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O SALTO DO DINOSSAURO- Novas tecnologias e boa governação
/in Propostas Políticas /by CEDESA-EditorRui Verde
Comunicação à Conferência Nacional sobre Boa Governação
Organização da Inspecção Geral de Administração do Estado
Luanda
15 de Janeiro de 2025
A grande questão que confronta a governação de Angola, como a de muitos países que sentem ter capacidade para muito melhor, dispõem de amplos recursos naturais e de uma população jovem, ativa e impaciente, é a questão do salto. Como saltar rapidamente tornando-se um país desenvolvido, próspero e justo para todos?
Nos estudos antigos de economia, havia um autor fundamental, Alfred Marshall, cujo livro Principles of Economy era a base do conhecimento da economia neoclássica. Na abertura do livro, Marshall tinha inscrito o velho dito Natura non facit saltus (a natureza não salta). Com isto, Marshall seguindo Leibniz e Darwin, expressava a ideia de que as coisas e as propriedades naturais mudam gradualmente, e não repentinamente. Quereria isto dizer que não seriam possíveis longos saltos, apenas uma evolução gradual.
Contudo, Stephen Jay Gould, um paleontólogo e historiador da ciência norte-americano veio demonstrar que a evolução da natureza não é exatamente assim, apresentando a chamada teoria do equilíbrio pontuado. A teoria propõe que a maior parte da evolução é caracterizada por longos períodos de estabilidade evolutiva, pontuados por períodos rápidos de especiação, de saltos abruptos. A teoria contrastava com o gradualismo, a ideia popular de que a mudança evolutiva é marcada por um padrão de mudança suave e contínua no registo fóssil. Em suma, Gould comprovou que os dinossauros também saltam.
Naquilo que se refere ao desenvolvimento de um país, uma boa hipótese é que o impulso para este salto será dado pela boa governação em conjunto com a exploração inteligente das novas tecnologias.
A boa governação é uma expressão em que o conselho uti, non abuti (usar, não abusar) deve predominar, para não se tornar num conceito vazio e inexpressivo. Por exemplo, olhando para o Índice de Boa Governação de Fundação Mo Ibrahim verificamos que a Boa Governação para eles inclui a segurança e estado de direito, participação, direitos e inclusão, oportunidades económicas e desenvolvimento humano. Por sua vez, estas categorias subdividem-se em subcategorias. É um exercício interessante, mas no final do dia impossível, dando razão aos versos de Camões “o mundo todo abarco e nada aperto.”
A generosidade dos conceitos acarreta na sua raiz a sua ineficácia. Não interessa tudo incluir na Boa Governação, para no final não termos nada a não ser boas intenções. Assim, é melhor cingirmos a Boa Governação a dois aspetos que desde sempre se exigiram ao governante, fosse ele imperador, rei, presidente, chanceler ou outro qualquer. Eficácia na concretização das necessidades do país em cada momento do processo histórico e consentimento popular. Eficácia e consentimento são as bases duma boa governação. O governante tem de ter a capacidade de produzir o efeito desejado ou um resultado esperado. Em termos mais simples, tem de conseguir atingir os objetivos que lhe são exigidos pela situação histórica. Esses objetivos são definidos de forma ampla e espontânea pela comunidade política, incluindo os manifestos dos partidos vencedores, os discursos ou proclamações do chefe de estado, a opinião consensual emergente da opinião pública, o sentir da população medido através de sondagens. E o que é importante num espaço e tempo pode não ser noutro.
Contudo, essa eficácia e os objetivos a atingir estão submetidos à necessidade da governação ter consentimento popular. Consentimento popular refere-se à aceitação ou apoio geral da população em relação a uma decisão, política ou governante. Consentimento popular não implica necessariamente o modelo democrático como seguido na atualidade, pode ser esse ou outro modelo qualquer através do qual exista a necessária sensibilidade e canal de comunicação adequado entre povo e governante.
É muito importante definir a boa governação, para evitar o vácuo.
Quanto às novas tecnologias, elas podem ter um papel preponderante. Mas antes há sempre que chamar a atenção para os perigos que Jamie Susskind no seu livro The Digital Republic invoca: os sistemas digitais baseiam-se em regras escritas por pessoas que ao criar determinados algoritmos não sindicáveis ficam com um enorme poder não controlado. O que parece neutro e técnico, no final é político e moral. Enfatizado este ponto verifiquemos alguns exemplos de uma ligação virtuosa entre boa governação e novas tecnologias.
Nos Índices realizados pela ONU, a Estónia costuma surgir como o país mais avançado do mundo em e-government. Tem havido várias notícias de deslocações do ministro de Estado e da Casa Civil, Dr. Adão de Almeida, à Estónia. Assim, o país e as suas práticas são já sobejamente conhecidos em Angola, pelo que não vou ser redundante, apenas focando os pontos que parecem mais salientes.
A utilização ampla de novas tecnologias resultou antes de tudo de investimentos em infraestruturas e tecnologias de ponta, como a inteligência artificial, a computação em nuvem e a banda larga. Simultaneamente, a Estónia é o lar de 10 unicórnios e a produzir 10 vezes mais start-ups per capita do que a média europeia. As empresas de TIC da Estónia ajudaram a construir a sociedade digital mais avançada do mundo.
Portanto, temos um conjunto virtuoso que permite a utilização de novas tecnologias para a boa governação: investimento em inteligência artificial, computação nuvem e banda larga complementada pela liberdade e promoção de criação de empresas tecnológicas de ponta.
Há assim uma parceria Estado-sector privado para a digitalização e implementação das novas tecnologias. O Estado não tem capacidade para fazer tudo, nem os privados.
Em concreto, 99% de todos os serviços públicos estão acessíveis online. Um total de 88% dos agregados familiares dispõem de capacidade Internet, estando também disponíveis ligações Wi-Fi em mais de 1100 locais públicos, incluindo todas as escolas. Na Estónia, 88% da população com idades compreendidas entre os 16 e os 74 anos utiliza a Internet e estes cidadãos utilizam regularmente serviços eletrónicos. Mais de 95% das declarações de imposto sobre o rendimento foram apresentadas através do e-Tax Board em 2022, enquanto quase todas (mais de 99%) das transações bancárias são efetuadas através da Internet.
Todos os residentes possuem um cartão de identidade eletrónico da Estónia que funciona como um elemento de identidade digital, e é um documento de identidade físico e, na União Europeia, também um documento de viagem.
Um empresário pode até criar uma empresa na Estónia diretamente a partir do seu dispositivo pessoal. O registo do portal e-Business para a constituição e registo de uma empresa pode demorar apenas 18 minutos.
A política é também uma atividade digital. Desde 2005, todos na Estónia podem votar eletronicamente através da Internet, utilizando um cartão de identificação ou um documento de identificação móvel, a partir de casa ou mesmo durante viagens ao estrangeiro.
Além dos investimentos mencionados e da criação de um ecossistema empresarial centrados nas novas tecnologias há dois temas base fundamentais sem os quais não é possível a utilização das novas tecnologias para a boa governação. O primeiro, que não se focará aqui é a reforma da administração pública, desburocratizando-a e tornando-a numa estrutura ao serviço do cidadão. Administrações públicas eficientes satisfazem as necessidades dos cidadãos e das empresas. É essencial que as autoridades públicas sejam capazes de se adaptar às novas circunstâncias.
Nesse sentido, em Angola tenho de fazer referência aos sites que utilizo com mais frequência e que de um modo geral correspondem às expectativas. Um é o site do Ministério das Finanças. Sobretudo naquilo que se refere ao OGE está muito completo, acessível, com fácil acesso e compreensão. Os relatórios, os quadros, os números estão organizados e é fácil entender.
Outros dois que têm tido melhorias substanciais são os sites do Tribunal Supremo e do Tribunal Constitucional. Contudo, para facilitar o investigador, os acórdãos publicados deviam ter um curto sumário, de preferência realizado pelo juiz relator, acompanhado de palavras-chave. É que como estão agora, torna-se quase impossível fazer uma análise jurisprudencial. Por curiosidade, verifico que o último acórdão publicado no Constitucional (na altura em que escrevo) já tem o objeto mencionado. Talvez seja o anúncio de uma boa evolução.
O outro tema fundamental, que constitui uma síntese hegeliana da boa governação e novas tecnologias é a educação. Sem educação não é possível o uso das novas tecnologias como se fez na Estónia, e por outro lado, a educação pode ser uma das maiores beneficiárias das novas tecnologias e de uma aplicação concreta da boa governação.
A educação é a chave e o resultado do exímio uso das novas tecnologias por um país bem governado.
Todos reconhecem que há um déficit escolar ao nível do ensino básico em Angola. Fala-se de 5 milhões de crianças fora do sistema de ensino. Não é demais acentuar a gravidade do tema, como também, é evidente que não há meios para reproduzir o sistema em vigor assente em mais escolas físicas e mais professores. Os números são imensos e impossíveis. Por isso, é fundamental mudar o paradigma, abdicando da abstração e generalização que as leis impõem tornando-se impraticáveis, e procurado soluções diferenciadas, diversas e inovadoras. Não se pode pensar a escola ainda segundo o modelo prussiano-industrial com uma lei que tudo regula de igual forma e que apenas permite e repetição de um modelo de escola por vezes infinitas. É a receita para o falhanço.
Num mundo ideal, os professores do ensino primário em Angola seriam todos bem formados, altamente motivados e a sonhar com lições vibrantes. Na realidade, esta possibilidade não é viável. Por isso, há que ter soluções radicais para abranger o maior número de estudantes de forma consistente.
Em primeiro lugar, temos de distinguir os locais com acesso a rede e a sistemas de comunicações de internet e outros que não têm. É em relação a estes últimos que se deve focar o investimento físico, construindo edifícios e formando professores. Em relação aos locais com acesso a rede, além das estruturas físicas já existentes, o modelo de aprendizagem deve ser radicalmente diferente. O professor será sobretudo um facilitador que transmitirá aulas bem-elaboradas escritas por uma equipa central e que lhes são enviadas em tablets eletrónicos. As instruções definem exatamente o que escrever no quadro e até mesmo quando caminhar fazendo a apresentação. Planos igualmente detalhados determinam as verificações diárias que os diretores devem realizar para garantir que a sua equipa está em dia. O que este facilitador tem de saber é usar os meios eletrónicos, ler e transmitir. No fundo, funcionará como um terminal de uma linha eletrónica divulgando o seu conteúdo a uma miríade de alunos.
Um estudo realizado no Quénia realizado por Michael Kremer, economista vencedor do Prémio Nobel (2019), e colegas de quatro universidades americanas – acompanhou mais de 10.000 crianças que se candidataram a vagas gratuitas nas escolas que adotavam estes métodos. Ao fim de dois anos, verificou-se que as crianças aprenderam muito mais do que os foram para as escolas tradicionais.
A grande vantagem do método é o seu custo baixo, o que permite um maior número de crianças a aprender. Como se disse, os professores são facilitadores, pelo que podem ter apenas o ensino secundário, o que fomentaria largamente o emprego jovem, tão necessário.
É evidente que o sistema padronizado digital pode ter muitas críticas, desde logo a promoção de uma aprendizagem mecânica, a desvalorização social do papel do professor, a falta de elasticidade no conhecimento. É verdade. Mas tem uma vantagem fundamental, permite uma muito maior cobertura de estudantes a menor custo e vai introduzi-los aos meios digitais de imediato.
É muito mais importante dar a todas as crianças instrumentos básicos de conhecimento, mesmo que não sejam os ideais, mesmo que existam sistemas diferentes, mesmo que uns tenham professores e escolas e outros tablets e facilitadores, do que deixar milhões sem nada.
Esta é a verdadeira escolha.
Termina-se como se começou. Angola pode dar o salto do dinossauro. Só tem de usar de forma inteligente e local as novas tecnologias para garantir a boa governação.