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A situação económica em Angola e a Agenda 2050

Agitações económicas recentes

Os resultados da política económica angolana que estavam a ser avaliados de forma favorável nas instituições internacionais e na generalidade da opinião pública nos últimos tempos, designadamente, baixa da inflação, consolidação orçamental, controlo da dívida pública e sucesso da liberalização cambial, pareceram sofrer um abalo durante do mês de junho de 2023.

O “gatilho” de tal mudança de perceção foi o anúncio abrupto da subida do preço da gasolina comercial em mais de 80%, devido à retirada parcial do subsídio estatal,( sem o necessário enfoque nas medidas mitigadoras que estavam bem pensadas) a que se seguiram uma série de eventos em catadupa, a exoneração de Manuel Nunes Júnior como ministro de Estado da Coordenação Económica, alguns rumores sobre salários da função pública em atrasos, e inevitavelmente o anúncio de uma agência de rating da baixa da perspetiva económica de Angola de “positivo” para “estável”.[1]A isto acresce que o Kwanza está em depreciação acelerada face ao dólar e ao euro. No final de junho, a moeda nacional angolana passou pela primeira vez os 800 kwanzas por dólar.[2]

A depreciação do Kwanza faz levantar renovados temores de inflação, num país ainda muito dependente de importações para o seu quotidiano. Em Fevereiro passado, o Banco Nacional de Angola informava que o país desembolsara mais de dois mil milhões de dólares (1,8 mil milhões de euros) com a importação de alimentos, em 2022, representando um aumento de 40% comparativamente ao ano anterior.[3] Um valor mais baixo da moeda nacional e uma subida das necessidades de importação de alimentos tem obviamente como resultado preços mais altos.

Por sua vez, a afirmação que o novo ministro de Estado e da Coordenação Económica fez sobre os atrasos de alguns salários públicos em maio, não tranquilizou, pois Lima Massano assegurou que tal se deveu a “um desfasamento entre a altura da recepção dos fundos resultantes da arrecadação fiscal e o período dos pagamentos.”[4]Não se contesta a explicação do ministro, o problema é que mesmo aceitando-a ela contém um problema, que é o da falta de reservas de tesouraria do governo, fazendo indicar que a contenção orçamental imposta pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) não criou qualquer espaço para as finanças públicas angolanas. Note-se que apesar do preço do petróleo não estar muito elevado, nos últimos seis meses oscilou entre os 70 e 80 USD, com prevalência para os 75/76 USD. Como o Orçamento Geral do Estado foi feito com base nos 75 USD (o que na altura criticámos[5]), a verdade é que o preço tem estado em linha com a previsão, embora sem margem de manobra.

O possível efeito do preço do petróleo

Face ao exposto, não será, em teoria, o preço do petróleo ainda a ter efeitos negativos no OGE no imediato.

Contudo, tal pode acontecer no segundo semestre. Temos formada a opinião, que existe uma forte pressão de descida do preço resultante dos embargos petrolíferos à Rússia e provavelmente ao Irão. A nossa tese é que estes embargos Ocidentais sobre o petróleo têm como efeito não a restrição assinalável da oferta desse produto pela Rússia, o que faria subir o preço do petróleo, mas a venda com desconto desse mesmo petróleo a intermediários que funcionam como “lavandarias”. Isto significa que quanto mais tempo durar o embargo de petróleo à Rússia, mais esta tornará eficiente os mecanismos de contorno e mais venderá petróleo com desconto. Assim, é muito possível que continue a existir uma pressão em baixo para o preço do petróleo, sobretudo, se associadamente a economia da China continuar sem mostrar a pujança do passado.

Consequentemente, pode acontecer que os apertos orçamentais se intensifiquem no segundo semestre deste ano, se o preço do petróleo sucumbir a estas pressões.

O problema doutrinário e prático

O facto concreto é que as “receitas” do FMI em Angola parecem ter falhado, e mais uma vez a aplicação de doutrinas económicas clássicas não resulta.

Torna-se cada vez mais nítido que uma teoria universal da economia baseada no pensamento conhecido como clássico e divulgado pelas universidades norte-americanas pode funcionar em economias maduras desenvolvidas ou em locais com instituições (mercado, governo, tribunais) relativamente sólidos, mas não funciona em países ainda com extremos desequilíbrios e em construção institucional. Não se pode falar de verdadeiros mercados funcionado livremente segundo as regras da oferta e procura, nem em governação eficiente ou sequer numa justiça aproximada do funcional em Angola. Por motivos variados, estes são processos em estruturação, sem finalização. Nessa medida, qualquer modelo económico que os assuma como condição prévia, falhará. Por isso, falham as medidas do FMI, não trazendo prosperidade a Angola e fazendo o país andar de crise em crise. Sublinhe-se que desde 2009 que o FMI acompanha e concorda com as políticas económicas angolanas.

Há efetivamente um problema doutrinário subjacente ao impacto negativo da política económica em Angola que se liga ao facto dos principais decisores terem formação em universidades estrangeiras que adotam modelos institucionais de economia de mercado, com maior ou menor intervenção do Estado, mas sempre admitindo que se está perante uma situação em normal funcionamento. Ora, a verdade é que Angola está numa situação pré-institucional pelo que os modelos a aplicar deviam ser de desenvolvimento e construção institucional e não de estabilização. Este problema, parecendo muito teórico, tem uma real relevância prática, pois está-se a aplicar algo que pouco tem a ver com a realidade.

A isto acresce que algumas reformas estruturais fundamentais não foram tomadas pelo governo. Manteve-se um sistema marcado pela interferência de políticos no comando das empresas, pela continuada aposta em oligopólios que são essencialmente importadores, não se tornou a justiça célere e não se diminuiu manifestamente a burocracia.

A conjugação destes fatores leva a que a economia angolana não tenha saído ainda do ciclo do petróleo e da repetição de erros passados.

A interrogação sobre a Agenda 2050

São estas deficiências de base que aparentam limitar o efeito da Agenda 2050. Em anterior relatório elogiámos a forma desassombrada e honesta em como os autores da Agenda faziam o diagnóstico da situação passada e presente[6], e tínhamos alguma antecipação em ler as propostas para o futuro.

É evidente que a Agenda 2050[7] tem muitos objetivos interessantes e análises profundas que estimulam o debate, que deveria ser alargado na sociedade angolana. No entanto, no seu cerne o documento não nos traz a ambição necessária e tem o defeito de se basear, como temos referido, em modelos generalistas.

Se repararmos o núcleo essencial dos objetivos estratégicos é pouco mobilizador. O aumento previsto até 2050 do PIB é de 2,4 vezes, o que em termos de PIB per capita, presumindo-se que o crescimento populacional é apenas de 2,1 vezes (e pode ser bem mais) resulta numa subida de 3.675 USD para 4.215 USD do mencionado PIB per capita. Se repararmos é uma subida em 27 anos do bem-estar de população de apenas 14%[8]. Adicione-se que o desemprego ainda se situará na ordem dos 20%. Um valor extremamente elevado, embora a fórmula estatística usada pelo Instituto Nacional de Estatísticas de Angola (INEA) não se possa comparar com outras, por ser mais exigente e por isso apresentar resultados mais negativos[9].

É muito desanimador. Na realidade, face ao aumento da população, o que a Agenda 2050 está a colocar como objetivo é uma quase-não progressão. Não é possível fazer diferente?

Pretende-se que Angola em 2050 seja semelhante ao que hoje são países como o Paraguai, Jordânia, Sri Lanka, Essuatíni ou Mongólia[10]. Não podemos subscrever esta visão, que na prática vislumbra um país estacionado, onde uma subida mais acentuada da população colocará severos problemas.

Conclusões

Com toda a independência e objetividade somos de opinião que esta Agenda futura deveria ser fundamentalmente revista e substancialmente alterada com a participação do Conselho Económico e Social, dos Centros de Estudos variados que trabalham sobre Angola nas universidades e fora delas e das forças vivas do país com vista a apresentar um modelo simultaneamente ambicioso e praticável para o futuro de Angola. Só assim serão ultrapassados os presentes problemas resultantes de maus modelos doutrinários e de pouco reformismo estrutural.

Mais além e mais rapidamente, tem de ser mote do futuro.


[1] https://www.noticiasaominuto.com/economia/2347975/fitch-piora-perspetiva-de-evolucao-de-angola-para-estavel

[2] https://www.dw.com/pt-002/angola-queda-hist%C3%B3rica-do-kwanza/a-66037342

[3] https://www.jornaldenegocios.pt/economia/mundo/africa/angola/detalhe/angola-importou-mais-40-de-alimentos-no-valor-de-mais-de-dois-mil-milhoes-de-dolares-em-2022

[4] https://www.angonoticias.com/Artigos/item/74007/ministro-de-estado-esclarece-atrasos-salarias-no-pais

[5] https://www.cedesa.pt/2022/12/20/analise-da-proposta-de-orcamento-geral-do-estado-de-angola-para-2023/

[6] https://www.cedesa.pt/2023/06/11/estrategia-angola-2050-uma-analise-i/

[7] https://www.mep.gov.ao/angola-2050

[8] Idem, nota 7, p. 22.

[9] https://www.makaangola.org/2023/05/desemprego-o-erro-das-politicas/

[10] Países que na atualidade têm um PIB per capita próximo dos 4125 USD. GDP, Per Capita GDP – US Dollars”, e 2018 para gerar a tabela), Divisão Estatística das Nações Unidas.

Condições e soluções para a retirada do subsídio aos combustíveis em Angola

Resumo da política proposta

Neste documento apresentam-se condições necessárias e soluções possíveis para a retirada do subsídio aos combustíveis em Angola.

1-As condições necessárias são:

a) Criação de Mecanismo de Transparência de fluxos financeiros orçamentais. O destino das poupanças realizadas com a retirada dos subsídios, enfatizando aspetos sociais;

b) Modificação da estrutura de mercado oligopolista. Promoção de concorrência no mercado da distribuição de combustíveis. Uma hipótese é a cisão da Sonangol Distribuição em três entidades e privatização de duas delas.

2-As soluções possíveis são:

a) Foco no sujeito

aa) Subsídio direto aos mais desfavorecidos e passe social

ab) Subsídio direto às empresas

ac)Benefício fiscal /Imposto negativo a aa) e ab)

b) Foco no objeto

ba) Preços de combustível subsidiado continua para veículos de cilindrada inferior

bb) Preços de combustível subsidiados continuam para empresas de transporte e similares

c) Sistemas compósitos

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Eliminação subsídios aos combustíveis: FMI e Vera Daves

É uma parte integrante de qualquer intervenção do Fundo Monetário Internacional (FMI) mandar retirar subsídios aos combustíveis, onde estes existam. Naturalmente, que a mesma cartilha foi seguida em Angola criando esse ônus ao governo angolano.

Em termos de política fiscal, no recente Staff Report de acordo com o artigo IV o Fundo torna esta a principal medida a tomar ao nível da política fiscal, prescrevendo que: “as autoridades precisam tomar uma ação política para aumentar as receitas fiscais não petrolíferas e eliminar gradualmente os subsídios aos combustíveis, enquanto aumentam o apoio aos vulneráveis. Estas medidas devem ajudar a reduzir a dívida vulnerabilidades, criar espaço fiscal e alcançar seus objetivos fiscais e de dívida de médio prazo”.[1] (sublinhado nosso).

A ministra Vera Daves afina pelo mesmo diapasão, e em entrevista recente afirmou que a retirada dos subsídios aos combustíveis é “o elefante no meio da sala, e com sapatos de bailarina”, afirmando que que a decisão política estaria tomada e só não foi implementada porque falta é encontrar o mecanismo que diminua o impacto nos mais desfavorecidos. E explicou que: “É um subsídio cego, a que toda a gente acede, e com essa receita poderíamos ter uma política mais direcionada em vez de subvencionar quem não precisa”. Adicionando argumentos para a eliminação desta medida como “as fugas de combustível para os países vizinhos, a falta de participação no mercado e a consequente perda de receita fiscal, para além da questão da desigualdade de tratamento. São várias distorções ao mercado, mas temos consciência que o impacto, principalmente por via dos transportes, é considerável”. Reconheceu também o impacto negativo nos municípios, nas indústrias e nas fazendas e no preço dos fretes para transportar comida. E concluiu dizendo: “Temos tudo mapeado, agora o desafio está em tirar o sapato da bailarina pensando em medidas que possam mitigar a remoção” deste subsídio que custa entre 3 a 4 mil milhões de dólares, cerca de 2,8 a 3,7 mil milhões de euros, por ano. “É um valor considerável, tendo em conta que o Programa de Integração e Intervenção nos Municípios (PIIM) tem 2 mil milhões, portanto seriam dois PIIM.[2]

Parece, portanto, que o FMI e Vera Daves estão determinados a eliminar os subsídios aos combustíveis, aparentemente, não sabem ainda é como.

A questão política e o mecanismo de transparência

É evidente que estas eliminações, mesmo fazendo sentido economicamente, e já abordaremos as dúvidas nesse âmbito, têm um impacto político grande e não podem ser encaradas de “ânimo leve”. Desde o Egito, ao Irão ao Sudão, a França, as mudanças nos preços de combustíveis têm impactos na estabilidade política, pelo que a primeira avaliação a fazer é política.

O grande argumento adiantado por Vera Daves é aquele que tecnicamente se denomina crowding out. Ao gastar 2,8 a 3,7 mil milhões de euros, por ano em subsídios aos combustíveis, o governo não os gasta no setor social, em educação e saúde, por exemplo. Na realidade, argumenta, o que é colocado no abaixamento do preço da gasolina é retirado do bem-estar do povo. Aceitando o argumento, há que o sustentar e convencer a população. Nestes termos, a primeira tarefa seria criar um mecanismo de transparência (talvez em forma de site digital) que explicasse à população como seriam canalizados os fundos dos subsídios para os outros setores, clarificando os planos do governo. Mil milhões para escolas, 500 milhões para docentes, etc. Fazendo um esquema simples e divulgando-o, todos perceberiam o destino do dinheiro, e, depois ao longo dos primeiros anos, deveria haver uma apresentação anual pública desse fluxo. Explicava-se com um esquema para onde tinham ido as poupanças com a retirada dos subsídios aos combustíveis. Consequentemente, a população veria que não tinha sido invenção da ministra das Finanças, mas que estava efetivamente a acontecer.

Uma primeira medida preparatória de cariz político é a criação de um Mecanismo de Transparência por todos consultável que explique o percurso do dinheiro, quanto sai dos subsídios aos combustíveis e onde vai parar nos vários setores do orçamento. Assim, a população vê os benefícios.

Fig. n.º 1- Exemplo de Mecanismo de Transparência do fluxo dos fundos retirados do subsídio aos combustíveis, a ser apresentado anualmente à população

O problema da estrutura de mercado

Entrando na área económica há uma questão que se coloca e deveria ser confrontada. É evidente que a cessação do subsídio aos combustíveis fará aumentar os preços destes.

Em 2021, havia em Angola 951 postos de combustíveis, dos quais 432, seriam controlados por pequenos operadores sem marca. A Sonangol distribuidora é a maior do segmento de distribuição com uma quota de mercado (vendas) de 64%, a Pumangol é o segundo maior player com 24% sendo que os restantes 16% estão distribuídos pela Sonangalp e a Tomsa (Total Marketing and Services Angola[3]).

A questão que se coloca é a definição da estrutura deste mercado. Uma primeira análise poderia aparentar estarmos perante um mercado concorrencial, mas o peso da Sonangol e da Pumangol, representando um total de 78% de quota de mercado de vendas indica que estamos perante um mercado de tipo oligopolístico, em que poucas empresas dominam o setor. É sabido da teoria dos preços que os mercados oligopolistas têm preços mais altos do que os mercados em concorrência perfeita, em que ninguém domina o mercado. O preço em oligopólio é fixado pelas empresas acima do nível de preço que prevaleceria em competição e abaixo do nível de preço maximizador de lucros de monopólio. É uma estrutura de mercado que se constitui num caso intermediário, onde há poucas empresas que competem entre si[4]. Consequentemente, retirar o subsídio aos preços de combustíveis numa situação de oligopólio equivaleria a um preço mais alto do que o preço de equilíbrio de mercado e a colocar a população a financiar lucros mais elevados das empresas de distribuição de combustíveis.

É fundamental ao mesmo tempo que se começa a gradual retirada dos preços aumentar o número de operadores relevantes no mercado e colocá-los a concorrer entre si, sem que ninguém domine o mercado.

O mais aconselhável era proceder à cisão da Sonangol Distribuidora em três empresas diferentes e privatizar de imediato duas delas. Assim, teríamos, pelo menos 5 operadores relevantes em concorrência.

Fig. n.º 2- Esquema de cisão da Sonangol Distribuição para garantir concorrência no mercado

Formas de compensação/mitigação da retirada de subsídios

Descrita que foi a necessidade de criação de um Mecanismo de Transparência de Fluxo de Fundos para efeitos de consenso político, bem como a necessidade de reformar a estrutura de mercado do segmento downstream como maneira de evitar a formação de preço em oligopólio, isto é, mas altos do que o normal, é altura de fazer sugestões de compensação da retirada dos subsídios.

O ponto de partida é que não haverá uma poupança da totalidade dos valores apontados como custo, 2,8 a 3,7 mil milhões de euros, por ano, e que há setores e populações que devem ser protegidos. Falamos, naturalmente, das populações com menos rendimentos e as áreas dos transportes e distribuição alimentar e agrícola.

As medidas podem partir de vários focos:

a) Foco no sujeito

aa) Subsídio direto aos mais desfavorecidos e passe social

ab) Subsídio direto às empresas

ac) Benefício fiscal /Imposto negativo a aa) e ab)

b) Foco no objeto

ba) Preços de combustível subsidiado continua para veículos de cilindrada inferior

bb) Preços de combustível subsidiados continuam para empresas de transporte e similares

c) Sistemas compósitos

Explicitando cada um dos itens e possibilidades. Teríamos o seguinte:

a)         Foco no sujeito

aa) Subsídio direto aos mais desfavorecidos e passe social

Uma primeira hipótese seria a concessão de um subsídio de combustível a todos aqueles que tivessem um veículo e/ou utilizassem combustível em determinada atividade e apresentassem um rendimento abaixo de determinado patamar. Queria isto dizer que o cidadão que utilizasse combustível e tivesse rendimentos baixos, receberia um subsídio direto do Estado com vista a minorar os efeitos negativos da subida do preço dos combustíveis.

Além disto poderia ser criado um passe social de valor reduzido, que permitisse a qualquer cidadão utilizar os transportes sem repercussão do valor da subida dos combustíveis

ab) Subsídio direto às empresas

Outra hipótese seria a do subsídio direto às empresas de transportes e distribuição. Para que estas não fizessem repercutir a subida do preço dos combustíveis nos preços cobrados ao público, haveria uma compensação paga pelo Estado que cobriria o diferencial. As empresas receberiam fundos para não aumentar os preços.

ac) Benefício fiscal /Imposto negativo a aa) e ab)

Nesta situação, o instrumento utilizado de compensação seria o sistema fiscal, e não as transferências diretas de subsídios. Permitir-se-ia às pessoas singulares até certo patamar de rendimento e às empresas dos setores afetados apresentaram como dedução fiscal o valor do diferencial pago com a subida dos preços. Por exemplo, se antes pagavam 5 e depois passassem a pagar 10, teriam oportunidade de apresentar um valor de 5 como dedução fiscal, pagando um menor imposto.

Numa situação superficial, tal possibilidade dedutiva apenas se aplicaria a entes que pagassem imposto, ficando de fora os que não pagam ou estão isentos. Nestes casos, dever-se-ia fazer funcionar um imposto negativo, isto é, um sistema através do qual pessoas de baixo rendimento receberiam pagamentos suplementares do governo, em vez de pagar impostos. Esses pagamentos suplementares seriam iguais aos montantes adicionais gastos em combustível por estas pessoas.

b)         Foco no objeto

ba) Preços dos combustíveis subsidiado continua para veículos de cilindrada inferior

Nesta hipótese, o que aconteceria seria o estabelecimento de diferentes níveis de preços para os combustíveis de acordo com a cilindrada dos veículos. Veículos de baixa cilindrada pagariam um preço mais baixo e vice-versa. Seria uma espécie de preço progressivo.

bb) Preços dos combustíveis subsidiados continuam para empresas de transporte e similares

Neste caso, o sistema seria o mesmo que indicado acima, com a diferença que o preço benéfico seria aplicado aos veículos das empresas de transporte e similares

c) Sistema compósito

É evidente que os sistemas acima referidos, podem ser misturados ou complementados uns pelos outros, cabendo ao decisor político encontrar a melhor combinação técnica.

Fig. n.º 3- Possíveis soluções compensatórias para a retirada dos subsídios aos combustíveis

Necessidade de cálculos financeiros

Não se apresentam cálculos financeiros neste trabalho porque os números não são conhecidos. A ministra das Finanças apresenta uma ordem de grandeza de gastos atuais com o subsídio de combustíveis que é entre 2,8 a 3,7 mil milhões de euros, por ano. Facilmente, se verifica que o diferencial é demasiado grande (900 milhões de euros) para se proceder a uma aritmética mais fina da situação.


[1] IMF, STAFF REPORT FOR THE 2022 ARTICLE IV CONSULTATION, February 7, 2023, p. 7.

[2] https://angola24horas.com/component/k2/item/26418-governo-angolano-prepara-fundo-de-investimento-imobiliario-para-gerir-ativos-recuperados

[3] Dados retirados de Expansão: https://expansao.co.ao/expansao-mercados/interior/sao-951-postos-de-combustivel-e-454-de-bandeira-branca-101135.html

[4] Ver por exemplo, George J. Stigler, https://cooperative-individualism.org/stigler-george_a-theory-of-oligopoly-1964-feb.pdf

Economia angolana tendências, reformas necessárias e Plano Nacional de Emprego

A vida social em Angola é muito viva e, neste momento, os assuntos políticos e judiciais dominam a agenda do país. No entanto, é no domínio da economia que se regista uma evolução extremamente significativa sobre a qual é importante refletir e proceder a uma análise cuidada.

O recente (Fevereiro de 2023)[1] relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI)sobre o país sublinha os avanços favoráveis da economia angolana e também as reformas necessárias. É com base nesse relatório que vamos enunciar as principais tendências de Angola no campo económico e os pontos nevrálgicos para evitar recaídas como a que originou a última longa recessão que começou na presidência de José Eduardo dos Santos.

TENDÊNCIAS POSITIVAS

A economia de Angola está em franca recuperação após a recessão que durou cinco anos (2016-2020). Em 2022, apoiada por preços de petróleo mais elevados e atividade não petrolífera resiliente já alcançou um crescimento superior a 3%, estimando o FMI que em 2023 o país continue a ver o PIB aumentar na ordem dos 3,5%.

Portanto, assistimos a crescimentos superiores a 3% ao ano, que pelos nossos cálculos, mantendo-se o preço do petróleo e acelerando-se a liberalização dos mercados angolanos e o investimento estrangeiro, poderá acelerar para números na ordem dos 4% ou 5%, adotadas que sejam as políticas acertadas.

O otimismo que aqui partilhamos resulta do facto de o crescimento não petrolífero ter sido generalizado, apesar de um ambiente externo difícil, tal significando que o sector não petrolífero está a revivescer, bem como da atenção que vários países desenvolvidos com economias de mercado estão a prestar a Angola, como é o caso dos EUA, Espanha, França e Alemanha. Mencionem-se as recentes visitas a Angola do Rei de Espanha e do Presidente da República Francesa, Emmanuel Macron (Fevereiro e Março 2023).

Refira-se que a dívida que a relação dívida pública/PIB caiu cerca de 17,5 pontos percentuais do PIB, para estimados 66,1% do PIB, auxiliada por uma taxa de câmbio mais forte. Estima-se que a conta corrente tenha permanecido com um grande superávit em 2022, enquanto a cobertura das reservas em moeda estrangeira permaneceu adequada (dados FMI).

O facto é que o governo angolano tem, segundo o FMI, sabido adotar e manter sólidas políticas macroeconómicas e mantido um compromisso com reformas estruturais que são fundamentais para a economia de Angola.

REFORMAS NECESSÁRIAS

Entendemos que é na verificação de reformas estruturais fundamentais que reside o futuro da economia angolana. Destacamos algumas reformas que é necessário tomar e/ou continuar.

1-A primeira reforma, com impacto no médio e longo prazo, é fomentar a formação para a economia dos jovens. Formação não significa apenas, e talvez não na maioria, formação universitária, mas formação sólida no ensino básico e em aspetos profissionais. Defendemos, pois, que deve existir uma efetiva aposta no ensino profissional e técnico em Angola, antes de qualquer outro. Uma aposta real nas escolas e institutos profissionais e técnicos, que sejam vistos como alternativas valiosas ao academismo e não meras imitações universitárias (erro trágico dos politécnicos portugueses).

2-A segunda reforma acarreta a criação de mais condições para o investimento, já não a nível legal, onde existe um enquadramento moderno e atualizado por duas vezes durante a presidência de João Lourenço, mas ao nível judicial, administrativo e de boas práticas. O investidor deve-se sentir seguro para chegar e Angola e aplicar o seu dinheiro. Não deve ter medo de ficar sem ele devido a qualquer interferência de um oligarca, ou ver qualquer processo arrastar-se no tribunal. A celeridade e imparcialidade da justiça está ligada ao bom investimento.

3-Uma terceira reforma dedica-se ao setor financeiro, aí tem especial relevo o aumento do crédito às pessoas privadas e a resolução das fragilidades bancárias. Depressa há que fundir e capitalizar bancos, criando um setor bancário não dependente do Estado, do clientelismo ou da mera gestão da dívida pública.

Finalmente, entre outras mais reformas, destacamos o verdadeiro imperativo que é fazer mais progressos no fortalecimento da governação, e transparência, para melhorar o ambiente de negócios e promover o investimento privado.

Naturalmente, que continuar e acelerar a estratégia anticorrupção também é importante.

PLANO NACIONAL DE EMPREGO

Todas estas notícias devem ser enquadradas com o bem-estar da população e com os problemas graves ainda pendentes. Aquele que mais destacamos é o desemprego, que embora anotando uma ligeira descida, ainda se situa em valores muito altos, cerca de 30%.[2] Esta é uma área em que advogamos uma intervenção direta do Estado. É evidente que o aumento do PIB corresponde a uma diminuição de desemprego, no entanto, acreditamos que face os índices tão elevados de desemprego, no curto prazo é fundamental a atuação imediata do governo.

Nesse sentido, o recente anúncio da disponibilização pelo Banco Mundial de 300 milhões de dólares americanos para um projeto de aceleração da diversificação económica e criação de emprego[3] é de saudar. Não se conhecendo em detalhe o desenho desse programa de aceleração, a sua existência deve ser sublinhada, como também o anúncio anterior da ministra do Trabalho angolana da criação de um Programa Nacional de Emprego, com o objetivo de criar mais oportunidades de inserção de jovens no mercado de trabalho.[4] Também, neste caso, os dados são escassos acerca do desenho do Plano, sendo certo que o Presidente da República tinha declarado no discurso do Estado da Nação de 2022, a criação do referido Plano.

Até ao momento estas iniciativas referentes ao desemprego, embora positivas, parecem descoordenadas e pouco concretizadas. Por isso, a verdade é que Angola ganharia em ver um Plano Nacional de Emprego abrangente, específico e coordenado diretamente pelo Presidente da República, sem o que há o risco de não se implementar devidamente um Plano, que no curto prazo é fundamental para a economia e população angolana.

Fig.n. º1- Números fundamentais da economia angolana


[1] https://www.imf.org/en/News/Articles/2023/02/23/pr2352-angola-imf-executive-board-concludes-2022-article-iv-consultation-with-angola

[2] https://www.ine.gov.ao/

[3] https://correiokianda.info/banco-mundial-financia-usd-300-milhoes-para-fomento-do-emprego-em-angola/

[4] https://www.jornaldeangola.ao/ao/noticias/programa-nacional-de-emprego-e-implementado-este-ano/

A questão do capital em Angola

1-Introdução: FMI, políticas económicas sólidas e acumulação de capital

Ao contrário do que se pode entender de algumas análises e previsões económicas presentemente realizadas por algumas consultoras mais ou menos desconhecidas, a atual política económica angolana tem fundamentos sólidos. Tal é demonstrado pela recente avaliação do Fundo Monetário Internacional a propósito do acordo entre o fundo e Angola. A administração do FMI é clara ao declarar[1]: “The authorities [from Angola government] have supported the [economic] recovery through sound policies that aim to further stabilize the economy, create opportunities for inclusive growth and protect the most vulnerable in Angolan society.” (As autoridades [angolanas] têm apoiado a recuperação [económica] através de políticas sólidas que visam estabilizar ainda mais a economia, criar oportunidades de crescimento inclusivo e proteger os mais vulneráveis da sociedade angolana). [ênfase nossa].

Melhor endosso à política económica do governo seria difícil.

No entanto, a estabilização macroeconómica e o relançamento do crescimento económico são realidades diferentes. É necessário que exista um determinado motor que assegure o crescimento económico. É sabido que o modelo essencial de crescimento foi apresentado por Robert Solow (prémio Nobel da Economia em 1987), que explica que o crescimento depende essencialmente da acumulação de capital, sendo que o aumento do PIB resulta do aumento do stock de capital[2].

É conhecido que os últimos números do PIB angolano, respeitantes ao primeiro trimestre de 2021, são negativos em 3,4%. Portanto, a questão que se coloca agora é: como transformar políticas económicas sólidas em acumulação de capital e promover o crescimento do PIB?

2-O capital na economia angolana

O modelo essencial de crescimento da economia angolana, pelo menos a partir de 2021, não foi um modelo assente primordialmente no investimento, mas no consumo derivado de importações e no benefício direto das mais-valias provenientes do elevado preço do petróleo. Tal importou que o investimento que existiu fosse induzido pelo petróleo e não se estendesse à economia como um todo.[3]Refira-se, ademais, que uma boa parte dos ganhos em poupança dessa época não foi transformada em investimento doméstico, tendo sido transferido de Angola para o exterior. Dito de forma coloquial, houve uma fuga acentuadíssima de capitais de Angola para o estrangeiro, designadamente Portugal ou paraísos fiscais off-shore[4].

É público que este modelo faliu a partir de 2014, e levou a anos acentuados de crise recessiva após 2015. Ao mesmo tempo verificou-se que a contribuição da formação bruta de capital fixo (FBCF) em relação ao PIB começou a diminuir a partir desse ano (2015). Se reparamos em cada ano a FBC/ PIB foi respetivamente de 28.21 %,26.21 %,23.24 %, 17.19%. O número de 2018 (17,9%) assusta e torna mais relevante a discussão sobre a necessidade de capitalizar a economia angolana.

Figura 1: Formação Bruta de Capital Fixo em relação ao PIB

“O país tem défice de capital”[5] e esse problema tem de ser resolvido para haver crescimento. Este aspeto tem de ser um dos guias da futura política económica. Há que traçar um objetivo de fazer subir a taxa FBCF/PIB para níveis superiores, possivelmente, para os 25/26% que aconteceram em 2007 ou 2012 que asseguram níveis de crescimento do PIB (embora baseados no petróleo) de 14% e 8%. Agora tem de se proceder a nova capitalização não apenas baseada no petróleo.

É fácil diagnosticar. Angola tem falta de capital e necessita de forte investimento. As respostas é que serão mais custosas.

3-Aumentar o capital em Angola

O que fazer para acumular e aumentar capital em Angola?

A nossa resposta divide-se em duas perspetivas, a de curto-prazo e a de médio- prazo. Concentremo-nos no curto-prazo, fazendo depois uma breve referência ao médio-prazo, embora, seja evidente que há um continuum, pois o que se faz agora tem repercussões ao longo do tempo.

O executivo já tomou algumas medidas, que aliás reportámos em anteriores relatórios[6], como a Lei do Investimento Privado (LIP)-Lei n.º 10/18, de 26 de junho que deixou de exigir a obrigatoriedade de parcerias com cidadãos angolanos ou empresas de capital angolano e no seu artigo 14.º garante que o Estado respeita e protege o direito de propriedade dos investidores privados; o artigo 15.º estabelece que o Estado Angolano garante a todos os investidores privados o acesso aos tribunais angolanos para a defesa dos seus interesses, sendo-lhes assegurado o devido processo legal, proteção e segurança. Também as possibilidades de transferência de dividendos foram ampliadas. Aliás, em termos administrativos, há que anotar que em 2018, todas as solicitações para a transferência de dividendos acima dos cinco milhões de dólares (4,3 milhões de euros) foram concedidas a empresas estrangeiras que operam no país. E, mais importante, desde 2020, passaram a estar dispensadas de licenciamento do banco central angolano a importação de capital de investidores estrangeiros que queiram investir no país em empresas ou projetos no sector privado, bem como a exportação dos rendimentos associados a esses investimentos.

No entanto, tal não é ainda suficiente, e o investimento privado estrangeiro vai tardar, seja porque se está a iniciar um período eleitoral muito turbulento, seja porque há uma distração mundial com a Covid-19. Além disso, o executivo ainda não comunicou com toda a amplificação mundial, a abertura de Angola para os negócios. Mesmo assim, é fundamental que o executivo mantenha a orientação política de abertura ao investimento direto estrangeiro.

É preciso fazer mais no curto-prazo para aumentar o investimento em Angola e o subsequente crescimento económico. E aqui são deixadas três sugestões.

  • A sugestão inicial é a óbvia e assenta num reforço do investimento público. É fundamental que o governo se torne um indutor de investimento e que as mais-valias que surjam da subida do preço do petróleo e de eventuais apreensões na luta contra a corrupção sejam aplicadas em investimentos reprodutivos com resultados a curto-prazo.

As duas sugestões seguintes é que poderão ser mais inovadoras.

 Abordemos a primeira das sugestões mais heterodoxas. Como se referiu, uma boa parte das poupanças obtidas pelos angolanos em Angola foi remetida para o exterior, descapitalizando o país. Ora há que inverter isso.

  • Nesse sentido o governo deveria, em primeiro lugar, vender as participações e património adormecidos ou em que não haja interesse estratégico muito relevante, que tem no exterior. Com o resultado dessa venda constituiria um fundo de investimento para aplicar dentro de Angola. Portanto, a primeira proposta heterodoxa para aumentar o capital disponível em Angola consiste em vender o que haja no estrangeiro pertencente ao Estado (direta ou indiretamente) e colocar na economia angolana. Certamente, a posição da Sonangol no Millennium BCP deveria ser vendida e transformada em capital de investimento em Angola, e possivelmente a participação indireta na Galp, se não for possível chegar a um acordo estratégico com a família Amorim para melhor rentabilizar a posição angolana.
  • A segunda sugestão refere-se ao combate à corrupção. É preciso sair de um certo protelamento em que se entrou e dinamizar a recuperação de capitais.

Assim, o governo deveria abordar diretamente aqueles a que chama “marimbondos” e propor-lhes uma solução negociada para a sua situação. Ou entregam os bens que estão no estrangeiro para investimento em Angola, ou terão de cumprir longas penas de prisão. Em relação a esses bens seguir-se-ia o método acima enunciado: Desde que os preços de mercado fossem aceitáveis, tudo seria vendido e o capital retornaria a Angola para investimento de acordo com uma fórmula acordada entre ambas as partes.

Esta “negociação” não seria levada a cabo pelos meios comuns, mas por uma força especial a constituir em Angola e teria prazos curtos, não os prazos judiciais.

Terá de haver uma radicalização em ambos os sentidos no combate à corrupção. Mais eficácia na punição ou no perdão com repatriamento. Ao contrário do que aconteceu na anterior lei de repatriamento não se ficaria à espera, mas haveria uma atitude proativa por parte do executivo.

A título de mera ilustração poderia ser vendida a participação de Isabel dos Santos na NOS, a do general Kopelipa no banco BIG e em vários empreendimentos hoteleiros, os apartamentos que as antigas figuras possuem no Estoril, etc. O resultado destas vendas retornaria a Angola onde seria investido em termos a acordar entre o Estado e os antigos titulares.

Estas medidas elencadas, poderiam dar algum impulso à economia angolana e assim promover o crescimento económico no imediato.

Ao nível do médio-prazo o essencial é não existir corrupção desenfreada, serem criadas boas infraestruturas de comunicação, um aparato legal amigo do investidor e com tribunais rápidos e não corruptos, uma força de trabalho educada (isto não quer dizer que tenha de ter cursos universitários, mas as aptidões necessárias) e impostos razoáveis. Em resumo, um clima político e social convidativo para o investimento.


[1] IMF, Fifth review under the extended arrangement under the extended fund facility and request for modifications of performance criteria— press release; staff report, and statement by the executive director for Angola, Junho 2021, disponível em https://www.imf.org/en/Publications/CR/Issues/2021/06/30/Angola-Fifth-Review-Under-the-Extended-Arrangement-Under-the-Extended-Fund-Facility-and-461318

[2] Cfr. A recente reavaliação e descrição em Philippe Aghion, Céline Antonin e Simon Bunel (2021), The Power of Creative Destruction

[3] Cfr. Rui Verde (2021), Angola at the Crossroads. Between Kleptocracy and Development

[4] Cfr. por ex: Isabel Costa Bordalo, Angola com 60 mil milhões USD é terceiro em África na fuga de capitais,  https://www.expansao.co.ao/angola/interior/angola-com-60-mil-milhoes-usd-e-terceiro-em-africa-na-fuga-de-capitais-94979.html

[5] Jonuel Gonçalves (2021), Angola: Não é a Covid que está a provocar a crise económica, https://www.dw.com/pt-002/angola-n%C3%A3o-%C3%A9-a-covid-que-est%C3%A1-a-provocar-a-crise-econ%C3%B3mica/a-58859385

[6] CEDESA, (2020), A nova atractividade para o investimento internacional em Angola https://www.cedesa.pt/2020/03/09/a-nova-atractividade-para-o-investimento-internacional-em-angola/

Sinais e previsões de Verão para a economia angolana

Sinais

Os últimos números disponíveis do Instituto Nacional de Estatística acerca da economia angolana apontam para um decréscimo do PIB no 1.º trimestre de 2021 na ordem dos -3,4%, uma taxa de desemprego no mesmo trimestre de 30,5%, e uma taxa de inflação homóloga com referência ao mês de julho de 2021 de 25,72%[1] Nenhum destes números que refletem as grandezas macroeconómicas é animador no curto-prazo.

Contudo, há outras realidades económico-financeiras a considerar para se ter uma visão global do movimento em curso na economia angolana, e que permitem ter uma perspetiva mais otimista.

Em primeiro lugar, ao nível do saldo orçamental e da dívida pública, elementos essenciais do programa de apoio do Fundo Monetário Internacional (FMI) a expectativa é que o saldo orçamental de 2021 seja positivo, possivelmente acima dos 2% do PIB (adiante apresentaremos a nossa previsão). Em relação à dívida pública, como aliás havíamos previsto em anteriores relatórios, a sua sustentabilidade encontra-se consolidada, tal como reconhecido pelo representante do FMI em Angola muito recentemente (mais abaixo estará a nossa previsão).[2]

Em termos de taxa de câmbio com referência ao mês de julho de 2021, o Kwanza já se já apreciou 1,8% em relação ao dólar e 6,1% no que respeita ao euro, desde janeiro de 2021, quebrando forte período de forte desvalorização iniciado em 2018. A isto acresce que 3,5 anos depois da flexibilização cambial o gap entre as taxas no mercado formal e no informal está abaixo do objetivo de 20% anunciado pelo banco central na altura da liberalização, situando-se entre os 7% e 8% para o dólar e euro respetivamente. Note-se que no momento antecedente da liberalização o mesmo gap era de 159% e 167%.

Figura 1 – Variação da Taxa de Câmbio do Kwanza face ao dólar e euro (julho 2021)

Atualmente, alguns setores já anunciam o aumento da rentabilidade das exportações em virtude da política cambial favorável. É o caso do cimento, onde Pedro Pinto CEO da Nova Cimangola assegura que “Para potencializar as exportações a desvalorização da moeda ajudou, porque todos os custos que a empresa tem em moeda nacional, em dólares ficaram mais baixos e aumentou, desta forma, a competitividade da empresa para colocar produtos no mercado internacional. Ou seja, todos aqueles produtos que continuamos a comprar em Kzs e que não sofreram grandes variações de preços em dólares ficaram mais baixos e, portanto, permitiu que a empresa tivesse maior rentabilidade com as exportações.[3]

Referência também para o PRODESI (Programa de Apoio à Produção, Diversificação das Exportações e Substituição das Importações), que rendeu desde o início do ano mais de USD 29 milhões de dólares. Como principais produtos exportados, sublinhe-se o cimento, a cerveja, a embalagem de vidro, a banana, os sumos e refrigerantes e o açúcar[4].

Estes movimentos refletem-se ao nível da balança comercial. A balança comercial de Angola registou, no 1º semestre de 2021, um superavit de USD 8.381,9 milhões,[5] um aumento de 40,2 % face aos resultados registados no 2º semestre de 2020 (USD 5.978,8 milhões)[6]. Dentro deste quadro, registou-se um aumento das exportações em 25% naturalmente ainda influenciado pelo aumento das exportações do sector petrolífero em 28,4%.

Figura 2 – Balança Comercial de Angola e Trocas comerciais com a China

Mas também há que registar um aumento importante do comércio com um dos principais parceiros comerciais de Angola, a China. “As trocas comerciais entre Angola e China aumentaram 23,9% no primeiro semestre de 2021, para 10.550 milhões de dólares (8.985 milhões de euros), face ao período homólogo”[7]. De acordo com Gong Tao, embaixador da China em Angola, apesar dos efeitos adversos causados pela pandemia de covid-19, as empresas chinesas mantêm interesse em investir em Angola, salientando como exemplo as recentes construções de fábricas, uma dedicada à produção de azulejos e outra habilitada para a produção de contadores de energia e água.

Previsões de Verão 2021

Na modelação das perspetivas que aqui apresentamos entram em conta vários fatores, entre os quais destacamos os principais. Como primeiro elemento temos o cálculo do preço do petróleo (sempre um elemento determinante na economia angolana). Admitimos que o preço do brent manterá uma ligeira tendência de apreciação situando-se a um nível entre os 65 USD a 75 USD por barril. Faz parte também do nosso modelo uma relativa estabilização ou eventual apreciação do Kwanza face ao dólar e euro o que permite inverter algumas quebras do passado que foram meramente nominais devido à flexibilização da taxa de câmbio. Antevemos que a recuperação mundial pós-Covid-19 trará ânimo às exportações da economia angolana, como aliás já está a acontecer com a China. Finalmente, antecipamos que paulatinamente o ambiente para o investimento externo irá melhorando fruto das reformas legislativas e do empenho do poder político. Temos como exemplo recente os vários anúncios provenientes da Turquia. No final de julho de 2021, Angola e Turquia celebraram 10 acordos de cooperação, nos domínios da economia, comércio, recursos minerais e dos transportes, tendo já sido anunciado um aumento da balança comercial com Angola num valor a rondar os USD 500 milhões de dólares[8].  

Do ponto de vista dos obstáculos, há que referir a falta imensa de capital. Este é o elemento essencial para qualquer retoma sustentada, e também, a inexistência de diversificação da economia[9] e persistência da burocracia administrativa.

Tudo considerado o nosso modelo prevê que no ano de 2021 a economia angolana saia da recessão, e o crescimento do PIB atinja entre 1,4% e 1,75%.

O nosso modelo aponta para um excedente orçamental entre os 2,3% a 2,75%, dependendo da evolução do preço do petróleo até ao final do ano. E considerando a evolução da cotação do câmbio do Kwanza a nossa previsão é que em 2022, o ratio dívida pública/Produto Interno Bruto (PIB) se situe abaixo dos 100% obtendo uma maior consolidação.

Figura 3 – Modelo CEDESA – Previsões para a Economia Angolana

Consequentemente, prevê-se que o período inicial de forte ajustamento e contração da economia angolana chegue ao fim este ano, não existindo mais choques e controlando-se mundialmente a pandemia Covid-19.

O caso especial do Desemprego

Entendemos que o desemprego é um caso especial que deveria ter um tratamento diferenciado, quer estatisticamente, quer ao nível das políticas públicas. Em termos de estatísticas deve ser apurado melhor quem está ocupado com atividades informais produtivas remuneradas e quem não consegue efetivamente obter qualquer trabalho remunerado querendo. Há que evitar enviesamentos estatísticos que perturbam a adequada compreensão da realidade.

Por outro lado, é evidente que não vai ser o mercado ou a economia privada a resolverem no curto-prazo o problema da falta de emprego, sobretudo jovem. Nessa medida, apela-se às autoridades que desenvolvam um programa de tipo keynesiano de promoção de emprego eventualmente com recurso a capitais disponíveis do combate à corrupção, como temos defendido noutros relatórios. O Estado tem de gastar dinheiro na criação de emprego.


[1] Cfr. https://www.ine.gov.ao/

[2] Cfr. https://www.sapo.pt/noticias/atualidade/representante-do-fmi-em-angola-afirma-que_611bf099d1bccf29fd83b48c

[3] https://mercado.co.ao/grandes-entrevistas/a-desvalorizacao-da-moeda-permitiu-que-a-empresa-tivesse-maior-rentabilidade-com-as-exportacoes-XJ1038347

[4] https://www.angonoticias.com/Artigos/item/68811/prodesi-rende-mais-de-usd-29-milhoes-em-exportacoe

[5] https://www.bna.ao/Conteudos/Artigos/lista_artigos_medias.aspx?idc=15419&idsc=15428&idl=1

[6] https://www.angonoticias.com/Artigos/item/68824/balanca-comercial-regista-superavit-de-usd-83819-milhoes

[7] https://www.rtp.pt/noticias/economia/comercio-entre-china-e-angola-recupera-24-no-1o-semestre-apos-forte-quebra-em-2020_n1343994

[8] https://www.angop.ao/noticias/economia/angola-e-turquia-reforcam-balanca-comercial/

[9] Cfr, os elementos mais recentes sobre a participação setorial no PIB que demonstram o peso imenso e reforçado de setor do petróleo. https://www.bna.ao/Conteudos/Artigos/lista_artigos_medias.aspx?idc=15907&idsc=15909&idl=1

Os realinhamentos da política externa de Angola

1-Introdução. O reposicionamento geopolítico de Angola

No momento, em que terminamos este relatório, o Presidente da República de Angola encontra-se em Paris com o Presidente da República Francesa. Este encontro representa um dos pontos do realinhamento em curso da política externa de Angola. Basta lembrar que nos últimos tempos de José Eduardo dos Santos, os franceses estavam de “castigo” devido ao seu papel no Angolagate.

Angola não é um país indiferente. Tem desempenhado um papel geopoliticamente relevante ao longo da sua curta, mas intensa história após a independência. Primeiramente, foi um dos palcos violentos da Guerra Fria, onde americanos e soviéticos se digladiaram com a virulência que não podiam adotar noutras localizações geográficas. Angola acabou por ser um bastião soviético de grande nomeada, onde estes na realidade ganharam quando em confronto com os Estados Unidos. Depois da fase soviética, Angola foi mais uma vez inovadora e tornou-se o primeiro país africano a receber a nova China que se abria ao mundo e procurou em África um continente para a sua expansão e teste das suas ideias. Angola tornou-se um parceiro por excelência da China.

            Obviamente, sendo uma simplificação, do ponto de vista das grandes tendências a posição geopolítica de Angola começou por estar alinhada com a União Soviética e após a queda desta, com a China. Não se tratando dum país rabidamente antiocidental, muito longe disso, até porque Angola tem uma profunda influência da cultura europeia, o país ancorou-se em outras paragens ao longo do tempo.

Por várias razões, neste momento, Angola ensaia uma diferente aproximação geopolítica que tende a desvalorizar o papel quer da Rússia, quer da China, e a encontrar novas referências e diálogos políticos. Este texto debruçar-se-á sobre essa desvalorização, os novos vetores que influenciam o reposicionamento angolano, os países que agora desempenharão um papel mais relevante nas preocupações externas de Angola, além de uma curta nota sobre Portugal. Não se abordará a influência de Angola na África Austral e o seu papel de estabilização nos Congos.

2-O declínio da relação angolana com a Rússia e a China

O declínio da relação soviética (agora russa) com Angola é fácil de descrever. A aposta da União Soviética em Angola fazia parte de uma estratégia de longo-prazo de envolvimento do Atlântico Norte através dos países do Sul. A incursão em África que foi acelerada pela “perda” da influência no Médio-Oriente nos anos 1970s derivada do corte promovido por Sadat do Egipto e pelo aproveitamento oportuno de Kissinger. De repente, a União Soviética viu-se sem um dos suportes principais que tinha no Médio Oriente e de onde esperava condicionar os americanos. O certo é que essa situação levou a um aprofundamento de várias alternativas entre as quais mais tarde se destacou Angola. Naturalmente, que a queda do Muro de Berlim em 1989 e o final da Guerra Fria, com a consequente desagregação da União Soviética levaram a que o interesse russo em África esmorecesse consideravelmente. A Rússia que emergiu após o colapso de Gorbachev já não estava interessada em qualquer competição mundial com os Estados Unidos, mas na sua sobrevivência e transformação. Rapidamente perdeu o interesse em Angola.

            É certo que atualmente, Putin recuperou alguma da dinâmica imperial e procura alguma influência em África, mas ainda é de curto alcance e tem-se traduzido no envio de mercenários do grupo Wagner, que têm tido pouca eficácia, designadamente em Moçambique. Em Angola, não se nota uma atuação relevante da Rússia, sobretudo como parceiro essencial e determinante. Existem obviamente contactos e relações. Fala-se muito na influência russa em Isabel dos Santos, que será cidadã desse país, mas o certo é que não são visíveis investimentos ou laços russos com Luanda com manifesto relevo. Em 2019, foram anunciados investimentos russos em Angola de 9 mil milhões de euros, mas não se conhece sequência de tal. A isto acresce que a dívida pública externa de Angola à Rússia é zero de acordo com os dados do Banco Nacional de Angola (BNA), tendo sido liquidada na sua totalidade até 2019.

            Mais difícil é concluir pelo declínio da relação com a China. Na verdade, o investimento chinês em Angola tem vindo a crescer, pelo menos até 2020, e a dívida pública externa angolana face à China representava em 2020, 22 mil milhões de dólares, o equivalente a mais de 40% do total. A implantação chinesa em Angola é grande, bastando referir em termos sociológicos a relevância da Cidade da China.

            No entanto, há indícios que a preferência chinesa está a diminuir, ou pelo menos, a ser mitigada. O primeiro indício refere-se às negociações de um novo empréstimo que levou João Lourenço à China no início do seu mandato. As primeiras informações para a imprensa davam conta de montantes avultados a serem disponibilizados pela China, na ordem dos 11 mil milhões de dólares. A realidade é que houve variadas procrastinações nesse empréstimo, que acabou aparentemente para envolver uma quantia reduzida de 2 mil milhões de dólares que terá servido para fazer pagamentos de dívida angolana a empresas chinesas.

O certo é que se analisarmos a evolução da dívida pública externa angolana à China verificaremos que um houve um salto assinalável entre 2015 e 2016, de cerca de 11,7 mil milhões de dólares para 21,6 mil milhões de dólares, que a dívida atingiu o pico em 2017, 23 mil milhões de dólares e que desde aí tem vindo a diminuir com uma cadência significativa. Afigura-se que a China não se quer envolver mais com Angola, preferindo ir gerindo o atual envolvimento.

            Se da parte da China se poderá vislumbrar alguma recalcitrância na relação com Angola, da parte angolana também existem obstáculos. O primeiro deles é a natureza da dívida angolana à China. Muitos alegam que uma boa parte desta dívida é o que se chama “dívida odiosa”, isto é, serviu para beneficiar interesses privados corruptos e não o desenvolvimento do país. Existe a impressão que a opacidade com que se fazem os negócios com a China permitiu a criação de situações de corrupção demasiado evidentes e prejudiciais ao país. Assim, a dívida da China é, em parte, vista como dívida da corrupção. A isto acresce que surgiram problemas de qualidade nalgumas construções chinesas em Angola financiadas por dívida chinesa. Não está claro se essa falta de qualidade se deve a qualquer negligência chinesa ou a comportamentos censuráveis por parte de responsáveis angolanos, mas o certo é que a imagem persiste.

            Isto quer dizer que sendo ainda a China um parceiro fundamental de Angola, está-se, neste momento, numa espécie de fase de reavaliação. Forçosamente há que resolver o problema da dívida do passado ligada à corrupção, do modo de agir contratual demasiado opaco por parte da China e também as questões ligadas à qualidade. É uma tarefa exigente, mas necessária para reativar o interesse comum chinês e angolano.

            Se a relação com a Rússia não tem a relevância do passado e com a China está numa fase de reavaliação e recondicionamento, é evidente que Angola, sobretudo, atendendo às mudanças porque passa, terá que buscar novos parceiros ativamente.

3-Os novos vetores de atuação angolana: objetivos e países

A relação angolana com a Rússia e a China coincidiu com a necessidade de afirmar uma soberania própria e independente de interferências externas, e também da obtenção de fundos para a guerra e reconstrução pós-guerra. A atual política externa de João Lourenço coloca-se num patamar ligeiramente diferenciado, em que é importante congregar o apoio externo para as duas grandes reformas que estão a ser levadas a cabo internamente: a reforma económica e a luta contra a corrupção. Ambas as reformas necessitam de colaboração externa, sem o qual podem não sobreviver.

            A reforma económica assenta no chamado consenso de Washington proposto pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), embora os intelectuais e burocratas internacionais tenham já abandonado esta designação e a recusem. Ainda assim, implica a adoção de políticas de alargamento dos impostos e restrição da despesa com a respetiva consolidação fiscal. Naturalmente que este tipo de políticas é recessivo, aumenta, no curto-prazo, a crise económica em Angola. A grande forma de ultrapassar este efeito é obter investimento externo e muito. Aliás, diz a teoria seguida, que havendo estas reformas disciplinadoras do FMI, os investidores estrangeiros passam a confiar nos governos que as seguem e sentem-se seguros para investir. Em resumo, o investimento estrangeiro é o contrapeso necessário às reformas do FMI e a chave do sucesso destas. Consequentemente, não admira que um dos principais vetores da política externa angolana seja a aproximação a países com capacidade de investimento reprodutor assinalável e com provas dadas.

            Naquilo que diz respeito à luta contra a corrupção, o panorama que se apresenta é que, de uma maneira geral, são os países com potencialidades para investir em Angola, aqueles em que é necessária a colaboração judicial para recuperação de ativos ou traço de movimentos financeiros ilegais. As oligarquias angolanas que desviaram fundos públicos remeteram-nos para os países mais avançados ou com maior potencial financeiro.

Portanto, há um grupo de países que atualmente interessa de sobremaneira a Angola: são aqueles com capacidade de investimento eficiente e com um sistema financeiro por onde passaram muitos dos movimentos ilícitos de fundos angolanos, bem como onde se sedearam ativos comprados, possivelmente, com esses fundos. Neste momento, nem a China, nem a Rússia são países de onde se espere mais investimento, nem foram os locais escolhidos, aparentemente, para parquear bens ou ativos ilícitos. Ou se foram não há qualquer conhecimento do que lá se passa e está acolhido.

            É neste contexto que tem assumido relevância uma série de países. Um primeiro grupo são os países da Europa Ocidental que se têm destacado em visitas e anúncios de investimentos em Angola. No início deste mês de Abril de 2021, o primeiro-ministro de Espanha, Pedro Sanchez, fez uma visita a Angola. Esta visita foi acompanhada de grande empenho espanhol, afirmando Angola como um dos parceiros preferenciais de Espanha em África, e esta como uma grande aposta espanhola. Anunciou-se que Angola era a “proa” duma empreitada de Madrid a que chamou “Foco África 2023.” No ano passado, tinha sido a vez da Chanceler alemã Angela Merkel visitar Angola no âmbito de um Fórum Económico Angola-Alemanha e mais alargadamente de um Plano Marshall alemão para África. Também, o Presidente Macron anunciou uma visita a Angola, que tem sido adiada devido à Covid-19. Por sua vez o Presidente italiano já havia visitado Angola em 2019. Em relação ao Reino Unido não tem havido visitas deste nível tão elevado, mas começa a notar-se algum interesse por Angola devido às imposições do Brexit, que exigem novos mercados para o Reino Unido, embora haja um enorme desconhecimento.

            Às visitas têm sucedido variadas promessas de investimento da Europa Ocidental. A empresa italiana de petróleos (ENI) prevê investir sete mil milhões de dólares (5,9 mil milhões de euros), nos próximos quatro anos, na pesquisa, produção, refinação e energia solar, anunciou no início de abril de 2021. Antes empresários britânicos afirmaram pretender investir em Angola cerca de 20 mil milhões de dólares. Também a Alemanha e a França têm vários projetos em curso.

            Este eixo da Europa Ocidental tornou-se fundamental na política externa angolana, pois estes países necessitam de novos mercados e investimentos, para saírem da excessiva dependência da China, e no caso britânico, também para procurar alternativas pós-Brexit, e sendo mercado maduros, têm de ir ao encontro de onde está a juventude e o futuro, e isso está em África.

Conseguindo João Lourenço passar a imagem que rege um governo competente e com regras macroeconómicas estáveis e viradas para o mercado livre, os investidores espanhóis, franceses, britânicos, italianos ou alemães sentir-se-ão seguros para investir. Ao mesmo tempo, nestes países residem muitas das fortunas saídas de Angola, portanto, haverá oportunidade de criar mecanismos para a sua recuperação ou redirecção.

            Note-se que ao contrário do que se poderia pensar, esta Ocidentalização da política externa de Lourenço não passa por Portugal, mas indica uma abordagem direta entre os países europeus e Angola e vice-versa.

            A este eixo Europeu Ocidental há que adicionar outro, o eixo do Golfo. Os países do Golfo, em que se destacam os Emirados Árabes Unidos e a Arábia Saudita. Estes países, previamente dependentes do petróleo, entraram numa política de diversificação. O Dubai já há alguns anos e com tremendo sucesso. A Arábia Saudita ainda dá os primeiros passos, com a chamada Visão 2030, mas o certo é que querem investir fora do seu âmbito tradicional e encontrar novos mercados. Na verdade, o Dubai já tem vários investimentos em Luanda e uma sua empresa tomou agora conta do Porto de Luanda e na Arábia Saudita, Luanda abriu agora uma Embaixada, o que revela bem o interesse no reino. Por outro lado, como se sabe, o Dubai é um centro financeiro internacional de grande nomeada e por onde passou variada movimentação financeira angolana, bem como foi utilizado nos esquemas de fuga ao fisco no comércio de diamantes. Alegadamente, ao contrário do que tem sido a sua prática, o Dubai estará a colaborar com os pedidos de auxílio judiciário angolanos, representando um exemplo típico do novo eixo geopolítico que estamos a descrever, países com potencial de investimento e de colaboração judicial na luta contra corrupção.

            Sumariamente, concluímos que uma nova aproximação geopolítica angolana se centra nos países da Europa Ocidental e do Golfo Pérsico. Mas não se fica por aqui.

4-O potencial da Índia

            A quantidade de comércio entre a África Subsaariana e a Índia tem crescido de forma consistente, e hoje a Índia é um parceiro comercial fundamental de África. Relativamente a Angola, o país é hoje o terceiro exportador na África subsaariana mais importante para a Índia, quando em 2005 não tinha relevância. Em 2017, o Embaixador da Índia emitiu um comunicado no qual destacou: “O comércio entre Angola e a Índia aumentou 100% para US $ 4,5 biliões em 2017, (…) No final de julho, à margem da 10ª cimeira dos BRICS, em Joanesburgo, o presidente de Angola, João Lourenço, reuniu-se com o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, e os dois reafirmaram a necessidade de aumentar o comércio e a cooperação em áreas como energia, agricultura, alimentos e processamento farmacêutico.”. Há medida que a Índia vai crescendo e se tornando um ator muito importante a nível mundial, é normal que Angola olhe para este país com uma nova visão. Trata-se de um mercado milionário para onde uma imensidão das exportações angolanas pode chegar.

5-Estados Unidos da América. The ultimate prize

            A relação entre Angola e os Estados Unidos tem sido ambígua. Na verdade, mesmo nos tempos em que a administração norte-americana apoiava Jonas Savimbi e a UNITA, havia um relacionamento com Luanda ligado ao petróleo e à proteção das multinacionais americanas a operar em território dominado pelo governo do MPLA.

            Atualmente, os Estados Unidos representam tudo o que Angola deseja, o país do dólar com uma capacidade de investimento e inovação financeira invejável, com uma estrutura jurídica universalizante que permite lançar mão de múltiplos instrumentos legais por todo o mundo para perseguir as fortunas da corrupção. É também dos Estados Unidos que Angola necessita que sejam levantados os vários “sinais vermelhos” que foram sendo erguidos nos tempos de José Eduardo dos Santos e tornaram a vida financeira angolana muito mais difícil. Os Estados Unidos são o país chave para esta nova fase angolana de investimento externo e combate à corrupção, porque daqui pode vir os estímulos definitivos de avanço.

            De certa forma, João Lourenço teve azar em se deparar com Trump, quando necessitava dos EUA. É conhecido que Trump não tinha qualquer interesse em África, que apenas serviu para a sua mulher realizar uma viagem em trajes estilo colonial.  Pior teria sido impossível. Mas a indiferença americana não tem de ser um obstáculo a um maior empenho angolano nas relações com a superpotência. No início dos anos 1970, Anwar Sadat do Egipto também decidiu que se queria aproximar dos Estados Unidos. Estes ocupados com mil e uma crises, entre as quais se destacava o Vietname não deram qualquer atenção a Sadat, que não deixou de seguir a sua linha, expulsando os conselheiros soviéticos e iniciando uma aproximação aos norte-americanos.

Comparações e evoluções históricas à parte-Sadat acabou assassinado por ter assinado um acordo da paz com Israel sobre os auspícios americanos- o que parece mais lógico para Angola nesta fase é acentuar uma aproximação aos Estados Unidos, mesmo que estes não estejam atentos. E não estarão, pois entre a Covid- 19, a China e a Rússia, e múltiplas pequenas crises internas têm muito com que se ocupar. No entanto, o apoio efetivo e real dos EUA à nova política angolana é fundamental para que o país saia do marasmo e deixe de ter os condicionalismos financeiros externos, portanto, uma vigorosa aproximação à administração norte-americana seria aconselhável por parte de Angola, apesar da desconfiança mútua que existe.

6-Portugal é diferente

            A propósito da visita de Pedro Sanchez, primeiro-ministro espanhol, a Angola surgiu algumas críticas ao governo português, acusando-o de inação e de estar a ser ultrapassado por Espanha. Isto é um disparate. Nem Portugal pode pensar ter o monopólio das relações com Angola, nem sequer há qualquer perigo nas relações luso-angolanas. Portugal é sempre um caso à parte, a sua influência vem menos do governo e mais do soft power, da ligação umbilical que se mantém entre os povos de ambos os países. Luanda continua a parar quando o Sporting ganha o campeonato ou o Benfica tem um jogo muito importante, o destino preferido da maior parte dos angolanos é Portugal, as relações pessoais fáceis estabelecem-se entre portugueses e angolanos. Os empresários portugueses olham sempre para Angola como uma possibilidade de expansão dos seus negócios. As relações entre Angola e Portugal têm subjacente um entrosamento entre os povos antes da intervenção dos governos.

            A nível oficial o governo português é geralmente acolhedor em relação a Angola. Em 2005 acolheu os desejos de investimento angolano, atualmente, acedeu aos pedidos de cooperação judicial de Angola relativamente a Isabel dos Santos, como antes acabou por enviar o processo de Manuel Vicente para Angola após grande pressão de Luanda. Digamos que há uma porosidade manifesta da posição portuguesa, adaptando-se com facilidade às posições e necessidades de Luanda. Esta posição aliada ao interesse das elites angolanas em Portugal, tem acabado por consolidar uma boa relação entre os dois países, apesar de um ou outro solavanco. É evidente que após o 25 de Abril de 1974, Portugal desinteressou-se de África, fazendo como sua prioridade número um a adesão à Europa e o tornar-se um país moderno ocidental. Este projeto está um pouco enrodilhado desde 2000, mas não levou Portugal ainda a uma revisão do seu foco europeu, apenas o obrigou a um olhar mais prolongado para África, depois de décadas de desinteresse. Talvez exista um momento em que Portugal queira centrar a sua política externa nos países lusófonos, mas esta não é a altura, como não é para Angola, que quer abraçar outras fonias, como a anglófona e francófona, portanto, o melhor que os governos podem fazer é facilitar o máximo a vida aos seus povos que desejem trabalhar em comum e apoiar mutuamente as solicitações de cada uma das partes, mas pouco mais.

Conclusão

O sumário da nova posição geopolítica angolana é que Angola aposta nos vetores ligados ao investimento externo e combate contra a corrupção, assumindo relevância na política externa parcerias com a Europa Ocidental, Espanha, França, Itália, Alemanha, Reino Unido, com o Golfo Pérsico, Emirados e Dubai, e com a Índia. Ao mesmo tempo, antecipa-se um reforço das relações com os Estados Unidos. Portugal terá sempre um lugar à parte.


Bibliografia utilizada

-Banco Nacional de Angola-Estatísticas- www.bna.ao

-Douglas Wheeler e René Pélissier, História de Angola, 2011

-Ian Taylor, India’s rise in Africa, International Affairs, 2012

-José Milhazes, Angola – O Princípio do Fim da União Soviética, 2009

-Robert Cooper, The Ambassadors: Thinking about Diplomacy from Machiavelli to Modern Times, 2021

-Rui Verde, Angola at the Crossroads. Between Kleptocracy and Development, 2021

-Saudi Vision 2030- https://www.vision2030.gov.sa/en

-Tom Burgis, The Looting Machine. Warlords, Tycoons, Smugglers and the Systematic Theft of Africa’s Wealth, 2015.

-Factos públicos e informativos retirados da Lusa, DW, Jornal de Negócios, Jornal de Angola, Angonotícias e Novo Jornal.

Clarões de otimismo na Economia Angolana no início de 2021

0-Introdução. Um diferente foco para a análise económica angolana

As consultoras que se dedicam ao estudo da economia angolana seguem uma metodologia conjuntural em que a narrativa predominante assenta nos números negativos sobre os agregados macroeconómicos e suas eventuais perspetivas.

No entanto, uma análise mais detalhada da evolução da economia de Angola sugere que por detrás dos números da inflação, do desemprego, do crescimento do PIB e da dívida pública, que são pouco animadores,[1]estão a ocorrer um conjunto de reformas políticas públicas aliadas ao reforço de determinadas tendências económicas que indicarão a construção de uma nova realidade económica mais positiva para Angola.

Este estudo versa sobre os elementos positivos que apontam para a correção do rumo da economia angolana num sentido mais consistente com a necessária prosperidade.

A-Tendências positivas na economia angolana

1-O Fundo Monetário Internacional (FMI) e a reforma das políticas públicas

Um primeiro elemento que permite lançar uma luz diferente sobre as perspetivas da economia angolana reside na recente avaliação realizada pelo FMI. Na verdade, a 11 de janeiro passado, o Conselho Executivo do FMI concluiu a quarta revisão do Acordo de Mecanismo do Fundo Alargado para Angola e aprovou o desembolso de mais USD 487,5 milhões.[2]

O importante nesta decisão é a avaliação positiva que o FMI faz da reforma das políticas públicas angolanas. Afirma o FMI que: “As autoridades [angolanas] alcançaram um ajuste orçamental prudente em 2020, que incluiu ganhos de receitas não petrolíferas e contenção de despesas não essenciais, preservando simultaneamente as despesas essenciais com redes de saúde e segurança social. A aprovação do orçamento de 2021 em dezembro consolida esses ganhos. As autoridades também permitiram que a taxa de câmbio funcionasse como um amortecedor de choques e começaram a implementar uma mudança gradual em direção a uma restrição monetária para enfrentar as crescentes pressões sobre os preços”[3].

De acordo com o que explicita o FMI, a política económica seguida pelo governo angolano desenvolve-se nos seguintes vetores:

-A estabilização das finanças públicas que é a pedra angular da estratégia das autoridades. E nesse particular, o governo alcançou um forte ajuste orçamental em 2020. Ademais, o seu orçamento para 2021 consolida os ganhos de receitas não petrolíferas e a contenção das despesas do orçamento para 2020, enquanto protege as despesas sociais e de saúde prioritárias.

Esses avanços ajudam a reduzir a dependência do orçamento das receitas do petróleo.

-Reformulação e gestão da dívida pública. O governo tem implementado acordos de reformulação do perfil da dívida, além de ter beneficiado da extensão da Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida até o final de junho de 2021, o que proporcionará um alívio significativo do serviço da dívida e ajudará a reduzir os riscos relacionados à sustentabilidade da dívida. Sobre a reformulação e gestão da dívida pública desenvolveremos abaixo.

-Política monetária restritiva e flexibilização cambial. Depois de ter atenuado a restrição monetária para mitigar o choque da COVID-19, o Banco Nacional de Angola (BNA) começou, novamente, a fazer face ao aumento das pressões inflacionistas através do aperto da política monetária. É necessário um maior aperto gradual da política monetária para reduzir a inflação. A flexibilidade da taxa de câmbio serviu como um amortecedor valioso durante a crise. Estão em curso esforços para desenvolver um mercado de câmbio liberalizado.

-Reforma do setor financeiro. O progresso contínuo nas reformas do setor financeiro foi fundamental, especialmente a conclusão da reestruturação dos dois bancos públicos em dificuldades. A adoção oportuna da revisão da Lei do BNA e da revisão da Lei das Instituições Financeiras é a chave para continuar este progresso.

Finalmente, o FMI destaca o aspeto fundamental que está subjacente a todas a reforma política que é a manutenção do combate à corrupção.

O que se vê claramente desta avaliação do FMI é que o governo está a seguir uma política reformista assente nos pressupostos enunciados por esta organização internacional, estando a implementar reformas difíceis.

É sabido que muitas destas políticas FMI têm um efeito inicial recessivo, especialmente a consolidação orçamental quando implica aumento de impostos e corte de salários e subsídios, e também a política monetária restritiva para combater a inflação. Portanto, não admira que o primeiro resultado da adoção das políticas do FMI seja a recessão e não o crescimento.

O que se espera é que esta “arrumação da casa” crie as condições para um crescimento sustentado e virtuoso da economia angolana.

Figura n.º 1-Políticas económicas do governo angolano aplaudidas pelo FMI

2-Gestão e reformulação criteriosa da dívida pública

O executivo seguiu uma estratégia adequada ao negociar inicialmente com a China a questão da dívida pública. Como descrevemos em anteriores relatórios, a dívida chinesa é chave para Angola, pois representa cerca de 50% dos compromissos externos.[4]Consequentemente, foi importante, antes de tudo garantir os termos adequados com a China, que embora não sejam do conhecimento público, aparentemente implicam um acordo de suspensão de pagamentos por três anos. Também a adesão já referida ao programa do FMI sobre suspensão de dívida permitiu margem de manobra para o governo. De referir, que os Eurobonds sobre os quais se tem escrito muito e apontado vários perigos, têm um peso menor no total da dívida angolana, rondando os USD 8 mil milhões, não havendo assim, ao contrário, do que se poderia pensar uma pressão exagerada sobre as finanças angolanas neste âmbito.

Assim sendo, por agora, a questão da pressão da dívida pública parece atenuada e dentro das capacidades de gestão do governo.

3-Recuperação meridiana do preço do petróleo

Como também tínhamos antecipado, depois de uma baixa abrupta do preço do petróleo no início da pandemia (Março de 2020) seguir-se-ia uma subida[5], que está paulatinamente a acontecer.

A realidade, é que seguindo uma tendência já bem evidente no final do ano, o barril de brent atingiu finalmente uma cotação acima dos 55 dólares, valor esse que já não era atingido desde finais de Fevereiro de 2020, o mês anterior ao início da pandemia. Sendo ainda o indicador mais relevante para a economia angolana, e considerando que o orçamento para 2021 foi calculado com base em USD 33 por barril, temos uma margem financeira de mais de USD 20. Trata-se de uma “almofada” adicional na gestão das finanças públicas angolanas.

É evidente que não se sabe por quanto tempo esta subida do preço do petróleo se manterá. O empenho da nova administração Biden no Acordo de Paris, a evolução da economia chinesa, as decisões de corte ou aumento de produção por parte da Arábia Saudita e a manutenção das restrições derivadas da pandemia Covid-19 são fatores que podem implicar uma nova descida do preço do petróleo.

Portanto, os movimentos do preço do petróleo são sempre uma incógnita e estes momentos de subida devem ser aproveitados pelo governo para reforçar as suas reservas para futuros investimentos reprodutivos e sociais.

Fig. n.º 2- Evolução do preço do Brent desde Fevereiro 2020

4-Diminuição das importações cesta básica e produção agrícola com relevância continental

A política de diversificação aliada à promoção da indústria nacional através da substituição das exportações tem sido outra “bandeira” deste governo. Esta política permite duma assentada reduzir a dependência externa e criar uma indústria nacional próspera.

Sendo ainda extemporâneo tirar qualquer conclusão definitiva sobre os resultados desta política, surgem alguns números que podem ser animadores, pelo menos em relação à dependência das importações e do gasto de divisas com o comércio externo.

Segundo dados fornecidos pelo Ministério da Indústria e Comércio, Angola conseguiu registar uma redução de quase 100 milhões de dólares na importação de produtos da cesta básica e outros bem essenciais no último mês de 2020, face ao mesmo período homólogo – dezembro de 2019. Em Dezembro de 2019, o Governo desembolsou 250 milhões de dólares para importações, enquanto que no mesmo período de 2020, apenas gastou 152 milhões de dólares[6].

Em concreto, há a assinalar a redução na importação do açúcar, que passou de 2,1 milhões de toneladas, em 2019, ao custo de 17,6 milhões de dólares, para 1.472 toneladas, ao custo de 831.121 dólares. Quanto à importação de arroz corrente, em 2019 Angola importou 136.985 toneladas no valor de 37,2 milhões de dólares e em 2020, apenas 59.505 toneladas, a um valor de 10,5 milhões de dólares. Naquilo que se refere ao frango (a carne mais consumida em Angola), é de referir também uma redução considerável, comparativamente a 2019. Nesse ano, importou-se 46.385 toneladas, por 51,5 milhões de dólares, enquanto que no ano passado, adquiriu-se apenas 32.447 toneladas, por um valor pouco superior a 25 milhões de dólares.

Figura n.º 3- Comparação das importações homólogas de produtos da cesta básica (Dez.2019/2020 em USD milhões)

Estes são apenas alguns dos produtos destacados na redução considerável das importações, contudo esta tendência revelou-se geral nos restantes produtos que compõem a cesta básica.

Para que estes números sejam considerados um sucesso é preciso cotejá-los com o consumo interno dos mesmos bens, e perceber se a diminuição de importações se deveu a uma substituição por produtos internos ou apenas reflete uma descida da procura fruto da crise económica.

Neste último caso, ainda que representem uma poupança de divisas, não significam um sucesso de política, mas um decréscimo da qualidade de vida da população. Contudo, mesmo nesta situação, os investidores nacionais devem ficar alerta para avançarem com investimentos nestas áreas de forma a corresponderam a futuro aumento da procura.

Estatísticas publicadas pelo Ministério da Indústria e Comércio angolano e divulgadas pela agência noticiosa portuguesa Lusa dão conta da sustentabilidade reforçada de alguma produção agrícola angolana.

Angola afirma-se como produtor agrícola de nível continental. Angola é o maior produtor africano de banana e sétimo no mundo com uma oferta de 4,4 milhões de toneladas, de acordo com a mais recente tabela do Fundo das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO). De salientar, que a banana continua a ser a fruta mais produzida e consumida no mundo. Angola, particularmente, há mais de seis anos que se declarou autossuficiente na produção de banana, com realce para as províncias do Bengo e Benguela. Nestas províncias, empresas privadas já exportam o fruto para países como Portugal, Zâmbia, Congo Democrático e planeiam fazer chegar a fruta aos Estados Unidos, o maior consumidor mundial[7].

Em relação à mandioca, Angola tem uma produção anual estimada em mais de 11 milhões de toneladas de mandioca, sendo hoje o terceiro maior produtor de África, depois da Nigéria e o Gana, e quer apostar na sua transformação em amido.[8]

5-Novos investimentos e exportações. Dois exemplos: Rio Tinto e Ouro

A ministra das Finanças afirmou recentemente à Reuters: “Estamos a construir um futuro (através do nosso programa de reformas) que prioriza o investimento directo (não apenas com a China, mas com outros parceiros). Queremos adicionar valor para a nossa Economia, criar empregos. Queremos que o dinheiro fique. Pedir emprestado é uma opção, mas estamos a tentar mudar a forma que nos relacionamos com os nossos parceiros”.[9]

Verifica-se assim que o governo aposta no investimento direto para reanimar a economia e também no aumento das exportações.

Há dois exemplos recentes que são importantes sublinhar neste âmbito. O primeiro é a entrada da poderosa multinacional Rio Tinto no mercado angolano. Aparentemente, tal perspetiva irá concretizar-se este ano.[10]

Também com importância está a primeira exportação de ouro extraído na Huíla em 2020, no montante de mil e seiscentas e noventa e seis onças enviados para Portugal e para os Emirados Árabes Unidos, o que corresponde, ao preço atual, a mais de três milhões de dólares. Obviamente, que o relevante não é a quantidade de ouro exportada, mas o início de uma tendência. Tal como a entrada da Rio Tinto é importante se marcar uma tendência que traga outros grandes investidores como a Anglo-American ou a DeBeers.

Nenhum destes investimentos é muito firme ainda. A sua referência é importante pelo facto de puderem representar eixos futuros de desenvolvimento da economia angolana, agora em semente.

Figura n.º 4-Sinais de otimismo na economia angolana

B-Ajustamentos necessários de políticas

O exposto demonstra que o governo angolano prossegue uma política de reforma económica amparada essencialmente nas receitas do FMI: i)equilíbrio orçamental e controlo da dívida, encarando-se a solvabilidade financeira como condição sine qua non para o crescimento económico; ii) política monetária restritiva para controlar a inflação; iii) política cambial flexível, permitindo uma desvalorização da moeda que fomente as exportações e dificulte as importações; iv) aposta no investimento e setor privado como motores da economia.

No fundo, a política seguida corresponde àquilo que em tempos se chamou o consenso de Washington.[11]Este é o pacote standard de reformas adotado pelo FMI, Banco Mundial e Departamento do Tesouro norte-americano desde finais dos anos 1980s e que corresponde a um modelo liberal da economia, assente na prudência fiscal e mercado livre.

Naturalmente, que este modelo tem potencialidades para Angola, mas não chega. Não existem ainda em Angola instituições suficientemente fortes para garantir o funcionamento de um mercado livre em que uns não acabem por dominar os outros e criar situações oligopolistas e ineficientes, como não há setor privado suficientemente robusto para se tornar o motor da economia.

Fazer depender a reforma económica de Angola apenas de reformas inspiradas no Consenso de Washington não é suficiente, é preciso uma visão mais alargada.

Essa visão mais alargada tem de implicar uma reforma institucional estrutural. Tal significa que os direitos de propriedade têm de ser clarificados abandonando a confusão que a coletivização da propriedade gerou e ainda gera, os tribunais têm de ser colocados a funcionar, a burocracia deixar de ser um empecilho, e obviamente a grande corrupção ser erradicada. Além da reforma institucional estrutural, tem de se perceber que o Estado tem um papel a desempenhar nesta nova fase. Não há setor privado robusto em Angola, nem tudo poderá ser entregue a investidores estrangeiros com perspetivas de curto-prazo. Tem de se arranjar um misto entre Estado e setor privado. Aliás é assim que os países ocidentais mais avançados funcionam, apesar de retórica. É importante adotar o conceito avançado por Mariana Mazzucato de Estado Empreendedor.[12]

O ponto a considerar na reforma económica em Angola é que o papel do governo, nas economias mais bem-sucedidas, foi muito além de criar as infraestruturas certa e definir as regras. O Estado é um agente fundamental para alcançar o tipo de inovação que permite às empresas e economias crescerem, não apenas criando as “condições” que permitem a inovação. Em vez disso, o estado pode criar proativamente uma estratégia em torno de novas áreas de elevado crescimento antes que o potencial seja compreendido pela comunidade empresarial financiando a fase mais incerta da investigação em que o setor privado seja avesso ao risco, buscando novos desenvolvimentos, e muitas vezes até supervisionando o processo de comercialização.

Além do mais, as políticas recessivas do FMI, mesmo sendo necessárias, devem ser compensadas por outro tipo de políticas que aliviem a carga socialmente depredadora daquelas. Em resumo, deve existir um mix de políticas reformistas mais abrangente e adequado a Angola, para que no final os primeiros clarões de sucesso tenham resultados sustentados.

C-Conclusões

Há que ver para além dos números conjunturais negativos da economia angolana e entender que existe uma política reformista da economia que começa a dar os primeiros frutos e marcar algumas tendências novas. Essa política tem sido aplaudida (e possivelmente aconselhada) pelo FMI, e aqui reside a sua força e fraqueza. Força, porque contém algumas medidas indispensáveis para sanear e economia angolana e lançá-la na senda do crescimento. Força também, porque a sua adoção e concretização traz o elogio e apoio do FMI e organizações irmãs. Contudo, essa política também tem fraquezas, entre as quais se destacam a falta de atenção à reforma institucional, a fraqueza do setor privado em Angola, os efeitos recessivos de políticas contracionistas, entre outros.

Consequentemente, havendo sinais de otimismo nas perspetivas de médio-prazo da economia angolana é necessário aperfeiçoar a política económica que está a ser seguida, incluindo a intensificação das reformas institucionais que garantam que o poder judicial funciona, a burocracia não atrapalha, a corrupção não desvia recursos. Além disso, deve ser revisto o papel do Estado como parceiro empreendedor do setor privado.


[1] Cfr.os números mais recentes: Desemprego 34% (III trimestre 2020), Inflação homóloga 25,19% (Dezembro 2020/Dezembro 2019), Crescimento do PIB -5,8% (III trimestre 2020) em https://www.ine.gov.ao/

[2] Vide https://www.imf.org/en/News/Articles/2021/01/12/pr216-angola-imf-executive-board-completes-4th-review-of-the-eff-arrangement-approves-disbursement

[3] Idem

[4] https://www.cedesa.pt/2020/05/05/porque-a-china-deve-reduzir-a-divida-de-angola/

[5] https://www.cedesa.pt/2020/06/03/angola-petroleo-e-divida-oportunidades-renovadas-2/

[6] https://www.noticiasaominuto.com/mundo/1663059/angola-importou-menos-100-milhoes-de-dolares-de-produtos-da-cesta-basica

[7] https://www.plataformamedia.com/2020/12/15/angola-e-o-maior-produtor-de-banana-em-africa-ha-seis-anos/

[8] https://www.noticiasaominuto.com/economia/1663123/angola-e-terceiro-maior-produtor-africano-de-mandioca

[9] https://www.minfin.gov.ao/PortalMinfin/#!/sala-de-imprensa/noticias/8787/angola-prioriza-investimento-directo-nao-apenas-com-a-china

[10] https://mercado.co.ao/negocios/diamantifera-endiama-quer-concretizar-entrada-da-rio-tinto-em-angola-HC1004823

[11] Cfr. https://piie.com/commentary/speeches-papers/what-washington-means-policy-reform e https://web.archive.org/web/20170715151421/http://www.cid.harvard.edu/cidtrade/issues/washington.html

[12] Ler em https://www.wook.pt/livro/the-entrepreneurial-state-mariana-mazzucato/19312561

Proposta de um esquema-piloto de garantia de emprego em Angola

Introdução: a magnitude do problema do desemprego e a necessidade de uma resposta governamental sistemática

Em Angola, no terceiro trimestre de 2020, a taxa de desemprego situou-se nos 34%[1]. Este número corresponde a um aumento em cadeia (i.e., em relação ao trimestre anterior) de 9,9% e homólogo (referente ao mesmo período de 2019) na ordem dos 22%[2]. Face a estes dados, qualquer que seja a perspetiva adotada, é fácil verificar que o desemprego é um problema fundamental e grave com que se deparam a economia e sociedades angolanas.

Fig. n.º 1- Evolução recente da taxa de desemprego em Angola (2017-2020). Fonte: INE-Angola

Até ao momento, o governo reconhece esse problema, mas aposta na retoma da economia ao nível do setor privado, para resolver a questão, acreditando que o Estado pouco pode fazer para enfrentar a situação. A solução está no crescimento económico e no dinamismo empresarial, afirma o executivo. O Presidente da República, João Lourenço, foi claro no último discurso do Estado da Nação quando afirmou: “prioridade da nossa agenda é: trabalhar para a reanimação e diversificação da economia, aumentar a produção nacional de bens e de serviços básicos, aumentar o leque de produtos exportáveis e aumentar a oferta de postos de trabalho.” João Lourenço realiza uma ligação indelével entre a diversificação da economia e o aumento da produção nacional e a descida do desemprego.

No fundo, o governo estriba-se no tradicional postulado enunciado pelo economista norte-americano Arthur Okun, segundo o qual existiria uma relação linear entre as mudanças na taxa de desemprego e o crescimento do produto nacional bruto: a cada crescimento real do PIB em dois por cento corresponderia uma diminuição do desemprego em um por cento[3]. A verdade é que vários estudos empíricos não confirmam em absoluto esta relação empírica, e nos anos mais recentes em vários países do mundo, um aumento do PIB não tem levado a um decréscimo acentuado do desemprego, enquanto, noutros casos tem, portanto, é difícil estabelecer uma relação permanente entre desemprego e PIB. A isto acresce que a magnitude do desemprego em Angola implicaria que para diminuir a taxa para os, ainda assustadores, 24%, o PIB teria de crescer 15%…

A questão fundamental é que o problema do desemprego em Angola não é conjuntural, mas estrutural, isto quer dizer que está intimamente conectado às deficiências permanentes da economia angolana e não tem uma mera dependência do ciclo económico.

O facto de o problema do desemprego ser estrutural e duma retoma económica para os anos 2021 e seguintes apenas se situar entre os 2 a 4% do PIB[4], de acordo com as presentes projeções do FMI, implicam que tal animação da economia venha a ter pouco impacto no emprego.

Neste sentido, é fundamental entender-se que a solução do problema do desemprego não depende apenas do mercado e da retoma económica, exige, pelo menos no curto prazo, a intervenção musculada do Estado. É neste contexto que surge esta proposta de experiência piloto.

Fig. n.º 2- Projeções de crescimento do PIB Angola (2021-2024). Fonte: FMI

Uma experiência-piloto de garantia de emprego em Angola

Partindo da primeira experiência de garantia universal de emprego do mundo, projetada por investigadores da Universidade de Oxford e administrada pelo Serviço Público de Emprego Austríaco, que tem lugar na cidade austríaca de Marienthal[5], aplicar-se-ia a mesma metodologia a uma localidade específica em Angola, possivelmente, a um município concreto em Luanda.

Segundo este regime a implementar a título experimental num município de Luanda seria oferecida uma garantia universal de um emprego devidamente remunerado a todos os residentes que estão desempregados há mais de 12 meses.

Além de receber formação e assistência para conseguir trabalho, os participantes teriam garantido o trabalho remunerado, devendo o Estado subsidiar 100% do salário numa empresa privada ou empregar participantes no setor público ou ainda apoiar a criação de uma microempresa. Todos os participantes receberiam pelo menos um salário mínimo fixado de acordo com o Decreto Presidencial que regula a matéria adequado a uma vida com dignidade.

O esquema-piloto funcionaria da seguinte forma:

1) Todos os residentes do município de Luanda escolhidos, que estejam desempregados há um ano ou mais, serão convidados incondicionalmente a participar no esquema-piloto.

2) Os participantes começam com um curso preparatório de dois meses, que inclui formação individual e aconselhamento.

3) De seguida, os participantes serão ajudados a encontrar um emprego adequado e subsidiado no setor privado ou apoiados para criar um emprego com base nas suas competências e conhecimento das necessidades de sua comunidade ou ainda serão empregues pelo Estado.

4) A garantia de emprego assegura três anos de trabalho para todos os desempregados de longa duração, embora os participantes possam optar pelo trabalho a tempo parcial.

Fig. n.º 3- Descrição sumária do esquema-piloto de emprego

Além de eliminar o desemprego de longa duração na região, o programa visa oferecer a todos os participantes um trabalho útil, seja na pavimentação de ruas, em pequenas reparações comunitárias, numa creche, na criação de um café comunitário, no acesso a água e energia, saneamento básico, na reconstrução de uma casa, ou em algum outro campo.

O esquema-piloto é projetado para testar os resultados e eficácia da política e ser depois estendido a mais áreas do país.

Financiamento

“No âmbito do processo de recuperação de ativos, o Estado já recuperou bens imóveis e dinheiro no valor de USD 4.904.007.841,82, sendo USD 2.709.007.842,82 em dinheiro e USD 2.194.999.999,00 em bens imóveis, fábricas, terminais portuários, edifícios de escritório, edifícios de habitação, estações de rádio e televisão, unidades gráficas, estabelecimentos comerciais e outros.”

Assim, falou o Presidente da República no mais recente discurso do estado da Nação acima mencionado.

Ora, nada melhor do que destinar uma parte destas verbas recuperadas ao fomento do emprego. Consequentemente, utilizar-se-ia um montante daí retirado para se criar um Fundo de Desenvolvimento do Emprego que chamaríamos simplificadamente, por causa da origem dos montantes, “Fundo dos Marimbondos”. Este Fundo receberia parte dos ativos recuperados e iria usá-los para financiar iniciativas de fomento de emprego como a aqui apresentada. Dinheiro retirado no passado da economia retornaria a esta para fomentar trabalho para as novas gerações.

Com este modelo de autofinanciamento ficariam arredadas eventuais constrições impostas pelo Fundo Monetário Internacional ou a necessidades de contenção orçamental. O fomento do emprego teria fundos próprios resultantes da luta contra a corrupção. Não parece existir melhor destino do dinheiro que esse.

Fig. n.º 4- Financiamento do esquema-piloto


[1] https://www.ine.gov.ao/

[2] https://www.ine.gov.ao/images/Idndicador_IEA_III_Trimestre_2020.PNG

[3] Arthur M. Okun, The Political Economy of Prosperity (Washington, D.C.: Brookings Institution, 1970)

[4] https://www.imf.org/en/Countries/AGO#countrydata

[5] https://www.ox.ac.uk/news/2020-11-02-world-s-first-universal-jobs-guarantee-experiment-starts-austria

A Sonangol e a reinvenção da economia angolana

Este é um tempo de reinvenção para Angola. A Sonangol deixou de ser o motor da economia angolana e é necessário encontrar um novo propulsor. Há duas razões para a necessidade de superar o modelo económico assente num único produto -o petróleo.

A primeira razão é a própria Sonangol. Os resultados referentes a 2019, apresentados pela petrolífera angolana são desanimadores do ponto vista estrutural. Se bem que apresentem lucro, esse lucro deriva de resultados extraordinários irrepetíveis e os elementos essenciais da operação petrolífera estão estagnados: a produção não aumenta, as vendas não superam o nível de anos anteriores. O resultado líquido empresa foi de USD 125 milhões. Mas, as receitas mantiveram-se estáveis face ao ano anterior. A Sonangol produziu cerca de 232 mil barris de petróleo bruto por dia, número semelhante ao passado e realizou vendas de USD 10.231 milhões o que representa uma redução de 4% face ao exercício de 2018.

Em resumo, a exploração de petróleo já não sustenta convenientemente a Sonangol. Não sustentando a Sonangol não sustenta o país.

A esta estagnação da Sonangol, junta-se o facto de o petróleo estar a ser cada vez mais encarado com ceticismo, procurando-se apostar em energias alternativas e afastando-se o uso do ouro negro. Este obviamente não é um processo de curto-prazo, mas terá sido acelerado com a pandemia Covid-19. O petróleo ainda terá subidas de preços, eventualmente picos de maior procura, mas tudo indica que os anos glutões terão acabado, pois surgirão outras fontes energéticas que substituirão mais ou menos paulatinamente o petróleo. Basta ver que nos últimos meses o preço do barril Brent oscilou entre os USD 53 em Outubro de 2019, os USD 60 em Janeiro de 2020, os USD 12,78 em Abril ou os USD 40,7 recentemente. Contudo, nunca mais voltou aos números de 2014 em que muitas vezes estava acima dos USD 100.

Estes dois motivos levam a que a economia angolana tenha de se reinventar, e mais depressa do que julga. Não é uma mera questão de reestruturar a Sonangol e focá-la no negócio do petróleo. Não chega, pois esse negócio está estagnado. É a própria economia que necessita de reestruturação, o que no jargão oficial do governo angolano se chama diversificação.

O problema é que a diversificação implica a criação de uma nova oferta na economia angolana, da produção de bens e serviços não existentes no passado recente. E para existir produção é necessário investimento. Investimento obriga, obviamente, à aportação de capital.

E aqui entramos num outro problema que afeta a economia angolana que é o da falta de capital e das políticas recessivas que intensificam essa falta. Seguindo os parâmetros escolhidos pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e a ortodoxia neoclássica da economia está a ser imposto a Angola um programa de contenção/ diminuição da dívida pública e redução do déficit.

Temos muitas dúvidas se tal programa se justifica no caso da economia angolana, sobretudo considerando os aportes doutrinários na Teoria Monetária Moderna, mas o facto é que está a ser seguido tal programa de corte de despesa e aumento de impostos.  Ora a prossecução de tal política acaba por limitar a disponibilidade de capital para investimento, seja público, seja privado. Portanto, inviabiliza a denominada diversificação que tão necessária é para superar a estagnação da Sonangol.

Assim, o panorama com que se confronta neste momento a economia angolana é difícil. Por um lado, o seu motor- a Sonangol-está parado, por outro, a criação de capital para mobilizar investimento produtivo para diversificar a economia encontra-se em estrangulamento devido às políticas recessivas adotadas. Isto tem reflexos óbvios nos números da economia. O crescimento do PIB é negativo, na ordem dos – 3,6%. O desemprego assume o número assustador de 32,7% e a inflação de 22,8% (homólogo agosto de 2020). Nenhum destes números é animador.

A economia angolana precisa de coragem política para inverter este estado de coisas.

A Sonangol tem de ser reestruturada, mas como empresa de energia e não meramente de petróleo. Na realidade, não lhe basta focar-se no petróleo, haverá que se apresentar com uma empresa moderna de energias renováveis, aproveitando, por exemplo, o sol. Se recentemente o Reino Unido, anunciou que se quer transformar na Arábia Saudita do vento, Angola pode ser a Arábia Saudita do sol. Portanto, é necessária uma reestruturação imaginativa da Sonangol.

Simultaneamente, tem de ser abandonada a política económica recessiva. Se bem que deva existir disciplina orçamental e não se pagarem obras duas vezes ou liquidar salários a funcionários fantasmas, bem como não contrair dívida pública para alimentar bolsos privados, o certo é que a política de rigor financeiro deve ser complementada por uma política de estímulo fiscal que permita construir uma suficiente base de capital para proceder ao investimento reprodutivo necessário. Uma política fiscal pró-investimento público e privado é fundamental na reinvenção da economia angolana.

UM PLANO DE RELANÇAMENTO DA ECONOMIA ANGOLANA

INTRODUÇÃO

Em crise desde 2015, e suportando constantes choques económicos, uns esperados e outros assimétricos, as previsões que vão surgindo para a economia angolana são muito desanimadoras, agora em virtude da “guerra” comercial entre a Rússia e a Arábia Saudita que faz baixar o preço do petróleo, que também se encontra debaixo de pressão devido ao Covid-19. Esta pandemia, por sua vez implica um cenário recessivo ou, pelo menos, pouco estimulante para a economia mundial. Assim, parece que Angola está destinada a uma prolongada recessão, que segundo alguns pode implicar o não pagamento da dívida pública e colocar em causa as reformas políticas e legais do Presidente João Lourenço.

Os mais recentes números oficiais dão conta que no mês de Fevereiro de 2020, “o Índice de Preços no Consumidor Nacional (IPCN) divulgado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) apresentou uma variação mensal de 1,72%, abaixo da registada no mês anterior (2,05%), resultando numa variação homóloga de 18,74%, acima da observada em igual período de 2019 (17,95%)[1].” Significa tal número que a inflação, depois de um período de descompressão, está novamente a acelerar.

Em termos de reservas verificou-se que “as Reservas Internacionais Líquidas fixaram-se em USD 10,89 mil milhões, o que representou uma diminuição de 3,92% face ao mês de Janeiro (USD 11,34 mil milhões).” Enquanto, que o “stock das Reservas Internacionais Brutas situou-se em USD 16,39 mil milhões em Fevereiro 2020, contra USD 16,84 mil milhões em Janeiro (-2,61%), equivalente a um grau de cobertura de importações de bens e serviços de 8,34 meses.”. Também, neste particular a situação se encontra em degradação.

O PIB continua com tendência a recuar. Os últimos números oficiais dizem respeito ao 3.º trimestre de 2019 e demonstram uma contracção homóloga de -0,8%. A nível de desemprego a situação também não é animadora, a taxa de desemprego situa-se nos 30,7%, sendo que nas áreas urbanas atinge os 41,1% e na população jovem até aos 24 anos alcança os 56,1%.[2]

A verdade é que o modelo económico assente na exploração petrolífera no estímulo do consumo desenvolvido a partir de 2002, com o fim da Guerra Civil, esgotou as suas potencialidades, se é que alguma vez as teve. Nos últimos anos do mandato do Presidente José Eduardo dos Santos, este viu-se incapaz de fazer face à crise, e o que se tem verificado é que, apesar do voluntarismo indiscutível do novo Presidente João Lourenço, nos primeiros 2,5 anos do seu mandato também não tem obtido resultados. A esta falha de resultados em modificar o modelo que estava em vigor, junta-se agora a crise conjugada proveniente da quebra acentuada do preço do petróleo e dos efeitos recessivos da pandemia trazida pelo Covid-19.

Figura n.º 1: Pressões sobre a Economia Angolana

No entanto, face a estes problemas acumulados e acentuados, o governo de Angola tem a oportunidade de responder com determinação, encetando uma reforma radical da economia que definitivamente resolva a situação em que o país se encontra.

AS VANTAGENS DA ECONOMIA ANGOLANA

O óbvio. Angola não é um país pobre. É importante recapitular as riquezas de Angola. No sector agrícola dispõe, entre outros, de bananas, cana-de-açúcar, café, sisal, milho, algodão, mandioca, tabaco, legumes, gado, produtos florestais e peixe. Na indústria, petróleo; diamantes, minério de ferro, fosfatos, feldspato, bauxite, urânio, ouro, cimento, produtos metálicos básicos, processamento de peixe, processamento de alimentos, fabricação de cerveja, produtos de tabaco, açúcar, têxteis e reparação de navios.

Além dos aspectos estritamente económicos, o país tem uma população jovem e em crescimento, uma acentuada unidade nacional e estabilidade política, e um governo com pendor reformista.

Do ponto de vista geo-estratégico é um país com aproximação ao Ocidente, Estados Unidos, Portugal, França, Reino Unido, Espanha, França, mas também com fortes laços com a China, a Rússia e Israel, e em desenvolvimento com a Índia e a Turquia. Além do mais faz parte da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), que tem perspectivas de acentuar a integração económica dos seus membros, e também da Comunidade Económica dos Estados da África Central (ECCAS). Este posicionamento universalista e integrador angolano permite-lhe ambicionar alcançar os mais variados mercados mundiais e criar as mais estreitas relações económicas internacionais, bem como desenvolver integração económica regional em África.

Quer isto dizer que os fundamentos essenciais para o desenvolvimento económico existem. Riqueza natural, possibilidades de mercado e um governo empenhado. Portanto, o problema situa-se na descoordenação de políticas de desenvolvimento económico e na falta de visão conjunta.

O que é fundamentalmente necessário é criar o enquadramento institucional adequado, o clima social propício e as políticas correctas para tirar o país do atoleiro em que caiu. Não é uma fatalidade, nem uma condenação a que Angola esteja sujeita.

Figura n.º 2-Vantagens da Economia Angolana

A NECESSIDADE DE UMA REFORMA ECONÓMICA DE LARGO ALCANCE (BIG BANG)

É possível estabelecer um plano para relançar, com sucesso, a economia angolana. Para que isso aconteça são necessárias algumas transformações de abordagem, bem como a concepção e implementação desse plano. Existem as condições de base para o sucesso.

Além do apelo ao Fundo Monetário Internacional (FMI), não tem sido muito clara qual a política económica do governo de João Lourenço. Isso acontece porque os responsáveis económicos e financeiros são muitos e com filosofias diversas, e os programas anunciados também múltiplos. Tal multiplicidade não permitiu ver um fio condutor, que efectivamente não existiu. Se a nível doméstico se enredou nalguma confusão, a opção pelo FMI trouxe a vantagem da credibilidade e de um financiamento, mas não resolveu os problemas estruturais da economia, o que tem sentido. O FMI está vocacionado para intervenções conjunturais, genericamente viradas para o controlo dos aspectos monetários e financeiros da economia, designadamente, déficit orçamental e dívida pública. Como veremos adiante, estes aspectos representam apenas uma parte da reforma global necessária.

Programa e equipa económica

A primeira tarefa do governo para sair desta crise é apresentar um único programa económico ao país, e não uma multidão de siglas, bem como uma equipa económica pequena, coesa e determinada. O foco e a tenacidade devem estar presentes nas decisões económicas e não na feudalização do processo decisório e da responsabilidade. Um programa e uma equipa são factores determinantes.

FMI, déficit orçamental e dívida pública

O papel do FMI tem de ser revisto por forma a este ser uma mais-valia para o país e não um obstáculo ao crescimento, como neste momento está a ser em países diferentes como o Egipto, Tunísia ou Jordânia. O FMI tem imposto medidas de cariz financeiro a estes países que não estão a gerar crescimento económico e podem colocar em causa a sua estabilidade política. Isso não deve acontecer em Angola.

A nível do Orçamento Geral do Estado (OGE) o importante não é cortar despesa ou aumentar receitas per si. O fundamental é ter um OGE verdadeiro, transparente e tecnicamente correcto. Verdadeiro implica que os negócios corruptos, os funcionários fantasmas e as obras inexistentes sejam retiradas do OGE. Por aqui poupa-se certamente mais do que com qualquer corte de manual económico. Transparente significa que se sabe onde é gasto o dinheiro e o que tem de ser controlado é controlado, e tecnicamente correcto quer dizer que são utilizadas as mais modernas técnicas para elaborar o OGE. Deve ser, portanto, na metodologia orçamental, controlar como se faz a despesa, remover os fantasmas, combater a corrupção, que o FMI deve ajudar. Não deve ser a querer aumentar impostos ou cortar despesas reais.

Quanto à dívida pública é um mito falar da sua grandeza. A dívida pública só é grande quando não pode ser paga. O que tem de haver é uma gestão prudente do endividamento e do rendimento disponível para o pagar, sendo que só deve ser contraída para objectivos úteis e reais, e evitar uma situação em que haja o perigo público de não a pagar.

O ponto em que o FMI pode ajudar não é em exigir cortes absurdos que só perturbam um país em crise com uma população empobrecida. O auxílio do FMI situa-se na metodologia, apresentar contas certas, claras e com destino transparente. Certamente, que os investidores se acreditarem que Angola tem contas certas e transparentes, se preocuparão menos com o déficit e dívida e mais com o seu investimento.

O papel do Governo será, depois de ter contas certas e transparentes, apresentar um quadro macroeconómico estável e previsível.

O papel do Estado

É no papel do Estado que reside a chave do sucesso de uma grande reforma económica.

1-Reforço das instituições e clima de mercado -A primeira tarefa a que o Estado tem de se dedicar é na criação de instituições e de um clima social propício ao investimento e ao funcionamento do mercado. Isto implica que os tribunais não sejam vistos como corruptos ou defendendo os interesses dos generais ou ministros-empresários, que a abertura negócios seja simples, abolindo a necessidade de Alvarás para iniciar a maior parte dos negócios, como acontece até agora.  Segundo o relatório do Banco Mundial “Doing Business. Angola 2020” demora entre 15 a 45 dias a obter um Alvará para começar um negócio. Isso é desde logo um factor de corrupção. São necessárias repartições públicas que atendam bem e com celeridade e agências de investimento transparentes. Além disso, nos sectores onde não existem mercados concorrenciais, há que os criar, promover a entrada de novas empresas nesses sectores e levantar as barreiras legais, administrativas e técnicas a esses novos acessos. É urgente criar mercados funcionais, sem barreiras à entrada e à competição. Provavelmente, tal passará por derrubar monopólios e oligopólios instalados, levando à cisão obrigatória das firmas existentes que dominam os mercados. Há que estudar cada mercado de bens e serviços, identificar aqueles em que há firmas dominantes que fixam preços altos, e obrigar essas firmas a dividirem-se e/ou a deixarem outras firmas entrar.

2- Kick-Start estratégicos. O próprio Governo há-de reflectir quais são as áreas que reputa essenciais para o desenvolvimento do país e aí deve investir ou promover o investimento em empresas mistas que ocupem espaços não requeridos pelos privados. Deve o Estado concentrar os seus recursos no apoio à criação de empresas de futuro, como por exemplo fábricas de energia solar que assegurem o abastecimento de electricidade à economia.

3-Privatizações. É tempo de avançar com um programa sério de privatizações. Não nos referimos, obviamente, às fazendas ou pequenas fábricas de sacos de cimento, que até agora têm constituído uma espécie de mini-privatização. É preciso chamar a atenção do mundo com a privatização de 30% da Sonangol, 30% da Endiama, 50% da Unitel, 100% dos bancos comerciais todos. Um grande e mundial programa de privatizações.

4-Programa de investimento directo para Emprego e Infra-estruturas. Este programa é de características puramente Keynesianas. Em rigor, é necessário um programa de obras públicas, construção de infra-estruturas e melhoria das condições de vida da população que necessite obrigatoriamente de contratar mão-de-obra nacional. Aqui o papel do Governo é óbvio e consiste na construção de infra-estrutuas básicas para o desenvolvimento: aeroportos, portos, estradas, redes de telecomunicações, hospitais e escolas.

5-Integração económica regional. É igualmente importante criar zonas de mercado único efectivo, que permitam a livre-circulação de bens com países vizinhos, como os Congos, e abrir realmente as fronteiras internas da SADC e da ECCAS.

Figura n.º 3- Aspectos do Plano de Relançamento Económico

Figura n.º 4- Plano de Relançamento Económico


[1] Banco Nacional de Angola, disponível online em https://www.bna.ao/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=175&idl=1&idi=16773

[2] Instituto Nacional de Estatística de Angola, disponível online em https://www.ine.gov.ao/images/Desemp_IEA.pdf