A vida social em Angola é muito viva e, neste momento, os assuntos políticos e judiciais dominam a agenda do país. No entanto, é no domínio da economia que se regista uma evolução extremamente significativa sobre a qual é importante refletir e proceder a uma análise cuidada.
O recente (Fevereiro de 2023)[1] relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI)sobre o país sublinha os avanços favoráveis da economia angolana e também as reformas necessárias. É com base nesse relatório que vamos enunciar as principais tendências de Angola no campo económico e os pontos nevrálgicos para evitar recaídas como a que originou a última longa recessão que começou na presidência de José Eduardo dos Santos.
TENDÊNCIAS POSITIVAS
A economia de Angola está em franca recuperação após a recessão que durou cinco anos (2016-2020). Em 2022, apoiada por preços de petróleo mais elevados e atividade não petrolífera resiliente já alcançou um crescimento superior a 3%, estimando o FMI que em 2023 o país continue a ver o PIB aumentar na ordem dos 3,5%.
Portanto, assistimos a crescimentos superiores a 3% ao ano, que pelos nossos cálculos, mantendo-se o preço do petróleo e acelerando-se a liberalização dos mercados angolanos e o investimento estrangeiro, poderá acelerar para números na ordem dos 4% ou 5%, adotadas que sejam as políticas acertadas.
O otimismo que aqui partilhamos resulta do facto de o crescimento não petrolífero ter sido generalizado, apesar de um ambiente externo difícil, tal significando que o sector não petrolífero está a revivescer, bem como da atenção que vários países desenvolvidos com economias de mercado estão a prestar a Angola, como é o caso dos EUA, Espanha, França e Alemanha. Mencionem-se as recentes visitas a Angola do Rei de Espanha e do Presidente da República Francesa, Emmanuel Macron (Fevereiro e Março 2023).
Refira-se que a dívida que a relação dívida pública/PIB caiu cerca de 17,5 pontos percentuais do PIB, para estimados 66,1% do PIB, auxiliada por uma taxa de câmbio mais forte. Estima-se que a conta corrente tenha permanecido com um grande superávit em 2022, enquanto a cobertura das reservas em moeda estrangeira permaneceu adequada (dados FMI).
O facto é que o governo angolano tem, segundo o FMI, sabido adotar e manter sólidas políticas macroeconómicas e mantido um compromisso com reformas estruturais que são fundamentais para a economia de Angola.
REFORMAS NECESSÁRIAS
Entendemos que é na verificação de reformas estruturais fundamentais que reside o futuro da economia angolana. Destacamos algumas reformas que é necessário tomar e/ou continuar.
1-A primeira reforma, com impacto no médio e longo prazo, é fomentar a formação para a economia dos jovens. Formação não significa apenas, e talvez não na maioria, formação universitária, mas formação sólida no ensino básico e em aspetos profissionais. Defendemos, pois, que deve existir uma efetiva aposta no ensino profissional e técnico em Angola, antes de qualquer outro. Uma aposta real nas escolas e institutos profissionais e técnicos, que sejam vistos como alternativas valiosas ao academismo e não meras imitações universitárias (erro trágico dos politécnicos portugueses).
2-A segunda reforma acarreta a criação de mais condições para o investimento, já não a nível legal, onde existe um enquadramento moderno e atualizado por duas vezes durante a presidência de João Lourenço, mas ao nível judicial, administrativo e de boas práticas. O investidor deve-se sentir seguro para chegar e Angola e aplicar o seu dinheiro. Não deve ter medo de ficar sem ele devido a qualquer interferência de um oligarca, ou ver qualquer processo arrastar-se no tribunal. A celeridade e imparcialidade da justiça está ligada ao bom investimento.
3-Uma terceira reforma dedica-se ao setor financeiro, aí tem especial relevo o aumento do crédito às pessoas privadas e a resolução das fragilidades bancárias. Depressa há que fundir e capitalizar bancos, criando um setor bancário não dependente do Estado, do clientelismo ou da mera gestão da dívida pública.
Finalmente, entre outras mais reformas, destacamos o verdadeiro imperativo que é fazer mais progressos no fortalecimento da governação, e transparência, para melhorar o ambiente de negócios e promover o investimento privado.
Naturalmente, que continuar e acelerar a estratégia anticorrupção também é importante.
PLANO NACIONAL DE EMPREGO
Todas estas notícias devem ser enquadradas com o bem-estar da população e com os problemas graves ainda pendentes. Aquele que mais destacamos é o desemprego, que embora anotando uma ligeira descida, ainda se situa em valores muito altos, cerca de 30%.[2] Esta é uma área em que advogamos uma intervenção direta do Estado. É evidente que o aumento do PIB corresponde a uma diminuição de desemprego, no entanto, acreditamos que face os índices tão elevados de desemprego, no curto prazo é fundamental a atuação imediata do governo.
Nesse sentido, o recente anúncio da disponibilização pelo Banco Mundial de 300 milhões de dólares americanos para um projeto de aceleração da diversificação económica e criação de emprego[3] é de saudar. Não se conhecendo em detalhe o desenho desse programa de aceleração, a sua existência deve ser sublinhada, como também o anúncio anterior da ministra do Trabalho angolana da criação de um Programa Nacional de Emprego, com o objetivo de criar mais oportunidades de inserção de jovens no mercado de trabalho.[4] Também, neste caso, os dados são escassos acerca do desenho do Plano, sendo certo que o Presidente da República tinha declarado no discurso do Estado da Nação de 2022, a criação do referido Plano.
Até ao momento estas iniciativas referentes ao desemprego, embora positivas, parecem descoordenadas e pouco concretizadas. Por isso, a verdade é que Angola ganharia em ver um Plano Nacional de Emprego abrangente, específico e coordenado diretamente pelo Presidente da República, sem o que há o risco de não se implementar devidamente um Plano, que no curto prazo é fundamental para a economia e população angolana.
Fig.n. º1- Números fundamentais da economia angolana
https://www.cedesa.pt/wp-content/uploads/2023/03/econ2.jpg6581006CEDESA-Editorhttps://www.cedesa.pt/wp-content/uploads/2020/01/logo-CEDESA-completo-W-curvas.svgCEDESA-Editor2023-03-17 09:01:002023-03-13 18:51:40Economia angolana tendências, reformas necessárias e Plano Nacional de Emprego
A seca no Sul de Angola é um fenómeno que assola a região vezes sem conta, provocando a fome entre largos estratos da população.
A partir do final de 2020, a região enfrentou a pior seca dos últimos 40 anos. De acordo com o porta-voz do Programa Alimentar Mundial (PAM) Tomson Phiri, “o país atravessa um período de seca desde dezembro passado, com precipitações inferiores à média”[1].
Este cenário, que se tem repetido, e provavelmente piorará devido ao aquecimento global, como alerta o Banco Mundial escrevendo que, “riscos naturais na forma de inundações, erosão, secas e epidemias (…) impedem o desenvolvimento e espera-se que piorem à medida que o clima muda”[2], implica uma intervenção estruturante dos poderes públicos.
O objetivo deste estudo é averiguar as medidas estruturantes que o governo angolano está a desenvolver para apresentar soluções sustentáveis para o problema da seca. Focamo-nos na província do Cunene situada no interior sul de Angola e que tem sido uma das mais fustigadas pela seca.
Aliás, desde que Angola se tornou independente, só recentemente é que o problema da seca tem sido encarado mais seriamente pelas autoridades. Antes destes projetos, a situação era atenuada de alguma maneira com furos de água, contudo o sofrimento da população mantinha-se ou piorava gradualmente. A própria governadora provincial do Cunene, Gerdina Didalelwa, em uma ocasião confessou que “estas perfurações têm sido feitas de forma empírica e só estão a gastar dinheiro”[3]. Ou seja, perfurações até podem ser realizadas, mas apenas quando houver profissionalismo por trás disso; só depois de ter havido um estudo aprofundado por parte de empresas que tenham capacidades técnicas e um conhecimento apurado das águas.
Os projetos estruturantes
Em meados de 2021, o executivo angolano, anunciou o planeamento e execução de vários projetos na província do Cunene, que visam combater estruturalmente seca crónica que aflige o sul do país.
Projeto 1
O primeiro dos projetos que vamos mencionar é a construção do sistema de transferência de água do rio Cunene, a partir da região do Cafu.
Este projeto divide-se em dois lotes, sendo que o primeiro visa a construção da captação no rio Cunene do sistema de bombagem, conduta pressurizada, canal aberto a partir da localidade de Cafu até Cuamato e 10 chimpacas[4].
Relativamente ao segundo lote, a finalidade é a construção de dois canais adutores, a partir de Cuamato, sendo um (condutor oeste) que vai até Ndombondola, com 55 quilómetros e outro (condutor este) até ao município de Namacunde com 53 quilómetros[5].
As obras estão a ser conduzidas pela empresa Sinohydro Angola, num orçamento estimado em mais de 44 mil milhões de kwanzas, se englobarmos os dois lotes.
O início da execução deste projeto já teve lugar e conta com um estudo de pacto ambiental que inclui um protocolo da Southern African Development Community (SADC), bem como a partilha de informação com a Namíbia.
Existe a expectativa que a conclusão do projeto Cafu ocorra já no primeiro trimestre do próximo ano, e que venha a beneficiar aproximadamente 200.000 habitantes e 250.000 cabeças de gado.
Projeto 2
O segundo projeto que merece menção é a construção da barragem do Calucuve, localizada no município do Cuvelai. Esta barragem de terra conta com 19 metros de altura e um volume de armazenamento de 100 milhões m3 de água.
O orçamento do projeto ronda os 177 milhões de dólares, tendo como empreiteiro responsável a empresa Omatapalo-MotaEngil, e o prazo de execução da obra é de 20 meses.
A construção desta obra tem como principal finalidade o abastecimento de água para as populações, estando previsto satisfazer as necessidades de mais de 80.000 pessoas, bem como atender as necessidades de aproximadamente 182.000 cabeças de gado.
Nas outras, vertentes, vai fornecer água que permitirá a irrigação durante todo o ano numa área estimada em 2.600 ha.;
Garantirá a sustentabilidade das atividades económicas e sociais na área do projeto. Vai reduzir o problema de escassez de água sazonal na zona noroeste da bacia do Cuvelai. E por fim, mitigar ou evitar danos causados pelas cheias aos ativos e atividades na economia local nas cidades situadas à jusante da barragem (área do delta do Cuvelai – Evale).
O prazo de execução é de 20 meses.
Projeto 3
Quanto ao terceiro projeto, a construção da barragem do Ndué, é um empreendimento liderado também pela Synohidro Angola, havendo prazo de construção de 30 meses, e um orçamento estimado em cerca de 192 milhões de dólares.
Será uma barragem de terra com 26 m de altura e com volume de armazenamento de 145 milhões de m3 de água, no rio Caúndo à montante do Ndué.
As principais finalidades deste projeto, aspiram satisfazer as necessidades domésticas de aproximadamente 55.000 pessoas, assim como garantir a qualidade de abastecimento de água às populações. Além disso, visa satisfazer as necessidades de aproximadamente 60.000 cabeças de gado.
Destacam-se também outros objetivos, igualmente essenciais, tais como:
Fornecer água para permitir a irrigação durante todo o ano de uma área estimada de 9.200 há e garantir a sustentabilidade das atividades económicas e sociais na área do projeto e reduzir o problema de escassez de água na zona central da bacia do Cuvelai.
Por último, a barragem pode tornar-se numa importante fonte de abastecimento de água para a província do Cunene.
O prazo de execução é de 30 meses.
***
Referência final também para a recuperação de diques e açudes existentes no município do Curoca, que fica a 334 quilómetros da cidade de Ondjiva[6].
Quadro n.º 1- Benefícios gerais quantificáveis das obras contra a seca no Cunene
Projetos
População
Gado
Valor
Projeto 1
200.000
250.000
44 M USD
Projeto 2
80.000
182.000
177 M USD
Projeto 3
55.000
60.000
192 M USD
TOTAL
335.000
492.000
413 M USD
Verifica-se que além de propiciar irrigação e fornecer possibilidades acrescidas de distribuição de água, estas obras irão beneficiar diretamente 335.000 pessoas e 492.000 cabeças de gado, custando cerca de 400 milhões de dólares.
A participação portuguesa
A participação portuguesa nestas obras de vulto é relevante. A Mota-Engil tem uma participação relevante (50%) no consórcio que constrói a barragem de Calucuve (Projeto 1) tendo ganho o respetivo concurso. Por sua vez a COBA, também sedeada em Portugal, é fiscal da barragem Ndúe (Projeto 3). Existe assim uma intervenção significativa da engenharia portuguesa nestes projetos estruturantes.
Nos últimos dois anos, a Mota-Engil tem passado por uma vigorosa reestruturação que se tem refletido, não só em Portugal, como também em Moçambique e Angola. Recorde-se que em meados de 2020, a empresa estabeleceu uma parceria com a chinesa CCCC, a qual define uma participação desta de mais de 30 % na construtora controlada pela família de António Mota[7].
Pouco tempo depois a Mota-Engil obteve um contrato em parceria de reabilitação e construção rodoviária nas Lundas com a sua subsidiária num valor a rondar os 280 milhões de euros. Nessa ocasião a empresa sublinhou que iria reforçar a sua carteira de encomendas no mercado, procurando maximizar a utilização dos ativos que o grupo dispõe no país.
https://www.cedesa.pt/wp-content/uploads/2021/11/cunene-barragem.jpg355620CEDESA-Editorhttps://www.cedesa.pt/wp-content/uploads/2020/01/logo-CEDESA-completo-W-curvas.svgCEDESA-Editor2021-11-16 09:05:002021-11-09 20:01:39O combate estrutural à seca no Sul de Angola: o caso do Cunene
0-Introdução. Um diferente foco para a análise económica angolana
As consultoras que se dedicam ao estudo da economia angolana seguem uma metodologia conjuntural em que a narrativa predominante assenta nos números negativos sobre os agregados macroeconómicos e suas eventuais perspetivas.
No entanto, uma análise mais detalhada da evolução da economia de Angola sugere que por detrás dos números da inflação, do desemprego, do crescimento do PIB e da dívida pública, que são pouco animadores,[1]estão a ocorrer um conjunto de reformas políticas públicas aliadas ao reforço de determinadas tendências económicas que indicarão a construção de uma nova realidade económica mais positiva para Angola.
Este estudo versa sobre os elementos positivos que apontam para a correção do rumo da economia angolana num sentido mais consistente com a necessária prosperidade.
A-Tendências positivas na economia angolana
1-O Fundo Monetário Internacional (FMI) e a reforma das políticas públicas
Um primeiro elemento que permite lançar uma luz diferente sobre as perspetivas da economia angolana reside na recente avaliação realizada pelo FMI. Na verdade, a 11 de janeiro passado, o Conselho Executivo do FMI concluiu a quarta revisão do Acordo de Mecanismo do Fundo Alargado para Angola e aprovou o desembolso de mais USD 487,5 milhões.[2]
O importante nesta decisão é a avaliação positiva que o FMI faz da reforma das políticas públicas angolanas. Afirma o FMI que: “As autoridades [angolanas] alcançaram um ajuste orçamental prudente em 2020, que incluiu ganhos de receitas não petrolíferas e contenção de despesas não essenciais, preservando simultaneamente as despesas essenciais com redes de saúde e segurança social. A aprovação do orçamento de 2021 em dezembro consolida esses ganhos. As autoridades também permitiram que a taxa de câmbio funcionasse como um amortecedor de choques e começaram a implementar uma mudança gradual em direção a uma restrição monetária para enfrentar as crescentes pressões sobre os preços”[3].
De acordo com o que explicita o FMI, a política económica seguida pelo governo angolano desenvolve-se nos seguintes vetores:
-A estabilização das finanças públicas que é a pedra angular da estratégia das autoridades. E nesse particular, o governo alcançou um forte ajuste orçamental em 2020. Ademais, o seu orçamento para 2021 consolida os ganhos de receitas não petrolíferas e a contenção das despesas do orçamento para 2020, enquanto protege as despesas sociais e de saúde prioritárias.
Esses avanços ajudam a reduzir a dependência do orçamento das receitas do petróleo.
-Reformulação e gestão da dívida pública. O governo tem implementado acordos de reformulação do perfil da dívida, além de ter beneficiado da extensão da Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida até o final de junho de 2021, o que proporcionará um alívio significativo do serviço da dívida e ajudará a reduzir os riscos relacionados à sustentabilidade da dívida. Sobre a reformulação e gestão da dívida pública desenvolveremos abaixo.
-Política monetária restritiva e flexibilização cambial. Depois de ter atenuado a restrição monetária para mitigar o choque da COVID-19, o Banco Nacional de Angola (BNA) começou, novamente, a fazer face ao aumento das pressões inflacionistas através do aperto da política monetária. É necessário um maior aperto gradual da política monetária para reduzir a inflação. A flexibilidade da taxa de câmbio serviu como um amortecedor valioso durante a crise. Estão em curso esforços para desenvolver um mercado de câmbio liberalizado.
-Reforma do setor financeiro. O progresso contínuo nas reformas do setor financeiro foi fundamental, especialmente a conclusão da reestruturação dos dois bancos públicos em dificuldades. A adoção oportuna da revisão da Lei do BNA e da revisão da Lei das Instituições Financeiras é a chave para continuar este progresso.
Finalmente, o FMI destaca o aspeto fundamental que está subjacente a todas a reforma política que é a manutenção do combate à corrupção.
O que se vê claramente desta avaliação do FMI é que o governo está a seguir uma política reformista assente nos pressupostos enunciados por esta organização internacional, estando a implementar reformas difíceis.
É sabido que muitas destas políticas FMI têm um efeito inicial recessivo, especialmente a consolidação orçamental quando implica aumento de impostos e corte de salários e subsídios, e também a política monetária restritiva para combater a inflação. Portanto, não admira que o primeiro resultado da adoção das políticas do FMI seja a recessão e não o crescimento.
O que se espera é que esta “arrumação da casa” crie as condições para um crescimento sustentado e virtuoso da economia angolana.
Figura n.º 1-Políticas económicas do governo angolano aplaudidas pelo FMI
2-Gestão e reformulação criteriosa da dívida pública
O executivo seguiu uma estratégia adequada ao negociar inicialmente com a China a questão da dívida pública. Como descrevemos em anteriores relatórios, a dívida chinesa é chave para Angola, pois representa cerca de 50% dos compromissos externos.[4]Consequentemente, foi importante, antes de tudo garantir os termos adequados com a China, que embora não sejam do conhecimento público, aparentemente implicam um acordo de suspensão de pagamentos por três anos. Também a adesão já referida ao programa do FMI sobre suspensão de dívida permitiu margem de manobra para o governo. De referir, que os Eurobonds sobre os quais se tem escrito muito e apontado vários perigos, têm um peso menor no total da dívida angolana, rondando os USD 8 mil milhões, não havendo assim, ao contrário, do que se poderia pensar uma pressão exagerada sobre as finanças angolanas neste âmbito.
Assim sendo, por agora, a questão da pressão da dívida pública parece atenuada e dentro das capacidades de gestão do governo.
3-Recuperação meridiana do preço do petróleo
Como também tínhamos antecipado, depois de uma baixa abrupta do preço do petróleo no início da pandemia (Março de 2020) seguir-se-ia uma subida[5], que está paulatinamente a acontecer.
A realidade, é que seguindo uma tendência já bem evidente no final do ano, o barril de brent atingiu finalmente uma cotação acima dos 55 dólares, valor esse que já não era atingido desde finais de Fevereiro de 2020, o mês anterior ao início da pandemia. Sendo ainda o indicador mais relevante para a economia angolana, e considerando que o orçamento para 2021 foi calculado com base em USD 33 por barril, temos uma margem financeira de mais de USD 20. Trata-se de uma “almofada” adicional na gestão das finanças públicas angolanas.
É evidente que não se sabe por quanto tempo esta subida do preço do petróleo se manterá. O empenho da nova administração Biden no Acordo de Paris, a evolução da economia chinesa, as decisões de corte ou aumento de produção por parte da Arábia Saudita e a manutenção das restrições derivadas da pandemia Covid-19 são fatores que podem implicar uma nova descida do preço do petróleo.
Portanto, os movimentos do preço do petróleo são sempre uma incógnita e estes momentos de subida devem ser aproveitados pelo governo para reforçar as suas reservas para futuros investimentos reprodutivos e sociais.
Fig. n.º 2- Evolução do preço do Brent desde Fevereiro 2020
4-Diminuição das importações cesta básica e produção agrícola com relevância continental
A política de diversificação aliada à promoção da indústria nacional através da substituição das exportações tem sido outra “bandeira” deste governo. Esta política permite duma assentada reduzir a dependência externa e criar uma indústria nacional próspera.
Sendo ainda extemporâneo tirar qualquer conclusão definitiva sobre os resultados desta política, surgem alguns números que podem ser animadores, pelo menos em relação à dependência das importações e do gasto de divisas com o comércio externo.
Segundo dados fornecidos pelo Ministério da Indústria e Comércio, Angola conseguiu registar uma redução de quase 100 milhões de dólares na importação de produtos da cesta básica e outros bem essenciais no último mês de 2020, face ao mesmo período homólogo – dezembro de 2019. Em Dezembro de 2019, o Governo desembolsou 250 milhões de dólares para importações, enquanto que no mesmo período de 2020, apenas gastou 152 milhões de dólares[6].
Em concreto, há a assinalar a redução na importação do açúcar, que passou de 2,1 milhões de toneladas, em 2019, ao custo de 17,6 milhões de dólares, para 1.472 toneladas, ao custo de 831.121 dólares. Quanto à importação de arroz corrente, em 2019 Angola importou 136.985 toneladas no valor de 37,2 milhões de dólares e em 2020, apenas 59.505 toneladas, a um valor de 10,5 milhões de dólares. Naquilo que se refere ao frango (a carne mais consumida em Angola), é de referir também uma redução considerável, comparativamente a 2019. Nesse ano, importou-se 46.385 toneladas, por 51,5 milhões de dólares, enquanto que no ano passado, adquiriu-se apenas 32.447 toneladas, por um valor pouco superior a 25 milhões de dólares.
Figura n.º 3- Comparação das importações homólogas de produtos da cesta básica (Dez.2019/2020 em USD milhões)
Estes são apenas alguns dos produtos destacados na redução considerável das importações, contudo esta tendência revelou-se geral nos restantes produtos que compõem a cesta básica.
Para que estes números sejam considerados um sucesso é preciso cotejá-los com o consumo interno dos mesmos bens, e perceber se a diminuição de importações se deveu a uma substituição por produtos internos ou apenas reflete uma descida da procura fruto da crise económica.
Neste último caso, ainda que representem uma poupança de divisas, não significam um sucesso de política, mas um decréscimo da qualidade de vida da população. Contudo, mesmo nesta situação, os investidores nacionais devem ficar alerta para avançarem com investimentos nestas áreas de forma a corresponderam a futuro aumento da procura.
Estatísticas publicadas pelo Ministério da Indústria e Comércio angolano e divulgadas pela agência noticiosa portuguesa Lusa dão conta da sustentabilidade reforçada de alguma produção agrícola angolana.
Angola afirma-se como produtor agrícola de nível continental. Angola é o maior produtor africano de banana e sétimo no mundo com uma oferta de 4,4 milhões de toneladas, de acordo com a mais recente tabela do Fundo das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO). De salientar, que a banana continua a ser a fruta mais produzida e consumida no mundo. Angola, particularmente, há mais de seis anos que se declarou autossuficiente na produção de banana, com realce para as províncias do Bengo e Benguela. Nestas províncias, empresas privadas já exportam o fruto para países como Portugal, Zâmbia, Congo Democrático e planeiam fazer chegar a fruta aos Estados Unidos, o maior consumidor mundial[7].
Em relação à mandioca, Angola tem uma produção anual estimada em mais de 11 milhões de toneladas de mandioca, sendo hoje o terceiro maior produtor de África, depois da Nigéria e o Gana, e quer apostar na sua transformação em amido.[8]
5-Novos investimentos e exportações. Dois exemplos: Rio Tinto e Ouro
A ministra das Finanças afirmou recentemente à Reuters: “Estamos a construir um futuro (através do nosso programa de reformas) que prioriza o investimento directo (não apenas com a China, mas com outros parceiros). Queremos adicionar valor para a nossa Economia, criar empregos. Queremos que o dinheiro fique. Pedir emprestado é uma opção, mas estamos a tentar mudar a forma que nos relacionamos com os nossos parceiros”.[9]
Verifica-se assim que o governo aposta no investimento direto para reanimar a economia e também no aumento das exportações.
Há dois exemplos recentes que são importantes sublinhar neste âmbito. O primeiro é a entrada da poderosa multinacional Rio Tinto no mercado angolano. Aparentemente, tal perspetiva irá concretizar-se este ano.[10]
Também com importância está a primeira exportação de ouro extraído na Huíla em 2020, no montante de mil e seiscentas e noventa e seis onças enviados para Portugal e para os Emirados Árabes Unidos, o que corresponde, ao preço atual, a mais de três milhões de dólares. Obviamente, que o relevante não é a quantidade de ouro exportada, mas o início de uma tendência. Tal como a entrada da Rio Tinto é importante se marcar uma tendência que traga outros grandes investidores como a Anglo-American ou a DeBeers.
Nenhum destes investimentos é muito firme ainda. A sua referência é importante pelo facto de puderem representar eixos futuros de desenvolvimento da economia angolana, agora em semente.
Figura n.º 4-Sinais de otimismo na economia angolana
B-Ajustamentos necessários de políticas
O exposto demonstra que o governo angolano prossegue uma política de reforma económica amparada essencialmente nas receitas do FMI: i)equilíbrio orçamental e controlo da dívida, encarando-se a solvabilidade financeira como condição sine qua non para o crescimento económico; ii) política monetária restritiva para controlar a inflação; iii) política cambial flexível, permitindo uma desvalorização da moeda que fomente as exportações e dificulte as importações; iv) aposta no investimento e setor privado como motores da economia.
No fundo, a política seguida corresponde àquilo que em tempos se chamou o consenso de Washington.[11]Este é o pacote standard de reformas adotado pelo FMI, Banco Mundial e Departamento do Tesouro norte-americano desde finais dos anos 1980s e que corresponde a um modelo liberal da economia, assente na prudência fiscal e mercado livre.
Naturalmente, que este modelo tem potencialidades para Angola, mas não chega. Não existem ainda em Angola instituições suficientemente fortes para garantir o funcionamento de um mercado livre em que uns não acabem por dominar os outros e criar situações oligopolistas e ineficientes, como não há setor privado suficientemente robusto para se tornar o motor da economia.
Fazer depender a reforma económica de Angola apenas de reformas inspiradas no Consenso de Washington não é suficiente, é preciso uma visão mais alargada.
Essa visão mais alargada tem de implicar uma reforma institucional estrutural. Tal significa que os direitos de propriedade têm de ser clarificados abandonando a confusão que a coletivização da propriedade gerou e ainda gera, os tribunais têm de ser colocados a funcionar, a burocracia deixar de ser um empecilho, e obviamente a grande corrupção ser erradicada. Além da reforma institucional estrutural, tem de se perceber que o Estado tem um papel a desempenhar nesta nova fase. Não há setor privado robusto em Angola, nem tudo poderá ser entregue a investidores estrangeiros com perspetivas de curto-prazo. Tem de se arranjar um misto entre Estado e setor privado. Aliás é assim que os países ocidentais mais avançados funcionam, apesar de retórica. É importante adotar o conceito avançado por Mariana Mazzucato de Estado Empreendedor.[12]
O ponto a considerar na reforma económica em Angola é que o papel do governo, nas economias mais bem-sucedidas, foi muito além de criar as infraestruturas certa e definir as regras. O Estado é um agente fundamental para alcançar o tipo de inovação que permite às empresas e economias crescerem, não apenas criando as “condições” que permitem a inovação. Em vez disso, o estado pode criar proativamente uma estratégia em torno de novas áreas de elevado crescimento antes que o potencial seja compreendido pela comunidade empresarial financiando a fase mais incerta da investigação em que o setor privado seja avesso ao risco, buscando novos desenvolvimentos, e muitas vezes até supervisionando o processo de comercialização.
Além do mais, as políticas recessivas do FMI, mesmo sendo necessárias, devem ser compensadas por outro tipo de políticas que aliviem a carga socialmente depredadora daquelas. Em resumo, deve existir um mix de políticas reformistas mais abrangente e adequado a Angola, para que no final os primeiros clarões de sucesso tenham resultados sustentados.
C-Conclusões
Há que ver para além dos números conjunturais negativos da economia angolana e entender que existe uma política reformista da economia que começa a dar os primeiros frutos e marcar algumas tendências novas. Essa política tem sido aplaudida (e possivelmente aconselhada) pelo FMI, e aqui reside a sua força e fraqueza. Força, porque contém algumas medidas indispensáveis para sanear e economia angolana e lançá-la na senda do crescimento. Força também, porque a sua adoção e concretização traz o elogio e apoio do FMI e organizações irmãs. Contudo, essa política também tem fraquezas, entre as quais se destacam a falta de atenção à reforma institucional, a fraqueza do setor privado em Angola, os efeitos recessivos de políticas contracionistas, entre outros.
Consequentemente, havendo sinais de otimismo nas perspetivas de médio-prazo da economia angolana é necessário aperfeiçoar a política económica que está a ser seguida, incluindo a intensificação das reformas institucionais que garantam que o poder judicial funciona, a burocracia não atrapalha, a corrupção não desvia recursos. Além disso, deve ser revisto o papel do Estado como parceiro empreendedor do setor privado.
[1] Cfr.os números mais recentes: Desemprego 34% (III trimestre 2020), Inflação homóloga 25,19% (Dezembro 2020/Dezembro 2019), Crescimento do PIB -5,8% (III trimestre 2020) em https://www.ine.gov.ao/
https://www.cedesa.pt/wp-content/uploads/2021/01/otimismo-economia-2.jpg10801920CEDESA-Editorhttps://www.cedesa.pt/wp-content/uploads/2020/01/logo-CEDESA-completo-W-curvas.svgCEDESA-Editor2021-01-21 16:26:442021-01-21 16:26:46Clarões de otimismo na Economia Angolana no início de 2021
É de incentivar o
esforço que as autoridades angolanas estão a fazer para liberalizar a economia
e a tornar competitiva no meio da tormenta que atingiu o mundo, com graves
consequências para Angola.
Uma primeira
medida anunciada reveste-se de especial importância para a criação de um
ambiente de negócios favorável e estimulante em Angola.
ABOLIÇÃO
DE ALVARÁ COMERCIAL E REGISTO ESTATÍSTICO
Segundo informações
tornadas públicas, no âmbito das medidas para simplificar a burocracia empresarial
e para fazer face ao abrandamento económico eventualmente provocado pela Covid
19, o Governo “pretende revogar o procedimento de emissão do alvará comercial
para todas as actividades económicas e a obrigação das empresas de procederem
ao registo estatístico no acto de constituição.”. Naturalmente, ficam previstas
algumas exclusões deste regime livre como as referentes ao comércio de bens
alimentares, espécies vivas vegetais, animais, aves e pescaria, medicamentos,
venda de automóveis, combustíveis, lubrificantes e produtos químicos.
Aparentemente, à
parte estes sectores, fica anulada e necessidade de emissão de alvará comercial
pela administração central.
Este passo, e
desde que não seja substituído por outro, é muito importante e tem manifesto
relevo.
Não esquecer que
de acordo com o Relatório do Banco Mundial “Doing Business 2020”, que analisa a
posição dos países do mundo relativamente à facilidade em fazer negócios e
originar riqueza, Angola situa-se se em 177.º lugar, num total de 190 nações.
Consequentemente, no final da lista.
É evidente que é
urgente facilitar os negócios e iniciativa empresarial em Angola, pelo que é
imperativo que o Estado promova o ambiente de negócios no país. Um dos
problemas detectados pelo Relatório do Banco Mundial era a demora entre 14 e 45
dias para obter um alvará do Ministério do Comércio para iniciar actividades empresariais
em Angola. Esta exigência teria uma justificação histórica ligada às políticas
de condicionamento industrial do regime colonial salazarista português, empolada
pelos dirigismos soviéticos que prevaleceram nas décadas de 1970 e 1980. Contudo,
actualmente, a existência de Alvarás é um obstáculo ao livre-comércio interno e
à capacitação empresarial do país.
Por isso, é de
aplaudir e sublinhar essa decisão de abolição da necessidade de Alvarás
Comerciais.
Quanto ao
registo estatístico, este passa a ser realizado com o número de identificação
fiscal. Mais uma medida de simplificação positiva.
Um segundo facto
positivo a anotar é o da continuação do processo de privatizações, apesar da
paragem de actividades derivada da Covid 19.
PRIVATIZAÇÕES
CONCRETIZADAS
Foram recentemente
privatizadas sete entidades pertencentes ao Estado angolano. Tratou-se da Fazenda
Agro-industrial de Camaiangala, localizada na província do Moxico, possuidora
de uma área de 19 mil hectares, com uma fábrica de processamento de cereais e
estrutura para a pecuária; dos empreendimentos
agro –pecuários do Longa (Cuando Cubango), Cuimba (Zaire) e de Sanza Pombo (Uíge) e dos Matadouros
Modulares de Luanda, de Camabatela e do Porto Amboim, do Complexo de Silos de Catete,
do Entreposto Frigorifico de Caxito e da Fábrica Processamento de Tomate e Banana de Caxito.
Tratando-se de estruturas
de dimensão pequena ou média, o importante, além da receita trazida ao Estado,
é que estas vendas demostram o empenho do Governo em prosseguir com o processo
de privatizações num crescendo até alcançar as grandes empresas e Blue Chips
angolanas. Este procedimento permite testar em séries mais reduzidas os vários
processos e métodos de privatização afinando a máquina administrativa e decisória
com vista à aceleração das privatizações.
*
O relevante
destas informações a reter é o empenho determinado do Governo em prosseguir com
uma política de implementação efectiva dos mercados, promoção do espírito
empresarial e privatização. Assim, o país lançará as raízes para o sucesso
estrutural da economia no médio-prazo.
https://www.cedesa.pt/wp-content/uploads/2020/04/FOTO-BOAS-NOTÍCIAS.jpg6831024CEDESA-Editorhttps://www.cedesa.pt/wp-content/uploads/2020/01/logo-CEDESA-completo-W-curvas.svgCEDESA-Editor2020-04-08 10:34:082020-04-08 10:43:13Análise. Duas boas notícias para a economia angolana: Abolição do Alvará Comercial e concretização de Privatizações
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