Celebra-se este ano de 2025 o meio século de existência de Angola independente. Foram cinquenta anos de caminhos por vezes divergentes, de continuidades e de roturas, e de opções quase sempre difíceis.
Cinquenta anos parecem pouco, mas foi um período riquíssimo da História de África e na do mundo, que viu mudanças ainda imprevisíveis em 1975, entre elas a da queda do chamado Bloco de Leste, a transformação da China em potência global, a criação de um bloco europeu, o fortalecimento da União Africana e tantas outras.
Neste momento de balanço, a Angola Research Network (https://www.angolaresearchnetwork.org/) convida todos os angolanistas, membros e não-membros da nossa Rede, a apresentarem propostas de comunicação e de painéis para o IV Congresso Internacional de Angolanística, a decorrer em Lisboa no dia 18 de junho de 2025 nas instalações da Biblioteca Nacional de Portugal.
A chamada estará aberta entre 15 de janeiro e 15 de março de 2025.
Como é habitual, o Congresso contemplará um vasto espectro de interesses servidos por uma ampla diversidade de perspetivas e de metodologias da história e das ciências sociais, políticas e jurídicas, das humanidades, das artes e da música, das culturas da diáspora angolana e das relações internacionais e integração regional (Grandes Lagos e SADC).
Serão especialmente bem-vindas as propostas multidisciplinares, com perspetivas transversais a diversos domínios do saber, e das interartes.
Os interessados deverão enviar uma proposta fundamentada, com um máximo de 250 palavras, acompanhada de curta biografia académica (máximo de 100 palavras), email, se possível, e telefone de contacto com WhatsApp.
Toda a correspondência deverá ser dirigida para o seguinte endereço de e-mail:
https://www.cedesa.pt/wp-content/uploads/2025/01/arn-4-congresso.jpg634470CEDESA-Editorhttps://www.cedesa.pt/wp-content/uploads/2020/01/logo-CEDESA-completo-W-curvas.svgCEDESA-Editor2025-01-07 13:06:032025-01-07 13:06:04IV CONGRESSO INTERNACIONAL DE ANGOLANÍSTICA
1-Sumário da situação no Leste do Congo. O papel do M23 e do Ruanda
Existe uma guerra desconhecida ou ignorada no Leste do Congo que poderá no médio-prazo ter impactos muito relevantes em toda a política de transição energética e uso de novas tecnologias no globo. Na atualidade, já tem um efeito devastador na zona. O jornal inglês The Guardian numa reportagem muito recente em que finalmente se aborda o tema, apresenta relatos de vítimas de uma violência impensável que pintam um quadro macabro da brutalidade que varre o país centro-africano [República Democrática do Congo-RDC] e pergunta: “Por quanto tempo o Ocidente está preparado para desviar o olhar?”[1]
A Angola e o Presidente João Lourenço têm-se empenhado em evitar uma escalada de violência e em garantir a paz. Se bem que a mediação angolana tenha evitado um confronto total e direto entre a República Democrática do Congo e o Ruanda, não tem conseguido trazer a paz.
Papel relevante em todo este processo tem o M23. O grupo rebelde M23 ganhou notoriedade há cerca de uma década, quando seus combatentes tomaram a cidade de Goma, a maior do leste do Congo. O nome “M23” vem do acordo de paz de 23 de março de 2009, que eles acusam o governo congolês de não implementar adequadamente. Nos últimos anos, o M23 ressurgiu e intensificou suas atividades, capturando territórios estratégicos e causando deslocações massivas de civis. A violência do grupo tem levado a uma crise humanitária grave, com milhares de pessoas sendo forçadas a abandonar as suas casas e vivendo em condições precárias[2].
A situação torna-se complicada pelo apoio que o M23 recebe de Ruanda, o que tem gerado tensões regionais e dificultado os esforços de paz. O governo congolês, liderado pelo presidente Félix Tshisekedi, tem-se recusado a negociar diretamente com o M23, classificando o grupo como terrorista e responsabilizando-o por imenso sofrimento e pela violação da soberania nacional.
A realidade é que o Ruanda está profundamente envolvido na promoção das atividades do M23 na RDC. Tal já foi comprovado por variados relatórios da ONU, o último dos quais apresentado em julho de 2024[3]. As tropas do Ruanda atuam sem disfarces no território do Leste congolês, com equipamento de combate completo. Imagens de drones confirmam colunas das suas tropas na RDC. Cerca de 4.000 tropas da Força de Defesa de Ruanda (RDF) estão no Congo a apoiar o M23.
Admite-se que exista um objetivo político por parte do Ruanda, que é obter uma parte desse território para si. Primeiro, desestabiliza, depois toma o controlo fáctico e numa fase posterior destaca esse território da RDC e torna-o um protetorado, estado-tampão ou mesmo parte integrante do Ruanda. Admite-se que utilize as técnicas russas que levaram à anexação da Crimeia.
Acresce que em muitos sectores norte-americanos existe a ideia que a RDC é demasiado grande para ser eficientemente governada de Kinshasa, havendo alguma simpatia por uma divisão do país, designadamente, como se fez no Sudão do Sul, em que a parte rica entra em secessão. O autor deste relatório participou num encontro da Chatham House em que esta posição americana foi desenvolvida e discutida, sem conclusões, mas ficou no ar….é uma hipótese de trabalho.
Refira-se a propósito que o Ruanda conta com o apoio, ou pelo menos benevolência de muitas potências ocidentais. A UE tem medo de interromper a cadeia de suprimentos se sancionasse Ruanda. Atualmente, a UE está a discutir um controverso acordo estratégico de minerais com Ruanda. Os críticos alertam que o acordo corre o risco de legitimar o contrabando de minerais de conflito da RDC. Além disso, o Ruanda “controla” o Ocidente ao “alavancar” o seu papel como terceiro maior contribuinte para missões de paz da ONU. Fontes diplomáticas alegam que Kigali ameaçou retirar tropas de manutenção da paz se graves sanções fossem aplicadas. Ruanda corteja Washington com a sua imagem de donors` darling, uma imagem reforçada pela contratação de empresas de RP e lobistas nos EUA e no Reino Unido[4]. A França, um dos maiores doadores bilaterais para Ruanda, é outro país que alguns acreditam ser muito próximo de Kagame (Presidente do Ruanda). Fontes apontam para o envio de tropas ruandesas para proteger instalações de gás de propriedade francesa em Moçambique o que cria uma “alavancagem sólida sobre Paris”. Nenhuma destas asserções é linear, apenas demonstra alguma ambiguidade que pode presidir à atuação Ocidental relativamente ao Leste da RDC e ao conflito aí vivido.
2-A questão fundamental dos interesses económicos
Apesar dos objetivos políticos do Ruanda, ligados à projeção de poder do país, prestígio e combate às forças da oposição que se encontram na RDC, há um facto-chave que aguça o interesse do Ruanda e provavelmente está ligado à sua sobrevivência enquanto país viável e sustentável, com altas taxas de crescimento.
O mais recente relatório do FMI[5] esclarece por detrás da linguagem técnica alguns dos paradoxos que afetam o Ruanda em termos económico-financeiros. Do ponto de vista estrutural, a economia do Ruanda é frágil e está sujeita a choques permanentes. O próprio governo do Ruanda reconhece que o espaço político que dispõe para avançar com os seus objetivos de desenvolvimento é limitado devido a choques recorrentes e sobrepostos. De 2015 a 2023, a dívida pública quase dobrou para 73,5% do PIB, por conta dos gastos para apoiar a agenda de desenvolvimento, mitigar o impacto da pandemia Covid-19 e das enchentes de maio de 2023. Ventos contrários da crescente fragmentação geopolítica, aperto das condições financeiras globais e consecutivas temporadas agrícolas fracas, principalmente por conta de condições climáticas adversas, pressionaram o nível das reservas internacionais. As enchentes devastadoras de maio de 2023 ampliaram ainda mais os desequilíbrios subjacentes, com custos de reconstrução projetados em cerca de US$ 451 milhões (3% do PIB) no período de 2023-2028. O recente surto da doença do vírus de Marburg (MVD) coloca mais pressão sobre os equilíbrios fiscais e o sistema de saúde. As pressões da balança de pagamento permanecem significativas no meio da fraqueza prolongada no desempenho das exportações e às altas importações de bens de capital e consumo.
Contudo, enquanto se depara com estes problemas, a economia do Ruanda cresce a um nível assinalável: 8,2% em 2023, 8,3% em 2024 e uma previsão de 7% para 2025. Trata-se de invejáveis taxas de crescimento do PIB. Consequentemente, as debilidades estruturais mencionadas não se refletem nas altíssimas taxas de crescimento do PIB.
O que se começa a vislumbrar é o papel de sustentabilidade do crescimento económico que a zona “invadida” pelo M23 da RDC tem para o Ruanda.
Em 2021, dados oficiais dos EUA mostraram que Ruanda fornecia 15% do suprimento global de tântalo, um derivado do minério de coltan, apesar de o Ruanda produzir apenas quantidades modestas de tântalo nas suas próprias minas. Os EUA compram tântalo de Ruanda no valor de 36% das suas (EUA) importações totais — a mais alta entre os produtores globais — em comparação com apenas 7% da RDC, o que é bizarro, uma vez que o tântalo existe em abundância na RDC e não no Ruanda.
Em março de 2023, o ministro das finanças da RDC, Nicolas Kazadi, afirmou que o seu país estava a perder quase US$ 1 mil milhões por ano em minerais contrabandeados ilegalmente para o Ruanda. O ministro asseverou que o Ruanda exportou perto de US$ 1 mil milhões em 2022 em ouro, estanho, tântalo e tungstênio, embora o país (Ruanda) tenha poucos depósitos minerais próprios.
Segundo um relatório da AMSTERDAM & PARTNERS LLP, firma de advogados de Washington DC[6], usado pelo governo da RDC para demandar a Apple instando-a a deixar de utilizar materiais provenientes da zona de conflito, o Ruanda usa uma rede internacional de entidades de elite para ajudar a contrabandear, vender e lucrar com os minerais da RDC que são transportados ao longo de rotas comerciais militarizadas. Kigali, alegadamente, recebeu cobertura institucional para comercializar esses minerais com a ajuda de um esquema de conformidade liderado pela indústria e empresas como a AVX Corporation, KEMET Corporation e Global Advanced Metals que fabricam componentes eletrónicos; essas empresas legitimariam, de acordo com o mesmo relatório, o contrabando comprando conscientemente minerais” lavados” pelo Ruanda. O relatório exemplifica com vários casos e situações concretas de atuação dentro da RDC e posteriormente no Ruanda, evidenciando os vários atores participantes.
Pode haver propositadamente um contexto de guerra provocado pelo Ruanda para obter ganhos económicos através da “lavagem” grandes quantidades de estanho, tungsténio, tântalo e ouro da RDC.
3-A fragilidade e corrupção na RDC
A fragilidade do Estado e a corrupção na República Democrática do Congo (RDC) são questões críticas que afetam profundamente o desenvolvimento e a estabilidade do país, e sobretudo a sua capacidade de reação aos problemas no Leste, e que impedem que qualquer solução se limite a apoiar sem mais a RDC. As instituições políticas na RDC são frequentemente tidas como fracas e ineficazes, o que compromete a boa governação e a implementação de políticas públicas. No caso das Forças Armadas, onde o gasto orçamental está a aumentar exponencialmente, existe a convicção que muitos desses gastos não vão para o treino e equipamento dos soldados[7], mas sim são desviados pelos responsáveis e intermediários, deixando o exército ineficaz, a que se alia uma falta de comando unificado na região de combate e a incapacidade de treino[8]. Até certo ponto, a guerra tornou-se um negócio lucrativo para responsáveis congoleses, quer através da compra de armamento, quer pela contratação de mercenários.
O próprio Presidente da República Tshisekedi e a sua família são acusados de estar mais empenhados em aumentar a sua fortuna do que em gerir o país de forma racional[9].
4-Paradoxos duma paz impossível e as várias hipóteses de trabalho
O Ruanda precisa do acesso aos minerais da zona de conflito do Leste do Congo para sustentar o seu crescimento económico. A RDC tem uma estrutura política ineficiente e alegadamente corrupta. Portanto, não há soluções ideais, e não se pode contar em demasia com a boa-fé dos contendores. Até certo ponto, ambos acabam por ter interesse num prolongamento do conflito, e este será o problema essencial. Qualquer solução será a do mal menor.
Como referido, existe sempre a possibilidade veiculada em certas esferas analíticas do Ocidente que é a separação/secessão da zona do Leste criando um novo estado que possivelmente ficaria sob a influência do Ruanda, ou pelo menos assinaria um acordo de comércio livre com Kigali (capital do Ruanda). Obviamente, que esta solução não agradaria a Kinshasa (capital da RDC).
Existe a hipótese de manter o Leste do Congo como parte integrante da RDC, mas dando-lhe um estatuto de autonomia mais alargada e permitindo que a zona integrasse uma área de comércio livre ou integração económica com o Ruanda.
Há ainda uma outra hipótese que exigiria uma intervenção militar de Angola no sentido de treinar e reforçar o exército da RDC, possivelmente com envolvimento dos Estados Unidos da América. Esta hipótese teria de ser acompanhada por reforma no sentido da boa governação na RDC e qualquer espécie de acordo económico com o Ruanda, sem o que não é possível garantir uma paz duradoura.
[5] MF Country Report No. 24/341, Dezembro 2024, RWANDA December 2024. Fourth review under the policy coordination instrument, second and final review under the stand-by credit facility arrangement, fourth and final review under the arrangement under the resilience and sustainability facility, and request for the modification of end-June 2025 quantitative target for the policy coordination instrument—press release; staff report; and statement by the executive director for Rwanda.
[6] AMSTERDAM & PARTNERS LLP, BLOODMINERALS “everyone sees the massacres in eastern congo.but everyone is silent.” Washington DC|A pril2024 The laundering of drc’s3 t minerals by Rwanda and private entities.
https://www.cedesa.pt/wp-content/uploads/2024/12/RDC-RUANDA.jpg5901000CEDESA-Editorhttps://www.cedesa.pt/wp-content/uploads/2020/01/logo-CEDESA-completo-W-curvas.svgCEDESA-Editor2024-12-31 07:00:002024-12-26 15:12:21A paz impossível no Leste do Congo e os interesses económicos do Ruanda
Cumprindo uma agenda com afabilidade e espírito de simpatia para Angola, Joe Biden, Presidente dos EUA em pleno exercício das suas funções até 20 de janeiro de 2025, abandonou o país na tarde de quarta-feira, 4 de Dezembro, depois duma visita a Luanda e a algumas estruturas do Corredor do Lobito.
Não é possível desvalorizar a importância histórica desta viagem que marca um realinhamento estrutural das relações entre Angola e os Estados Unidos. Foi de facto um momento histórico. Contudo, não se deve entender este como um momento singular em que todos os problemas angolanos serão resolvidos. É acima de tudo o culminar de uma fase inicial de um processo de aproximação e o arranque de uma nova fase do mesmo processo. É uma etapa numa marcha. Não é o fim, nem o princípio, mas o fim do princípio de uma aproximação, parafraseando Churchill.
A estratégia e o processo histórico de aproximação
Pode-se dizer que o processo de aproximação efetiva de Angola aos EUA começou com uma viagem de João Lourenço à China em setembro de 2018, um ano depois de tomar posse.[1]Nessa viagem, Lourenço, enquanto se confrontava com os cofres vazios em Luanda[2], percebia que já não podia contar com mais empréstimos avultados da China. A verdade é que a China acabara de emprestar cerca de 10 mil milhões de dólares em 2016, cujo destino em Angola não era claro, e percebera que uma boa parte do seu dinheiro tinha acabado em negócios corruptos, que aliás a levaram a prender Sam Pa, em 2015. Portanto, para a China este era um tempo de reavaliação do envolvimento financeiro com Luanda.
Depois disso, Lourenço adotou aquilo a que se pode chamar a “estratégia Sadat.[3]” Escolheu aproximar-se dos EUA, mesmo que estes estivessem focados noutros assuntos e desinteressados de Angola. Os resultados não foram imediatos. Lourenço foi insistindo e manifestando abertura. Aliás, agora Biden acentuou no seu discurso no Museu Nacional da Escravatura em Luanda, que foi Lourenço o responsável pelo avanço da relação com os EUA[4].
Obviamente, que o momento que alertou os EUA para a importância de Angola, surgiu a partir do esfriamento, iniciado ainda no primeiro mandato de Trump (2017-2012), com a China, em que os EUA perceberam que a China dominava a maior parte das matérias-primas fundamentais para o progresso tecnológico e a transição energética e que estas se encontravam em África. Depois disso, em 2022, o choque da invasão russa da Ucrânia, fez entender aos EUA que quase não tinham aliados em África e que tinham “perdido” o continente a favor da Rússia e da China.
Os EUA estavam à procura de aliados que lhes faltavam e de uma estratégia para África, quando Angola em outubro de 2022 surge na ONU a votar uma moção que condenava a Rússia e a sua invasão ucraniana, ao contrário da China e da maioria dos países africanos, entre os quais Moçambique, que se abstiveram[5]. O passo fundamental para e o realinhamento angolano tornava-se uma realidade. Depois disso, os EUA sentiram que podiam contar com Angola, que efetivamente se tinha descolado da Rússia e da China. Seguiu-se uma miríade de visitas de altos funcionários e a ida de João Lourenço à Casa Branca em novembro de 2023. O processo culmina nesta visita de Joe Biden a Luanda.
Resultados iniciais do processo de aproximação
Do ponto de vista financeiro, entretanto, segundo os dados mais recentes do BNA, o stock da dívida pública de Angola aos EUA teve um salto quantitativo de 755 milhões de dólares, uma insignificância em 2020 para 2.967 milhões de dólares em 2021, portanto, o ano do grande passo em frente de endividamento angolano face aos EUA, estimando-se que em 2024 alcance os 4.353 milhões de dólares. Obviamente, um valor significativamente abaixo da dívida chinesa que se estima em 2024 ser de 15.619 milhões de dólares, contudo, demonstrando uma aceleração da dívida americana[6]. Os dados do BNA não contêm elementos desagregados destes empréstimos que era bom conhecer, designadamente, a finalidade e as condições de pagamento. É importante haver transparência para não se repetirem os erros cometidos com os empréstimos da China.
No seu discurso de boas-vindas a Joe Biden a 3 de dezembro João Lourenço enunciou os principais contributos americanos relativamente a Angola[7].
Mencionou projetos de investimento público em curso com o financiamento do EXIMBANK americano, do CITI Capital e a Corporação Financeira de Desenvolvimento Internacional DFC, com empresas americanas como a SUN África, a Africell, a Mayfair Energy, a Acrow Bridge, e a GATES Air. Portanto, parece que o endividamento acima mencionado será para fazer face a estes projetos em parceria com as empresas americanas. A SUN África[8] dedica-se a painéis solares, a Africell a telecomunicações, a Mayfair Energy[9] é uma consultora de estruturação financeira de soluções para energia, a Acrow Bridge vende pontes modulares permanentes e temporárias para uso em locais de escavação, canteiros de obras, locais de perfuração e muito mais[10]. Finalmente, a GATES Air é uma fabricante americana de produtos eletrónicos que produz, comercializa e faz manutenção de equipamentos de transmissão de rádio e TV terrestre em todo o mundo[11]. Consequentemente, na sua essência temos duas linhas de investimentos americanos suportados por empréstimos, uma linha é a energia solar, outra as telecomunicações.
A projeção do soft-power
O ponto essencial do novo relacionamento entre Angola e Estados Unidos não é económico, embora este aspeto tenha óbvio relevo. Trata-se de algo mais abrangente e com impacto estratégico profundo, que é Angola funcionar como um fator de projeção do soft-power americano na África Central e Austral e também no Golfo da Guiné, garantindo a defesa dos interesses do Ocidente no continente, apartados duma perspetiva neo-colonial. Acima de tudo é isso que está em jogo. Trata-se de garantir o acesso ao hinterland africano, mantendo a sua estabilidade e a segurança das rotas marítimas, e evitando o completo domínio chinês e russo de África.
É por isso que João Lourenço começa o seu discurso de boas-vindas ao Presidente americano, não por aspetos económicos, mas por temas de defesa e segurança. Referiu o Presidente da República de Angola, que gostaria “de ver incrementada a cooperação no sector da Defesa e Segurança, no acesso às escolas e academias militares, no treino militar em Angola, realizar mais exercícios militares conjuntos, cooperar mais nos programas de segurança marítima para a protecção do Golfo da Guiné e do Atlântico Sul, assim como no programa de reequipamento e modernização das Forças Armadas Angolanas”[12].
A verdade é que os Estados Unidos e Angola têm estado a reforçar os seus laços de defesa através de iniciativas estratégicas e programas conjuntos destinados a robustecer a capacidade de Angola de manter a estabilidade dentro das suas fronteiras e contribuir para a paz regional. O país torna-se um parceiro indispensável na promoção da segurança regional e na abordagem dos desafios globais, desde a segurança marítima ao combate ao crime transnacional.
Em concreto, recentemente, em junho de 2024, houve a reunião inaugural do Comité Conjunto Angolano-EUA de Cooperação em Defesa (DEFCOM) que marcou um avanço significativo, com os dois países a assinarem um acordo para troca de bens e serviços logísticos entre os seus militares, colaborando em áreas críticas como a manutenção da paz, a defesa cibernética, a engenharia e o desenvolvimento da nascente guarda costeira de Angola. Em setembro de 2024, Angola aderiu ao Programa de Parceria de Estado (SPP) do Departamento de Defesa dos EUA, integrando ainda mais os seus esforços militares com os dos Estados Unidos. Com o DEFCOM e o SPP, Angola não só está a fortalecer a sua defesa nacional, mas também a tornar-se um modelo de segurança na África Subsaariana. Em termos de liderança regional, a inclusão de Angola na Parceria de Cooperação Atlântica (PCA) liderada pelos EUA destaca o seu papel estratégico na promoção de uma região atlântica segura e próspera.
Este afigura-se, na nossa visão, o ponto essencial desta nova relação. A consagração de Angola como o fator estratégico de estabilidade e acesso a África por parte de um Ocidente não neo-colonizador.
Neste sentido, e em termos práticos, aumenta a força de dissuasão de Angola para levar a paz à RDC. Na verdade, agora pode agir invocando o poder americano como subjacente à sua política de estabelecimento de paz, o que será importante para Paul Kagame, sobretudo, e também para Tshisekedi. O chamado “stick” americano pode ser mencionado por João Lourenço para obrigar à paz. Talvez por isso tenha agora sido marcada uma Cimeira para a Paz no Leste do Congo para o próximo dia 15 de dezembro, com a presença de João Lourenço, mediador designado pela União Africana, e dos chefes de Estado do Ruanda, Paul Kagame, e da RDCongo, Félix Tshisekedi[13].
O Corredor do Lobito: a primeira vitória americana
É possível que muitos discordem da prioridade dada neste texto aos aspetos estratégicos e de projeção de poder e apontem para o relevo que foi dado ao Corredor do Lobito na viagem presidencial americana. Esse relevo é um facto, mas representa um chamariz e a criação de um efeito de imagem.
O Corredor do Lobito é um conceito que assenta no antigo Caminho-de-Ferro de Benguela (CFB) que nos tempos coloniais foi das linhas férreas mais lucrativas do mundo. Depois, foi tornada inoperante durante a guerra civil angolana (1975-2002) e um dos principais projetos de reconstrução nacional apoiados e realizados pela China. A reabilitação do CFB ficou pronta com os comboios a circular entre 2015-2019. Ao mesmo tempo o porto do Lobito também foi remodelado e ficou operacional. Portanto, estamos a falar duma linha de caminho-de-ferro e de um porto que ligam a costa atlântica às zonas mineiras do Congo e da Zâmbia (esta última parte não está feita). Muito foi por estes dias escrito sobre o Corredor do Lobito, pelo que não vamos repetir.
O essencial a reter é o seguinte: originalmente este foi um projeto sustentado pela China, que se viu perante a competição norte-americana e não obteve a concessão do CFB e por isso abandonou o Porto do Lobito, onde já tinha obtido um lugar. Portanto, na prática tratou-se duma ambição chinesa que foi parar a mãos americanas. Este é o significado do Corredor do Lobito. Os EUA conseguiram-se sobrepor à China na exploração de um ativo estratégico.
No entanto, há duas questões a considerar. A primeira é que uma boa parte das minas de onde sairão as matérias-primas a ser transportadas está nas mãos da China. A título de exemplo, refira-se que as empresas chinesas controlam dois terços do cobalto na RDC.[14] Consequentemente, ou os americanos chegam a um qualquer tipo de acordo com as empresas chinesas para usar o Corredor do Lobito para garantir economias de escala ou usam a sua influência para afastar essas empresas e substituí-las por outras ligadas ao Ocidente. É um grande desafio pela frente.
A perspetiva angolana sobre o Corredor do Lobito é mais ampla e não o resume a um comboio e um barco, mas sim a uma via de comunicação que promova ao longo do seu caminho vários polos de desenvolvimento que permitam o escoamento dos produtos agrícolas angolanos, o estabelecimento de zonas de comércio e de centros integrados de desenvolvimento agroindustrial, no fundo um eixo de desenvolvimento. Possivelmente, uma boa parte dos anúncios de verbas americanas e europeias serão para essa lateralização do Corredor, como se parece inferir do anúncio da Casa Branca segundo o qual “iniciativa [Corredor do Lobito] também ajudaria a desenvolver as comunidades em torno da linha férrea, incluindo o fomento da agricultura e dos negócios em geral[15].
Muitos milhares de milhões já foram anunciados para este Corredor. Não é certo o que já efetivamente chegou ao terreno e foi aplicado e onde. Recentemente, foi explicado que a finalização da construção ainda demorará 3 a 5 anos.[16]Não se sabendo exatamente se tal finalização se refere ao ramal para a Zâmbia, ou alguma reabilitação da reabilitação chinesa.
No final de contas, o projeto ainda tem muitas incógnitas, duas delas dependendo da China, uma é o interesse das minas no uso do CFB, outra a existência de alternativas, construídas e exploradas pela China, que podem ser complementares ou excludentes.
Era manifestamente importante que o desenvolvimento do Corredor fosse acompanhado por mecanismos adequados de transparência para evitar erros do passado e que a IGAE criasse um departamento vocacionado para inspecionar todos os trabalhos em que haja intervenção do Estado angolano no Corredor do Lobito para garantir o cumprimento das boas práticas.
Intangíveis: o essencial da relação
Se a projeção de Angola como potência regional estabilizadora é um dos principais benefícios da relação como os EUA, se o Corredor do Lobito é um símbolo importante do retorno dos EUA a África e se ficam abertas oportunidades para investimento americano em Angola, acredita-se que a influência americana poderá ter maiores efeitos estruturantes a um nível essencial modificando a cultura política, empresarial e educacional angolana.
O convívio com as práticas e aproximação americanas bem como a imersão nos seus valores poderá embeber Angola num ambiente desafiante que promova mudanças a três níveis:
-Constitucionalismo e cultura democrática: Os Estados Unidos têm tido um papel fundamental no desenvolvimento do constitucionalismo e na promoção da cultura democrática mundial. A Constituição dos EUA, adotada em 1787, uma das mais antigas ainda em vigor, serve como um modelo prático para muitos países que procuram equilibrar poderes e garantir direitos fundamentais. O conceito de separação de poderes entre Executivo, Legislativo e Judicial é central para prevenir abusos de poder e garantir um governo equilibrado. Os movimentos históricos nos EUA, como o Movimento dos Direitos Civis na década de 1960, destacam a importância da luta pela igualdade e inspiram movimentos de direitos humanos em todo o mundo. A democracia americana é amplamente estudada e discutida globalmente, e as suas instituições, como o Supremo Tribunal e princípios, como a liberdade de expressão, são referências em debates académicos e políticos internacionais. Embora, com sobressaltos variados, os EUA têm promovido a democracia através de sua política externa, apoiando transições democráticas e eleições livres em diversas regiões do mundo.
Todo este caldo cultural passa a ser estudado e mais vivido em Angola. Forçosamente terá influência no modo de pensar, agir e na exigência popular.
Refira-se como exemplo histórico em Portugal, o papel que os militares, que foram chamados “geração NATO” por terem ido estudar para os EUA a propósito da sua formação para a NATO, tiveram na democratização do país[17].
-Gestão eficiente e competição: Os Estados Unidos são pioneiros na promoção de uma gestão eficaz e de um ambiente competitivo nos negócios. Empresas americanas como General Electric e Apple são conhecidas pelos seus modelos inovadores de gestão que focam na eficiência operacional, inovação e liderança. Métodos como o Six Sigma e o Lean Manufacturing ganharam reconhecimento global. A integração da tecnologia na gestão, como o uso de software de planeamento de recursos empresariais (ERP) e sistemas de inteligência artificial, ajuda a otimizar processos e reduzir custos. Instituições como Harvard Business School e MIT oferecem programas de MBA e cursos de gestão que são considerados referências mundiais e formam líderes empresariais de diversas nações. O ambiente económico dos EUA é caracterizado pela livre concorrência e pela regulação que visa manter mercados justos e impedir monopólios. Silicon Valley é um epicentro de inovação tecnológica e empreendedorismo, onde startups competem e colaboram, criando um ecossistema vibrante que serve de modelo para outras regiões.
Espera-se que este espírito penetre no mundo empresarial angolano e transforme os seus mercados.
-Educação: Dos Estados Unidos poderão vir respostas às carências no ensino angolano, quer à falta de estruturas no ensino básico, quer à falta de qualidade do ensino superior.Desde logo o incremento de plataformas online e MOOCs (Massive Open Online Courses) que oferecem oportunidades de aprendizagem acessíveis sem necessidade de investimentos impossíveis em edifícios, mas apenas em sistemas digitais. A ideia de escolha curricular, permitindo uma grande flexibilidade na escolha de disciplinas, deixando que os alunos personalizem seu percurso educativo de acordo com seus interesses e objetivos. O Investimento em I&D: As universidades americanas são líderes em investigação, muitas vezes com fundos significativos tanto do setor público quanto do privado. Tal oferece aos alunos oportunidades de participar de projetos inovadores e de ponta. Alguns programas podem ser alargados a Angola. Parcerias com a Indústria: Colaborações com empresas e instituições de pesquisa proporcionam experiência prática e aplicabilidade real das teorias aprendidas. Meritocracia: A competição saudável é incentivada, o que pode levar a altos padrões de desempenho académico e inovação.
Estes são exemplos de aspetos que podem ser explorados e trazidos dos EUA para tornar o sistema de ensino angolano mais eficiente e promissor.
Conclusão
Há um mundo novo que se abre a Angola com esta relação reforçada com os EUA. Agora haverá um certo intervalo até 20 de janeiro com a posse do Presidente Trump. Espera-se que a atitude americana se mantenha e que seja possível uma acomodação realista com a China. Quanto a Angola, o objetivo é que absorva as boas práticas e os bons exemplos e que, desta vez, não perca a oportunidade. Pode ser uma nova fase para Angola. O balanço desta viagem de Joe Biden não pode ser feito hoje, nem amanhã, apenas daqui a vários anos. Aguardemos a resposta do futuro.
[17] Pedro Aires Oliveira e João Viera Borges. Crepúsculo do Império — Portugal e as guerras de descolonização, Bertrand, 2024.
https://www.cedesa.pt/wp-content/uploads/2024/12/biden-jlo.jpg447672CEDESA-Editorhttps://www.cedesa.pt/wp-content/uploads/2020/01/logo-CEDESA-completo-W-curvas.svgCEDESA-Editor2024-12-09 13:00:002024-12-06 17:19:41Biden em Angola: depois do adeus
João Shang – Investigador Associado ao CEDESA (área China-África)
O ex-secretário de estado dos Estados Unidos, Henry Kissinger, disse que ser inimigo dos EUA é perigoso, mas ser amigo é fatal!
No século XXI, a relação bilateral entre a China e os Estados Unidos é uma das relações mais importantes. Por conseguinte, a China expressa boa vontade aos Estados Unidos através de vários canais, na esperança de se sentar e conversar calmamente. No entanto, a base para a cooperação deve ser a equidade e a justiça, especialmente quando se trata dos interesses fundamentais da China, que não podem ser provocados pelos Estados Unidos.
Numa perspectiva pessimista, a China e os Estados Unidos poderão nunca ser bons amigos, mas podem evitar tornar-se inimigos. Na ausência de confiança, a China e os Estados Unidos podem levar a cabo o diálogo e a cooperação em áreas como o ciberespaço, o espaço exterior e a inteligência artificial. As empresas chinesas estão dispostas a cooperar com as empresas americanas. Por isso, quando o governo dos EUA promulgou uma série de sanções às empresas chinesas, as empresas chinesas procuraram os melhores modelos de evasão, como a transferência das suas empresas para países do Sudeste Asiático e países da América do Sul.
O mercado dos EUA tem um enorme potencial de consumo. Sendo a China a fábrica mundial, é natural que muitos produtos manufaturados sejam destinados aos Estados Unidos, sobretudo, para as pessoas de classe média e baixa. Ao mesmo tempo que se consegue a redução das despesas domésticas, são também satisfeitas todas as necessidades de procura. Por exemplo, nos últimos anos, os triciclos elétricos produzidos na China têm sido vendidos em grandes quantidades nos Estados Unidos. A cooperação win-win é a primeira escolha da China.
Na relação comercial sino-americana, as sanções comerciais dos EUA representam um grande desafio para a China, especialmente a ameaça de Trump de impor tarifas até 60%, o que pode prejudicar gravemente as exportações da China para os Estados Unidos.
No entanto, a China tem uma variedade de respostas.
O primeiro é o método do “banho de caranguejo peludo”, que transporta mercadorias chinesas para outros países, como o México, o Vietname, a Índia, etc., e depois as vende aos Estados Unidos em nome desse país.
Adicionalmente há método de “mudança”, que passa pela instalação de fábricas de montagem noutros países, pelo transporte de peças e componentes chineses para lá, para a sua montagem e venda aos Estados Unidos. No entanto, estes dois métodos têm desvantagens e os Estados Unidos podem impor sanções aos países de trânsito relevantes.
Contudo, as sanções ficam muitas vezes atrás das nossas ações.
Outra forma é aproveitar a insubstituibilidade dos bens. Quando os produtos chineses não podem entrar nos Estados Unidos direta ou indiretamente devido a tarifas, e os Estados Unidos precisam dos produtos e outros países têm capacidade de produção insuficiente, podem vender os produtos aos Estados Unidos e depois utilizar os fundos ganhos para importá-los da China, como acontece com as toalhas de papel.
Esta abordagem está em conformidade com a lei dos EUA e torna difícil para o Presidente Trump encontrar uma razão para sanções.
A terceira opção é ir diretamente aos Estados Unidos para construir uma fábrica, como foi o caso da CATL. Embora isto possa parecer uma saída de produção chinesa, a longo prazo, se a China quiser abraçar o mundo, terá de “sair” e “convidar a entrar”. No passado, os Estados Unidos recusaram investimentos de empresas chinesas. Se abrirem as portas agora, as empresas chinesas podem aproveitar a oportunidade, mas também precisam de pesar os prós e os contras.
Uma quarta opção poderia passar pela ajuda de “amigos internacionais”, neste caso contrabandistas internacionais. As tarifas elevadas promoverão o contrabando. Embora a China não participe, o contrabando internacional é difícil de controlar. Do ponto de vista da manutenção da justiça no comércio internacional, se os Estados Unidos o permitirem, as alfândegas chinesas podem até ajudar na aplicação da lei, mas esta é apenas uma suposição extrema porque a China não encorajará tal comportamento de violação de regras.
O quinto tipo é a expansão dos mercados internacionais para fora dos Estados Unidos. Se as sanções dos EUA bloquearem algumas exportações para os EUA, poderemos trabalhar arduamente para aumentar as vendas noutros mercados internacionais. As sanções dos EUA podem estimular a China a expandir-se para novos mercados, tal como as restrições dos EUA às exportações de chips incentivam a China a desenvolver investigação e desenvolvimento independentes.
A sexta e mais importante forma é melhorar a qualidade do produto e reduzir os custos. Mesmo que os Estados Unidos imponham tarifas elevadas, se o produto for suficientemente rentável, poderá ainda obter lucro no mercado dos EUA. Por exemplo, os painéis solares chineses mantiveram a competitividade internacional ao reduzir o custo do polissilício face aos elevados direitos antidumping nos Estados Unidos. A repressão por parte dos Estados Unidos tornou-se uma das forças motrizes para a China lutar pela força e confirma também o princípio de “nascer da preocupação”, que promoverá o aumento da China nos desafios comerciais.
A China está a adoptar uma variedade de estratégias diplomáticas e económicas para reforçar as relações com os países parceiros, que incluem principalmente os seguintes aspectos:
Promover a integração das empresas nas cadeias industriais e de abastecimento internacionais: a China orienta ativamente as empresas para a integração nas cadeias industriais e de abastecimento internacionais, incentiva as empresas multinacionais a criarem centros de I&D, plataformas piloto e bases de produção na China, promove a cooperação inovadora entre empresas de alta tecnologia e aumenta a internacionalização do nível operacional das empresas nacionais. Ao mesmo tempo, através do investimento estrangeiro e do estabelecimento de fábricas, do licenciamento de tecnologia, etc., reforçaremos a cooperação com empresas estrangeiras, construiremos várias plataformas e orientamos as pequenas e médias empresas a integrarem-se activamente no mercado global.
Melhorar a reputação das marcas Made in China: A China concentra-se em melhorar a imagem da marca “Fabricado da China”, melhorar a qualidade do produto através do design industrial, apoiar as empresas na melhoria da logística global e dos sistemas de serviços e melhorar a sua capacidade de servir os consumidores globais. Intensificando a proteção da marca e manter a imagem das marcas fabricadas na China atualmente, 72 empresas entraram na lista das 500 principais marcas do mundo.
Desenvolver o comércio digital e o comércio verde: a China desenvolve vigorosamente o comércio digital e o comércio verde, aproveita as oportunidades da nova ronda de revolução tecnológica e transformação industrial, reforça os intercâmbios e a cooperação em domínios de ponta como a inteligência artificial, a informação quântica e a vida e saúde e promove o salto da produtividade na região da Ásia-Pacífico. Ao mesmo tempo, devemos aderir à prioridade ecológica, ao desenvolvimento verde e de baixo carbono, e promover a transformação e o desenvolvimento colaborativo digital e verde.
Reforçar a cooperação multilateral: A China participa ativamente na reforma e construção do sistema de governação global e promove a construção de uma comunidade com um futuro partilhado para a humanidade. Expandir a diplomacia multilateral, reforçar a cooperação com as Nações Unidas, resolver disputas regionais e manter a paz mundial. Participar extensivamente em actividades multilaterais nos domínios económico e social e desempenhar um papel activo em questões globais como o ambiente, a alimentação e a prevenção da criminalidade.
Aprofundar a cooperação com países específicos: A China assinou protocolos de atualização do acordo de comércio livre com o Peru e outros países para promover a facilitação do comércio e do investimento, reforçar a inspeção aduaneira e a cooperação em quarentena e aumentar o comércio de produtos de elevado valor acrescentado. As duas partes acordaram ainda reforçar a cooperação na economia digital, na inovação tecnológica e noutros domínios.
Perspectiva sobre corredor de Lobito
Se a China sair de Angola, Angola perderá o seu valor de uso e os Estados Unidos sairão em breve de Angola. O ex-secretário de estado dos Estados Unidos, Henry Kissinger disse que ser inimigo dos EUA é perigoso, mas ser amigo é fatal!
Na primeira parte, a China está satisfeita pelo investimento dos EUA em Angola, o mercado Angola está com grande espaço para todos os investidores. O Corredor Lobito é um bom projeto para o desenvolvimento de Angola é muito importante, mas parece-me que não é o projeto mais importante em Angola, resolver o combate à pobreza e fome é o primeiro trabalho do governo.
O Corredor Lobito é máxima prioridade dada a esta ligação ferroviária que atravessa Angola, desde o porto do Lobito até à República Democrática do Congo e à Zâmbia. Mas, agora no Congo e na Zâmbia há muitas empresas chinesas a investir no sector das minas, os donos das minas são empresários chineses. Por isso, caso os EUA concretizassem o investimento, na realidade ajudavam as empresas chinesas. Mas, agora o caminho de ferro do Corredor de Lobito só chega ao limite de Angola, não conseguindo chegar à Zâmbia, por isso agora os empresários zambianos transportam as minas para a cidade de Durban na África do Sul. Eles já têm uma opção fácil para exportar as minas para fora de África através do Corredor de Lobito, não é a única opção deles.
A razão pela qual os Estados Unidos estão agora a reforçar a sua cooperação com Angola é porque os Estados Unidos querem encontrar o seu próprio porta-voz na África Austral, e obter mais apoio e suporte.
Nesta altura, o governo angolano quer agradar ao governo dos EUA e substituir a posição da África do Sul.
O modelo de cooperação entre a China e Angola foi em tempos o modelo de cooperação mais bem-sucedido, embora tenha sido atacado e caluniado pelos meios de comunicação ocidentais. Afinal, a infra-estrutura interna de Angola sofreu tremendas alterações.
Os Estados Unidos estão próximos do governo angolano, o que pode significar prejudicar a relação entre a China e Angola. No entanto, se um dia os investidores chineses abandonarem Angola, Angola perderá o seu valor de uso e o governo dos EUA abandonará imediatamente Angola. Por isso, o governo angolano precisa de reexaminar as suas relações com os Estados Unidos e a China.
O Espaço continental é bem grande, onde cabem os EUA, Europa e China.
Atualmente, os EUA querem investir em Angola, por isso alguns jornalistas ocidentais pensam que a China já perdeu a capacidade em Angola, mas a realidade não é essa.
Em Angola há mais de 4000 empresas chinesas, criámos mais 300 mil empregos para angolanos, só Luanda tem 13 mercados chineses, cria mais 200 empregos, muitas senhoras compram as mercadorias e revendem na praça, as “mamãs” podem conseguir os lucros para a vida, pelo contrário, quantos empregos foram criados por empresas americanas? Inclusive, a maioria das empresas americanas não investe em Angola, e só exploram os recursos minerais, alugam a casas e escritórios, nunca compram, significa que os empresários americanos não apoiam o PIB angolano.
A visita de Biden tem mais significado simbólico do que prático. Acredita-se mesmo que a visita de Biden terá um impacto negativo nas futuras relações bilaterais entre Angola e os Estados Unidos. Dado que o mandato do Presidente Biden terminará em Janeiro do próximo ano, dentro de apenas um mês, será difícil para os Estados Unidos obter benefícios práticos para o governo e para o povo angolano. Como inimigo de Biden, Trump optará por alienar deliberadamente o governo angolano. Existe um provérbio chinês que diz que o amigo do inimigo é o inimigo.
Numa perspectiva prática, o governo dos EUA e as empresas dos EUA não têm projectos de investimento de qualquer significado prático em Angola. Porque as empresas americanas estão principalmente envolvidas na extração de petróleo e na extração de diamantes em Angola. Será difícil proporcionar mais empregos à população local, o que é uma das razões pelas quais raramente se vêem americanos em Angola.
Portanto, numa perspectiva de longo prazo, o investimento das empresas chinesas em Angola nada tem a ver com o governo dos EUA e com Angola. O governo e as empresas chinesas estão separados e o governo não participa no investimento e gestão diária das empresas privadas. Portanto, mesmo que o governo angolano desista da cooperação com a China, as empresas chinesas continuarão a investir e a operar em Angola.
Como investigador da CEDESA, sinto que o governo e as empresas dos EUA não farão investimentos substanciais em Angola, porque os seus interesses não estão de todo em Angola.
Na era Trump, não creio que seja possível os Estados Unidos investirem em Angola, pelo que não há necessidade de responder às questões acima. Angola poderá ser apenas um peão dos Estados Unidos, não um parceiro.
Amizade da China e Africa é Longo caminho
A amizade da China e Africa remonta à época de 70 do século passado. Atualmente a China tem 53 parceiros africanos, por isso não depende de Angola ou EUA. Desde o dia 1 de dezembro, 38 países africanos exportam as mercadorias para a China com isenção de imposto, por isso o futuro da relação da China e Africa é muito grande, os africanos precisam da China, a China também necessita de África, isso é verdadeira cooperação, não como os EUA que no continente africano surgem com uma mão com um dólar e outra mão com um pau. A China só quer cooperar com os africanos, por isso ganhamos confiança dos africanos.
O investimento da China em África centra-se principalmente na indústria transformadora, nas infra-estruturas, nos parques industriais e no comércio, bem como em novas áreas, como a medicina e os cuidados de saúde, os transportes e a logística, o comércio electrónico e o processamento de produtos agrícolas. Nos últimos anos, o investimento da China em África tem apresentado uma tendência diversificada, não só envolvendo os campos tradicionais, mas também se expandindo para as indústrias emergentes.
Sector Industrial
A indústria transformadora é uma das áreas-chave tradicionais para as empresas chinesas investirem em África. Através do investimento orientado para o mercado, as empresas chinesas participam activamente na construção do sistema industrial de África e promovem o processo de industrialização de África. Por exemplo, investe em projetos rodoviários, ferroviários, portuários e outros, e introduz tecnologia avançada e experiência de gestão no domínio da produção para ajudar as empresas africanas a melhorar a eficiência da produção e a qualidade dos produtos.
Infraestrutura
O investimento em infra-estruturas é também uma importante direcção de investimento para as empresas chinesas em África. Ao investir em estradas, caminhos-de-ferro, portos e outros projetos, as empresas chinesas não só promoveram a construção de infra-estruturas em África, como também prestaram um forte apoio ao desenvolvimento económico local.
Parques Industriais e Comércio
As empresas chinesas têm também investimentos significativos em parques industriais e setores comerciais africanos. Estes investimentos, não só promovem o processo de industrialização local, como também proporcionam às empresas chinesas um amplo mercado e espaço de desenvolvimento.
Áreas emergentes
Com o desenvolvimento da economia africana, os campos de investimento das empresas chinesas estão também em constante expansão. Atualmente, o investimento das empresas chinesas em África expandiu-se da produção e infra-estruturas tradicionais para áreas emergentes, como o processamento de produtos agrícolas, transporte e logística, e comércio electrónico. Estes campos têm um grande potencial de desenvolvimento em África e tornaram-se novos centros de investimento para as empresas chinesas.
https://www.cedesa.pt/wp-content/uploads/2024/06/Angola-EUA-China.png7681024CEDESA-Editorhttps://www.cedesa.pt/wp-content/uploads/2020/01/logo-CEDESA-completo-W-curvas.svgCEDESA-Editor2024-12-01 12:39:162024-12-02 13:25:37Perspectiva de Visita Joe Biden a Angola
Decorreu no dia 21 de Novembro no Pestana Palace em Lisboa, o Jantar-Debate de início das comemorações dos 50 anos da Independência de Angola, organizado conjuntamente pela ACNAE e pelo CEDESA.
Estiveram presentes académicos, jornalistas e empresários com ligações a Angola, um conjunto diverso de personalidades que debateu de forma viva e livre o tema, sem facciosismos e de maneira construtiva.
Tivemos o PCA da maior empresa química de Portugal que moderou o debate, vários antigos deputados, jornalistas da LUSA, DN, Jornal de Negócios e TPA, professores em universidades portuguesas e estrangeiras.
Foi distribuído o Livro de Actas do III Congresso de Angolanística (Junho de 2024)
As expectativas e imprevisibilidade de Donald Trump
Para qualquer observador da política angolana pareceu haver um certo alinhamento doméstico em termos de simpatias relativamente às eleições americanas. Ou dito mais expressamente, uma esperança dos sectores antagónicos a João Lourenço numa vitória de Donald Trump, na expectativa que este repetisse a política do seu primeiro mandato de desinteresse em África e logo de arrefecimento com Angola.
Agora que a vitória se consumou, é importante tentar perceber o que se poderá ou não passar, uma vez que está em jogo o novo alinhamento estratégico de Angola com os EUA que, de certa forma, equilibrou a balança de poder no continente africano e igualmente, em concreto, relançou o Corredor do Lobito, projecto abraçado intensamente pelo Presidente Joe Biden.
Obviamente, que antes de 20 de janeiro de 2025 tudo será demasiado especulativo, e, sobretudo, tratando-se de Trump, a imprevisibilidade tem um lugar cimeiro.
Mesmo assim, tem havido suficientes sinais que podem indiciar que, afinal, a atitude de Trump em relação a Angola não será assim tão diferente da política de Joe Biden.
A competição e contenção da China
A primeira razão para a permanência da política é a China. Do ponto de vista geoestratégico a situação atual (2024) é extremamente diferente daquela do primeiro mandato de Trump (2017-2021), designadamente naquilo que diz respeito à competição ou contenção da China, que, lembre-se foi iniciada como tendência estrutural da política externa norte-americana, precisamente, por Donald Trump. A coletânea de discursos de Trump sobre a China nesse mandato “TRUMP ON CHINA • PUTTING AMERICA FIRST” é expressa na sua introdução ao afirmar:
“For decades, Donald J. Trump was one of the few prominent Americans to recognize the true nature of the Chinese Communist Party and its threat to America’s economic and political way of life. Now, under President Trump’s leadership, the United States is taking action to protect our nation and its partners from an increasingly assertive China. We are no longer turning a blind eye to the People’s Republic of China’s conduct nor are we hiding our criticism of its Communist Party behind closed doors”.[1]
(Durante décadas, Donald J. Trump foi um dos poucos americanos proeminentes a reconhecer a verdadeira natureza do Partido Comunista Chinês e a sua ameaça ao modo de vida económico e político dos Estados Unidos. Agora, sob a liderança do presidente Trump, os Estados Unidos estão a tomar medidas para proteger a nossa nação e seus parceiros de uma China cada vez mais assertiva. Não estamos mais a fechar os olhos à conduta da República Popular da China nem a esconder as nossas críticas ao seu Partido Comunista a portas fechadas.)
É neste sentido que alguns dos mais destacados colaboradores de Trump se têm pronunciado. Tibor Nagy, ex-secretário assistente de Estado para Assuntos Africanos de Trump e ex-embaixador na Guiné e Etiópia, insiste que Trump foi o primeiro a aumentar a consciencialização sobre a enorme ameaça que a China representa para os interesses dos EUA na África, e afirma expressamente: “Vocês verão novamente um combate agressivo à influência chinesa na África[2]“.
Admite-se que o foco dessa abordagem transacional, típica de Trump, será começar a bloquear as cadeias de suprimentos para minerais essenciais na África usados para baterias de energia verde usadas em veículos elétricos e telefones. Assim declara o embaixador J. Peter Pham, ex-enviado especial dos EUA para a região do Sahel na África sob Trump, “Não há como negar que o acesso aos muitos minerais críticos que a África tem em grande abundância é necessário para a economia americana hoje, bem como para as tecnologias que nos levarão ao futuro” e “Além disso, a monopolização das cadeias de suprimentos para esses recursos estratégicos por qualquer país, muito menos uma potência revisionista como a China, é uma ameaça à segurança dos EUA.”
Este sentido geoestratégico de África em que se enquadra Angola é reforçado pela chamado Projeto 2025, uma espécie de doutrina paralela dos ideólogos Trumpistas, de que este se afastou nalguns aspetos, mas não em relação a África. Escreve Kiron K. Skinner nesse documento que o crescimento populacional explosivo da África, grandes reservas de minerais dependentes da indústria, proximidade com as principais rotas de transporte marítimo e o seu poder diplomático coletivo garantem a importância global do continente[3].
A verdade é que uma área da abordagem Biden-Harris que não foi criticada pelos republicanos é o Corredor de Lobito, o projeto multibilionário de infraestrutura de logística e comunicações que conecta o Porto de Lobito em Angola às minas de minerais essenciais da Zâmbia e da República Democrática do Congo. Observadores americanos de África veem o projeto como um modelo a ser construído ou replicado, principalmente com o objetivo de retomar algum controlo das cadeias de suprimentos de minerais essenciais da China[4].
Portanto, o que resulta duma primeira análise dos pronunciamentos dos aliados de Trump e dos seus próprios interesses e postura em relação à China, é que Angola e o seu Corredor do Lobito ocupam um lugar destacado, e por isso, mantendo-se a atenção de Trump à China, a África e especialmente Angola estarão num nível superior das opções estratégicas EUA, i.e., manter-se-á o interesse norte-americano em Angola.
Oportunidades de negócio
Um segundo aspecto, é o relevo que Trump dá aos números e oportunidades de negócio. É provável, que desta vez, pensando em África e Angola, veja números refletindo o movimento massivo de jovens no continente e de oportunidades para negócios norte-americano. Não é segredo que João Lourenço, ainda que com um sucesso modesto, tem tentado abrir Angola aos negócios mundiais, tornando o país um local apetecível para o investimento externo. É uma longa caminhada. Contudo, Trump poderá ver aqui um mercado para as exportações norte-americanas, como Biden já viu ao nível das telecomunicações e energia solar[5].
Conclusões
Com toda a prudência que a imprevisibilidade de Trump aconselha, bem como o seu desprezo anterior pelo continente africano demonstrou, não se deve antecipar que venha a existir um esfriamento na aproximação entre Angola e os Estados Unidos após 20 de Janeiro de 2025.
Na verdade, o que tem estado em causa da parte dos EUA não é qualquer amizade ou relação pessoal de Joe Biden com João Lourenço, mas o interesse americano estratégico em contrabalançar a China e garantir acesso a minerais fundamentais, bem como a exploração de negócios rentáveis para uma economia madura como a dos EUA.
Nesses termos, os EUA, muito provavelmente manterão um interesse claro em África e Angola, ao contrário do que aconteceu no primeiro mandato de Trump. O que está em causa é uma tendência estrutural da política externa norte-americana, que dependerá menos dos seus atores e mais dos seus interesses.
https://www.cedesa.pt/wp-content/uploads/2024/11/Trump.jpg408674CEDESA-Editorhttps://www.cedesa.pt/wp-content/uploads/2020/01/logo-CEDESA-completo-W-curvas.svgCEDESA-Editor2024-11-07 07:00:002024-11-06 18:01:47A vitória de Trump e Angola (análise rápida)
João Shang– Investigador Associado ao CEDESA (área China-África)
Em Novembro de 2010, a China e Angola estabeleceram uma parceria estratégica.
No dia 15 de Março de 2024, os dois chefes de Estado (Xi Jinping e João Lourenço) anunciaram que iriam melhorar as relações China-Angola, promovendo uma parceria estratégica abrangente.
Apesar de alguns problemas, as relações de Angola e China sempre evoluem positivamente. Desde 2002, a cooperação política e as trocas comerciais dos dois países já alcançaram o auge. Mas no caso da cooperação e intercâmbio na área da cultura e educação ainda é necessário trabalhar em conjunto.
Em 41 anos desde o estabelecimento de relações diplomáticas, a relação entre os dois países tornou-se um exemplo de cooperação amistosa Sul-Sul. A profunda amizade China-Angola tem a origem na árdua luta dos dois povos para alcançar a libertação nacional. Os dois lados são naturalmente bons parceiros e bons irmãos.
A China adere sempre ao respeito mútuo e à igualdade de tratamento. Nunca atribui condições políticas à cooperação e nunca interfere nos assuntos internos de Angola. Os dois países sempre se ajudaram um ao outro, apoiando-se mutuamente em questões relativas aos interesses fundamentais e preocupações principais, salvaguardando conjuntamente o sistema internacional e multilateralismo com a ONU como o centro.
Estabelecemos um exemplo de benefício mútuo e de cooperação vantajosa para todos entre a China e África. A cooperação pragmática China-Angola tem sido continuamente desenvolvida e consolidada.
Tenho o prazer de vos dizer que a China é campeã da cooperação com Angola em vários sectores, como por exemplo, o maior parceiro económico e comercial, o maior importador dos produtos angolanos, e a principal fonte de investimento para Angola. Estabelecemos um exemplo de amizade entre os povos China-Angola. A China tem apoiado activamente o desenvolvimento de Angola e fornecido assistência através de vários projectos de doação, tais como o CINFOTEC Huambo, o Hospital Geral de Luanda, o Centro de Demonstração de Tecnologias Agrícolas no Mazozo, e Academia Diplomática Venâncio de Moura. O Instituto Confúcio da Universidade de Agostinho Neto e outras instituições de ensino de língua chinesa deram asas à cooperação sino-angolana, cada vez mais filmes e produtos culturais chineses e grupos de arte entraram em Angola, e as obras literárias dos escritores angolanos foram traduzidos na China, ajudando os povos de ambos os países a compreender melhor a história e cultura um do outro.
Em 2023, os intercâmbios de alto nível entre a China e Angola foram frequentes e estreitos enquanto a interação de todos os níveis floresceu. Visitaram Angola, o Ministro dos Negócios Estrangeiros da China, o Ministro do Comércio da China, o Cda. Yin Li, membro do Bureau Político do Comité Central do Partido Comunista e Secretário do Comité Municipal de Beijing do Partido, a Cda. Su Hui, Vice-Presidente da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês e Presidente do comitê central da Liga de Autonomia Democrática de Taiwan. Uma delegação da Assembleia Popular Nacional veio a Angola participar na 147ª Assembleia da UIP. Diversas delegações de alto nível de partido e do governo central e local deslocaram-se à China, incluindo a delegação do Ministro da Indústria e Comércio de Angola para a terceira edição da Exposição Económica e Comercial China-África e a delegação do Ministro da Energia e Águas à terceira edição do Fórum Cinturão e Rota para Cooperação Internacional. O Ministro das Relações Exteriores de Angola visitou a China com sucesso. A província de Shandong da China e a província do Bengo de Angola assinaram uma carta de intenções de cooperação.
A comunicação estratégica entre a China e Angola está a aproximar-se cada vez mais, a amizade está a aprofundar-se e a cooperação e os intercâmbios em vários domínios ganharam um novo fôlego. Até agora há mais 12 obras literárias angolanas traduzidas por mim, por exemplo, Estórias do Musseque,UANGA, Nga Mutúri,Luuanda, A Montanha da água lilás, Que Me Dera Ser Ondas, A Morte do Velho Kipacaça, Bola com Feitiço, A Dívida da Pexeira,O Principe Merdroso ,Undengue, Uma vida sem trégua.
Através das obras traduzidas em mandarim, o povo chinês começa a conhecer Angola. Ao mesmo tempo, a promoção do turismo angolano pode atrair mais turistas chineses.
Em 2023, registaram-se muitas novidades boas para a cooperação pragmática China-Angola. O volume anual de comércio bilateral atingiu 23,05 mil milhões de dólares americanos. Angola voltou a ser o segundo maior parceiro comercial da China em África. Foi realizada com sucesso a segunda Reunião da Comissão Orientadora de Cooperação Económica e Comercial China-Angola e foi assinado o Acordo entre a China e Angola sobre Promoção e Protecção Recíproca de Investimentos. Os grandes projectos de cooperação China-Angola em matéria de infra-estruturas tiveram progressos. O Aproveitamento Hidroeléctrico de Caculo Cabaça concluiu a primeira fase do desvio provisório do rio Kwanza. Foram inaugurados o Novo Aeroporto Internacional de Luanda e o Aproveitamento Hidroeléctrico de Luachimo. Foi oficialmente entregue ao governo angolano o CINFOTEC Huambo oferecido pela China. Estão a avançar de forma constante o Novo Porto do Caio, o Projeto Nacional de Banda Larga de Angola e a Refinaria do Lobito. Continua a expandir-se a cooperação China-Angola nos sectores da energia e da exploração mineira, da indústria transformadora, da agricultura e das pescas, os projectos de investimento têm vindo a ser lançados sucessivamente, apoiando Angola a atingir o objetivo da diversificação económica.
Em 2023, os intercâmbios culturais entre a China e Angola foram vibrantes. O “Dia da Amizade China-Angola” foi comemorado com grande sucesso. Jornalistas, académicos e jovens talentos de Angola visitaram a China para intercâmbios amigáveis. O Concurso de Proficiência em Língua Chinesa “Chinese Bridge” e o Concurso de Leitura das Obras Clássicas Chinesas foram realizados em Angola. O Instituto Confúcio na Universidade Agostinho Neto e a Academia Diplomática Venâncio de Moura abriram juntos cursos de língua chinesa. Dezenas de amigos angolanos ganharam prémios na série de concursos de fotografia e de vídeos curtos #ChinAnGood. Milhares de pessoas participaram no 2º Ciclo de Cinema Chinês. A Embaixada da China em Angola, em parceria com a Universidade Católica de Angola, organizou uma Conferência focada no desenvolvimento, onde académicos dos dois Países trocaram ideias, contribuindo com sua sabedoria para o desenvolvimento e cooperação dos nossos Países. É com muita satisfação que verificamos que o entusiasmo pela língua e cultura chinesas continua a crescer na sociedade angolana, especialmente entre os jovens.
É de salientar que o desenvolvimento da pátria e do aprofundamento das relações China-Angola não se separam do trabalho árduo das empresas e instituições chinesas e dos chineses residentes em Angola. Temos notado que perante a atividade separatista em busca da “independência de Taiwan”, os compatriotas chineses em Angola emitiram na primeira hora declarações de condenação, reforçando a voz internacional ao apoio da unificação da China. Temos notado que sob o calor escaldante do sol, os construtores chineses insistem em lutar nas obras para promover a inauguração e funcionamento dos projectos de cooperação China-Angola com benefícios para a comunidade local. Temos notado que aquando das chuvas fortes em Angola, as empresas chinesas e as organizações chinesas providenciaram voluntariamente centros de alojamento e doações para ajudar a comunidade afectada. Temos notado que apesar da diferença de cor de pele e de língua, os nossos compatriotas e os angolanos são capazes de se relacionar uns com os outros e de criar laços fraternos e fraternais.
A China seguiu inabalavelmente o caminho do desenvolvimento pacífico, ativamente se abrindo ao mundo e à participando na governação global. Desafiada pela interrogação histórica de “que tipo de mundo construiremos e como o construiremos”, a China propôs o importante conceito de construir uma comunidade com futuro compartilhado para a humanidade e levantou a Iniciativa para o Desenvolvimento Global, a Iniciativa para a Segurança Global e a Iniciativa para a Civilização Global. A China dá as mãos com mais de três quartos dos países do mundo para construir em conjunto o “Cinturão e Rota”. Apela à multipolaridade global equitativa e ordenada e à globalização económica que beneficie todos, injectando a sabedoria e a força chinesa na promoção do mundo rumo a um futuro promissor de paz, segurança, prosperidade e progresso.
Em segundo lugar, a Cimeira de 2024 do Fórum de Cooperação China-África (FOCAC) foi realizada com sucesso em Beijing no mês passado. Os Chefes de Estado e de Governo e representantes de 53 países africanos reuniram-se em Beijing para abordar os planos para a cooperação amistosa China-África na nova era. A relação China-África foi elevada para uma comunidade com futuro compartilhado China-África de todos os tempos na nova era.
O presidente chinês anunciou que, nos próximos três anos, a China trabalhará com África para tomar as dez ações de parceria para modernização, incluindo as dez áreas, que são a aprendizagem mútua entre civilizações, prosperidade comercial, cooperação de cadeia produtiva, conectividade, cooperação de desenvolvimento, saúde, agricultura e o bem-estar do povo, intercâmbio entre os povos, desenvolvimento verde e de segurança comum. Para implementar as dez ações de parceria, o governo chinês fornecerá apoio financeiro de 360 mil milhões de yuan, nos próximos três anos. Isso inclui uma linha de crédito de 210 mil milhões de yuan, 80 mil milhões de yuan de assistência em diferentes formas, e pelo menos 70 mil milhões de yuan de investimento em África por empresas chinesas, proporcionando um forte apoio à cooperação pragmática China-África em vários domínios.
Por isso, nos próximos anos, Angola também pode conseguir mais oportunidades de cooperação com a China. Para facilitar, os empresários angolanos já exportam mercadorias para a China, desde o mês de Dezembro de 2024, isentas de imposto. Cerca de 98% das mercadorias angolanas importadas pela China têm benefícios fiscais. Assim, os empresários angolanos podem ganhar mais divisas.
https://www.cedesa.pt/wp-content/uploads/2024/10/china-angola.jpg446638CEDESA-Editorhttps://www.cedesa.pt/wp-content/uploads/2020/01/logo-CEDESA-completo-W-curvas.svgCEDESA-Editor2024-10-29 08:49:002024-10-29 08:51:00A nova estratégia chinesa para Angola
A nova política externa de Angola com João Lourenço (2017)
José Eduardo dos Santos (JES), após o final da Guerra Civil (2002), apostou numa política externa de “baixo perfil” para Angola. À parte da intensificação da relação com a China, que teve, essencialmente, objetivos económicos, e intervenções musculadas em países fronteiriços africanos, geralmente, quando a segurança interna angolana poderia estar em causa, o antigo Presidente da República não desenvolveu uma política ativa no mundo, preferindo que este esquecesse a existência de Angola.
A não-política externa de JES teve duas consequências fundamentais. Tirou Angola do xadrez de preocupações das grandes potências, deixando o país de ser olhado com cobiça no grande palco mundial, e ao fazer isso, permitiu que a “captura de Estado” por interesses privados assumisse contornos impensáveis[1]. Angola tornou-se uma espécie de propriedade privada de alguns, perante a indiferença generalizada do mundo e o contentamento dos aproveitadores sofisticados.
João Lourenço efetivamente mudou a bússola da política externa angolana, promovendo aquilo que chamaremos uma política soberanista de geometria variável a partir de 2017. Quer isto dizer, que Lourenço quis colocar Angola no radar no mundo e o país assumiu-se como potência regional, com um papel a desempenhar na estabilização pacífica da África Central e Austral; também aberto ao investimento e com empenho nos assuntos globais[2].
Tal perspetiva lourencista implicou uma forte aproximação aos Estados Unidos, aos países árabes do Golfo, mas igualmente, a manutenção de relações com a China e a Rússia, além de que as realidades económicas impõem agora um laço mais forte com a Índia.
Se da parte de Angola, a nova diplomacia ativa presidencial é bem percetível e clara, a grande dúvida coloca-se na reação dos restantes países, designadamente, das grandes potências, como os Estados Unidos, com um historial ambíguo em relação a Angola, bem como da China, habituada a ter um papel determinante em Angola.
Estados Unidos e o Corredor do Lobito
Dá ideia que numa primeira fase, os Estados Unidos não perceberam os movimentos de João Lourenço. Estava-se no final da Administração Trump, que não tinha qualquer interesse em África, ainda havia, embora em degradação, uma ideia de cooperação entre a América e a China, e a Rússia não tinha invadido a Ucrânia. África e Angola, em particular, não interessavam aos americanos, exceto às tradicionais petrolíferas.
No entanto, tudo mudou no início da década de 20. A situação geo-estratégica mundial colocou África, de novo, como campo de conflito de interesses, quer na obtenção de matérias-primas (área em que a China estava avançadíssima, e em que os EUA passaram a ter interesse, para garantir a sua autonomia estratégica), quer na contagem de apoios para a Guerra da Ucrânia e suas sequelas. Nesse sentido, com um novo embaixador dos EUA em Angola, Tulinabo S. Mushingi, e a persistente aproximação de Luanda a Washington, os americanos perceberam que tinham um possível novo e poderoso aliado em Angola.
Daí que Angola aparentaria tornar-se um dos mais fortes aliados dos Estados Unidos em África. Símbolos disso foram a viagem de João Lourenço a Washington para um encontro na Casa Branca com o Presidente Joe Biden (Dezembro de 2023)[3], e as constantes visitas de autoridades americanas a Luanda (Antony Blinken, cinco senadores americanos, Samantha Power, Lloyd Austin, entre outros).
Muitos projetos foram anunciados, destacando-se o famoso Corredor do Lobito, que se tornou a bandeira desta cooperação intensa Angola-EUA.
Não entrando agora numa aprofundada descrição deste projeto, o essencial a reter é que se trata duma via de comunicação ferroviária que liga o interior africano, englobando a República Democrática do Congo, Zâmbia e a própria Angola ao porto do Lobito. Ainda recentemente, foi divulgada a Parceria para Infraestrutura e Investimento Global (PGII) sobre a mobilização até a presente data de 4.9 mil milhões de dólares, apresentada como um passo significativo dos Estados Unidos da América, da União Europeia e dos parceiros privados para reforçar o compromisso com o desenvolvimento sustentável e a integração regional, beneficiando Angola, Zâmbia e a República Democrática do Congo[4]. E na recente cimeira do G-7, em Puglia, Itália, os líderes das economias mais avançadas do Ocidente reafirmaram o apoio a projetos de infraestruturas de vários milhares de milhões de dólares em toda a África, a fim de concretizar o potencial económico e a transformação do continente, especificando o Corredor do Lobito como máxima prioridade[5].
Muitos observadores têm assegurado que se trata duma resposta a um domínio mineiro chinês de África[6]. Dificilmente, será assim, uma vez que uma boa parte dos minérios que se pretende transportar pelo Corredor estão em minas debaixo do controlo chinês. Embora, segundo o Wilson Center, a China controle atualmente apenas cerca de 8 por cento do sector mineiro de África, menos de metade dos seus concorrentes ocidentais, o certo é que tal representa ainda assim um aumento em relação aos 6,7 por cento em 2018. E naquilo que diz respeito aos potenciais beneficiários do Corredor do Lobito, o que preocupa os EUA é o monopólio da China sobre a mineração na cintura de cobre de África (República Democrática do Congo e Zâmbia) e os seus recentes investimentos substanciais na produção de lítio no Zimbabué, que detém as maiores reservas de lítio de África. Estes investimentos permitem à China ditar a cadeia de abastecimento global de baterias renováveis e veículos eléctricos (EV). Na RDC, o país com as maiores reservas mundiais de cobalto e cobre de alta qualidade, a China possui actualmente 72% das minas de cobalto e cobre, incluindo a mina Tenge Fungurume, que sozinha produz cerca de 12% da produção mundial de cobalto. As operações mineiras da China nestes três países conferem a Pequim uma liderança significativa na produção de semicondutores e baterias e, portanto, no domínio das tecnologias de segurança climática. Isto deixa o resto do mundo cada vez mais dependente da inovação e da indústria chinesa para impulsionar as transições energéticas globais e enfrentar as alterações climáticas. Além disso, na RDC, a China possui pelo menos 7 entidades de processamento de cobalto, mas envia principalmente minerais brutos de volta à China para processamento e fabrico, a fim de satisfazer a procura global de minerais críticos e produtos acabados[7].
Naturalmente, estes dados sobre a influência da China da mineração na RDC e Zâmbia, permitem perceber que o Corredor do Lobito nunca será uma alternativa americana ao domínio chinês dos minérios centro-africanos. Na verdade, para ter sucesso comercial, os transportes americanos precisarão do concurso dos mineiros chineses.
Fontes bem colocadas informam-nos que o objetivo é menos o transporte de minérios e mais a criação duma área de desenvolvimento agroindustrial paralela ao corredor, cujos produtos serão escoados pelo mesmo. É neste objetivo, que entra a opção americana pelo Grupo Carrinho. Na recente cimeira do G7, já mencionada, foi anunciado um relevante financiamento ao Grupo Carrinho, considerada empresa angolana líder no setor agroindustrial, para desenvolver o Corredor do Lobito. Aparentemente, o Grupo Carrinho, uma espécie de empresa “querida” dos americanos, tem como função transformar Angola em um hub alimentar regional, com investimentos destinados à construção e aquisição de infraestrutura para armazenamento de produtos alimentares[8]. Torna-se assim, este Grupo Carrinho, uma peça chave da estratégia americana para África.
Mesmo assim, contudo, há que notar que mesmo na estrutura atual do Corredor, há uma empresa chinesa relevante, a Mota-Engil, que embora tenha um nome português, tem como acionista de referência o Estado Chinês. A verdade é que a China Communications Construction Co., Ltd. detém 32,41% do capital social, e o próprio CEO da Mota-Engil, Carlos Mota Santos, já admitiu que a CCCC é detida pelo Estado da República Popular da China[9].
Portanto, no final do dia, o Corredor do Lobito nunca será um projeto norte-americano para contrapor à China, mas seguramente, para ter sucesso, terá de ser um projeto cooperativo sino-americano. Se isso é ou não possível, veremos no futuro.
A atitude chinesa
Durante anos, enquanto, assegurava o seu crescimento económico exponencial, a China adotou uma diplomacia internacional suave e discreta, não confrontando, mas modelando, seguindo os preceitos de Deng Xiao Ping, que preferia uma aproximação internacional conhecida como “taoguang yanghui” que sublinhava a a necessidade de evitar polémicas e o uso de retórica cooperativa. É notório que com Xi Jiping a China entrou numa nova fase, mais assertiva no plano internacional que se denomina do “lobo guerreiro “que não evita o confronto que permita à China ocupar o lugar que reconhece como seu no palco dos assuntos mundiais.
Neste contexto, de assertividade, ao contrário de que seria esperado no passado, a China reagiu à aproximação americana a Angola, rapidamente, sobretudo, reocupando de forma expedita espaços que os americanos ou os aliados Ocidentais não souberam ocupar ou em que foram desleixados.
Do ponto de vista político, a reação chinesa foi visível na mais recente viagem de João Lourenço a Pequim (Março 2024). Embora as afirmações oficiais tenham sido de grande amizade e sucesso, as autoridades chinesas, fizeram saber em determinados círculos razoavelmente públicos o seu desencanto com João Lourenço, contradizendo a narrativa oficial dessa viagem. Foi um jogo discreto, impercetível para muitos, mas que existiu, demonstrando a vontade chinesa de não “entregar os pontos” em Angola.
E a realidade, é que a vontade política chinesa, posteriormente, tem vindo a afirmar-se no terreno de eleição chinês: a economia.
Três anúncios recentes afirmam o renovado vigor chinês em Angola.
Em primeiro lugar, um grupo chinês vai construir a primeira autoestrada de Angola, com cerca de 1.400 quilómetros, a ligar o sul ao norte do país. Será a empresa estatal chinesa China Road and Bridge Corporation (CRBC) que construirá uma autoestrada com cerca de 1.400 quilómetros, que ligará a parte sul de Angola com a vizinha Namíbia, até à parte norte de Angola, com a República Democrática do Congo. Prevê-se o início da construção efetiva da obra no final de 2025 ou em 2026[10].
Este projeto mostra a China a voltar aos projetos infraestruturantes de grande envergadura em Angola, algo que se julgaria ter terminado. Contudo, não é o caso.
Em segundo lugar, temos a manifestação da intenção por parte do governo angolano em rescindir o contrato com a empresa que venceu o concurso de construção da refinaria do Soyo, que tem tido dificuldades para obter financiamento. Trata-se dum consórcio liderado pela Quanten que ganhou, em 2021, um concurso público internacional para a construção da refinaria do Soyo, constituído por quatro empresas, sendo três norte-americanas (a líder do consórcio Quanten LLC, a TGT INC e a Aurum & Sharp LLC) e uma angolana (ATIS Nebest)[11].
Neste caso, temos um falhanço americano em garantir financiamentos, que leva à cessação dum contrato, abrindo as portas para a entrada da China, pois, recorde-se a que China já havia estado com a construção da refinaria do Soyo, nos tempos de José Eduardo dos Santos, e uma empresa chinesa tinha ficado em segundo lugar no concurso internacional que proporcionou a adjudicação à Quanten[12]. Agora, a porta fica aberta para os chineses que ficaram em segundo lugar, o consórcio CMEC de que faz parte a chinesa China Machinery Engineering Corp,[13] ou outros interessados liderados pela China, avançarem para o Soyo.
É evidente que aqui somos confrontados com um problema americano típico dos nossos dias, a excessiva crença na força do marketing e em engenharias financeiras impraticáveis em África. Citando, mais uma vez o CEO da Mota-Engil, Carlos Mota Santos, o problema americano é que “, todo o investimento norte-americano ou europeu, com uma ou duas exceções, é mais oportunístico. São fundos imobiliários e fundos abutres, não os vejo a investir em nenhuma indústria.”[14]
Finalmente, temos um terceiro sinal de desistência ocidental, agora da Siemens, e abertura de mais portas à China numa área em que este país também tem perícia, a dos metros de superfície (lembremo-nos que a recente frota do metro do Porto, Portugal, já foi habilitada com composições chinesas).
Agora é o caso do metro de superfície em Luanda. Os alemães da Siemens Mobility desistiram do projeto assente numa parceria público-privada e o governo angolano pretende assumir ele próprio os custos de construção com base num financiamento proveniente da China[15].
É um grande volte-face, e mais uma vez demonstra a incapacidade ou falta de vontade das empresas ocidentais para investir em Angola. Primeiro, a Quanten falha no Soyo, agora a Siemens no metro de Luanda. Angola volta a estar plenamente aberta e necessitada da China para assegurar o seu desenvolvimento.
Estados Unidos lentos e China energética
O que aparenta, neste momento, é que boas vontades americanas e Ocidentais não chegam. A realidade é simples. Angola precisa de dinheiro, como precisou em 2002 para a reconstrução, e, mais uma vez, a China parece empenhada em tomar a dianteira.
Os Estado Unidos parecem ter vontade de estar com Angola, mas chegando a momentos decisivos não têm soluções práticas e operacionais, perdendo-se em planos, projetos, viagens, engenharias financeiras e anúncios de intenções. Pelo contrário, a China parece ter percebido que se está a abrir uma nova oportunidade em Angola, e aparentemente, está em condições para aproveitar essa nova oportunidade.
O futuro dirá se é assim.
[1] Cfr. Rui Verde, 2021, Angola at the Crossroads: Between Kleptocracy and Development, Londres
https://www.cedesa.pt/wp-content/uploads/2024/06/Angola-EUA-China.png7681024CEDESA-Editorhttps://www.cedesa.pt/wp-content/uploads/2020/01/logo-CEDESA-completo-W-curvas.svgCEDESA-Editor2024-07-01 08:40:002024-07-01 08:52:05Angola: o desafio americano e a reação chinesa
A centralidade das relações comerciais entre a Índia e Angola
Angola tornou-se o epicentro de muitas relações internacionais. Fala-se da aproximação aos Estados Unidos, da recalibragem com a China, da história com a Rússia, do papel nos Grandes Lagos. No entanto, uma das relações que vai discretamente tendo mais importância, mas parece esquecida, ou precisa de ser descoberta, é a relação com a Índia.
Atualmente, a Índia é o terceiro maior parceiro comercial de Angola, partilhando cerca de 10% do comércio externo de Angola, principalmente devido à compra de petróleo bruto a granel. A balança comercial está a favor de Angola, sendo a Índia o 2º maior importador de petróleo de Angola, que representa 90% do comércio bilateral. A relação comercial é manifestamente impulsionada pela parceria petrolífera.
Manifestamente, desde 2021-22, o comércio bilateral Índia-Angola apresenta números crescentes, atingindo 3,2 mil milhões de dólares em 2021-22, com um grande aumento nas exportações indianas para Angola de 452 milhões de dólares (45 % de aumento na base anual). O comércio bilateral em 2022-23 atingiu 3,9 mil milhões de dólares (até fevereiro de 2023), com as exportações indianas para Angola a registarem um novo máximo de 575 milhões de dólares[1].
Figura 1: Angola – Índia: Importações/Exportações
(em milhões de dólares)
Fonte: Embaixada da Índia em Luanda (abril 2023)[2]
Refira-se como termo de comparação que o valor das trocas comerciais de bens transacionáveis (excluindo serviços) entre Portugal e Angola atinge um total 1149,3 milhões de € (M€) em exportações e 488,1 M€ em importações, na média do período 2019-2023.[3]
Facilmente, se percebe que o valor das relações comerciais entre a Índia e Angola é três vezes superior à relação entre Angola e Portugal. A Índia é já um gigante na relação com Angola.
Valores em milhões de USD. Para Portugal média 2019-2023, para a Índia valores 2023.
A comunidade indiana em Angola é composta por cerca de 4.000 pessoas, principalmente, estabelecidas em campos petrolíferos offshore ou trabalhadores em estabelecimentos de proprietários indianos, maioritariamente envolvidos em restauração, supermercados, comércio e outros serviços; em indústrias que lidam com plásticos, metal, aço, vestuário. No sector não petrolífero, estão a ser realizados vários projetos por empresas indianas nos sectores retalhista, hoteleiro, plásticos agrícolas, sucata metálica, aço, comércio e outros serviços[4].
O potencial da Índia em relação a Angola
Estabelecidos os fortes laços económicos existentes entre a Índia e Angola, convém assinalar o potencial indiano e as possibilidades que abre para Angola.
A Índia é dos países grandes do mundo, aquele que mais cresce, expandindo-se a uma taxa anual de 6-7%. Novos dados mostram que a confiança do sector privado está no seu nível mais elevado desde 2010. Sendo já a quinta maior economia, poderá ocupar o terceiro lugar em 2027, depois da América e da China. A influência da Índia está a manifestar-se de novas formas. As empresas americanas têm 1,5 milhões de funcionários na Índia, mais do que em qualquer outro país estrangeiro. O seu mercado de ações é o quarto mais valioso do mundo, enquanto o mercado da aviação ocupa o terceiro lugar. As compras de petróleo russo pela Índia movimentam os preços globais. O aumento da riqueza significa mais peso geopolítico. A Índia enviou dez navios de guerra para o Médio Oriente para conter os Houthis do Iémen.[5]
Também há que notar a forte presença Índia no Golfo. Desde que Modi (o primeiro-ministro indiano) assumiu o cargo em 2014, a Índia transformou a sua relação com os estados do Golfo, passando de uma relação centrada na energia, no comércio e nos expatriados indianos, para um novo quadro que abrange relações políticas, investimento e cooperação em defesa e segurança. Além disso, a Índia tem um grande interesse na estabilidade do Golfo, dado que aproximadamente 8,8 milhões de cidadãos indianos residem na região[6].
Estes são os factos essenciais, que colocam um desafio estratégico para a diplomacia presidencial angolana.
Como é sabido e já fizemos referência em anteriores relatórios, a nova política externa de João Lourenço, encetada após 2017 assenta em vários vetores: aproximação aos Estados Unidos e à Europa em geral, novo relacionamento com os Estados do Golfo, recalibragem amistosa com a China, reposicionamento com a Rússia. Tudo isto tem sido levado a cabo. Agora será o tempo da Índia.
A Índia como prioridade estratégica para Angola
Atendendo ao crescimento económico e seu potencial da Índia, ao seu relacionamento com os Estados do Golfo, bem como ao seu posicionamento global como país amistoso com os Estados Unidos, mas mantendo uma soberania externa própria, que a leva entre outros a comprar petróleo à Rússia, torna-se relevante incluir a Índia nas prioridades estratégias de Angola.
A questão não é somente que a Índia é um mercado com manifesto potencial para o petróleo angolano, bem como para outras futuras exportações, como as ligadas ao sector agroalimentar, ao mesmo tempo, que constitui fonte de inovação tecnológica para Angola. Embora, também tal aptidão económica da Índia seja importante e relevante na descoberta de novos mercados robustos para Angola.
Igualmente importante, é que a Índia pode ser um amparo para Angola nas relações com o Golfo, onde muitos indianos ocupam posições destacadas no sector financeiro, e em simultâneo, servir de esteio para as difíceis negociações com a China sobre a dívida, e, finalmente, servir de exemplo para os Estados Unidos de um país amigo, mas que segue a sua política externa própria.
Estes elementos, quer económicos, quer de nível das relações internacionais são suficientemente robustos para chamar a atenção da diplomacia presidencial angolana no sentido de criar um quadro comum de cooperação política e comercial intensa. Facilmente, se compreende que a Índia pode ser um excelente mercado de expansão para Angola, bem como um parceiro tecnológico, bem como pode ser complementar em relação a Angola em muitos aspetos políticos, quer a estabelecer pontes com os países do Golfo, quer a saber desenhar as fronteiras do equilíbrio nas relações com as grandes potências. Tal experiência deve ser assimilada por Angola.
Recorde-se que ao nível de chefes de executivo (presidentes da república e primeiros-ministros) o historial de relacionamento não é muito intenso. A primeira visita de um primeiro-ministro da Índia a Angola ocorreu em Maio de 1986, efetuada pelo primeiro-ministro Rajiv Gandhi, que foi retribuída pelo Presidente de Angola José Eduardo dos Santos em abril de 1987. O PM Dr. Manmohan Singh encontrou-se com o Presidente José Santos à margem do G- 8 reunião em L’Aquila, Itália, em 10 de julho de 2009. Em outubro de 2015, o Vice-Presidente de Angola, Manuel Vicente visitou a Índia para participar na Terceira Cimeira Índia-África. Finalmente, durante a sua visita a Joanesburgo para participar na Cimeira dos BRICS, o Presidente angolano João Lourenço encontrou-se com o Primeiro-Ministro Narendra Modi em 26 de julho de 2018 e discutiu formas de melhorar o comércio e o investimento entre os dois países e também de aprofundar a cooperação em sectores como Energia, agricultura, processamento de alimentos e produtos farmacêuticos[7].
Não há, realmente, proximidade entre as diplomacias ao mais alto nível. Ora, será este padrão que tudo indicaria dever ser mudado para um novo patamar. Este é, possivelmente, o momento de criar uma forte ponte entre a Índia e Angola, baseada em aspetos políticos e económicos.
[1] Embassy of India Luanda (2023) Bilateral Brief on India-Angola Relations: https://www.mea.gov.in/Portal/ForeignRelation/Public_Bilateral_Brief_as_on_April_2023.pdf
https://www.cedesa.pt/wp-content/uploads/2024/05/india-angola.jpg457755CEDESA-Editorhttps://www.cedesa.pt/wp-content/uploads/2020/01/logo-CEDESA-completo-W-curvas.svgCEDESA-Editor2024-05-15 11:34:122024-05-15 11:37:25Índia: uma nova aposta estratégica para Angola?
Tendo sido convidado e aceite participar no 1.º Congresso Angolano de Direito Eleitoral, realizado a 7 e 8 de Dezembro de 2023, por motivos técnicos não consegui apresentar a minha comunicação online. Fica aqui o texto da apresentação.
Especificidade da eleição local
Um sistema eleitoral local não tem necessariamente de replicar o sistema nacional. Apesar de em ambos os casos estarmos perante a escolha de representantes em processos democráticos, a natureza das eleições e dos órgãos é algo diferenciada.
Em muitos países, a taxa de abstenção nas eleições autárquicas é maior do que em eleições nacionais[1], além disso a governação local está dedicada a questões muitas vezes diferentes dos temas nacionais. Até certo ponto, embora isso seja disputável, sobretudo em países politicamente polarizados como Angola, entende-se que a política local será essencialmente não-ideológica. Nos Estados Unidos, durante muitos anos, os académicos argumentaram que havia pouca diferença entre as políticas dos responsáveis eleitos localmente pelos partidos Democrata ou Republicano porque a maioria das questões políticas locais eram técnicas e não políticas. Como escreveu Adrian, “não existe uma forma republicana de pavimentar uma rua e nenhuma forma democrática de instalar um esgoto.”[2] Há que referir, também, que a questão da representação das várias minorias e interesses se coloca com especial acuidade a nível local.[3]
É esta diferenciação estruturante que serve de ponto de partida para um curto comentário acerca do presente sistema eleitoral previsto para as Autarquias Locais em Angola, abordando dois temas em concreto. Em primeiro lugar, proceder-se-á a uma descrição sumária do actual modelo constitucional-legal de eleição autárquica, em segundo lugar, a uma breve reflexão sobre o papel do poder tradicional, atendendo à pressão demográfica indesmentível em Angola.
O poder local na Constituição
A sede primeira sobre o poder local no ordenamento jurídico angolano é a Constituição (CRA) que dispõe sobre o tema nos artigos 213.º e seguintes.
Aí se determina que as “ formas organizativas do Poder Local compreendem as Autarquias Locais, as instituições do Poder Tradicional” (art.º 213, n.º 2) e que as Autarquias Locais “ têm, de entre outras e nos termos da lei, atribuições nos domínios da educação, saúde, energias, águas, equipamento rural e urbano, património, cultura e ciência, transportes e comunicações, tempos livres e desportos, habitação, acção social, protecção civil, ambiente e saneamento básico, defesa do consumidor, promoção do desenvolvimento económico e social, ordenamento do território, polícia municipal, cooperação descentralizada e geminação.” (art.º 219.º), prevendo-se vários órgãos como uma “Assembleia dotada de poderes deliberativos, um Órgão Executivo Colegial e um Presidente da Autarquia” (art.º 220.º, n.º 1).
Em termos de sistema eleitoral, a Constituição estabelece que a “Assembleia é composta por representantes locais, eleitos por sufrágio universal, igual, livre, directo, secreto e periódico dos cidadãos eleitores na área da respectiva autarquia, segundo o sistema de representação proporcional.” (art.º 220,n.º 2), o “Órgão Executivo Colegial é constituído pelo seu Presidente e por Secretários por si nomeados, todos responsáveis perante a Assembleia da Autarquia.” (art.º 220, n.º 3) e o Presidente do Órgão Executivo da Autarquia é o cabeça da lista mais votada para a Assembleia. (art.º 220, n.º 4). Finalmente, no artigo 220, n.º 5 é definido que as “candidaturas para as eleições dos Órgãos das Autarquias podem ser apresentadas por partidos políticos, isoladamente ou em coligação, ou por grupos de cidadãos eleitores, nos termos da lei.”
Acerca das instituições do poder tradicional, a Constituição reconhece-as nos seus artigos 223.º e seguintes, remetendo para o direito consuetudinário a sua designação, e para a lei a sua articulação com as Autarquias Locais (art.º 225.º).
Consequentemente, existem, de acordo com a Constituição duas formas de Poder Local, as Autarquias Locais e o poder tradicional, cuja relação não é estabelecida na lei fundamental. Em relação às autarquias é desde logo definido o seu modo de eleição, o que não acontece, naturalmente, com o poder tradicional.
O sistema eleitoral das Autarquias Locais
Para a descrição do sistema eleitoral previsto para as Autarquias Locais, à Constituição, deve-se juntar a Lei Orgânica sobre a Organização e Funcionamento das Autarquias Locais (Lei n.º 27/19 de 25 de Setembro), bem como a Lei Orgânica sobre as Eleições Autárquicas (Lei n.º 3/20, de 27 de Janeiro), a que nos ateremos nesta descrição.
Como mencionado, temos a considerar três órgãos nas autarquias: a assembleia, o executivo e o presidente. Atentando, ao município, a autarquia por excelência (artigo 218.º da CRA), verificamos que destes órgãos apenas dois, a assembleia e o presidente são eleitos. O executivo é designado pelo presidente da câmara. Na verdade, dispõe o artigo 29, n.º 2 da Lei de Organização e Funcionamento das Autarquias, que a Câmara Municipal (o executivo) é composta por Secretários nomeados pelo Presidente da Câmara, embora responsáveis perante a Assembleia Municipal. A exoneração de Secretários compete ao Presidente da Câmara (artigo art.º 31, n.º 1, b).
Assim, nos municípios há dois órgãos electivos e é sobre eles que nos debruçaremos. Trata-se da Assembleia Municipal e do Presidente da Câmara.
Os membros dos órgãos electivos são eleitos por sufrágio universal, igual, directo, secreto e periódico pelos cidadãos residentes na circunscrição local (artigo 15.º da Lei das Eleições Autárquicas-LEA). O artigo mais relevante da LEA é o artigo 40.º que define o modelo electivo em lista única para a Assembleia e a Presidência da Câmara, replicando o modelo constitucional nacional que tanta polémica tem levantado. De facto, nos termos desse normativo haverá apenas uma lista. Estabelece o artigo 40.º da LEA que as candidaturas a Presidente da Câmara são apresentadas no quadro da apresentação das listas de candidatos a membros da Assembleia da Autarquia Local (art.º 40, n.º1), sendo que o candidato a Presidente da Câmara é aquele que surgirá em primeiro lugar na lista de candidatos a membro da Assembleia (art.º 41, nº 2). Nestes termos em cada Boletim de Voto será impresso o nome quer do Partido, Coligação ou Grupo de Cidadãos concorrentes, quer o nome do candidato a Presidente da Câmara e respectiva fotografia tipo-passe, a sigla e os símbolos da candidatura (artigo 17.º da LEA). Será eleito Presidente da Câmara aquele que estiver na lista que obtiver o maior número de votos, ainda que não a maioria absoluta, ficando com o direito a nomear todo o executivo (artigo 21.º da LEA). Os membros da Assembleia Municipal são eleitos segundo o sistema de representação proporcional, seguindo-se o método de Hondt para conversão dos votos em mandatos de acordo com as regras do artigo 29.º da LEA.
Refira-se que este sistema electivo, bem como as regras atinentes ao Boletim de Voto já foram sufragadas constitucionalmente pelo Acórdão n.º 111/2010 do Tribunal Constitucional quando apreciou o texto que ficou denominado como Constituição de 2010.
Temos assim um misto de sistema maioritário de uma volta que elege o Presidente da Câmara com o sistema proporcional que determina a composição da Assembleia Municipal.
Alegar-se-á em sua defesa que ao mesmo tempo garante a eficiência do governo (sistema maioritário de uma volta) com uma ampla democracia (sistema proporcional para a constituição da Assembleia).
Mas, também se poderá dizer que mantém o “defeito” de uma eleição não totalmente directa do Presidente, que muitos criticam na CRA com referência à eleição do Presidente da República.
Também para aqueles que gostam da comparatística portuguesa, se referirá que não segue o modelo português em que a eleição do Presidente da Câmara é separada da eleição da Assembleia Municipal, podendo um partido ganhar a Presidência e perder a Assembleia como acontece neste momento em Lisboa, além de qua o executivo (Vereação) é formado de acordo com os resultados eleitorais, dependendo da vontade presidencial apenas a distribuição ou não de pelouros[4].
Neste aspecto, o modelo português poderia ser pedagógico, pois ensinaria os diversos partidos, habitualmente polarizados, a entrar em acordos de governo local, o que constituiria uma base de bom espírito democrático de diálogo e tolerância.
Como referência inovadora, há que mencionar que grupos de cidadãos eleitores podem sem qualquer autorização apresentar-se às eleições autárquicas (art. 44.º da LEA) desde que sejam em número mínimo de 150 cidadãos eleitores na respectiva circunscrição (art.º 48, n.º 1 da LEA).
Poder tradicional e expansão demográfica
É um facto que a demografia angolana tem sofrido uma explosão. “Entre 1960 e 2020, a população de Angola cresceu 6,2 vezes, chegando a mais de 30 milhões de habitantes, um aumento mais expressivo do que o que se observou nos países da África Subsaariana (5,1x) e do que noutras regiões, como o Leste Asiático (2,3x) e a América Latina (2,9x).”[5]
É evidente que este número de habitantes não é consentâneo com o actual número de municípios angolanos, 164. Basta lembrar que Portugal, com 10 milhões de habitantes, conta com 308 municípios.
Se é um facto que o número actual de municípios em Angola não corresponde às necessidades reais da população, também é facto que a ideia de aumentar o número dos 164 para 581 é absurdamente impossível, quer por razões financeiras, quer por razões administrativas e burocráticas.[6]
Há assim que procurar respostas inovadoras, possíveis e constitucionais. É neste sentido, que tem relevo a sistemática constitucional ao colocar as instituições do poder tradicional no título referente ao poder local, onde também estão inseridas as autarquias locais. Aliás, o mesmo acontece com a Lei Orgânica do Poder Local, Lei n.º 15/17 de 8 de Agosto, que versa sobre as Autarquias Locais e as Instituições do Poder Tradicional.
A sistemática constitucional e legal esboça um início de resposta à questão que colocámos acima. À sistemática temos de adicionar algumas considerações acerca do actual paradigma do Direito. Não podemos pensar o Direito ainda nos termos dos quadros racionais positivos dos séculos XVIII e XIX que aplicam uma única ementa a toda a regulação da vida social. Não aprofundando o tema aqui, temos de considerar o Direito como um sistema aberto[7]que permita várias intersecções materiais e contributos e não apenas um positivismo fechado, único e redutor. É neste contexto, que é importante permitir que as instituições do poder tradicional assumam a função de autarquia local onde estas não existam e sejam necessárias.
A realidade imporá que existam dois tipos de Autarquias Locais vigentes, aquelas que serão reguladas pelo direito positivo e aquelas derivadas do direito consuetudinário e reguladas pelo costume, aceitando-se uma pluralidade de regimes, legal e costumeiro[8], com vista à efectiva implantação dum poder local descentralizado e próximo da população, aceitando-se a “presença de mais do que uma ordem normativa num campo social.”[9]
Trata-se no fundo de concretizar um desiderato sistemático da Constituição que ao colocar quer as Autarquias Locais formais, quer as Instituições do Poder Local na égide do Poder Local, não comete um erro, como afirmam alguns, mas abre pistas para a consideração dum verdadeiro pluralismo jurídico em Angola que funcionará como solucionador de problemas ligados à eficácia da máquina estatal.
[1] Anzia SF. 2013. Timing and Turnout: How Off-Cycle Elections Favor Organized Groups. Chicago: Univ. Chicago Press ou Hajnal ZL. 2009. America’s Uneven Democracy: Race, Turnout, and Representation in City Politics. Cambridge, UK: Cambridge Univ. Press.
[2] Adrian CR. 1952. Some general characteristics of nonpartisan elections. Am. Political Sci. Rev. 46: 766–786, p. 766.
[3] Abott, Carolyn, and Asya Magazinnik. “At-Large Elections and Minority Representation in Local Government.” American Journal of Political Science 64, no. 3 (2020): 717–33.
[9] Fernandes, T. 2009. O poder local em Moçambique. Descentralização, pluralismo jurídico e legitimação. Porto, Edições Afrontamento, p. 40
https://www.cedesa.pt/wp-content/uploads/2023/12/sist-eleitoral.jpg422792CEDESA-Editorhttps://www.cedesa.pt/wp-content/uploads/2020/01/logo-CEDESA-completo-W-curvas.svgCEDESA-Editor2023-12-11 12:24:342023-12-11 12:24:36O sistema eleitoral das Autarquias Locais em Angola e a inclusão do Poder Tradicional
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