atual política económica angolana tem fundamentos sólidos. Tal é demonstrado pela recente avaliação do Fundo Monetário Internacional a propósito do acordo entre o fundo e Angola. A administração do FMI é clara ao declarar[1]: “The authorities [from Angola government] have supported the [economic] recovery through sound policies that aim to further stabilize the economy, create opportunities for inclusive growth and protect the most vulnerable in Angolan society.” (As autoridades [angolanas] têm apoiado a recuperação [económica] através de políticas sólidas que visam estabilizar ainda mais a economia, criar oportunidades de crescimento inclusivo e proteger os mais vulneráveis da sociedade angolana). [ênfase nossa].

Melhor endosso à política económica do governo seria difícil.

No entanto, a estabilização macroeconómica e o relançamento do crescimento económico são realidades diferentes. É necessário que exista um determinado motor que assegure o crescimento económico. É sabido que o modelo essencial de crescimento foi apresentado por Robert Solow (prémio Nobel da Economia em 1987), que explica que o crescimento depende essencialmente da acumulação de capital, sendo que o aumento do PIB resulta do aumento do stock de capital[2].

É conhecido que os últimos números do PIB angolano, respeitantes ao primeiro trimestre de 2021, são negativos em 3,4%. Portanto, a questão que se coloca agora é: como transformar políticas económicas sólidas em acumulação de capital e promover o crescimento do PIB?

2-O capital na economia angolana

O modelo essencial de crescimento da economia angolana, pelo menos a partir de 2021, não foi um modelo assente primordialmente no investimento, mas no consumo derivado de importações e no benefício direto das mais-valias provenientes do elevado preço do petróleo. Tal importou que o investimento que existiu fosse induzido pelo petróleo e não se estendesse à economia como um todo.[3]Refira-se, ademais, que uma boa parte dos ganhos em poupança dessa época não foi transformada em investimento doméstico, tendo sido transferido de Angola para o exterior. Dito de forma coloquial, houve uma fuga acentuadíssima de capitais de Angola para o estrangeiro, designadamente Portugal ou paraísos fiscais off-shore[4].

É público que este modelo faliu a partir de 2014, e levou a anos acentuados de crise recessiva após 2015. Ao mesmo tempo verificou-se que a contribuição da formação bruta de capital fixo (FBCF) em relação ao PIB começou a diminuir a partir desse ano (2015). Se reparamos em cada ano a FBC/ PIB foi respetivamente de 28.21 %,26.21 %,23.24 %, 17.19%. O número de 2018 (17,9%) assusta e torna mais relevante a discussão sobre a necessidade de capitalizar a economia angolana.

Figura 1: Formação Bruta de Capital Fixo em relação ao PIB

“O país tem défice de capital”[5] e esse problema tem de ser resolvido para haver crescimento. Este aspeto tem de ser um dos guias da futura política económica. Há que traçar um objetivo de fazer subir a taxa FBCF/PIB para níveis superiores, possivelmente, para os 25/26% que aconteceram em 2007 ou 2012 que asseguram níveis de crescimento do PIB (embora baseados no petróleo) de 14% e 8%. Agora tem de se proceder a nova capitalização não apenas baseada no petróleo.

É fácil diagnosticar. Angola tem falta de capital e necessita de forte investimento. As respostas é que serão mais custosas.

3-Aumentar o capital em Angola

O que fazer para acumular e aumentar capital em Angola?

A nossa resposta divide-se em duas perspetivas, a de curto-prazo e a de médio- prazo. Concentremo-nos no curto-prazo, fazendo depois uma breve referência ao médio-prazo, embora, seja evidente que há um continuum, pois o que se faz agora tem repercussões ao longo do tempo.

O executivo já tomou algumas medidas, que aliás reportámos em anteriores relatórios[6], como a Lei do Investimento Privado (LIP)-Lei n.º 10/18, de 26 de junho que deixou de exigir a obrigatoriedade de parcerias com cidadãos angolanos ou empresas de capital angolano e no seu artigo 14.º garante que o Estado respeita e protege o direito de propriedade dos investidores privados; o artigo 15.º estabelece que o Estado Angolano garante a todos os investidores privados o acesso aos tribunais angolanos para a defesa dos seus interesses, sendo-lhes assegurado o devido processo legal, proteção e segurança. Também as possibilidades de transferência de dividendos foram ampliadas. Aliás, em termos administrativos, há que anotar que em 2018, todas as solicitações para a transferência de dividendos acima dos cinco milhões de dólares (4,3 milhões de euros) foram concedidas a empresas estrangeiras que operam no país. E, mais importante, desde 2020, passaram a estar dispensadas de licenciamento do banco central angolano a importação de capital de investidores estrangeiros que queiram investir no país em empresas ou projetos no sector privado, bem como a exportação dos rendimentos associados a esses investimentos.

No entanto, tal não é ainda suficiente, e o investimento privado estrangeiro vai tardar, seja porque se está a iniciar um período eleitoral muito turbulento, seja porque há uma distração mundial com a Covid-19. Além disso, o executivo ainda não comunicou com toda a amplificação mundial, a abertura de Angola para os negócios. Mesmo assim, é fundamental que o executivo mantenha a orientação política de abertura ao investimento direto estrangeiro.

É preciso fazer mais no curto-prazo para aumentar o investimento em Angola e o subsequente crescimento económico. E aqui são deixadas três sugestões.

  • A sugestão inicial é a óbvia e assenta num reforço do investimento público. É fundamental que o governo se torne um indutor de investimento e que as mais-valias que surjam da subida do preço do petróleo e de eventuais apreensões na luta contra a corrupção sejam aplicadas em investimentos reprodutivos com resultados a curto-prazo.

As duas sugestões seguintes é que poderão ser mais inovadoras.

 Abordemos a primeira das sugestões mais heterodoxas. Como se referiu, uma boa parte das poupanças obtidas pelos angolanos em Angola foi remetida para o exterior, descapitalizando o país. Ora há que inverter isso.

  • Nesse sentido o governo deveria, em primeiro lugar, vender as participações e património adormecidos ou em que não haja interesse estratégico muito relevante, que tem no exterior. Com o resultado dessa venda constituiria um fundo de investimento para aplicar dentro de Angola. Portanto, a primeira proposta heterodoxa para aumentar o capital disponível em Angola consiste em vender o que haja no estrangeiro pertencente ao Estado (direta ou indiretamente) e colocar na economia angolana. Certamente, a posição da Sonangol no Millennium BCP deveria ser vendida e transformada em capital de investimento em Angola, e possivelmente a participação indireta na Galp, se não for possível chegar a um acordo estratégico com a família Amorim para melhor rentabilizar a posição angolana.
  • A segunda sugestão refere-se ao combate à corrupção. É preciso sair de um certo protelamento em que se entrou e dinamizar a recuperação de capitais.

Assim, o governo deveria abordar diretamente aqueles a que chama “marimbondos” e propor-lhes uma solução negociada para a sua situação. Ou entregam os bens que estão no estrangeiro para investimento em Angola, ou terão de cumprir longas penas de prisão. Em relação a esses bens seguir-se-ia o método acima enunciado: Desde que os preços de mercado fossem aceitáveis, tudo seria vendido e o capital retornaria a Angola para investimento de acordo com uma fórmula acordada entre ambas as partes.

Esta “negociação” não seria levada a cabo pelos meios comuns, mas por uma força especial a constituir em Angola e teria prazos curtos, não os prazos judiciais.

Terá de haver uma radicalização em ambos os sentidos no combate à corrupção. Mais eficácia na punição ou no perdão com repatriamento. Ao contrário do que aconteceu na anterior lei de repatriamento não se ficaria à espera, mas haveria uma atitude proativa por parte do executivo.

A título de mera ilustração poderia ser vendida a participação de Isabel dos Santos na NOS, a do general Kopelipa no banco BIG e em vários empreendimentos hoteleiros, os apartamentos que as antigas figuras possuem no Estoril, etc. O resultado destas vendas retornaria a Angola onde seria investido em termos a acordar entre o Estado e os antigos titulares.

Estas medidas elencadas, poderiam dar algum impulso à economia angolana e assim promover o crescimento económico no imediato.

Ao nível do médio-prazo o essencial é não existir corrupção desenfreada, serem criadas boas infraestruturas de comunicação, um aparato legal amigo do investidor e com tribunais rápidos e não corruptos, uma força de trabalho educada (isto não quer dizer que tenha de ter cursos universitários, mas as aptidões necessárias) e impostos razoáveis. Em resumo, um clima político e social convidativo para o investimento.


[1] IMF, Fifth review under the extended arrangement under the extended fund facility and request for modifications of performance criteria— press release; staff report, and statement by the executive director for Angola, Junho 2021, disponível em https://www.imf.org/en/Publications/CR/Issues/2021/06/30/Angola-Fifth-Review-Under-the-Extended-Arrangement-Under-the-Extended-Fund-Facility-and-461318

[2] Cfr. A recente reavaliação e descrição em Philippe Aghion, Céline Antonin e Simon Bunel (2021), The Power of Creative Destruction

[3] Cfr. Rui Verde (2021), Angola at the Crossroads. Between Kleptocracy and Development

[4] Cfr. por ex: Isabel Costa Bordalo, Angola com 60 mil milhões USD é terceiro em África na fuga de capitais,  https://www.expansao.co.ao/angola/interior/angola-com-60-mil-milhoes-usd-e-terceiro-em-africa-na-fuga-de-capitais-94979.html

[5] Jonuel Gonçalves (2021), Angola: Não é a Covid que está a provocar a crise económica, https://www.dw.com/pt-002/angola-n%C3%A3o-%C3%A9-a-covid-que-est%C3%A1-a-provocar-a-crise-econ%C3%B3mica/a-58859385

[6] CEDESA, (2020), A nova atractividade para o investimento internacional em Angola https://www.cedesa.pt/2020/03/09/a-nova-atractividade-para-o-investimento-internacional-em-angola/

Sinais e previsões de Verão para a economia angolana

Sinais

Os últimos números disponíveis do Instituto Nacional de Estatística acerca da economia angolana apontam para um decréscimo do PIB no 1.º trimestre de 2021 na ordem dos -3,4%, uma taxa de desemprego no mesmo trimestre de 30,5%, e uma taxa de inflação homóloga com referência ao mês de julho de 2021 de 25,72%[1] Nenhum destes números que refletem as grandezas macroeconómicas é animador no curto-prazo.

Contudo, há outras realidades económico-financeiras a considerar para se ter uma visão global do movimento em curso na economia angolana, e que permitem ter uma perspetiva mais otimista.

Em primeiro lugar, ao nível do saldo orçamental e da dívida pública, elementos essenciais do programa de apoio do Fundo Monetário Internacional (FMI) a expectativa é que o saldo orçamental de 2021 seja positivo, possivelmente acima dos 2% do PIB (adiante apresentaremos a nossa previsão). Em relação à dívida pública, como aliás havíamos previsto em anteriores relatórios, a sua sustentabilidade encontra-se consolidada, tal como reconhecido pelo representante do FMI em Angola muito recentemente (mais abaixo estará a nossa previsão).[2]

Em termos de taxa de câmbio com referência ao mês de julho de 2021, o Kwanza já se já apreciou 1,8% em relação ao dólar e 6,1% no que respeita ao euro, desde janeiro de 2021, quebrando forte período de forte desvalorização iniciado em 2018. A isto acresce que 3,5 anos depois da flexibilização cambial o gap entre as taxas no mercado formal e no informal está abaixo do objetivo de 20% anunciado pelo banco central na altura da liberalização, situando-se entre os 7% e 8% para o dólar e euro respetivamente. Note-se que no momento antecedente da liberalização o mesmo gap era de 159% e 167%.

Figura 1 – Variação da Taxa de Câmbio do Kwanza face ao dólar e euro (julho 2021)

Atualmente, alguns setores já anunciam o aumento da rentabilidade das exportações em virtude da política cambial favorável. É o caso do cimento, onde Pedro Pinto CEO da Nova Cimangola assegura que “Para potencializar as exportações a desvalorização da moeda ajudou, porque todos os custos que a empresa tem em moeda nacional, em dólares ficaram mais baixos e aumentou, desta forma, a competitividade da empresa para colocar produtos no mercado internacional. Ou seja, todos aqueles produtos que continuamos a comprar em Kzs e que não sofreram grandes variações de preços em dólares ficaram mais baixos e, portanto, permitiu que a empresa tivesse maior rentabilidade com as exportações.[3]

Referência também para o PRODESI (Programa de Apoio à Produção, Diversificação das Exportações e Substituição das Importações), que rendeu desde o início do ano mais de USD 29 milhões de dólares. Como principais produtos exportados, sublinhe-se o cimento, a cerveja, a embalagem de vidro, a banana, os sumos e refrigerantes e o açúcar[4].

Estes movimentos refletem-se ao nível da balança comercial. A balança comercial de Angola registou, no 1º semestre de 2021, um superavit de USD 8.381,9 milhões,[5] um aumento de 40,2 % face aos resultados registados no 2º semestre de 2020 (USD 5.978,8 milhões)[6]. Dentro deste quadro, registou-se um aumento das exportações em 25% naturalmente ainda influenciado pelo aumento das exportações do sector petrolífero em 28,4%.

Figura 2 – Balança Comercial de Angola e Trocas comerciais com a China

Mas também há que registar um aumento importante do comércio com um dos principais parceiros comerciais de Angola, a China. “As trocas comerciais entre Angola e China aumentaram 23,9% no primeiro semestre de 2021, para 10.550 milhões de dólares (8.985 milhões de euros), face ao período homólogo”[7]. De acordo com Gong Tao, embaixador da China em Angola, apesar dos efeitos adversos causados pela pandemia de covid-19, as empresas chinesas mantêm interesse em investir em Angola, salientando como exemplo as recentes construções de fábricas, uma dedicada à produção de azulejos e outra habilitada para a produção de contadores de energia e água.

Previsões de Verão 2021

Na modelação das perspetivas que aqui apresentamos entram em conta vários fatores, entre os quais destacamos os principais. Como primeiro elemento temos o cálculo do preço do petróleo (sempre um elemento determinante na economia angolana). Admitimos que o preço do brent manterá uma ligeira tendência de apreciação situando-se a um nível entre os 65 USD a 75 USD por barril. Faz parte também do nosso modelo uma relativa estabilização ou eventual apreciação do Kwanza face ao dólar e euro o que permite inverter algumas quebras do passado que foram meramente nominais devido à flexibilização da taxa de câmbio. Antevemos que a recuperação mundial pós-Covid-19 trará ânimo às exportações da economia angolana, como aliás já está a acontecer com a China. Finalmente, antecipamos que paulatinamente o ambiente para o investimento externo irá melhorando fruto das reformas legislativas e do empenho do poder político. Temos como exemplo recente os vários anúncios provenientes da Turquia. No final de julho de 2021, Angola e Turquia celebraram 10 acordos de cooperação, nos domínios da economia, comércio, recursos minerais e dos transportes, tendo já sido anunciado um aumento da balança comercial com Angola num valor a rondar os USD 500 milhões de dólares[8].  

Do ponto de vista dos obstáculos, há que referir a falta imensa de capital. Este é o elemento essencial para qualquer retoma sustentada, e também, a inexistência de diversificação da economia[9] e persistência da burocracia administrativa.

Tudo considerado o nosso modelo prevê que no ano de 2021 a economia angolana saia da recessão, e o crescimento do PIB atinja entre 1,4% e 1,75%.

O nosso modelo aponta para um excedente orçamental entre os 2,3% a 2,75%, dependendo da evolução do preço do petróleo até ao final do ano. E considerando a evolução da cotação do câmbio do Kwanza a nossa previsão é que em 2022, o ratio dívida pública/Produto Interno Bruto (PIB) se situe abaixo dos 100% obtendo uma maior consolidação.

Figura 3 – Modelo CEDESA – Previsões para a Economia Angolana

Consequentemente, prevê-se que o período inicial de forte ajustamento e contração da economia angolana chegue ao fim este ano, não existindo mais choques e controlando-se mundialmente a pandemia Covid-19.

O caso especial do Desemprego

Entendemos que o desemprego é um caso especial que deveria ter um tratamento diferenciado, quer estatisticamente, quer ao nível das políticas públicas. Em termos de estatísticas deve ser apurado melhor quem está ocupado com atividades informais produtivas remuneradas e quem não consegue efetivamente obter qualquer trabalho remunerado querendo. Há que evitar enviesamentos estatísticos que perturbam a adequada compreensão da realidade.

Por outro lado, é evidente que não vai ser o mercado ou a economia privada a resolverem no curto-prazo o problema da falta de emprego, sobretudo jovem. Nessa medida, apela-se às autoridades que desenvolvam um programa de tipo keynesiano de promoção de emprego eventualmente com recurso a capitais disponíveis do combate à corrupção, como temos defendido noutros relatórios. O Estado tem de gastar dinheiro na criação de emprego.


[1] Cfr. https://www.ine.gov.ao/

[2] Cfr. https://www.sapo.pt/noticias/atualidade/representante-do-fmi-em-angola-afirma-que_611bf099d1bccf29fd83b48c

[3] https://mercado.co.ao/grandes-entrevistas/a-desvalorizacao-da-moeda-permitiu-que-a-empresa-tivesse-maior-rentabilidade-com-as-exportacoes-XJ1038347

[4] https://www.angonoticias.com/Artigos/item/68811/prodesi-rende-mais-de-usd-29-milhoes-em-exportacoe

[5] https://www.bna.ao/Conteudos/Artigos/lista_artigos_medias.aspx?idc=15419&idsc=15428&idl=1

[6] https://www.angonoticias.com/Artigos/item/68824/balanca-comercial-regista-superavit-de-usd-83819-milhoes

[7] https://www.rtp.pt/noticias/economia/comercio-entre-china-e-angola-recupera-24-no-1o-semestre-apos-forte-quebra-em-2020_n1343994

[8] https://www.angop.ao/noticias/economia/angola-e-turquia-reforcam-balanca-comercial/

[9] Cfr, os elementos mais recentes sobre a participação setorial no PIB que demonstram o peso imenso e reforçado de setor do petróleo. https://www.bna.ao/Conteudos/Artigos/lista_artigos_medias.aspx?idc=15907&idsc=15909&idl=1

Um projeto de industrialização para Angola

I-Introdução. O renascimento do interesse na industrialização

A industrialização de Angola tornou-se um dos objetivos do atual governo debaixo da liderança do Presidente da República João Lourenço. De facto, quer na Cimeira Internacional sobre Desenvolvimento Sustentável “O Futuro de África” realizada em Abu Dhabi em 2019, quer na terceira edição da Global Summit on Manufacturing and Industrialization, promovida pela Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (ONUDI) em 2020, Lourenço enfatizou sempre que a industrialização era uma necessidade premente com vista a criar riqueza e bem-estar para os cidadãos e emprego como principal fonte para todas as oportunidades.

Na verdade, não dispondo Angola de quadros e competências com suficiente massa crítica ao nível dos serviços, e tendo-se verificado recentemente as fragilidades estratégicas das economias demasiado assentes em serviços, é normal que qualquer arranque económico do país assente também na indústria.

A industrialização de Angola deve ser pensada com base em três pressupostos.

O primeiro é que se baseará numa agricultura forte. Não se trata de substituir a agricultura pela indústria, mas de simultaneamente desenvolver a agropecuária como fundamento de um renovado arranque industrial.

O segundo pressuposto é que aquilo que se denomina industrialização atualmente será diferente do que se considerava no início do século XX em que tal movimento estava ligado às dita indústrias pesadas: aço, cimento, etc. Além do mais, industrialização não é manufatura apenas, mas um conjunto de processos transformativos.

Finalmente, os vetores de industrialização em Angola terão de estar ligados aos aspetos específicos que tragam valor acrescentado para a economia ou em que esta tenha vantagens competitivas. Não se tratando por isso de realizar meras cópias de modelos industriais, mas de perceber onde Angola tem benefícios em se industrializar.

II- A indústria na economia angolana

Como escrevem Nuno Valério e Maria Paula Fontoura “em 1975, [quando] Angola se tornou um Estado independente, (…) a economia apresentava-se próspera, quer devido à existência de exportações consideráveis de produtos agrícolas (café, algodão, açúcar, sisal e outros provenientes de plantações; milho proveniente de explorações tradicionais) e minerais (diamantes, ferro e petróleo) e mesmo de serviços (particularmente através de trânsito para o Shaba, antigo Catanga, pelo caminho de ferro de Benguela), quer devido ao início de um processo de industrialização. “[1]

O arranque industrial angolano começou nos anos 1960, ainda debaixo do domínio colonial. Na realidade, a partir dessa época, enquadrada nas medidas gerais de liberalização e pró-europeias que Portugal tomou, na criação de uma zona de comércio livre lusitana e na expansão do mercado interno por via das tropas e famílias deslocadas com a guerra ultramarina “entre 1960 e 1970, o valor bruto da produção da indústria transformadora cresceu à taxa média anual de 17,8 % e o PIB 10% em termos nominais.[2]

Na verdade, nas vésperas da independência (1973) a indústria angolana (excluindo a construção civil) representava 41% do PIB. As indústrias importantes eram a indústria de alimentação, com 36% do valor bruto da produção do sector transformador; seguia-se a indústria têxtil, com 32%, bebidas, com 11%, química, produtos minerais não metálicos e tabaco, com 5%, derivados de petróleo e produtos metálicos, com 4%, pasta de papel, papel e derivados, com 3%[3].

Fig. n.º 1- Principais indústrias de Angola em 1973 (% valor bruto produção sector transformador)

Alimentação36%
Têxtil32%
Bebidas11%
Química, produtos minerais não metálicos e tabaco 5%
Derivados do petróleo e produtos metálicos 4%
Pasta de papel, papel e derivados  3%

Fonte: Nuno Valério e Maria Paula Fontoura,op.cit.

Note-se, contudo, que por esta época, o “mal” da economia angolana já estava presente, i.e., a excessiva dependência das matérias-primas para exportação. Na realidade, a indústria transformadora apenas contribuía para cerca de 20% das exportações angolanas, sendo que os principais produtos exportados em 1973 eram: petróleo (30%), café (27%), diamantes (10%).

Fig. n.º 2- Principais exportações de Angola em 1973 (%)

Petróleo30%
Café27%
Diamantes10%

Fonte: idem Fig. n.º 1

Este arranque liberalizador da indústria angolana foi objeto de algumas críticas, e nos anos 1970, o governo de Lisboa começou a impor uma perspetiva protecionista ao desenvolvimento industrial angolano. Tal não afetou o crescimento saudável da indústria. De facto, como anotam Nuno Valério e Maria Paula Fontoura: “o VBP da indústria transformadora cresceu à taxa média anual de 21% entre 1970 e 1973.”[4]

É sabido que a situação de prosperidade foi interrompida pela guerra civil e apenas após 2002 se assistiu a um forte relançamento da economia. Contudo, esse re-arranque foi baseado na exploração bruta do petróleo e não em qualquer processo de industrialização sustentado. Mesmo naquilo que se refere ao petróleo não houve a preocupação de o integrar num processo de industrialização e fazer com que Angola fosse um país que apostasse na transformação da sua matéria prima em vez de a exportar bruta. Isso significava investir na refinação, na petroquímica, na produção de fertilizantes o que não aconteceu.[5]

Chegados à segunda década do século XXI, a situação da economia torna-se preocupante quando a exploração do petróleo já não satisfaz devido à baixa do seu preço. Neste quadro, começa-se a falar de diversificação da economia e a olhar para a indústria, mas o cenário não é animador em termos da força da indústria no âmbito do Produto Interno Bruto (PIB) angolano, pelo que é fundamental gizar e fomentar ativamente um projeto de lançamento da atividade industrial.

Os dados mais recentes referentes ao peso da indústria transformadora (exceto refinação de petróleo bruto) datados do segundo trimestre de 2020 apontam para uma contribuição de 4,8% para o PIB. Essa contribuição era de 3,69% em 2002, e 4% em 2017 e 2018. Nessa mesma data a variação homóloga da indústria transformadora tinha sido negativa em 4%. O Valor Acrescentado Bruto também era despiciendo[6].

Fig.n.º 3-Peso da indústria transformadora em Angola (II trimestre de 2020)

Contribuição para o PIB (%)4,8
Variação homóloga (%)-4

            Fonte: Banco Nacional de Angola. Contas Nacionais (bna.ao)

III. Projeto de relançamento da indústria em Angola

Qualquer projeto de relançamento da indústria tem de começar por ter o contexto adequado. Esse contexto é de uma economia livre com um clima social propício ao investimento. O clima social assenta em seis pressupostos necessários:

  1. Inexistência de corrupção massiva. A corrupção distorce as regras da competição económica e inviabiliza o livre acesso aos mercados, condições fundamentais para o desenvolvimento industrial;
  2. Os empresários devem ter liberdade para obter os seus fatores de produção e se instalar a produzir;
  3. Sistema de Justiça funcional. O sistema de Justiça não deve ser visto como corrupto, lento e incompetente, mas como aplicando as regras, punindo quem não cumpre contratos e havendo formas legais e normais de cobrança de dívidas;
  4. Impostos razoáveis. Os impostos devem ser tendencialmente moderados e não sufocar a atividade produtiva;
  5. Desburocratização. A administração pública deve ser pró-negócios e não criar entraves burocráticos administrativos à instalação e laboração de empresas.
  6. Estado pró-negócios. O Estado deve ter um papel fomentador e pró-ativo na industrialização, apontando e enquadrando caminhos, construindo infraestruturas, qualificando a mão de obra e estabelecendo parcerias.

Fig .n.º 4- Contexto para o relançamento industrial

Visto o contexto necessário, o importante é apontar os eixos pelos quais se deviam canalizar os esforços de recrudescimento industrial.

Vislumbramos quatro eixos de industrialização de Angola. Estes eixos são escolhidos tendo em conta a histórica económica de Angola, as suas riquezas e potencialidades, as experiências de industrialização globais e as possíveis tendências dos mercados nas próximas décadas.

Assim, propomos um desenvolvimento industrial de acordo com os seguintes pontos que podem ser interconectados ou complementares:

1-Agropecuária;

2-Indústrias de necessidades básicas;

3-Indústrias de desenvolvimento de riquezas naturais;

4-Futuro: energias renováveis e digitalização.

Fig. n. º5. Eixos do Projeto de relançamento industrial

1-Agropecuária

A indústria agropecuária representa o desenvolvimento natural das potencialidades angolanas já em exploração e que já foi objeto de nosso relatório anterior.[7]

Basta suscitar um pequeno exemplo para se aferir das potencialidades. Recentemente, foi comunicado que Angola é o principal produtor de bananas de África há seis anos consecutivos. Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), Angola é o maior produtor africano de banana e sétimo no mundo com uma oferta de 4,4 milhões de toneladas.[8]

Facilmente se entenderá que será fácil e possível criar uma fileira industrial baseada na banana: sumos de frutos (indústria de bebidas), exploração medicinal da banana/potássio (indústria química/farmacêutica), etc, são algumas das possibilidades na indústria de refrigeração ou farmacêutica relativamente à banana.

O mesmo tipo de raciocínio se poderá aplicar a produtos e recursos naturais que Angola tenha ou explore em abundância. Ao transformar internamente os seus recursos e produtos naturais o país acrescenta-lhes valor deixando de estar dependente da mera evolução do preço mundial das matérias primas.

2-Indústrias de necessidades básicas

Entende-se como necessidades básicas a alimentação, o vestuário e a habitação. Este eixo industrial representa uma indústria em que não se exige uma sofisticação específica e se torna possível fazer uma substituição de importações sem especiais perdas de competitividade, além de poder ser possível criar mercados exportadores em países congéneres. A isto acresce que Angola já teve uma indústria poderosa na área da alimentação, bebidas e têxteis. Com um mercado de 30 milhões de pessoas que facilmente poderá ser alargado a muitos milhões mais com os desenvolvimentos da Comunidade da África Austral (SADC) e da Zona de Comércio Livre do Continente Africano, Angola tem suficiente procura potencial para produtos de primeira necessidade: roupa, calçado, casas(obviamente), produtos alimentares básicos desde iogurtes a cervejas. Não há razão nenhuma para não criar indústria própria com marcas próprias, imitando em muitos casos o que se fez em países com sucesso nestas áreas como o Bangladesh e o Vietnam.

3-Indústrias de desenvolvimento de riquezas naturais

Outro eixo industrial, que no fundo replica de forma mais abrangente aquilo que se mencionou no primeiro eixo, foca-se nas riquezas nacionais, agora não agropecuárias, mas as restantes. Tem toda a lógica e racionalidade económica utilizar e transformar o que existe em Angola acrescentando-lhe valor em lugar de exportar em bruto deixando que as mais-valias sejam apropriadas por outros. Aqui temos o exemplo mais óbvio que é o do petróleo. O que tem sentido é desenvolver a indústria a jusante do petróleo: refinação, petroquímica, plásticos, fertilizantes, etc. Como referiu o perito das Nações Unidas Carlos Lopes “A questão é clara: não é virar as costas a uma riqueza, como o petróleo, mas integrá-lo na transformação e fazer com que Angola seja um país que aposta na transformação da sua matéria prima em vez de a exportar bruta. Isso significa investir, além na refinação, na petroquímica, na produção de fertilizantes, etc”[9]

4-Futuro: energias renováveis e digitais

O eixo final liga-se às energias renováveis e à transição digital. É hoje um dado assente que existe uma procura da substituição do petróleo por energias limpas e renováveis. No Reino Unido, anunciou-se o objetivo de em 10 anos se terminar com a circulação de automóveis a gasolina ou gasóleo. A eletricidade gerada por energias renováveis parece ser o futuro. Grandes empresas petrolíferas como a BP ou Aramco transformam-se ou abraçam estas áreas. Ora Angola dispõe de excelentes condições naturais para essa aposta em energias renováveis. Desde logo energia solar. Um nicho industrial à volta da energia solar e da produção de eletricidade seria uma aposta a considerar de forma muito séria.

Do ponto de vista da transição digital, Angola poderá efetuar um salto qualitativo importante utilizando as técnicas digitais para o desenvolvimento de aplicações para a massificação da educação básica e secundária, para a saúde básica e na área financeira. Aqui temos uma indústria de aplicações digitais para ensino, saúde e banca que poderia ser desenvolvida em Angola por angolanos conjugando imediatamente uma sinergia entre a aposta na saúde e educação a par da industrialização digital.

IV-Coordenação do projeto de relançamento industrial

Por parte do Estado deve haver um empenho neste projeto que essencialmente competirá ao setor privado.

Mas o Estado deverá fazer o enquadramento jurídico e institucional, preparar estímulos financeiros e fiscais, construir infraestruturas, promover a formação de agentes capazes da mudança e estabelecer parcerias.

Para a tarefa de coordenação das atividades do Estado com vista ao relançamento industrial deveria existir um coordenador dependente diretamente do Presidente da República: um Czar do Projeto Industrial.

Fig. n.º 6. Papel do Estado no relançamento da indústria


[1] Nuno Valério e Maria Paula Fontoura, A evolução económica de Angola durante o segundo período colonial — uma tentativa de síntese, Análise Social, Quarta Série, Vol. 29, No. 129 (1994), pp. 1193-1208, p.1193.

[2] Idem, p. 1203.

[3] Ibidem.

[4] Op.cit. p.1207.

[5] Carlos Lopes, Petróleo deve ser utilizado na industrialização de Angola in https://www.dn.pt/lusa/petroleo-deve-ser-utilizado-na-industrializacao-de-angola—economista-carlos-lopes–10905179.html

[6] Dados do Banco Nacional de Angola in https://www.bna.ao/Conteudos/Temas/lista_temas.aspx?idc=841&idsc=15907&idl=1

[7] https://www.cedesa.pt/2020/06/15/plano-agro-pecuario-de-angola-diversificar-para-o-novo-petroleo-de-angola/

[8] https://www.angonoticias.com/Artigos/item/66803/angola-e-o-maior-produtor-de-banana-em-africa-ha-seis-anos

[9] Carlos Lopes, vide nota 5

A Zona de Comércio Livre Africana aumenta o crescimento económico de Angola

1-Introdução: A Zona de Comércio Livre e Angola

Angola depositou a ratificação da adesão à Zona de Comércio Livre Continental Africana (ZCLCA) no passado dia 4 de Novembro de 2020, depois da Assembleia Nacional ter aprovado para ratificação a 28 de Abril do presente ano, e do Presidente da República ter assinado Carta de Ratificação, a 6 de Outubro.

A entrada em vigor do acordo está agendada para o próximo dia 1 de Janeiro de 2021.

A ZCLCA foi ratificada até agora por 30 países e, numa primeira fase, levará à eliminação das tarifas sobre 90% dos produtos. Além disso, o acordo compromete os países a liberalizar progressivamente o comércio de serviços e a lidar com uma série de outras barreiras não tarifárias, como os longos atrasos nas fronteiras nacionais que dificultam o comércio entre os países africanos. Eventualmente, no futuro a livre circulação de pessoas e um mercado único de transporte aéreo africano poderão surgir dentro da área de livre comércio recém-criada.

O objetivo deste acordo é criar a maior zona de livre comércio deste género no mundo, com um mercado gigantesco do Cairo à Cidade do Cabo. A ZCLCA reúne 1,3 mil milhões de pessoas e um produto interno bruto (PIB) combinado de mais de US $ 2 triliões.

Essencialmente, objetivos comerciais do acordo são:

-Criar um mercado único, aprofundando a integração económica do continente;

-Auxiliar a movimentação de capitais e pessoas, facilitando o investimento;

-Avançar para o estabelecimento de uma futura união aduaneira continental.

Como referido, o acordo inicialmente requer que os membros removam as tarifas de 90% dos bens, permitindo o livre acesso a mercadorias, bens e serviços em todo o continente.

Quadro nº 1 – Objectivos da ZCLCA

2-O impacto da ZCL no comércio externo de Angola

Uma modelagem recente da Comissão Económica das Nações Unidas para a África (UNECA) projeta que o valor do comércio intra-africano seja entre 15% e 25% mais alto em 2040 devido à ZCLCA. A análise também mostra que se espera que os países menos desenvolvidos experimentem o maior crescimento no comércio intra-africano de produtos industriais até 35%1.

Não havendo dúvidas que a inserção numa zona de comércio livre aumenta o comércio externo dum país, tal deverá acontecer em Angola, apontando-se, face aos dados das Nações Unidas, para um reforço em pelo menos 25% do comércio externo com a restante África até 2031.

Esta percentagem surge da ponderação da modelagem da UNECA acima referida com fatores específicos em curso em Angola2 como a aposta política na liberalização e diversificação da economia, a operacionalização de algumas estruturas de transportes internacionais como a finalização do Aeroporto Internacional de Luanda, a entrada em funcionamento do porto de águas profundas do Caio, bem como o funcionamento do Corredor do Lobito; um corredor ferroviário para tráfego internacional de mercadorias com início no Porto do Lobito (Benguela) e que integra três países — Angola, República Democrática do Congo e Zâmbia — sendo desejo do governo que seja um dos principais eixos de circulação de matérias-primas e mercadorias nos territórios que atravessa.

Há uma conjugação tripartida que potencia o crescimento a médio prazo de Angola:

  1. a liberalização e diversificação da economia angolana com o fabrico de novos produtos (alguns em que Angola se havia especializado no tempo colonial e depois abandonado) e serviços,
  2. a adesão à zona de comércio livre africana, e
  3. a construção de infraestruturas logísticas de transportes.

Esta interação é fundamental para que a adesão a uma zona de comércio livre tenha sucesso. A zona de comércio livre será o propulsor de crescimento que por sua vez é acelerado pela combinação da diversificação económica e novas estruturas logísticas. As reduções tarifárias podem desempenhar um papel significativo no desenvolvimento do comércio intrarregional, mas devem ser complementadas por políticas de redução dos estrangulamentos não tarifários (por ex. logística).

3- Aumento do comércio externo e crescimento económico em Angola

A previsão é que o resultado desta interação seja um aumento do comércio internacional que acarretará um crescimento mais acelerado do Produto Interno Bruto (PIB).

Em princípio um aumento do comércio internacional leva a um crescimento do PIB3.

Nos últimos dois séculos, a economia mundial experimentou um crescimento económico positivo sustentado e, no mesmo período, esse processo de crescimento económico foi acompanhado por um crescimento ainda mais rápido do comércio global. De forma semelhante, descobrimos que também há uma correlação entre o crescimento económico e o comércio: países com maiores taxas de crescimento do PIB também tendem a ter maiores taxas de crescimento no comércio.

Entre os potenciais fatores de crescimento que podem advir de uma maior integração económica global estão: Concorrência (as empresas que não adotam novas tecnologias e não cortam custos têm maior probabilidade de fracassar e serem substituídas por empresas mais dinâmicas); Economias de escala (as empresas que podem exportar para o mundo enfrentam maior procura e, nas condições certas, podem operar em escalas maiores onde o preço por unidade de produto é menor); Aprendizagem e inovação (as empresas ganham mais experiência e exposição para desenvolver e adotar tecnologias e padrões da indústria de concorrentes estrangeiros).4

No geral, a evidência disponível sugere que a liberalização do comércio melhora a eficiência económica. Essa evidência provém de diferentes contextos políticos e económicos e inclui medidas micro e macro de eficiência. Esse resultado é importante, pois mostra que há ganhos com o comércio que implicam aumento do PIB.

É difícil calcular o impacto no PIB de um incremento de 25% até 2031 do comércio entre Angola e o resto de África. Na verdade, o comércio de Angola com os restantes países de África representava em 2019 apenas 3% do total do comércio externo do país5. Admitimos que a ZCLCA faça aumentar esse número em 25%, provocando um incremento no comércio total angolano entre 0,75% a 1% face ao peso relativo mencionado.

Nesse sentido, uma perspetiva conservadora baseada em dados históricos de relação entre aumento de comércio e crescimento do PIB de outros países com muitas diferenças entre si aponta como possível uma relação de 1:1. (Ver quadro abaixo que permite estabelecer essa correlação com alguma segurança).

Quadro nº 2 – Crescimento PIB e Comércio em vários países (fontes: as referidas no Quadro)

Nesse caso, o incremento do comércio externo até 2031 implicaria um acréscimo médio do PIB anual ao crescimento do PIB entre 0,75% a 1% entre 2021 e 2031 em Angola derivado do funcionamento da ZCLCA. Se por exemplo, para 2022 existisse uma previsão de crescimento do PIB de 2% sem ZCLCA, com ZCLCA essa previsão poderia alcançar os 2,75% a 3% e assim sucessivamente

Note-se que esse resultado só é possível se os seguintes condicionantes se verificarem:

-Efetivo funcionamento da zona de comercio livre;

-Liberalização e diversificação da economia angolana;

-Concretização e operacionalização de projetos logísticos de transportes (aeroporto, porto de águas profundas, e caminho-de-ferro internacional).

O enquadramento político que o governo angolano quer dar à economia de incremento das reformas estruturais e concorrência vai de encontro às vantagens que podem surgir do incremento das trocas comerciais com o resto de África.

Além do mais as políticas públicas devem abordar os custos de ajustamento da integração comercial:

  • Fomentar a produtividade agrícola em economias menos diversificadas;
  • Em alguns países, mobilizar a receita fiscal interna para compensar as perdas;
  • Usar programas sociais e de formação direcionados para facilitar a mobilidade dos trabalhadores entre indústrias para mitigar os efeitos adversos na distribuição de rendimentos.

3-Conclusões

Em conclusão:

É possível antever um crescimento do comércio externo de Angola com África em 25% até 2031 se a Zona de Comércio Livre Africana for realmente implementada e as políticas internas forem as adequadas.

Esse crescimento poderá originar um crescimento médio anual da economia nesses anos de 0,75 % a 1%.

São boas notícias para Angola.

Quadro nº 3 – Previsões Crescimento % PIB do FMI adaptadas6

1 Vera Songwe,  Mamadou Biteye, African  Trade  Agreement: Catalyst  for Growth, UNECA, https://www.uneca.org/stories/african-trade-agreement-catalyst-growth

2 A modelação que adotamos atribui um peso de 60% às previsões da UNECA (que funcionam como mecanismo propulsor) e de 40% aos fatores internos em desenvolvimento domesticamente mencionados (mecanismo acelerador), acreditando que é da combinação virtuosa entre os dois que será possível exponenciar o crescimento do comércio.

3 Frankel, J. A., & Romer, D. H. (1999). Does trade cause growth? American economic review, 89(3), 379-399.

4 Esteban Ortiz-Ospina (2018), Does trade cause growth? https://ourworldindata.org/trade-and-econ-growth

5 Cfr. http://www.expansao.co.ao/artigo/134739/trocas-comerciais-de-angola-com-africa-representam-so-3-do-total-do- comercio-com-o-mundo?seccao=exp_merc

6 https://www.imf.org/en/Countries/AGO / Outubro de 2020. As projeções com ZCL são da nossa exclusiva responsabilidade, embora baseadas nas previsões do FMI de Outubro de 2020 e implicam a verificação de todas as condições prescritas no texto.

Proposta de um esquema-piloto de garantia de emprego em Angola

Introdução: a magnitude do problema do desemprego e a necessidade de uma resposta governamental sistemática

Em Angola, no terceiro trimestre de 2020, a taxa de desemprego situou-se nos 34%[1]. Este número corresponde a um aumento em cadeia (i.e., em relação ao trimestre anterior) de 9,9% e homólogo (referente ao mesmo período de 2019) na ordem dos 22%[2]. Face a estes dados, qualquer que seja a perspetiva adotada, é fácil verificar que o desemprego é um problema fundamental e grave com que se deparam a economia e sociedades angolanas.

Fig. n.º 1- Evolução recente da taxa de desemprego em Angola (2017-2020). Fonte: INE-Angola

Até ao momento, o governo reconhece esse problema, mas aposta na retoma da economia ao nível do setor privado, para resolver a questão, acreditando que o Estado pouco pode fazer para enfrentar a situação. A solução está no crescimento económico e no dinamismo empresarial, afirma o executivo. O Presidente da República, João Lourenço, foi claro no último discurso do Estado da Nação quando afirmou: “prioridade da nossa agenda é: trabalhar para a reanimação e diversificação da economia, aumentar a produção nacional de bens e de serviços básicos, aumentar o leque de produtos exportáveis e aumentar a oferta de postos de trabalho.” João Lourenço realiza uma ligação indelével entre a diversificação da economia e o aumento da produção nacional e a descida do desemprego.

No fundo, o governo estriba-se no tradicional postulado enunciado pelo economista norte-americano Arthur Okun, segundo o qual existiria uma relação linear entre as mudanças na taxa de desemprego e o crescimento do produto nacional bruto: a cada crescimento real do PIB em dois por cento corresponderia uma diminuição do desemprego em um por cento[3]. A verdade é que vários estudos empíricos não confirmam em absoluto esta relação empírica, e nos anos mais recentes em vários países do mundo, um aumento do PIB não tem levado a um decréscimo acentuado do desemprego, enquanto, noutros casos tem, portanto, é difícil estabelecer uma relação permanente entre desemprego e PIB. A isto acresce que a magnitude do desemprego em Angola implicaria que para diminuir a taxa para os, ainda assustadores, 24%, o PIB teria de crescer 15%…

A questão fundamental é que o problema do desemprego em Angola não é conjuntural, mas estrutural, isto quer dizer que está intimamente conectado às deficiências permanentes da economia angolana e não tem uma mera dependência do ciclo económico.

O facto de o problema do desemprego ser estrutural e duma retoma económica para os anos 2021 e seguintes apenas se situar entre os 2 a 4% do PIB[4], de acordo com as presentes projeções do FMI, implicam que tal animação da economia venha a ter pouco impacto no emprego.

Neste sentido, é fundamental entender-se que a solução do problema do desemprego não depende apenas do mercado e da retoma económica, exige, pelo menos no curto prazo, a intervenção musculada do Estado. É neste contexto que surge esta proposta de experiência piloto.

Fig. n.º 2- Projeções de crescimento do PIB Angola (2021-2024). Fonte: FMI

Uma experiência-piloto de garantia de emprego em Angola

Partindo da primeira experiência de garantia universal de emprego do mundo, projetada por investigadores da Universidade de Oxford e administrada pelo Serviço Público de Emprego Austríaco, que tem lugar na cidade austríaca de Marienthal[5], aplicar-se-ia a mesma metodologia a uma localidade específica em Angola, possivelmente, a um município concreto em Luanda.

Segundo este regime a implementar a título experimental num município de Luanda seria oferecida uma garantia universal de um emprego devidamente remunerado a todos os residentes que estão desempregados há mais de 12 meses.

Além de receber formação e assistência para conseguir trabalho, os participantes teriam garantido o trabalho remunerado, devendo o Estado subsidiar 100% do salário numa empresa privada ou empregar participantes no setor público ou ainda apoiar a criação de uma microempresa. Todos os participantes receberiam pelo menos um salário mínimo fixado de acordo com o Decreto Presidencial que regula a matéria adequado a uma vida com dignidade.

O esquema-piloto funcionaria da seguinte forma:

1) Todos os residentes do município de Luanda escolhidos, que estejam desempregados há um ano ou mais, serão convidados incondicionalmente a participar no esquema-piloto.

2) Os participantes começam com um curso preparatório de dois meses, que inclui formação individual e aconselhamento.

3) De seguida, os participantes serão ajudados a encontrar um emprego adequado e subsidiado no setor privado ou apoiados para criar um emprego com base nas suas competências e conhecimento das necessidades de sua comunidade ou ainda serão empregues pelo Estado.

4) A garantia de emprego assegura três anos de trabalho para todos os desempregados de longa duração, embora os participantes possam optar pelo trabalho a tempo parcial.

Fig. n.º 3- Descrição sumária do esquema-piloto de emprego

Além de eliminar o desemprego de longa duração na região, o programa visa oferecer a todos os participantes um trabalho útil, seja na pavimentação de ruas, em pequenas reparações comunitárias, numa creche, na criação de um café comunitário, no acesso a água e energia, saneamento básico, na reconstrução de uma casa, ou em algum outro campo.

O esquema-piloto é projetado para testar os resultados e eficácia da política e ser depois estendido a mais áreas do país.

Financiamento

“No âmbito do processo de recuperação de ativos, o Estado já recuperou bens imóveis e dinheiro no valor de USD 4.904.007.841,82, sendo USD 2.709.007.842,82 em dinheiro e USD 2.194.999.999,00 em bens imóveis, fábricas, terminais portuários, edifícios de escritório, edifícios de habitação, estações de rádio e televisão, unidades gráficas, estabelecimentos comerciais e outros.”

Assim, falou o Presidente da República no mais recente discurso do estado da Nação acima mencionado.

Ora, nada melhor do que destinar uma parte destas verbas recuperadas ao fomento do emprego. Consequentemente, utilizar-se-ia um montante daí retirado para se criar um Fundo de Desenvolvimento do Emprego que chamaríamos simplificadamente, por causa da origem dos montantes, “Fundo dos Marimbondos”. Este Fundo receberia parte dos ativos recuperados e iria usá-los para financiar iniciativas de fomento de emprego como a aqui apresentada. Dinheiro retirado no passado da economia retornaria a esta para fomentar trabalho para as novas gerações.

Com este modelo de autofinanciamento ficariam arredadas eventuais constrições impostas pelo Fundo Monetário Internacional ou a necessidades de contenção orçamental. O fomento do emprego teria fundos próprios resultantes da luta contra a corrupção. Não parece existir melhor destino do dinheiro que esse.

Fig. n.º 4- Financiamento do esquema-piloto


[1] https://www.ine.gov.ao/

[2] https://www.ine.gov.ao/images/Idndicador_IEA_III_Trimestre_2020.PNG

[3] Arthur M. Okun, The Political Economy of Prosperity (Washington, D.C.: Brookings Institution, 1970)

[4] https://www.imf.org/en/Countries/AGO#countrydata

[5] https://www.ox.ac.uk/news/2020-11-02-world-s-first-universal-jobs-guarantee-experiment-starts-austria

A Sonangol e a reinvenção da economia angolana

Este é um tempo de reinvenção para Angola. A Sonangol deixou de ser o motor da economia angolana e é necessário encontrar um novo propulsor. Há duas razões para a necessidade de superar o modelo económico assente num único produto -o petróleo.

A primeira razão é a própria Sonangol. Os resultados referentes a 2019, apresentados pela petrolífera angolana são desanimadores do ponto vista estrutural. Se bem que apresentem lucro, esse lucro deriva de resultados extraordinários irrepetíveis e os elementos essenciais da operação petrolífera estão estagnados: a produção não aumenta, as vendas não superam o nível de anos anteriores. O resultado líquido empresa foi de USD 125 milhões. Mas, as receitas mantiveram-se estáveis face ao ano anterior. A Sonangol produziu cerca de 232 mil barris de petróleo bruto por dia, número semelhante ao passado e realizou vendas de USD 10.231 milhões o que representa uma redução de 4% face ao exercício de 2018.

Em resumo, a exploração de petróleo já não sustenta convenientemente a Sonangol. Não sustentando a Sonangol não sustenta o país.

A esta estagnação da Sonangol, junta-se o facto de o petróleo estar a ser cada vez mais encarado com ceticismo, procurando-se apostar em energias alternativas e afastando-se o uso do ouro negro. Este obviamente não é um processo de curto-prazo, mas terá sido acelerado com a pandemia Covid-19. O petróleo ainda terá subidas de preços, eventualmente picos de maior procura, mas tudo indica que os anos glutões terão acabado, pois surgirão outras fontes energéticas que substituirão mais ou menos paulatinamente o petróleo. Basta ver que nos últimos meses o preço do barril Brent oscilou entre os USD 53 em Outubro de 2019, os USD 60 em Janeiro de 2020, os USD 12,78 em Abril ou os USD 40,7 recentemente. Contudo, nunca mais voltou aos números de 2014 em que muitas vezes estava acima dos USD 100.

Estes dois motivos levam a que a economia angolana tenha de se reinventar, e mais depressa do que julga. Não é uma mera questão de reestruturar a Sonangol e focá-la no negócio do petróleo. Não chega, pois esse negócio está estagnado. É a própria economia que necessita de reestruturação, o que no jargão oficial do governo angolano se chama diversificação.

O problema é que a diversificação implica a criação de uma nova oferta na economia angolana, da produção de bens e serviços não existentes no passado recente. E para existir produção é necessário investimento. Investimento obriga, obviamente, à aportação de capital.

E aqui entramos num outro problema que afeta a economia angolana que é o da falta de capital e das políticas recessivas que intensificam essa falta. Seguindo os parâmetros escolhidos pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e a ortodoxia neoclássica da economia está a ser imposto a Angola um programa de contenção/ diminuição da dívida pública e redução do déficit.

Temos muitas dúvidas se tal programa se justifica no caso da economia angolana, sobretudo considerando os aportes doutrinários na Teoria Monetária Moderna, mas o facto é que está a ser seguido tal programa de corte de despesa e aumento de impostos.  Ora a prossecução de tal política acaba por limitar a disponibilidade de capital para investimento, seja público, seja privado. Portanto, inviabiliza a denominada diversificação que tão necessária é para superar a estagnação da Sonangol.

Assim, o panorama com que se confronta neste momento a economia angolana é difícil. Por um lado, o seu motor- a Sonangol-está parado, por outro, a criação de capital para mobilizar investimento produtivo para diversificar a economia encontra-se em estrangulamento devido às políticas recessivas adotadas. Isto tem reflexos óbvios nos números da economia. O crescimento do PIB é negativo, na ordem dos – 3,6%. O desemprego assume o número assustador de 32,7% e a inflação de 22,8% (homólogo agosto de 2020). Nenhum destes números é animador.

A economia angolana precisa de coragem política para inverter este estado de coisas.

A Sonangol tem de ser reestruturada, mas como empresa de energia e não meramente de petróleo. Na realidade, não lhe basta focar-se no petróleo, haverá que se apresentar com uma empresa moderna de energias renováveis, aproveitando, por exemplo, o sol. Se recentemente o Reino Unido, anunciou que se quer transformar na Arábia Saudita do vento, Angola pode ser a Arábia Saudita do sol. Portanto, é necessária uma reestruturação imaginativa da Sonangol.

Simultaneamente, tem de ser abandonada a política económica recessiva. Se bem que deva existir disciplina orçamental e não se pagarem obras duas vezes ou liquidar salários a funcionários fantasmas, bem como não contrair dívida pública para alimentar bolsos privados, o certo é que a política de rigor financeiro deve ser complementada por uma política de estímulo fiscal que permita construir uma suficiente base de capital para proceder ao investimento reprodutivo necessário. Uma política fiscal pró-investimento público e privado é fundamental na reinvenção da economia angolana.

A revisão do Orçamento Geral e a reforma da economia angolana

Como está a acontecer em vários países, também em Angola foi necessário proceder à revisão do Orçamento Geral do Estado (OGE) para 2020[1]. Dois motivos fundamentais impuseram essa revisão: a instabilidade do preço do petróleo e a pandemia Covid-19.

Pela forma como este Orçamento aparece desenhado, parece poder afirmar-se que existe aqui uma oportunidade de começar, finalmente, a corrigir os erros da política fiscal passada e adotar uma visão realista e saudável para a economia. Acima de tudo, é um Orçamento que confere tempo ao Presidente da República para acelerar a reforma da economia.

O ORÇAMENTO REVISTO

Os pressupostos macroeconómicos básicos da revisão orçamental são a inflação média de 25 por cento, o preço do petróleo bruto de 33 dólares por barril, preço médio de gás de 19 dólares por barril e um crescimento negativo do produto de 3,6 por cento.

Figura n.º 1- Pressupostos macroeconómicos do OGE (revisto). Fonte: Ministério das Finanças de Angola

Na verdade, segundo o Relatório de Fundamentação do OGE Revisto elaborado pelo ministério das Finanças, para 2020, projeta-se a maior contração da economia angolana dos últimos 38 anos, com o PIB a contrair -3,6%. O PIB do sector de hidrocarbonetos (petrolífero + gás) irá contrair em 7,0%, enquanto a taxa de crescimento média projetada para os demais sectores situou-se em -2,1%. Facilmente, se percebe que a grande quebra do PIB é provocada pelo petróleo e que são os outros setores que ainda seguram a queda, o que não deixa de ser uma ironia.

Figura n. º2- Decréscimo do PIB geral e por setores (%). Fonte: Ministério das Finanças de Angola

As projeções fiscais do OGE 2020 Revisto apontam para um défice fiscal equivalente a 4,0% do PIB, um agravamento de 5,2 pontos percentuais (pp) face ao valor previsto no OGE 2020 Inicial. O saldo primário deverá estar em torno dos 2,2% do PIB, um valor inferior ao inicialmente projetado em 4,9 pp[2]. O atual valor do Orçamento reflete uma redução de 15,7% relativamente ao OGE 2020 Inicial (Kz 15 970,6 mil milhões)[3].

Naturalmente, um OGE mais pequeno, reflete uma economia mais pequena.

Sobre estes pressupostos vamo-nos dedicar à análise do impacto e significado do preço do petróleo a 33 dólares por barril. Como se sabe este valor é meramente indicativo, pois muitos dos contratos petrolíferos já estão com preços anteriormente estabelecidos e não dependem de oscilações. No entanto, analisando os números mais recentes sobre o preço do petróleo verifica-se que o Brent Crude desde 7 de Julho passado oscilou entre USD 42,84 nesse dia, USD 41, 38 a 10 de Julho, e USD 42,18 a 14 de Julho[4]. Num prazo maior, apenas a 15 de Junho esteve abaixo dos USD 40,00.

Sendo a previsão da evolução do preço do petróleo um exercício sempre muito difícil, a verdade é que parece existir uma tendência para ter o preço acima dos USD 40,00, ao mesmo tempo que no curto prazo não se vê razão para não começar a existir uma aumento da procura do petróleo ligado à recuperação das economias mundiais. A isto liga-se a instabilidade cada vez mais intensa no Golfo Pérsico e os problemas na Venezuela.

Figura n.º 3-Gap entre o preço do petróleo no OGE-R e o índice efetivo recente

Todos estes fatores poderão contribuir para alguma pressão no sentido da subida do preço do petróleo. No entanto, essa subida não deverá ser tão acentuada que volte a inundar Angola de petrodólares.

Neste sentido, há aqui um momento ótimo para a economia se libertar da dependência do petróleo com alguma margem. Se o OGE revisto prevê um preço de USD 33 por barril e este vai estando acima dos USD 40, podendo subir, quer dizer que existe alguma margem de manobra para o governo. Nessa medida este orçamento cria a oportunidade de Angola sair da dependência excessiva do petróleo.

Um segundo aspeto que merece destaque é o facto de o Estado passar a gastar mais no sector social do que com os juros da dívida pública[5]. Não se trata tanto de ter aumentado as despesas sociais, mas de se ter diminuído o pagamento da dívida pública, resultado da negociação com a China, que, aparentemente, concedeu uma moratória de capital e juros por três anos. Sempre defendemos que naquilo que tange à dívida o fundamental era encarar a questão chinesa[6], pois é este país que detém quase metade dos créditos externos públicos sobre Angola.

A China terá sido sensível aos argumentos angolanos, e sobretudo, não poderia deixar que o seu modelo de intervenção win-win em África se tornasse num fiasco mundial, por isso, rapidamente se chegou a um acordo.

REFORMA DA ECONOMIA

Quer o preço orçamentado para o petróleo, quer a posição da China permitem que Angola, apesar da intensa recessão económica em que se encontra, ainda tenha margem de manobra para definitivamente reformar a sua economia.

Essa reforma assenta em vários pilares sobejamente conhecidos. O primeiro, e mais importante, é a extinção definitiva da grande corrupção ou “captura do Estado”. É fundamental sublinhar que a luta contra a corrupção não é uma mera política criminal com impacto reduzido na vida nacional. Devido à magnitude do fenómeno, tornou-se o principal problema económico do país pois desviou recursos e impede que a economia funcione de forma livre, sem entraves e na sua plenitude. Há sempre uma sombra de um interesse corrupto à espreita que pode desvirtuar toda a racionalidade e eficiência económica.

Enquanto a grande corrupção, clientelismo e a falta de transparência que lhe estão associadas persistirem, não há revisão orçamental ou documento, por muito bem elaborado que esteja, que permita o desenvolvimento do país.

Não foi o preço do petróleo que lançou o país na recessão, foi a profunda corrupção e captura do Estado por interesses privados que determinaram uma política económica rapace que criou um falso modelo económico incapaz de reagir às oscilações do preço do petróleo. Na verdade, utilizando a terminologia da Ciência Política, um “bandido estacionário” (ou vários) apoderaram-se dos recursos do Estado para seu proveito próprio, e todo o modelo económico foi construído para sustentar essa apropriação privada dos recursos públicos. Consequentemente, em termos estruturais o preço do petróleo acaba por ser irrelevante para se resolver o problema económico angolano.

Figura n.º 4- Causa da presente crise económica

Nessa medida, a erradicação da grande corrupção é a base de qualquer reforma económica, e também a condição necessária para o segundo pilar dessa reforma que é a liberalização da economia e abertura ao investimento privado. Ninguém vai investir num país tido como corrupto.

Este OGE revisto concede tempo ao Presidente da República João Lourenço para efetivar as reformas fundamentais na economia: erradicação da grande corrupção, liberalização dos mercados internos, promoção do investimento privado. A isto tem de se somar uma aposta na produção interna e possivelmente a criação de um programa de transferências monetárias diretas para as populações mais desfavorecidas para minimizar os riscos intensos de pobreza. Em rigor, este programa de transferências diretas não deveria ser unilateral, mas estar ligado a aspetos de promoção individual e social ligados à educação ou saneamento, no fundo, seguindo os programas do mesmo estilo introduzidas pelo Presidente Lula no Brasil. Não se trata apenas de transferir fundos para as populações carentes, mas de as incentivar a frequentar escolas, construir saneamento, ou exercer um ofício.  Este é um tema que abordaremos em separado.

CONCLUSÕES

Em resumo, temos uma revisão sensata do OGE que abre espaço para o Presidente da República acelerar as reformas necessárias na economia e que são: erradicação da grande corrupção; liberalização do acesso aos mercados, promoção efetiva do investimento privado, intensificação da produção interna, transferências diretas sujeitas a condição educativa ou de saneamento para as populações mais desfavorecidas.

Figura n.º 5- Medidas estruturais genéricas de reforma económica


[1]http://www.ucm.minfin.gov.ao/cs/groups/public/documents/document/aw4x/mja1/~edisp/minfin1205333.pdf

[2]http://www.ucm.minfin.gov.ao/cs/groups/public/documents/document/aw4x/mja2/~edisp/minfin1206937.pdf, p. 11.

[3] Idem, p.11 e 12.

[4] https://oilprice.com/oil-price-charts/46

[5] http://expansao.co.ao/artigo/133628/estado-volta-a-gastar-mais-com-o-sector-social-do-que-com-juros-da-divida-p-blica?seccao=5

[6] https://www.cedesa.pt/2020/05/05/porque-a-china-deve-reduzir-a-divida-de-angola/