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A necessidade de um mecanismo conjunto da União Africana para a dívida africana à China

O enquadramento e problemas da dívida à China em África

África é um continente que é mencionado múltiplas vezes por causa das suas vastas riquezas naturais. Desafortunadamente, isso não se reflete na riqueza das populações africanas, que consequentemente sofrem variadas privações.

Neste contexto, a questão da dívida dos países africanos à China vai ganhando contornos algo preocupantes. Os empréstimos contraídos pelos países da África Subsariana à China conheceram um grande impulso, principalmente a partir do momento que foi estabelecida a Road and Belt Initiative (RBI), em 2013. Esta ambiciosa iniciativa chinesa, que teve como fundamental motivador, o Presidente Xi Jinping, apresentava como grande objetivo aumentar a influência económica e geopolítica do país. E se os empréstimos conheceram um grande crescimento em 2013 com 17.5 biliões de dólares, tendo mesmo atingido o auge em 2016 com 28.4 biliões de dólares, nos anos seguintes a queda nos valores dos empréstimos foi incessante, atingido os 1.2 biliões em 2021, e no ano seguinte totalizando apenas 994 milhões de dólares (um total de 9 empréstimos), destacando-se como o nível mais baixo de empréstimos chineses desde 2004.[1]

Fig.1 – Evolução anual dos Empréstimos Chineses para África (biliões dólares)

Fonte: Chinese Loans to Africa Database, Boston University

A canalização deste dinheiro chinês para o desenvolvimento de África, designadamente no financiamento de vários projetos de infraestruturas e outros empreendimentos, tem estimulado algum crescimento económico africano. Contudo, têm existido várias “nuvens cinzentas”, muitas delas bem visíveis na economia angolana, mas que também se destacam noutros países. Isso traduz-se num mal-estar muitas vezes indisfarçável nas relações sino-africanas. Alguns países, inclusive, tornaram-se eventualmente reféns da chamada “diplomacia da armadilha da dívida”. A China, ao desencadear a RBI, provocou a ideia de facilitismo de empréstimo a outros estados de economias em desenvolvimento, e de facto, isso acabou por tornar o país asiático no maior credor internacional. No entanto, inúmeras vezes esses empréstimos careceram de transparência: os casos de corrupção foram-se multiplicando, muitas vezes porque os financiamentos não passavam por processos de concurso público. O problema da denominada ‘dívida oculta’ surgiu quando “a China deixou de emprestar aos governos centrais e a empresas estatais ou apoiadas pelo Estado. Estas dívidas não aparecem nos balanços financeiros do governo, embora frequentemente os governos sejam responsáveis por elas caso o devedor oficial não seja capaz de pagar”.[2]

Podia-se pensar que esta situação poderia a prazo trazer benefícios para os chineses, uma vez que têm vários países “presos” a dívidas monstruosas. Contudo, não é bem assim, pois ao mesmo tempo, a China está a enfrentar problemas económicos domésticos muito graves, que enquanto não forem solucionados, será difícil conseguir promover ao mesmo tempo uma redução da dívida estrangeira.[3]

Com efeito, a lenta recuperação após a pandemia, o problema do desemprego jovem, e a falência do sector imobiliário, têm abanado o que parecia ser um crescimento inabalável da China. Assim, é como Christoph Nedopil, fundador e diretor do think tank chinês Green Finance and Development Center (GFDC), argumenta: “será um desafio interno para a China promover simultaneamente a redução das dívidas no exterior enquanto os problemas económicos domésticos não forem totalmente resolvidos”.[4]

Em Dezembro de 2022, a Chatham House publicou um relatório que analisava o desenvolvimento do modelo dos empréstimos chineses aos estados africanos (2000-2020), que numa fase inicial se fundamentavam em fornecimento de recursos, para evoluírem depois para escolhas mais estratégicas, ou orientadas para o negócio.

Fig 2: Os 10 principais beneficiários de empréstimos chineses em África, 2000-20

Fonte: Chatham House: https://www.chathamhouse.org/2022/12/response-debt-distress-africa-and-role-china/02-case-studies-chinese-lending-africa

Note-se, no entanto, que a partir de 2021 a orientação do país asiático alterou-se, por motivos já anteriormente mencionados, e também porque vários estados não estavam a cumprir com os pagamentos. A liderança chinesa, mudou de rumo e passou a deixar de investir em grandes projetos, como caminhos-de-ferro e autoestradas, para se concentrar em empréstimos mais pequenos, com um impacto social e ambiental mais benéfico. A agenda climática foi mais um fator a entrar na equação.[5]

Além disso, o dinheiro começou a mudar de direção; anteriormente a maioria dos empréstimos iam para os países da África Oriental e Austral. A partir de 2021-22 houve uma mudança para a África Ocidental, com países como o Senegal, Benim e a Costa do Marfim a receberem a maioria das verbas.[6]

Muitos dos estados africanos, e não só, entraram em incumprimento da dívida, por isso era imperativo que fossem trilhados caminhos para que se arranjassem soluções para resolver a já chamada ‘dívida odiosa’ da China.

Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), os países pobres mais endividados do mundo têm todos contraído grandes empréstimos junto da China. Esta situação, como já referimos, pode constituir a “diplomacia da armadilha da dívida”, em que a China concede deliberadamente empréstimos a países que sabe não poderem pagar, na esperança de ganhar influência política.[7]

O que tivemos no ano passado foi um crescimento das exportações chinesas para África, que atingiu os 173 biliões de dólares, um aumento de 7,5 % em relação a 2022, enquanto as suas importações do continente caíram 6,7 %, para 109 biliões de dólares (dados fornecidos pela Administração Geral das Alfândegas chinesa).

Embora o aumento anual de 100 milhões de dólares tenha feito do comércio bilateral de 2023 um recorde, o défice comercial de África com a China continuou a aumentar, passando de 46,9 biliões de dólares em 2022 para 64 biliões de dólares no ano passado.[8]

Em 2022, 60% das nações devedoras da China estavam em dificuldades financeiras, contra 5% em 2010.[9]

Como é que algumas destas nações africanas têm enfrentado este problema da dívida, e de que forma a China tem modificado o seu comportamento ao longo do tempo?

Analisemos alguns casos:

Zâmbia:

O Império do Meio tem sido duro nas negociações para a reestruturação da dívida, e a conjuntura, apesar de todas as condicionantes, só não é pior, porque ganham relevância outros atores, que não apenas os estados, tais como instituições económicas, como o FMI, ou o Banco Mundial, ou organizações que promovem a negociação internacional e o diálogo, como por exemplo, o G20.

No caso da Zâmbia, que é o maior produtor de cobre do continente, foi a primeira nação soberana de África no período da pandemia a entrar em incumprimento quando não conseguiu efetuar um pagamento de obrigações de 42,5 milhões de dólares. A dívida acabou por impedir o país de se desenvolver economicamente e de assumir novos projetos. Desse modo, em Junho de 2023, a Zâmbia e os seus credores nos quais se incluía a China, acabaram por chegar a um acordo no âmbito do Quadro Comum do G20, para reestruturar 6,3 biliões de dólares em empréstimos.[10] Este alívio limitou-se a prorrogações de prazos e a um período de carência no pagamento de juros, mas para se chegar a um consenso não houve cortes na dívida,

Todavia, em Novembro, já havia desentendimentos, uma vez que o governo zambiano anunciou que um acordo revisto para retrabalhar 3 biliões de dólares em euro-obrigações não poderia ser implementado devido a objeções dos credores oficiais, incluindo a China.

Estes problemas de reestruturação da dívida da Zâmbia, que tinha sido negociada no âmbito do Quadro Comum do G20, acabou por minar bastante as negociações e atrasar ainda mais a reestruturação da dívida, colocando cada vez mais em agonia a vida do cidadão comum da Zâmbia.[11]

Gana:

No início do ano passado, o Gana devia à China 1,7 biliões de dólares, de acordo com o Instituto Internacional de Finanças, uma associação comercial de serviços financeiros focada nos mercados emergentes.[12] Tal como a Zâmbia, o Gana entrou em incumprimento soberano de 60 biliões de dólares em dívida interna e externa no final de 2022 e procurou logo a seguir uma resolução para este problema, ao abrigo do Quadro Comum para a dívida externa oficial de 5,4 biliões de dólares.[13]

Um acordo com os credores oficiais para a reestruturação da dívida foi estabelecido, seguindo o mesmo figurino da Zâmbia. Contudo, apesar de este acordo ter permitido desbloquear um empréstimo do FMI, o progresso tem sido arrastado.

Atualmente, segundo algumas fontes, “o Gana pretende proceder a uma simples reestruturação da dívida, trocando obrigações antigas por novas notas, numa altura em que o país procura aliviar a dívida de cerca de 13 biliões de dólares a credores privados internacionais”.[14] Todavia, as informações veiculadas têm sido contraditórias, por isso o governo ganês, mostrou-se cauteloso  quanto a uma reformulação da dívida que incluísse uma redução gradual, em que os detentores de obrigações recebessem menos se os resultados macroeconómicos não fossem tão bons como esperado.[15]

Não obstante, o governo disse aos investidores que gostaria de chegar a uma solução, após o acordo sobre a dívida pública alcançado com credores, tais como o ‘Clube de Paris’ e a China.

Etiópia:

A Etiópia é o segundo país mais populoso de África e o décimo maior em termos de área, mas é também dos estados africanos que vive uma maior turbulência a nível geopolítico, militar e económico. A proximidade com o estado chinês já vem de trás. Há tempos a Etiópia fechou vários acordos bilaterais com vários dos seus credores oficiais, entre os quais a própria China. Com as reservas de divisas reduzidas, que têm sido um problema constante no país, e uma inflação elevada, chegou a acordos bilaterais de suspensão do serviço da dívida. Com a China obteve uma suspensão da dívida de dois anos., que rapidamente passam. A Etiópia tem 28,2 biliões de dólares em dívidas externas, metade das quais são chinesas. De acordo com o Banco Africano de Desenvolvimento, o PIB da Etiópia deverá crescer 5,8 % em 2023 e 6,2 % em 2024, principalmente com base na indústria, no consumo e no investimento. Por outro lado, a inflação atingiu os 34% em 2022. Devido às elevadas despesas com a defesa e à diminuição da cobrança de receitas, o défice orçamental foi de 4,2% do PIB em 2022.[16]Perante este cenário, a Etiópia precisa de apoio ao desenvolvimento, alívio da dívida e Investimento Direto Externo.[17]

A situação angolana

A situação da dívida angolana à China é mais antiga do que a iniciativa Belt and Road de 2013, começando a ser desenvolvida a partir do final da Guerra Civil em 2002, constituindo-se a China no principal financiador da reconstrução que se sucedeu. Neste momento, considerando os dados oficiais do Banco Nacional de Angola (BNA), o stock da dívida pública de Angola em relação à China é 18,4 mil milhões de dólares (biliões na designação anglo-americana), correspondendo a 37% da dívida total. Mais do que isso, os números mostram que entre 2019 e 2023 esse montante desceu de 22,4 mil milhões para 18,4 mil milhões. Tal significa que, em quatro anos, Angola pagou – só de capital, sem contar com juros – 4 mil milhões de dólares à China[18]. Tem sido notado por todos o peso que o pagamento da dívida pública tem no Orçamento Geral do Estado, notando-se sérios apertos nas Finanças Públicas angolanas em 2023, e antevendo-se que o mesmo aconteça em 2024, sobretudo a partir de Março, tendo em conta as necessidades de pagamentos à China.

Embora, não entendamos que o pagamento da dívida à China coloca em causa a solvabilidade do Estado angolano, entendemos que tem um efeito crowding out muito significativo, uma vez que retira recursos do Orçamento Geral do Estado que poderiam ser destinados ao desenvolvimento e ao sector social para pagamento de dívida, dívida que em certa parte é polémica, uma vez que houve uma utilização muito questionável dos empréstimos: Parte dessa dívida foi destinada a infraestruturas descartáveis, como estádios e estradas que hoje estão em condições precárias. Além disso, uma parcela significativa desses empréstimos acabou apropriada privadamente por dirigentes angolanos, prejudicando a economia do país.

Há um claro problema angolano com a dívida chinesa, que como acabámos de descrever sumariamente, também existe em relação a outros países africanos.

Fig. 3 – Empréstimos chineses a África e Angola (em USD$ biliões)

Fonte: China Africa Research Initiative – Johns Hopkins University (https://www.sais-cari.org/)

 A criação de um mecanismo comum na União Africana (UA) para negociar a dívida chinesa

Sendo a dívida chinesa uma questão africana, não deve continuar a ser encarada bilateralmente, tornando-se evidente que cada Estado, por si, pode ser demasiado fraco para negociar com a China, uma das potências mundiais da atualidade ou para surgir sozinho nas organizações que os credores promovem. Os credores unem-se, enquanto os países africanos os enfrentam sem apoio, individualmente.

Seria importante que a Conferência da União Africana, órgão supremo da UA composto pelos chefes de estado e de governo (art.º 6 do Acto Constitutivo da UA) criasse um Comité Conjunto de Negociação da Dívida Chinesa (art.º 6.º, d) de si dependente, mandatado para negociar com as autoridades chinesas um quadro global de reajustamento da dívida africana para com a China, que depois seria aplicado a todos os que pretendessem um aligeiramento da divida.

Torna-se evidente que a negociação da divida africana com a China é um processo complexo que envolve a interação entre as diferentes partes com interesses e objetivos distintos. Para alcançar o sucesso é fundamental considerar a unidade africana para exigir a cooperação chinesa. Essa unidade traduz-se, desde logo, em reunir informações e obter o máximo de elementos para a negociação, o que um órgão conjunto pode facilitar. Em negociações complexas, o tempo e a capacidade de entender o outro são aspetos fundamentais, e nesse sentido, uma solução una africana permitirá uma muito maior troca de experiências, e, simultaneamente, um acompanhamento mais técnico, menos emotivo e com mais peso negocial da negociação.

Torna-se fundamental que África delineie uma política conjunta para lidar com a dívida chinesa de igual para igual e não numa posição de fraqueza.

Uma solução clara é fazer passar todas as negociações por um corpo unido africano dentro da União Africana, tornando-se numa negociação alargada União Africana-China. Tal permitiria igualmente reforçar a unidade do continente berço.


[1] https://www.reuters.com/world/africa/chinese-loans-africa-plummet-near-two-decade-low-study-2023-09-19/

[2] Africa Defense Forum Magazine:  https://adf-magazine.com/pt-pt/2022/02/dividas-com-a-china-colocam-20-paises-africanos-em-dificuldades-financeiras/

[3] https://www.bbc.com/portuguese/articles/cmj544lg205o

[4] idem

[5] https://www.voanews.com/a/china-s-lending-to-africa-hits-a-low-study-shows/7280214.html

[6] idem

[7]  Visual Capitalist: https://www.visualcapitalist.com/countries-loans-from-china/

[8] South China Morning Post: https://www.scmp.com/news/china/diplomacy/article/3250552/china-africa-trade-hit-282-billion-2023-africas-trade-deficit-widens-commodity-prices-key-factor

[9] Visual Capitalist:  https://www.visualcapitalist.com/countries-loans-from-china/

[10] Associated Press: https://apnews.com/article/zambia-debt-restructuring-deal-china-a0d14e7af986e2f873555685cedb86b3

[11] Afronomics Law: https://www.afronomicslaw.org/category/african-sovereign-debt-justice-network-afsdjn/one-hundred-and-fourth-sovereign-debt-news

[12] https://www.reuters.com/world/africa/china-says-its-official-bilateral-loans-are-less-than-5-ghana-debt-2023-03-02/

[13] Economist Intelligence:  https://www.eiu.com/n/china-and-africas-long-road-to-debt-recovery/

[14] https://www.reuters.com/markets/rates-bonds/ghana-pushes-simple-debt-rework-proposal-bondholders-sources-2024-01-30/

[15] idem

[16] Observer Research Foundation: https://www.orfonline.org/research/the-changing-face-of-ethiopia

[17] idem

[18] Rui Verde, https://www.makaangola.org/2024/01/angola-eua-trump-e-divida-a-china/

Economia angolana tendências, reformas necessárias e Plano Nacional de Emprego

A vida social em Angola é muito viva e, neste momento, os assuntos políticos e judiciais dominam a agenda do país. No entanto, é no domínio da economia que se regista uma evolução extremamente significativa sobre a qual é importante refletir e proceder a uma análise cuidada.

O recente (Fevereiro de 2023)[1] relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI)sobre o país sublinha os avanços favoráveis da economia angolana e também as reformas necessárias. É com base nesse relatório que vamos enunciar as principais tendências de Angola no campo económico e os pontos nevrálgicos para evitar recaídas como a que originou a última longa recessão que começou na presidência de José Eduardo dos Santos.

TENDÊNCIAS POSITIVAS

A economia de Angola está em franca recuperação após a recessão que durou cinco anos (2016-2020). Em 2022, apoiada por preços de petróleo mais elevados e atividade não petrolífera resiliente já alcançou um crescimento superior a 3%, estimando o FMI que em 2023 o país continue a ver o PIB aumentar na ordem dos 3,5%.

Portanto, assistimos a crescimentos superiores a 3% ao ano, que pelos nossos cálculos, mantendo-se o preço do petróleo e acelerando-se a liberalização dos mercados angolanos e o investimento estrangeiro, poderá acelerar para números na ordem dos 4% ou 5%, adotadas que sejam as políticas acertadas.

O otimismo que aqui partilhamos resulta do facto de o crescimento não petrolífero ter sido generalizado, apesar de um ambiente externo difícil, tal significando que o sector não petrolífero está a revivescer, bem como da atenção que vários países desenvolvidos com economias de mercado estão a prestar a Angola, como é o caso dos EUA, Espanha, França e Alemanha. Mencionem-se as recentes visitas a Angola do Rei de Espanha e do Presidente da República Francesa, Emmanuel Macron (Fevereiro e Março 2023).

Refira-se que a dívida que a relação dívida pública/PIB caiu cerca de 17,5 pontos percentuais do PIB, para estimados 66,1% do PIB, auxiliada por uma taxa de câmbio mais forte. Estima-se que a conta corrente tenha permanecido com um grande superávit em 2022, enquanto a cobertura das reservas em moeda estrangeira permaneceu adequada (dados FMI).

O facto é que o governo angolano tem, segundo o FMI, sabido adotar e manter sólidas políticas macroeconómicas e mantido um compromisso com reformas estruturais que são fundamentais para a economia de Angola.

REFORMAS NECESSÁRIAS

Entendemos que é na verificação de reformas estruturais fundamentais que reside o futuro da economia angolana. Destacamos algumas reformas que é necessário tomar e/ou continuar.

1-A primeira reforma, com impacto no médio e longo prazo, é fomentar a formação para a economia dos jovens. Formação não significa apenas, e talvez não na maioria, formação universitária, mas formação sólida no ensino básico e em aspetos profissionais. Defendemos, pois, que deve existir uma efetiva aposta no ensino profissional e técnico em Angola, antes de qualquer outro. Uma aposta real nas escolas e institutos profissionais e técnicos, que sejam vistos como alternativas valiosas ao academismo e não meras imitações universitárias (erro trágico dos politécnicos portugueses).

2-A segunda reforma acarreta a criação de mais condições para o investimento, já não a nível legal, onde existe um enquadramento moderno e atualizado por duas vezes durante a presidência de João Lourenço, mas ao nível judicial, administrativo e de boas práticas. O investidor deve-se sentir seguro para chegar e Angola e aplicar o seu dinheiro. Não deve ter medo de ficar sem ele devido a qualquer interferência de um oligarca, ou ver qualquer processo arrastar-se no tribunal. A celeridade e imparcialidade da justiça está ligada ao bom investimento.

3-Uma terceira reforma dedica-se ao setor financeiro, aí tem especial relevo o aumento do crédito às pessoas privadas e a resolução das fragilidades bancárias. Depressa há que fundir e capitalizar bancos, criando um setor bancário não dependente do Estado, do clientelismo ou da mera gestão da dívida pública.

Finalmente, entre outras mais reformas, destacamos o verdadeiro imperativo que é fazer mais progressos no fortalecimento da governação, e transparência, para melhorar o ambiente de negócios e promover o investimento privado.

Naturalmente, que continuar e acelerar a estratégia anticorrupção também é importante.

PLANO NACIONAL DE EMPREGO

Todas estas notícias devem ser enquadradas com o bem-estar da população e com os problemas graves ainda pendentes. Aquele que mais destacamos é o desemprego, que embora anotando uma ligeira descida, ainda se situa em valores muito altos, cerca de 30%.[2] Esta é uma área em que advogamos uma intervenção direta do Estado. É evidente que o aumento do PIB corresponde a uma diminuição de desemprego, no entanto, acreditamos que face os índices tão elevados de desemprego, no curto prazo é fundamental a atuação imediata do governo.

Nesse sentido, o recente anúncio da disponibilização pelo Banco Mundial de 300 milhões de dólares americanos para um projeto de aceleração da diversificação económica e criação de emprego[3] é de saudar. Não se conhecendo em detalhe o desenho desse programa de aceleração, a sua existência deve ser sublinhada, como também o anúncio anterior da ministra do Trabalho angolana da criação de um Programa Nacional de Emprego, com o objetivo de criar mais oportunidades de inserção de jovens no mercado de trabalho.[4] Também, neste caso, os dados são escassos acerca do desenho do Plano, sendo certo que o Presidente da República tinha declarado no discurso do Estado da Nação de 2022, a criação do referido Plano.

Até ao momento estas iniciativas referentes ao desemprego, embora positivas, parecem descoordenadas e pouco concretizadas. Por isso, a verdade é que Angola ganharia em ver um Plano Nacional de Emprego abrangente, específico e coordenado diretamente pelo Presidente da República, sem o que há o risco de não se implementar devidamente um Plano, que no curto prazo é fundamental para a economia e população angolana.

Fig.n. º1- Números fundamentais da economia angolana


[1] https://www.imf.org/en/News/Articles/2023/02/23/pr2352-angola-imf-executive-board-concludes-2022-article-iv-consultation-with-angola

[2] https://www.ine.gov.ao/

[3] https://correiokianda.info/banco-mundial-financia-usd-300-milhoes-para-fomento-do-emprego-em-angola/

[4] https://www.jornaldeangola.ao/ao/noticias/programa-nacional-de-emprego-e-implementado-este-ano/

Sinais e previsões de Verão para a economia angolana

Sinais

Os últimos números disponíveis do Instituto Nacional de Estatística acerca da economia angolana apontam para um decréscimo do PIB no 1.º trimestre de 2021 na ordem dos -3,4%, uma taxa de desemprego no mesmo trimestre de 30,5%, e uma taxa de inflação homóloga com referência ao mês de julho de 2021 de 25,72%[1] Nenhum destes números que refletem as grandezas macroeconómicas é animador no curto-prazo.

Contudo, há outras realidades económico-financeiras a considerar para se ter uma visão global do movimento em curso na economia angolana, e que permitem ter uma perspetiva mais otimista.

Em primeiro lugar, ao nível do saldo orçamental e da dívida pública, elementos essenciais do programa de apoio do Fundo Monetário Internacional (FMI) a expectativa é que o saldo orçamental de 2021 seja positivo, possivelmente acima dos 2% do PIB (adiante apresentaremos a nossa previsão). Em relação à dívida pública, como aliás havíamos previsto em anteriores relatórios, a sua sustentabilidade encontra-se consolidada, tal como reconhecido pelo representante do FMI em Angola muito recentemente (mais abaixo estará a nossa previsão).[2]

Em termos de taxa de câmbio com referência ao mês de julho de 2021, o Kwanza já se já apreciou 1,8% em relação ao dólar e 6,1% no que respeita ao euro, desde janeiro de 2021, quebrando forte período de forte desvalorização iniciado em 2018. A isto acresce que 3,5 anos depois da flexibilização cambial o gap entre as taxas no mercado formal e no informal está abaixo do objetivo de 20% anunciado pelo banco central na altura da liberalização, situando-se entre os 7% e 8% para o dólar e euro respetivamente. Note-se que no momento antecedente da liberalização o mesmo gap era de 159% e 167%.

Figura 1 – Variação da Taxa de Câmbio do Kwanza face ao dólar e euro (julho 2021)

Atualmente, alguns setores já anunciam o aumento da rentabilidade das exportações em virtude da política cambial favorável. É o caso do cimento, onde Pedro Pinto CEO da Nova Cimangola assegura que “Para potencializar as exportações a desvalorização da moeda ajudou, porque todos os custos que a empresa tem em moeda nacional, em dólares ficaram mais baixos e aumentou, desta forma, a competitividade da empresa para colocar produtos no mercado internacional. Ou seja, todos aqueles produtos que continuamos a comprar em Kzs e que não sofreram grandes variações de preços em dólares ficaram mais baixos e, portanto, permitiu que a empresa tivesse maior rentabilidade com as exportações.[3]

Referência também para o PRODESI (Programa de Apoio à Produção, Diversificação das Exportações e Substituição das Importações), que rendeu desde o início do ano mais de USD 29 milhões de dólares. Como principais produtos exportados, sublinhe-se o cimento, a cerveja, a embalagem de vidro, a banana, os sumos e refrigerantes e o açúcar[4].

Estes movimentos refletem-se ao nível da balança comercial. A balança comercial de Angola registou, no 1º semestre de 2021, um superavit de USD 8.381,9 milhões,[5] um aumento de 40,2 % face aos resultados registados no 2º semestre de 2020 (USD 5.978,8 milhões)[6]. Dentro deste quadro, registou-se um aumento das exportações em 25% naturalmente ainda influenciado pelo aumento das exportações do sector petrolífero em 28,4%.

Figura 2 – Balança Comercial de Angola e Trocas comerciais com a China

Mas também há que registar um aumento importante do comércio com um dos principais parceiros comerciais de Angola, a China. “As trocas comerciais entre Angola e China aumentaram 23,9% no primeiro semestre de 2021, para 10.550 milhões de dólares (8.985 milhões de euros), face ao período homólogo”[7]. De acordo com Gong Tao, embaixador da China em Angola, apesar dos efeitos adversos causados pela pandemia de covid-19, as empresas chinesas mantêm interesse em investir em Angola, salientando como exemplo as recentes construções de fábricas, uma dedicada à produção de azulejos e outra habilitada para a produção de contadores de energia e água.

Previsões de Verão 2021

Na modelação das perspetivas que aqui apresentamos entram em conta vários fatores, entre os quais destacamos os principais. Como primeiro elemento temos o cálculo do preço do petróleo (sempre um elemento determinante na economia angolana). Admitimos que o preço do brent manterá uma ligeira tendência de apreciação situando-se a um nível entre os 65 USD a 75 USD por barril. Faz parte também do nosso modelo uma relativa estabilização ou eventual apreciação do Kwanza face ao dólar e euro o que permite inverter algumas quebras do passado que foram meramente nominais devido à flexibilização da taxa de câmbio. Antevemos que a recuperação mundial pós-Covid-19 trará ânimo às exportações da economia angolana, como aliás já está a acontecer com a China. Finalmente, antecipamos que paulatinamente o ambiente para o investimento externo irá melhorando fruto das reformas legislativas e do empenho do poder político. Temos como exemplo recente os vários anúncios provenientes da Turquia. No final de julho de 2021, Angola e Turquia celebraram 10 acordos de cooperação, nos domínios da economia, comércio, recursos minerais e dos transportes, tendo já sido anunciado um aumento da balança comercial com Angola num valor a rondar os USD 500 milhões de dólares[8].  

Do ponto de vista dos obstáculos, há que referir a falta imensa de capital. Este é o elemento essencial para qualquer retoma sustentada, e também, a inexistência de diversificação da economia[9] e persistência da burocracia administrativa.

Tudo considerado o nosso modelo prevê que no ano de 2021 a economia angolana saia da recessão, e o crescimento do PIB atinja entre 1,4% e 1,75%.

O nosso modelo aponta para um excedente orçamental entre os 2,3% a 2,75%, dependendo da evolução do preço do petróleo até ao final do ano. E considerando a evolução da cotação do câmbio do Kwanza a nossa previsão é que em 2022, o ratio dívida pública/Produto Interno Bruto (PIB) se situe abaixo dos 100% obtendo uma maior consolidação.

Figura 3 – Modelo CEDESA – Previsões para a Economia Angolana

Consequentemente, prevê-se que o período inicial de forte ajustamento e contração da economia angolana chegue ao fim este ano, não existindo mais choques e controlando-se mundialmente a pandemia Covid-19.

O caso especial do Desemprego

Entendemos que o desemprego é um caso especial que deveria ter um tratamento diferenciado, quer estatisticamente, quer ao nível das políticas públicas. Em termos de estatísticas deve ser apurado melhor quem está ocupado com atividades informais produtivas remuneradas e quem não consegue efetivamente obter qualquer trabalho remunerado querendo. Há que evitar enviesamentos estatísticos que perturbam a adequada compreensão da realidade.

Por outro lado, é evidente que não vai ser o mercado ou a economia privada a resolverem no curto-prazo o problema da falta de emprego, sobretudo jovem. Nessa medida, apela-se às autoridades que desenvolvam um programa de tipo keynesiano de promoção de emprego eventualmente com recurso a capitais disponíveis do combate à corrupção, como temos defendido noutros relatórios. O Estado tem de gastar dinheiro na criação de emprego.


[1] Cfr. https://www.ine.gov.ao/

[2] Cfr. https://www.sapo.pt/noticias/atualidade/representante-do-fmi-em-angola-afirma-que_611bf099d1bccf29fd83b48c

[3] https://mercado.co.ao/grandes-entrevistas/a-desvalorizacao-da-moeda-permitiu-que-a-empresa-tivesse-maior-rentabilidade-com-as-exportacoes-XJ1038347

[4] https://www.angonoticias.com/Artigos/item/68811/prodesi-rende-mais-de-usd-29-milhoes-em-exportacoe

[5] https://www.bna.ao/Conteudos/Artigos/lista_artigos_medias.aspx?idc=15419&idsc=15428&idl=1

[6] https://www.angonoticias.com/Artigos/item/68824/balanca-comercial-regista-superavit-de-usd-83819-milhoes

[7] https://www.rtp.pt/noticias/economia/comercio-entre-china-e-angola-recupera-24-no-1o-semestre-apos-forte-quebra-em-2020_n1343994

[8] https://www.angop.ao/noticias/economia/angola-e-turquia-reforcam-balanca-comercial/

[9] Cfr, os elementos mais recentes sobre a participação setorial no PIB que demonstram o peso imenso e reforçado de setor do petróleo. https://www.bna.ao/Conteudos/Artigos/lista_artigos_medias.aspx?idc=15907&idsc=15909&idl=1

Clarões de otimismo na Economia Angolana no início de 2021

0-Introdução. Um diferente foco para a análise económica angolana

As consultoras que se dedicam ao estudo da economia angolana seguem uma metodologia conjuntural em que a narrativa predominante assenta nos números negativos sobre os agregados macroeconómicos e suas eventuais perspetivas.

No entanto, uma análise mais detalhada da evolução da economia de Angola sugere que por detrás dos números da inflação, do desemprego, do crescimento do PIB e da dívida pública, que são pouco animadores,[1]estão a ocorrer um conjunto de reformas políticas públicas aliadas ao reforço de determinadas tendências económicas que indicarão a construção de uma nova realidade económica mais positiva para Angola.

Este estudo versa sobre os elementos positivos que apontam para a correção do rumo da economia angolana num sentido mais consistente com a necessária prosperidade.

A-Tendências positivas na economia angolana

1-O Fundo Monetário Internacional (FMI) e a reforma das políticas públicas

Um primeiro elemento que permite lançar uma luz diferente sobre as perspetivas da economia angolana reside na recente avaliação realizada pelo FMI. Na verdade, a 11 de janeiro passado, o Conselho Executivo do FMI concluiu a quarta revisão do Acordo de Mecanismo do Fundo Alargado para Angola e aprovou o desembolso de mais USD 487,5 milhões.[2]

O importante nesta decisão é a avaliação positiva que o FMI faz da reforma das políticas públicas angolanas. Afirma o FMI que: “As autoridades [angolanas] alcançaram um ajuste orçamental prudente em 2020, que incluiu ganhos de receitas não petrolíferas e contenção de despesas não essenciais, preservando simultaneamente as despesas essenciais com redes de saúde e segurança social. A aprovação do orçamento de 2021 em dezembro consolida esses ganhos. As autoridades também permitiram que a taxa de câmbio funcionasse como um amortecedor de choques e começaram a implementar uma mudança gradual em direção a uma restrição monetária para enfrentar as crescentes pressões sobre os preços”[3].

De acordo com o que explicita o FMI, a política económica seguida pelo governo angolano desenvolve-se nos seguintes vetores:

-A estabilização das finanças públicas que é a pedra angular da estratégia das autoridades. E nesse particular, o governo alcançou um forte ajuste orçamental em 2020. Ademais, o seu orçamento para 2021 consolida os ganhos de receitas não petrolíferas e a contenção das despesas do orçamento para 2020, enquanto protege as despesas sociais e de saúde prioritárias.

Esses avanços ajudam a reduzir a dependência do orçamento das receitas do petróleo.

-Reformulação e gestão da dívida pública. O governo tem implementado acordos de reformulação do perfil da dívida, além de ter beneficiado da extensão da Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida até o final de junho de 2021, o que proporcionará um alívio significativo do serviço da dívida e ajudará a reduzir os riscos relacionados à sustentabilidade da dívida. Sobre a reformulação e gestão da dívida pública desenvolveremos abaixo.

-Política monetária restritiva e flexibilização cambial. Depois de ter atenuado a restrição monetária para mitigar o choque da COVID-19, o Banco Nacional de Angola (BNA) começou, novamente, a fazer face ao aumento das pressões inflacionistas através do aperto da política monetária. É necessário um maior aperto gradual da política monetária para reduzir a inflação. A flexibilidade da taxa de câmbio serviu como um amortecedor valioso durante a crise. Estão em curso esforços para desenvolver um mercado de câmbio liberalizado.

-Reforma do setor financeiro. O progresso contínuo nas reformas do setor financeiro foi fundamental, especialmente a conclusão da reestruturação dos dois bancos públicos em dificuldades. A adoção oportuna da revisão da Lei do BNA e da revisão da Lei das Instituições Financeiras é a chave para continuar este progresso.

Finalmente, o FMI destaca o aspeto fundamental que está subjacente a todas a reforma política que é a manutenção do combate à corrupção.

O que se vê claramente desta avaliação do FMI é que o governo está a seguir uma política reformista assente nos pressupostos enunciados por esta organização internacional, estando a implementar reformas difíceis.

É sabido que muitas destas políticas FMI têm um efeito inicial recessivo, especialmente a consolidação orçamental quando implica aumento de impostos e corte de salários e subsídios, e também a política monetária restritiva para combater a inflação. Portanto, não admira que o primeiro resultado da adoção das políticas do FMI seja a recessão e não o crescimento.

O que se espera é que esta “arrumação da casa” crie as condições para um crescimento sustentado e virtuoso da economia angolana.

Figura n.º 1-Políticas económicas do governo angolano aplaudidas pelo FMI

2-Gestão e reformulação criteriosa da dívida pública

O executivo seguiu uma estratégia adequada ao negociar inicialmente com a China a questão da dívida pública. Como descrevemos em anteriores relatórios, a dívida chinesa é chave para Angola, pois representa cerca de 50% dos compromissos externos.[4]Consequentemente, foi importante, antes de tudo garantir os termos adequados com a China, que embora não sejam do conhecimento público, aparentemente implicam um acordo de suspensão de pagamentos por três anos. Também a adesão já referida ao programa do FMI sobre suspensão de dívida permitiu margem de manobra para o governo. De referir, que os Eurobonds sobre os quais se tem escrito muito e apontado vários perigos, têm um peso menor no total da dívida angolana, rondando os USD 8 mil milhões, não havendo assim, ao contrário, do que se poderia pensar uma pressão exagerada sobre as finanças angolanas neste âmbito.

Assim sendo, por agora, a questão da pressão da dívida pública parece atenuada e dentro das capacidades de gestão do governo.

3-Recuperação meridiana do preço do petróleo

Como também tínhamos antecipado, depois de uma baixa abrupta do preço do petróleo no início da pandemia (Março de 2020) seguir-se-ia uma subida[5], que está paulatinamente a acontecer.

A realidade, é que seguindo uma tendência já bem evidente no final do ano, o barril de brent atingiu finalmente uma cotação acima dos 55 dólares, valor esse que já não era atingido desde finais de Fevereiro de 2020, o mês anterior ao início da pandemia. Sendo ainda o indicador mais relevante para a economia angolana, e considerando que o orçamento para 2021 foi calculado com base em USD 33 por barril, temos uma margem financeira de mais de USD 20. Trata-se de uma “almofada” adicional na gestão das finanças públicas angolanas.

É evidente que não se sabe por quanto tempo esta subida do preço do petróleo se manterá. O empenho da nova administração Biden no Acordo de Paris, a evolução da economia chinesa, as decisões de corte ou aumento de produção por parte da Arábia Saudita e a manutenção das restrições derivadas da pandemia Covid-19 são fatores que podem implicar uma nova descida do preço do petróleo.

Portanto, os movimentos do preço do petróleo são sempre uma incógnita e estes momentos de subida devem ser aproveitados pelo governo para reforçar as suas reservas para futuros investimentos reprodutivos e sociais.

Fig. n.º 2- Evolução do preço do Brent desde Fevereiro 2020

4-Diminuição das importações cesta básica e produção agrícola com relevância continental

A política de diversificação aliada à promoção da indústria nacional através da substituição das exportações tem sido outra “bandeira” deste governo. Esta política permite duma assentada reduzir a dependência externa e criar uma indústria nacional próspera.

Sendo ainda extemporâneo tirar qualquer conclusão definitiva sobre os resultados desta política, surgem alguns números que podem ser animadores, pelo menos em relação à dependência das importações e do gasto de divisas com o comércio externo.

Segundo dados fornecidos pelo Ministério da Indústria e Comércio, Angola conseguiu registar uma redução de quase 100 milhões de dólares na importação de produtos da cesta básica e outros bem essenciais no último mês de 2020, face ao mesmo período homólogo – dezembro de 2019. Em Dezembro de 2019, o Governo desembolsou 250 milhões de dólares para importações, enquanto que no mesmo período de 2020, apenas gastou 152 milhões de dólares[6].

Em concreto, há a assinalar a redução na importação do açúcar, que passou de 2,1 milhões de toneladas, em 2019, ao custo de 17,6 milhões de dólares, para 1.472 toneladas, ao custo de 831.121 dólares. Quanto à importação de arroz corrente, em 2019 Angola importou 136.985 toneladas no valor de 37,2 milhões de dólares e em 2020, apenas 59.505 toneladas, a um valor de 10,5 milhões de dólares. Naquilo que se refere ao frango (a carne mais consumida em Angola), é de referir também uma redução considerável, comparativamente a 2019. Nesse ano, importou-se 46.385 toneladas, por 51,5 milhões de dólares, enquanto que no ano passado, adquiriu-se apenas 32.447 toneladas, por um valor pouco superior a 25 milhões de dólares.

Figura n.º 3- Comparação das importações homólogas de produtos da cesta básica (Dez.2019/2020 em USD milhões)

Estes são apenas alguns dos produtos destacados na redução considerável das importações, contudo esta tendência revelou-se geral nos restantes produtos que compõem a cesta básica.

Para que estes números sejam considerados um sucesso é preciso cotejá-los com o consumo interno dos mesmos bens, e perceber se a diminuição de importações se deveu a uma substituição por produtos internos ou apenas reflete uma descida da procura fruto da crise económica.

Neste último caso, ainda que representem uma poupança de divisas, não significam um sucesso de política, mas um decréscimo da qualidade de vida da população. Contudo, mesmo nesta situação, os investidores nacionais devem ficar alerta para avançarem com investimentos nestas áreas de forma a corresponderam a futuro aumento da procura.

Estatísticas publicadas pelo Ministério da Indústria e Comércio angolano e divulgadas pela agência noticiosa portuguesa Lusa dão conta da sustentabilidade reforçada de alguma produção agrícola angolana.

Angola afirma-se como produtor agrícola de nível continental. Angola é o maior produtor africano de banana e sétimo no mundo com uma oferta de 4,4 milhões de toneladas, de acordo com a mais recente tabela do Fundo das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO). De salientar, que a banana continua a ser a fruta mais produzida e consumida no mundo. Angola, particularmente, há mais de seis anos que se declarou autossuficiente na produção de banana, com realce para as províncias do Bengo e Benguela. Nestas províncias, empresas privadas já exportam o fruto para países como Portugal, Zâmbia, Congo Democrático e planeiam fazer chegar a fruta aos Estados Unidos, o maior consumidor mundial[7].

Em relação à mandioca, Angola tem uma produção anual estimada em mais de 11 milhões de toneladas de mandioca, sendo hoje o terceiro maior produtor de África, depois da Nigéria e o Gana, e quer apostar na sua transformação em amido.[8]

5-Novos investimentos e exportações. Dois exemplos: Rio Tinto e Ouro

A ministra das Finanças afirmou recentemente à Reuters: “Estamos a construir um futuro (através do nosso programa de reformas) que prioriza o investimento directo (não apenas com a China, mas com outros parceiros). Queremos adicionar valor para a nossa Economia, criar empregos. Queremos que o dinheiro fique. Pedir emprestado é uma opção, mas estamos a tentar mudar a forma que nos relacionamos com os nossos parceiros”.[9]

Verifica-se assim que o governo aposta no investimento direto para reanimar a economia e também no aumento das exportações.

Há dois exemplos recentes que são importantes sublinhar neste âmbito. O primeiro é a entrada da poderosa multinacional Rio Tinto no mercado angolano. Aparentemente, tal perspetiva irá concretizar-se este ano.[10]

Também com importância está a primeira exportação de ouro extraído na Huíla em 2020, no montante de mil e seiscentas e noventa e seis onças enviados para Portugal e para os Emirados Árabes Unidos, o que corresponde, ao preço atual, a mais de três milhões de dólares. Obviamente, que o relevante não é a quantidade de ouro exportada, mas o início de uma tendência. Tal como a entrada da Rio Tinto é importante se marcar uma tendência que traga outros grandes investidores como a Anglo-American ou a DeBeers.

Nenhum destes investimentos é muito firme ainda. A sua referência é importante pelo facto de puderem representar eixos futuros de desenvolvimento da economia angolana, agora em semente.

Figura n.º 4-Sinais de otimismo na economia angolana

B-Ajustamentos necessários de políticas

O exposto demonstra que o governo angolano prossegue uma política de reforma económica amparada essencialmente nas receitas do FMI: i)equilíbrio orçamental e controlo da dívida, encarando-se a solvabilidade financeira como condição sine qua non para o crescimento económico; ii) política monetária restritiva para controlar a inflação; iii) política cambial flexível, permitindo uma desvalorização da moeda que fomente as exportações e dificulte as importações; iv) aposta no investimento e setor privado como motores da economia.

No fundo, a política seguida corresponde àquilo que em tempos se chamou o consenso de Washington.[11]Este é o pacote standard de reformas adotado pelo FMI, Banco Mundial e Departamento do Tesouro norte-americano desde finais dos anos 1980s e que corresponde a um modelo liberal da economia, assente na prudência fiscal e mercado livre.

Naturalmente, que este modelo tem potencialidades para Angola, mas não chega. Não existem ainda em Angola instituições suficientemente fortes para garantir o funcionamento de um mercado livre em que uns não acabem por dominar os outros e criar situações oligopolistas e ineficientes, como não há setor privado suficientemente robusto para se tornar o motor da economia.

Fazer depender a reforma económica de Angola apenas de reformas inspiradas no Consenso de Washington não é suficiente, é preciso uma visão mais alargada.

Essa visão mais alargada tem de implicar uma reforma institucional estrutural. Tal significa que os direitos de propriedade têm de ser clarificados abandonando a confusão que a coletivização da propriedade gerou e ainda gera, os tribunais têm de ser colocados a funcionar, a burocracia deixar de ser um empecilho, e obviamente a grande corrupção ser erradicada. Além da reforma institucional estrutural, tem de se perceber que o Estado tem um papel a desempenhar nesta nova fase. Não há setor privado robusto em Angola, nem tudo poderá ser entregue a investidores estrangeiros com perspetivas de curto-prazo. Tem de se arranjar um misto entre Estado e setor privado. Aliás é assim que os países ocidentais mais avançados funcionam, apesar de retórica. É importante adotar o conceito avançado por Mariana Mazzucato de Estado Empreendedor.[12]

O ponto a considerar na reforma económica em Angola é que o papel do governo, nas economias mais bem-sucedidas, foi muito além de criar as infraestruturas certa e definir as regras. O Estado é um agente fundamental para alcançar o tipo de inovação que permite às empresas e economias crescerem, não apenas criando as “condições” que permitem a inovação. Em vez disso, o estado pode criar proativamente uma estratégia em torno de novas áreas de elevado crescimento antes que o potencial seja compreendido pela comunidade empresarial financiando a fase mais incerta da investigação em que o setor privado seja avesso ao risco, buscando novos desenvolvimentos, e muitas vezes até supervisionando o processo de comercialização.

Além do mais, as políticas recessivas do FMI, mesmo sendo necessárias, devem ser compensadas por outro tipo de políticas que aliviem a carga socialmente depredadora daquelas. Em resumo, deve existir um mix de políticas reformistas mais abrangente e adequado a Angola, para que no final os primeiros clarões de sucesso tenham resultados sustentados.

C-Conclusões

Há que ver para além dos números conjunturais negativos da economia angolana e entender que existe uma política reformista da economia que começa a dar os primeiros frutos e marcar algumas tendências novas. Essa política tem sido aplaudida (e possivelmente aconselhada) pelo FMI, e aqui reside a sua força e fraqueza. Força, porque contém algumas medidas indispensáveis para sanear e economia angolana e lançá-la na senda do crescimento. Força também, porque a sua adoção e concretização traz o elogio e apoio do FMI e organizações irmãs. Contudo, essa política também tem fraquezas, entre as quais se destacam a falta de atenção à reforma institucional, a fraqueza do setor privado em Angola, os efeitos recessivos de políticas contracionistas, entre outros.

Consequentemente, havendo sinais de otimismo nas perspetivas de médio-prazo da economia angolana é necessário aperfeiçoar a política económica que está a ser seguida, incluindo a intensificação das reformas institucionais que garantam que o poder judicial funciona, a burocracia não atrapalha, a corrupção não desvia recursos. Além disso, deve ser revisto o papel do Estado como parceiro empreendedor do setor privado.


[1] Cfr.os números mais recentes: Desemprego 34% (III trimestre 2020), Inflação homóloga 25,19% (Dezembro 2020/Dezembro 2019), Crescimento do PIB -5,8% (III trimestre 2020) em https://www.ine.gov.ao/

[2] Vide https://www.imf.org/en/News/Articles/2021/01/12/pr216-angola-imf-executive-board-completes-4th-review-of-the-eff-arrangement-approves-disbursement

[3] Idem

[4] https://www.cedesa.pt/2020/05/05/porque-a-china-deve-reduzir-a-divida-de-angola/

[5] https://www.cedesa.pt/2020/06/03/angola-petroleo-e-divida-oportunidades-renovadas-2/

[6] https://www.noticiasaominuto.com/mundo/1663059/angola-importou-menos-100-milhoes-de-dolares-de-produtos-da-cesta-basica

[7] https://www.plataformamedia.com/2020/12/15/angola-e-o-maior-produtor-de-banana-em-africa-ha-seis-anos/

[8] https://www.noticiasaominuto.com/economia/1663123/angola-e-terceiro-maior-produtor-africano-de-mandioca

[9] https://www.minfin.gov.ao/PortalMinfin/#!/sala-de-imprensa/noticias/8787/angola-prioriza-investimento-directo-nao-apenas-com-a-china

[10] https://mercado.co.ao/negocios/diamantifera-endiama-quer-concretizar-entrada-da-rio-tinto-em-angola-HC1004823

[11] Cfr. https://piie.com/commentary/speeches-papers/what-washington-means-policy-reform e https://web.archive.org/web/20170715151421/http://www.cid.harvard.edu/cidtrade/issues/washington.html

[12] Ler em https://www.wook.pt/livro/the-entrepreneurial-state-mariana-mazzucato/19312561

Angola: Petróleo e Dívida. Oportunidades renovadas

Resumo:
Embora Angola esteja a sofrer vários choques económicos em virtude da Covid-19 e da descida do preço do petróleo, além do aumento nominal da dívida pública externa, a verdade é que a situação não apresenta a gravidade apontada nalguns estudos.

Petróleo: O país está bem preparado para beneficiar da recuperação que já está a acontecer do preço do petróleo, e que provavelmente acelerará com o desconfinamento mundial.

Dívida: O problema da dívida resulta essencialmente da depreciação da moeda e a sua solução encontra-se numa negociação política com a China, que detém cerca de metade da dívida pública externa.

Diversificação: As presentes dificuldades são um incentivo real, e não meramente retórico, para o início da diversificação da economia, possibilitada pelas medidas de liberalização da economia.

Nos últimos tempos muito se tem escrito sobre a crise do petróleo angolano, apresentando-se previsões catastróficas para a economia do país e a evolução da exploração petrolífera. À pressão do petróleo, tem-se adicionado a pressão da dívida pública, tudo na embalagem da Covid-19.

Sendo a situação grave, não é desesperada, e há que encarar os vários dados analiticamente com o distanciamento suficiente.

A dívida pública

A questão da dívida pública, que já abordamos em anterior relatório naquilo que se refere à China (https://www.cedesa.pt/2020/05/05/porque-a-china-deve-reduzir-a-divida-de-angola/), não tem o perigo que se atribui considerando apenas uma análise formal dos números.

Se atentarmos aos dados mais recentes do BNA[1], os grandes credores de Angola são a China, a Grã-Bretanha e as Organizações Internacionais.

A soma destes credores iguala cerca de 39,4mil milhões de dólares e equivale a quase 80% da dívida pública externa.

            Figura n.º 1-Stock da dívida externa pública de Angola por países. Fonte: BNA (bna.ao)

Obviamente que a dívida perante a China tem um carácter eminentemente político e não se pode encará-la como uma dívida ordinária. De notar, que o ministro das Relações Exteriores de Angola já está em conversações com o seu homólogo chinês sobre o tema[2]. Portanto, há um efetivo desenvolvimento neste âmbito.

De algum modo, o mesmo acontece com as Organizações Internacionais. É público que as Organizações Internacionais, lideradas pelo Fundo Monetário Internacional estão a propor várias medidas de alívio relativamente ao peso da dívida das economias mais frágeis e de mercados emergentes[3].

Resta a dívida à Grã-Bretanha. Uma parte dessa dívida será proveniente de empresas sedeadas em Londres, mas com relações privilegiadas com Angola e que têm uma perspetiva de longo prazo, como é o caso da Gemcorp[4], pelo que aqui também se terá de encarar com alguma cautela as afirmações demasiado genéricas sobre a gravidade do peso da dívida angolana.

Além do mais, o próprio Fundo Monetário Internacional reconheceu em dezembro de 2019 que cerca de quatro quintos do aumento nominal da dívida angolana se devia à depreciação do kwanza e não a novas responsabilidades[5]. Portanto, qualquer análise da dívida pública externa angolana que não proceda à desagregação dos seus elementos está errada.

É evidente que a dívida pública externa está concentrada em poucos credores que têm várias considerações a tomar além das estritamente financeiras, e depende muito da atitude da China.

Em resumo, a não ser que ocorra algum evento extraordinário adicional, a questão da dívida pública externa angolana não tem a gravidade que possa parecer de uma mera observação nominal, e não se deve tornar num obstáculo ao desenvolvimento. A chave está nas conversações com a China sobre o tema. E obviamente a China não quererá aparecer como um agente negativo em Angola.

O petróleo

O mesmo exagero analítico tem ocorrido a propósito do petróleo e Angola. Obviamente que Angola tem uma dependência excessiva do petróleo, e que este, neste momento, o preço do crude é alvo de duas pressões negativas: a queda da procura em virtude da Covid-19 e uma aparente tendência secular para diminuir o consumo de petróleo substituindo-o por fontes alternativas.

Dois dos mais reputados analistas destas questões relativamente a Angola, Agostinho Pereira de Miranda e Jaime Nogueira Pinto[6], têm, no entanto, desvalorizado o excesso de angústia relativamente a esta questão naquilo que diz respeito a Angola. Tendemos a subscrever esta posição.

O abalo do petróleo na economia angolana subsiste desde 2014 (vide fig. N.º 2)  e é um problema para o qual o governo desde 2018, tem tomado variadas medidas que se centram em duas estratégias: i) modernização e abertura do setor petrolífero e ii) promoção da diversificação da economia.

Em relação ao primeiro aspeto, sublinha-se, entre outros, a criação de uma agência reguladora diferente da Sonangol, permitindo que esta empresa se foque no seu core business, a privatização de subsidiárias secundárias da Sonangol e a assinatura de acordos com várias empresas estrangeiras para aumentar o investimento. Na verdade, as grandes companhias, em que se destaca a Total, Exxon, Chevron, BP, ENI, planeavam operar mais navios de perfuração em Angola do que em qualquer lugar do continente para explorar novas descobertas. Em relação à diversificação tem havido mais retórica do que prática, mas a necessidade, como veremos à frente vai obrigar a que se passe à prática, desde que o governo liberalize efetivamente a economia.

Entretanto, a Covid-19 fez mergulhar o preço do petróleo e as companhias estrangeiras pararam a sua atividade em Angola[7]. No entanto, apesar das más notícias imediatas, a situação tenderá a estabilizar num patamar superior. A Moody´s no final de maio anunciava que previa um patamar genérico futuro entre os USD 45-65. Não se trata de confiar na precisão destes números, mas apenas de anotar que haverá uma tendência de subida.

Atente-se o preço do Brent. Neste momento, situa-se em USD 36, 6 (dados de 22 de maio de 2020)[8]. Portanto, já subiu do número mínimo alcançado a 21 de abril de 2020, USD 19.33. O valor de USD 36, 6 já está acima de vários níveis atingidos após a queda abrupta em 2014. Por exemplo, no início de 2016, o valor andou entre os USD 29 a 32. Significa isto que o preço do petróleo parece entrar, no presente momento, novamente nalguma normalidade, além de que desde 2014, o país já está habituado a lidar com uma grande oscilação nos mercados.

            Figura n.º 2- Picos e Mínimos do Preço Brent USD/Barril (fonte Nasdaq e Oilprice.com)

Figura n.º 3-Evolução do preço do Brent 2020 (Fontes da fig. n.º 2)

Refira-se a propósito que uma boa parte da contratação angolana está revertida em contratos com prazos longos, pelo que oscilações do preço não afetam necessariamente e de imediato a tesouraria pública.

Além do mais muito em breve, passar-se-á de uma época de encerramento das economias em que a procura de petróleo diminuiu substancialmente, para um relançamento das economias. Seja essa recuperação em V, U, W ou outra letra, a verdade é que implicará um aumento da procura de petróleo, o que provavelmente, fará aumentar o preço do petróleo desde que não se reiniciem as “guerras” entre a Rússia ou Arábia Saudita ou outros eventos semelhantes.

A isto acresce que o valor baixo do petróleo será um incentivo ao seu uso numa fase de recuperação económica em que as preocupações com energias limpas, mas mais caras, será, no curto prazo, substituída pela necessidade de colocar as empresas a trabalhar e as pessoas com emprego.

Mesmo que na Europa persistam as preocupações com a emergência climática, é difícil vislumbrar que os grandes motores da economia mundial, como os Estados Unidos, a China e a Índia, não prefiram uma fonte de energia barata que rapidamente coloque as fábricas a mexer.

Angola já se começou a antecipar e ainda na semana de 25-29 de maio, a Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANPG) disponibilizou, um pacote de dados para exploração petrolífera das bacias terrestres do baixo Congo e do Kwanza, para empresas nacionais e internacionais. São os blocos CON1, CON5, CON6, KON5, KON6, KON8, KON9, KON17 e KON20, cujo anúncio oficial, para o início das novas licitações, será feito nos próximos dias.

Em resumo, a reformas organizacionais, de racionalização e incremento do mercado petrolífero em curso em Angola, aliadas à recuperação paulatina do preço do petróleo, no contexto do relançamento da economia mundial no pós Covid-19, permitem acreditar que o setor petrolífero em Angola tem boas condições de recuperação, e afastar os cenários mais pessimistas.

Oportunidade para a diversificação

Uma nota final sobre a política de diversificação que tem sido proclamada constantemente pelos dirigentes angolanos, mas sem sucesso.

Agora há dois incentivos claros para a tornar uma realidade. Por um lado, o petróleo já não é a fonte de receitas segura em que o Estado pode confiar, por outro, há medidas de liberalização da economia e quebra dos anteriores oligopólios. Ainda tímidas, mas existem.

Estes dois factos devem levar os empresários a sentirem-se mais livres e obrigados a procurarem novas áreas de investimento. Essas áreas não deverão ser a construção civil, mas sim outros ligados aos recursos naturais, como o gás natural; a agroindústria (os solos de Angola são alguns dos mais férteis da África e o seu clima é manifestamente propício à agricultura. No passado, Angola era quase autossuficiente em termos agrícolas, sendo o trigo a única exceção); a economia da floresta (as florestas cobrem quase 18,4% da área total do país e formam um dos recursos naturais mais críticos do país), minerais de alta qualidade (minério de ferro, manganês e estanho) e energia solar, entre outros.

Nesta crise, o grande desafio de Angola é aproveitar a oportunidade para se transformar beneficiando da sua variada riqueza.


[1] BNA, Dívida Externa por países (stock): 2012-2019. Disponível em linha https://www.bna.ao/Conteudos/Artigos/lista_artigos_medias.aspx?idc=15419&idsc=16458&idl=1

[2] http://www.novojornal.co.ao/politica/interior/mirex-telefona-a-homologo-chines-com-foco-na-divida-e-em-investimentos-em-angola-87980.html

[3]https://www.imf.org/en/News/Articles/2020/05/28/sp052820-opening-remarks-at-un-event-on-financing-for-development-in-the-era-of-covid-19  

[4] Profundamente envolvida na construção da nova refinaria em Cabinda, por exemplo: https://www.africaoilandpower.com/2020/01/21/sonangol-gemcorp-sign-cabinda-partnership-deal/

[5] https://www.imf.org/en/Publications/CR/Issues/2019/12/18/Angola-Second-Review-of-the-Extended-Arrangement-Under-the-Extended-Fund-Facility-Requests-48887

[6] Cfr. Agostinho Pereira de Miranda, Setor petrolífero angolano está bem preparado para sair da crise – advogado. Disponível online em :https://www.angonoticias.com/Artigos/item/64817/setor-petrolifero-angolano-esta-bem-preparado-para-sair-da-crise-advogado e Jaime Nogueira Pinto, Considerações sobre a crise petrolífera. Disponível em linha https://observador.pt/opiniao/consideracoes-sobre-a-crise-petrolifera/

[7]Noah Browning et al. Angola’s oil exploration evaporates as COVID-19 overshadows historic reforms. Disponível em:  https://www.reuters.com/article/us-global-oil-angola-insight-idUSKBN22W0OZ

[8] NASDAQ-Brent Crude (BZ:NMX). Disponível online em https://www.nasdaq.com/market-activity/commodities/bz%3anmx . Ver também https://oilprice.com/oil-price-charts/46 . Note-se que estes elementos são meramente informativos de tendências e não refletem necessariamente o preço exato das transações do petróleo angolano. Contudo, conferem uma aproximação às possíveis evoluções e perspetivas.

Porque a China deve reduzir a dívida de Angola

A situação da dívida pública angolana

No seu relatório de dezembro de 2019 sobre Angola, o Fundo Monetário Internacional (FMI) asseverava que: “A dívida pública de Angola é sustentável, mas os riscos aumentaram e as vulnerabilidades permanecem.[1]” Embora previsse um pico da dívida pública para o final de 2019 de 111% do PIB, a visão do FMI era otimista, por várias ordens de razão, designadamente,  a mobilização de novas receitas não petrolíferas nos orçamentos 2020-2021, a implementação rápida de reformas estruturais e a prossecução do programa de privatizações[2].

Na origem da previsão do aumento percentual da dívida pública em termos de PIB encontravam-se três fatores: a depreciação do kwanza no quarto trimestre de 2019 (cerca de quatro quintos do aumento), a baixa dos preços e da produção do petróleo, e a recuperação económica lenta. De sublinhar, portanto, um primeiro aspeto que é a constatação que 80% do aumento do percentual da dívida pública face ao PIB deriva da depreciação do kwanza.

Consequentemente, teríamos uma política preconizada pelo FMI (depreciação moeda) a influenciar negativamente outro índice reputado importante pela mesma organização (relação dívida pública/PIB). Significa isto que não era demasiado importante olhar para esta relação para calcular a possível fragilidade da dívida pública angolana, pois ela refletia essencialmente oscilações nominais e não reais. Em dezembro de 2019, a dívida pública angolana era sustentável.

Contudo, passados quatro meses, a situação tornou-se mais difícil, admitindo-se, agora, que os aspetos reais da economia possam dificultar o serviço da dívida. Ainda não se está nessa situação, e a tomada de medidas pode evitar qualquer problema, pois não se trata de ter sido substancialmente contraída mais dívida, mas do choque proveniente da Covid-19 que está a afetar a economia mundial. Este choque tem consequências para Angola, pressionando dois elementos materiais importantes para a sustentabilidade do pagamento da dívida: o preço do petróleo e a recuperação económica. Como é sabido, o petróleo tem visto o seu preço a descer abruptamente, e as perspetivas de recuperação da economia angolana são débeis.

Consequentemente, em abril de 2020, o mesmo FMI previu uma recessão de 1,4% para a economia angolana e um valor da dívida igual a 132 % do PIB. A previsão do FMI é precisamente só isso, não correspondendo ainda, em termos de dívida pública, a qualquer realidade nova. Na verdade, o ano de 2019 terá fechado com uma dívida pública de 109,8% do PIB e não 111%, ligeiramente melhor do que o previsto[3].

Refira-se ainda que a parte correspondente à dívida pública externa será de 85,4% do PIB, que é a que nos interessa analisar.

Os diversos elementos até aqui considerados, levam-nos a duas conclusões: a primeira: a dívida pública angolana estava a evoluir de forma sustentável, sendo que a degradação nominal da dívida pública do país em percentual do PIB refletia, sobretudo, a depreciação nominal da moeda e não algum descontrolo absurdo que tivesse ocorrido nas finanças públicas nos tempos mais recentes. Se repararmos entre 2017 e 2019, numa época de recessão, o stock da dívida externa aumentou somente 14%, sendo que foi anteriormente, entre 2012 e 2016 que subiu 100%. Isto quer dizer, em termos políticos, que o governo de José Eduardo dos Santos duplicou a dívida pública externa em quatro anos, enquanto João Lourenço tem tentado travar esse aumento exponencial[4]. Uma análise mais fina da figura abaixo apresentada assinala o grande impulso da dívida externa angolana entre 2012 e 2016. Existiu uma tentativa de estabilização em 2017 e apenas aumento modesto em 2018 e 2019.

Figura n.º 1-Stock da dívida pública externa angolana (2012-2019) [valores em milhões de dólares; fonte BNA]

Contudo, e essa é a segunda conclusão, se havia confiança na capacidade de Angola pagar a dívida, e no controlo da mesma por parte do atual governo, a verdade é que a crise mundial da Covid-19 veio lançar uma nuvem de incerteza sobre as dívidas públicas em termos globais, afetando obviamente a perceção em relação a Angola. Naturalmente que essa perceção pós-Covid-19 exige que os governos se antecipem e tomem medidas para evitar problemas futuros.

 É neste contexto que merece atenção a eventual adaptação da dívida externa angolana à realidade presente trazida pela Covid-19, e a necessidade de aligeirar o seu peso para garantir a sustentabilidade da recuperação económica.

A importância da dívida à China

A presente situação mundial trazida pela Covid-19 e a necessidade que Angola tem de garantir que a sua dívida pública é sustentável e de não perturbar o arranque económico que urge mobilizar, implicam que este seja o momento para, sem temor, se avançar com uma renegociação construtiva da dívida externa.

Atendendo às características essenciais da dívida pública angolana, há que seguir o método cartesiano na abordagem dessa negociação. Significa isto, que não se deve olhar para a dívida como um todo, mas dividi-la em secções, abordando cada uma independentemente. É errado do ponto de vista metodológico encarar a dívida pública externa angolana como um todo devido ao peso imenso que a China tem na mesma.

O total de dívida pública externa angolana (stock) tinha o valor de 49.461 milhões de dólares no final de 2019, segundo os dados do Banco Nacional de Angola.[5] Acontece que 22.424 milhões de dólares são devidos à China[6]. Quer isto dizer que a China representara quase metade das responsabilidades externas angolanas, mais precisamente, 45,3%.

Figura n.º 2-Peso da dívida externa angolana à China (em percentagem; fonte: BNA)

Parece claro que a dívida angolana à China representa uma magnitude enorme e tem, obviamente, o peso mais importante nas finanças públicas de Luanda.

Atendendo às características históricas da relação de Angola com a China, bem como ao posicionamento global desta, em especial naquilo que se refere ao relacionamento com África, este é o tempo de propor uma profunda negociação da dívida angolana à China promovendo a sua redução e escalonamento temporal.

Em termos simples, a negociação da dívida pública angolana à China deve baixar o montante da dívida e aumentar o tempo de pagamento.

Facilmente se vê que a dívida à China se pode tornar o principal empecilho para o desenvolvimento de Angola, como no passado, a partir de 2002, terá sido um dos propulsores do arranque.

Ora, a China deve ser um fator de desenvolvimento e não de recessão económica em Angola. Desde logo, deve-se notar que desde 2017, ano da tomada de posse de João Lourenço, data em que a dívida assumiu um pico, que Angola tem vindo a baixar o valor do stock (cfr. Fig. N.º 3 abaixo) demonstrando assim a sua capacidade e boa-fé face à China.

Há três razões muito fortes para levar a China a uma renegociação da dívida com vista à sua redução e prolongamento no tempo.

1-Posicionamento global da China, em especial em África.

A China é, atualmente, uma das grandes potências mundiais, pretendendo ombrear com os Estados Unidos em termos de projeção de influência no mundo.

Nesse sentido, com um novo poder vêm novas responsabilidades, como vieram em relação aos Estados Unidos no final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), em que tomou nos seus ombros a reconstrução económica europeia através do Plano Marshall e promoveu ativamente a criação daquilo que veio a ser a CEE (Comunidade Económica Europeia), hoje União Europeia. Foi o empenho norte-americano que possibilitou esta realidade que trouxe prosperidade e paz à Europa.

Ora, a China tem estado a assumir uma posição semelhante em relação a África, utilizando uma retórica de amizade e solidariedade. Refiram-se as palavras do Presidente Xi Jinping na cerimónia de abertura do Fórum de Cooperação China-África (FOCAC) em 2018: “A China busca interesses comuns e coloca a amizade em primeiro lugar na procura de cooperação. A China acredita que o caminho certo para impulsionar a cooperação China-África é que ambos os lados alavanquem a sua força respetiva; cabe à China complementar o desenvolvimento da África através do seu próprio crescimento, e cabe à China e à África buscar a cooperação em benefício mútuo e o desenvolvimento comum. Ao fazer isso, a China segue o princípio de dar mais e receber menos, dar antes de receber e dar sem pedir retorno”[7] (ênfase nosso).

O certo é que a atual situação provocada pela doença Covid-19 apresenta-se como a ideal para que o Presidente Xi Jinping transforme o seu discurso em realidade e passe a atos concretos de amizade, de dar mais e receber menos, bem como dar sem pedir retorno. Sendo certo que uma doação não é um empréstimo, a verdade, é que o espírito da afirmação do Presidente chinês se aplica perfeitamente a esta situação provocada pela Covid-19.  

Assim construirá uma imagem da China em África de uma grande potência mundial que aposta no desenvolvimento efetivo de um continente e mostrará, do ponto geoestratégico, que é um contendor real dos Estados Unidos na criação de um mundo mais próspero e seguro.

É neste momento que se verá o lugar da China no mundo pós-Covid-19.

2-Pragmatismo

Atribui-se a Deng Xiaoping a frase “Não importa se o gato é preto ou branco, desde que cace ratos”.  Não é relevante saber se a disse realmente ou não, mas o facto é que representa o pragmatismo chinês que permitiu que um Partido Comunista mantivesse o poder, enquanto lançava o país na senda de um crescimento económico acelerado assente num misto de mercado liberal e intervenção estatal. É precisamente este pragmatismo que tanto sucesso trouxe à China que irá justificar a remissão da dívida angolana.

Angola sempre foi apresentado como o modelo do investimento em África. A literatura científica refere-se até ao “Modelo angolano” que serviu de base para a atuação contemporânea da China em África.

Sendo assim, será preocupante para a China ver que o seu modelo falha e se torna um peso para a economia.

Se atentarmos nos números, durante 2019 Angola gastou quase 43% das receitas públicas a pagar dívida, onde, como já se referiu a China ocupa a fatia maior. Consequentemente, a manutenção desta situação pode vir a dar razão às alegações que o Secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, fez durante o seu recente périplo por África, no sentido de a dívida chinesa se tornar uma canga insuportável para o desenvolvimento do continente. Na verdade, chegando-se à conclusão que tal está, ou pode estar a acontecer em Angola, tal constrangimento transforma toda a política africana da China num desastre, uma vez que o seu modelo inicial falhou redondamente.

A adicionar a este pragmatismo político, há um aspeto económico óbvio. As mais recentes avaliações dão conta de que as empresas chinesas em Angola registaram uma perda de 350 a 500 milhões de dólares devido à pandemia da COVID-19[8]. E estas perdas podem-se alargar se a situação económica de Angola não melhorar. Portanto, é de todo o interesse chinês criar as condições de relançamento para a economia angolana, pois tal relançamento aproveita e em larga escala as empresas chinesas. É a chamada situação win-win.

Consequentemente, é, pois, do interesse prático chinês a redução da dívida angolana para mostrar ao mundo que o seu modelo de intervenção em África resulta e não é predatório, e também para ajudar as inúmeras empresas chinesas estabelecidas em Angola.

3-Combate à corrupção e dívida odiosa

Há uma razão fundamental e final de elementar justiça para reduzir a dívida angolana à China. Não existem dúvidas de que parte dessa dívida é aquilo que doutrinariamente se chama “dívida odiosa”, i.e., dívida cujos propósitos não foram o interesse público e o bem comum, mas a apropriação privada da soberania por parte de integrantes dos mais altos órgãos do Estado.[9] Dito de modo mais claro, trata-se de dívida que foi utilizada em atos de corrupção ou serviu para financiar interesses de dirigentes angolanos e possivelmente oficiais chineses.

Nunca se pode esquecer o papel que o cidadão chinês Sam Pa, hoje, aparentemente preso na China, desempenhou nos variados negócios em Angola. Nomes como o CIF-China International Fund ou o Grupo Queensway, ou ainda a China Sonangol, são paradigmas de atividades reputadas como ilegais que estão ou estiveram debaixo de estreita investigação. É um facto que o dinheiro chinês esteve envolvido em vastos atos de corrupção.

Além deste facto, há outro com contornos indefinidos e que merece uma investigação mais atenta por parte dos jornalistas investigativos. A análise das séries estatísticas desagregadas do Banco Nacional de Angola sobre a evolução da dívida chinesa mostra que no segundo quadrimestre de 2016 (maio a agosto) essa dívida passou de 10.531 milhões de dólares para 21.228 milhões de dólares. A dívida à China duplicou em 2016[10].

Figura n.º 3- Evolução da dívida pública externa (stock) de Angola à China-2012/2019 (Milhões de dólares. Fonte: BNA)

Esse movimento foi relativamente recente e está mal explicado. Em termos temporais tal acontecimento coincide com uma anunciada ida de José Eduardo dos Santos à China para negociar um empréstimo em Julho de 2015, a que posteriormente se sucederam vários factos como a queda em desgraça do Vice-Presidente da República, Manuel Vicente, e a prisão de Sam Pa em outubro de 2015. Depois disto, Isabel dos Santos assumiu a presidência da Sonangol em Junho de 2016, coincidindo com o lançamento da dívida chinesa nas contas do BNA. Aparentemente, foi desta nova dívida chinesa que saíram 10 mil milhões USD que o Governo atribuiu à Sonangol liderada por Isabel dos Santos para pagamentos antecipados de seis financiamentos da petrolífera, no valor de cinco mil milhões de dólares. Tal permitiu a redução do stock da dívida da petrolífera de 9,8 mil milhões para 4,8 mil milhões. Os restantes cinco mil milhões terão sido canalizados para investimento na e da Sonangol.

Atendendo à controvérsia judicial que, neste momento, envolve a passagem de Isabel dos Santos pela Presidência da Sonangol e a aparente simultaneidade da sua nomeação com a duplicação da dívida angolana à China que terá servido para financiar a Sonangol, talvez devesse haver uma suspensão do pagamento desta dívida até se perceber se existiu alguma ilegalidade ou não, designadamente naquilo que se refere aos 5 mil milhões que foram, aparentemente, afetos a investimentos na e da Sonangol.

Refira-se que é o que a lei chinesa, reforçada por Xi Jinping, impõe. Como se sabe o Presidente chinês e a sua administração desenvolvem um aturado e intenso combate à corrupção no seu país. A lei chinesa em vigor sobre a corrupção encontra-se no Código Penal da República Popular da China aprovado em 1981, revisto em 1997 e reforçado em 2015. De acordo com essa norma, todas as atividades que envolvam corrupção relativas a governantes estrangeiros são crime para os quais os tribunais chineses têm jurisdição. Com efeito, desde 1 de maio de 2011 é crime o pagamento ilícito a oficiais estrangeiros. A verdade é que, atualmente, o Código Penal chinês atua para além das suas fronteiras, por isso pagamentos corruptos, a “dívida odiosa”, já têm de ser considerados pelas autoridades chinesas quando fazem as suas avaliações das situações.

Quer isto dizer que quer por razões políticas, quer por razões de direito interno, a China está obrigada e deve analisar a dívida que tenha sido eventualmente constituída com propósitos corruptos ou de benefício ilegítimo. A dívida de Angola deve ser revista exaustivamente, nessa perspetiva.

Figura n.º 4- Razões para a China reduzir a dívida angolana

Conclusões

Os motivos expostos aconselham vivamente a que a China proceda a uma substancial redução unilateral da dívida angolana. É um imperativo da sua atual posição no mundo, do seu pragmatismo e do direito sínico.


[1] IMF- Angola, IMF Country Report No. 19/371, p. 54. Disponível em https://www.imf.org/en/Publications/CR/Issues/2019/12/18/Angola-Second-Review-of-the-Extended-Arrangement-Under-the-Extended-Fund-Facility-Requests-48887

[2] Idem, p. 54.

[3] IMF- World Economic Outlook, April 2020: The Great Lockdown, p. 24. Disponível em https://www.imf.org/en/Publications/WEO/Issues/2020/04/14/weo-april-2020 e também IMF-SUB-SAHARAN AFRICA.COVID-19: An Unprecedented Threat to Development, April 2020, p. 19. Disponível em https://www.imf.org/en/Publications/REO/SSA/Issues/2020/04/01/sreo0420

[4] BNA-Banco Nacional de Angola, DÍVIDA EXTERNA PÚBLICA POR PAÍSES (STOCK): 2012 – 2019. Disponível em https://www.bna.ao/Conteudos/Artigos/lista_artigos_medias.aspx?idc=15419&idsc=16458&idl=1

[5] e [6] BNA-Banco Nacional de Angola, idem.                                        

[7] Presidente Xi Jinping “Full text of Chinese President Xi Jinping’s speech at opening ceremony of 2018 FOCAC Beijing Summit”,  XinhuaNet, 3 setembro 2018. Disponível em http://www.xinhuanet.com/english/2018-09/03/c_137441987.htm

[8] Francisco Shen (entrevistado por Natacha Roberto), “Empresas chinesas em Angola com perdas de 500 milhões de dólares”, Jornal de Angola, 28 de abril 2020. Disponível em http://jornaldeangola.sapo.ao/economia/empresas-chinesas-em-angola-com-perdas-de-500-milhoes-de-dolares

[9]  Robert Howse, The Concept of Odious Debt in Public International Law, UNCTAD, 2007.

[10] BNA-Banco Nacional de Angola, Dívida Externa por País, Dados Trimestrais. Disponível em https://www.bna.ao/Conteudos/Artigos/lista_artigos_medias.aspx?idc=15420&idsc=16460&idl=1