Angola e a Nova Ordem pós-Internacional (de Trump e outros)

1-Durante décadas, clamou-se por uma Nova Ordem Mundial. Geralmente, tais apelos vinham dos então chamados países do Terceiro Mundo, e de intelectuais e ideólogos de esquerda, que pretendiam um mundo mais justo e solidário, sem tantas regras financeiras e não assente nos ditames do capitalismo norte-americano.[1] Na verdade, uma ordem internacional tinha sido estabelecida a partir da Conferência de Bretton Woods e da Conferência de São Francisco (ambas nos Estados Unidos) para criação respetivamente da estrutura e organizações financeiras internacionais e das Nações Unidas a partir de 1944/1945, com vista a criar um mundo em que o direito internacional fosse uma realidade e as relações internacionais assentassem em regras, a economia em trocas livres e a paz fosse o objetivo último da coexistência entre os povos.

Apesar de imensos solavancos, esta ordem baseada em regras, no comércio livre e numa tendencial globalização foi perdurando, senão como prática, pelo menos como paradigma ou referência.

Tudo começou a mudar a partir dos anos 2010s. Numa série de países irromperam líderes com tendências autoritárias que entenderam que para desenvolver os seus países e lhes dar a projeção a que o seu tamanho e história davam direito, tinham de romper o paradigma internacionalista de 1944/1945 e impor uma revisão da ordem do mundo.

Essa visão não foi a alternativa solidária e justa dos alternativos do passado, mas uma reinvenção do poder do Estado soberano afirmativo com tendências imperiais que vigorou no século XIX. Um novo paradigma de grandes potências em que a referência é a sua força voltou a tomar forma. Foi Putin na Rússia, Xi Jinping na China, Modi na Índia, entre outros. Todos voltaram a ter como principal objetivo a emergência dos seus países como grandes potências, dispondo-se a fazer tal com o uso da força, não necessariamente militar, embora nalguns casos também[2].

Os Estados Unidos e a União Europeia não reagiram as estas tentativas de mudar o paradigma internacional, continuaram complacentes a avançar as suas agendas, que com o tempo se tornaram confusas e irracionais, misturando anseios milenaristas com engenharias sociais destrutivas, apostando em sociedades de lazer e consumo, sem referenciais. Os eleitorados ocidentais começam a reagir à disfunção das políticas com as suas necessidades e surgem as extremas-direitas em força na Europa e Trump nos Estados Unidos. O primeiro mandato de Trump poderia ter sido um blip. Não foi. A sua eleição em 2024, representou o momento catalisador da morte do paradigma internacional.

Não se podem pensar mais as relações internacionais como baseadas no direito, em regras, respeitando acordos ou factos estabelecidos. As alianças vão mudar, os interesses dos países e as suas identidades vão ser reforçadas. A força vai desempenhar um papel fundamental no restabelecimento dum paradigma internacional. Trump lidera a reação americana a esta “morte” do sistema internacional de 1944/1945. E assume os novos sinais, já enunciados por Putin e Xi Jinping: os tratados internacionais são pouco relevantes, as alianças mudam, as fronteiras não são sagradas, os países não são iguais, a democracia e o comércio livre não são os únicos sistemas possíveis e certamente não representam a finalidade da história. Trump não hesita em reivindicar a Gronelândia, o Panamá e até mesmo o Canadá. Tal como Putin já tomou a Crimeia e tenta reaver a Ucrânia. Quando chegará a vez de Taiwan e da China, não se sabe, mas tudo já só depende de cálculos de força e probabilidade. Este é o sistema pós-internacional.

A União Europeia, também uma criação essencialmente americana no pós-guerra, dentro do sistema idealizado para a paz e prosperidade por Acheson e Marshall entre outros, não percebeu os movimentos históricos e sobretudo não entendeu a partir do mandato do Presidente Obama que já não era prioridade americana. Agora, o seu criador (os EUA) retiraram-lhe o apoio. Tem de viver por si. Dificilmente o fará, é uma estrutura disfuncional sem poder de decisão unívoco em que vivem países com interesses diferentes. Provavelmente, as velhas potências europeias, Alemanha, França, Reino Unido e talvez Espanha e Itália, vão ter de assumir a direção dos negócios de forma articulada, mas em que o interesse nacional é preferencial, para reorientarem a Europa.

2-Obviamente, que esta mudança radical de paradigma internacional tem implicações muito relevantes para África, que já se estão a notar, e para Angola, ainda não especialmente visíveis, mas que se tornarão em breve.

Recentemente, África parece retornada ao século XIX e ao tempo da “corrida para África”. Os seus recursos naturais, a sua posição estratégica no Sul Global, a sua demografia que constitui um sintoma de vitalidade para o futuro, mas também uma ameaça de migração para a Europa e a persistente fragilidade das suas instituições, tornaram o continente, de novo, alvo do interesse e intervenção de vários países externos. A Rússia apostou na criação dum cinturão de países alinhados no Sahel, assinando vários acordos militares, fazendo avançar o dito Africa Corps (ex Wagner) e prevendo com vários países africanos a instalação de centrais nucleares. Possivelmente, neste momento, será a potência mais ativa em África.[3] A China é sempre mais discreta, mas a sua influência económica alastra e é parceiro essencial de muitos governos africanos. Já pouco se decide em África sem a China. Como alguém citou referindo um dito vietnamita, a China é “uma mancha de óleo que se alastra sem ninguém notar, mas que se cola aos pés[4]”. Outros países como a Turquia e os países do golfo Pérsico também dão passos acelerados em África, tal como a Índia, embora mais lenta.

A União Europeia tem fortes relações com África, tem vários programas e percebe a importância de África, mas hesita, entre os problemas que as migrações lhe trazem e as regulações que impõe às suas empresas, arrasta-se, sem uma estratégia definida para África, percebe que é importante, mas tergiversa. A França é que dominava os assuntos africanos. Neste momento, está nitidamente a perder a sua influência. O complexo europeu da descolonização também contribui para a sua atitude ambígua[5]. A Europa tem know-how e financiamento, mas não o alavanca suficientemente.

Os Estados Unidos pareciam ter noção do que se passava com a administração Biden. Criaram uma estratégia consistente, voltaram a África, estavam a desenvolver projetos e a emparceirar com a União Europeia, retirando-a das hesitações. Tudo descambou com o novo mandato de Trump. Os EUA tornaram-se ausentes, há um absentismo americano em África.[6] Trump ainda nem tinha conseguido ter a equipa africana constituída no final de março.

3-Já houve consequências deste novo paradigma pós-internacional em África com reflexo em Angola. O grande avanço das forças combinados do M23 e do Ruanda para conquista de Goma e Kivu no Leste da República Democrática do Congo (RDC), criando uma zona de intervenção manifestamente relevante, ocorreu após a tomada de posse de Trump, sedimentando a ideia que a ordem internacional mudou e as fronteiras podem ser mudadas. O mesmo efeito poderá ter estado na origem do facto de Tshisekedi e Kagame terem saído da mediação angolana para resolver a sua contenda e terem ido para o Qatar. Angola tinha os EUA como suporte nesta negociação, o que lhe dava força negocial. Com o absentismo de Trump, tal vantagem angolana deixou-pelo menos por agora-de existir e há uma estranha apetência por realizar conversações nos países do Golfo. A Guerra no Leste do Congo corre o risco de se tornar ainda maior. A atitude americana está a originar efeitos que podem ser dramáticos[7].

Neste sentido, há que enfatizar que tudo isto tem consequências para Angola. Na Segunda Guerra do Congo, Kagame foi derrotado com o contributo angolano, e por isso tem “contas a ajustar” com Angola. O M23 não vai ficar por aqui e a República Islâmica da África Oriental está a pressionar Cabo Delgado e possivelmente, segundo alguns analistas, já estará implementada em Angola.[8]

Efetivamente, a disrupção da ordem internacional e o absentismo de Trump, que como se viu está já a ter consequências na RDC e no eventual alastramento islâmico, têm consequências para Angola, umas a nível político e outras a nível de segurança.

A nível político, torna-se evidente que as escolhas e a adoção de processo democráticos de governação são estritamente um assunto angolano. Não é, nem será a comunidade internacional a impor qualquer modelo político. Claramente, o tempo da finalidade da história descrita por Francis Kukuyama[9] como democracia e economia livre, deixou de o ser. Cada país está entregue a si próprio. Aliás, a própria extinção da Voz da América que propagava esses objetivos por todo o mundo, é o maior exemplo desse final. Não se esperem intervenções externas em qualquer sentido nas eleições gerais angolanas de 2027. Aqueles apelos que se faziam à Comunidade Internacional deixaram de fazer qualquer sentido.

Contudo, é a nível da soberania, definição de fronteiras e segurança que os maiores desafios colocados em relação a Angola surgem com esta nova ordem pós-internacional. Está em curso um processo revisionista das fronteiras em África. Como se sabe, as fronteiras em África após as independências foram, em grande parte, herdadas do período colonial. Durante a Conferência de Berlim (1884-1885), as potências europeias dividiram o continente africano entre si, muitas vezes ignorando as realidades culturais, étnicas e geográficas locais.

Após as independências, a Organização de Unidade Africana (OUA) adotou o princípio de uti possidetis juris que afirmava que as fronteiras coloniais deveriam ser mantidas para evitar conflitos territoriais. Ao longo dos anos, houve apenas duas tentativas relevantes de redefinir fronteiras bem-sucedidas, a criação da Eritreia em 1993 e do Sudão do Sul em 2011.

No entanto, este princípio de estabilidade fronteiriça está hoje colocado em causa. Possivelmente, a incursão do M23 com o apoio do Ruanda quererá estabelecer novas fronteiras na zona. Tal já não dependerá do direito internacional, mas da força.

Assim sendo, as fronteiras angolanas estão ameaçadas, surgirá com mais força o apelo a secessões de territórios (Cabinda; Lundas?) e a validade da declaração da OUA será colocada em causa. Ao mesmo tempo, as migrações provocadas por alterações noutros países (RDC, por exemplo) colocarão pressões nas fronteiras angolanas. Torna-se evidente que este é, também, um tempo de ameaça a qualquer país, por outro que se sinta mais forte, ou que queira semear instabilidade como pode ser o caso do Ruanda em relação a Angola ou qualquer república islâmica a proclamar[10].

Nesse sentido, tornar-se-ia útil pensar ao nível da segurança angolana criar perímetros externos como tampões de estabilização e manutenção do território, sobretudo no caso de grave convulsão no território da RDC, a partir das zonas mais sensíveis, como Cabinda e as Lundas, linhas fronteiriças enormes com potenciais fontes de perigo.

Forçosamente, a redefinição do sistema internacional em curso levará Angola a uma necessidade de reforço da sua unidade interna e possivelmente ao incremento (e revisão) da sua doutrina de segurança nacional para combater ameaças à estabilidade do Estado e às suas fronteiras. 


[1] A título de exemplo, Antônio Carlos Wolkmer, 1989, O terceiro mundo e a nova ordem internacional

[2] Michael Kimmage, (2025) The World Trump Wants, Foreign Affairs. March/April 2025, Vol.104. N.2.

[3] Eugénio Costa Almeida, intervenção no jantar-debate CEDESA a 25 de março de 2025.

[4] Maria José de Melo, IDEM supra.

[5] IDEM.

[6] Rui Verde, intervenção no jantar-debate CEDESA a 25 de Março de 2025.

[7] IDEM

[8] Eugénio Costa Almeida, cit.

[9] Francis Fukuyama,1992, O Fim da História e o Último Homem,

[10] Eugénio Costa Almeida, IDEM.

Jantar CEDESA de 25 de Março de 2025

Trump e África: Vitória da China e Rússia?

Decorreu no dia 25 de Março no Pestana Palace em Lisboa, o Jantar-Debate incluído nas comemorações dos 50 anos da Independência de Angola que o CEDESA leva a cabo durante este ano com o tema Trump e África: Vitória da China e Rússia?

Estiveram presentes académicos, jornalistas e empresários com ligações a Angola, um conjunto diverso de personalidades que debateu de forma viva e livre o tema, sem facciosismos e de maneira construtiva.

Tivemos um antigo deputado-coordenador do PSD na comissão dos Negócios Estrangeiros da Assembleia da República que moderou o debate, jornalistas da LUSA, Jornal de Negócios, Correio da Manhã, DW e RTP África, professores em universidades portuguesas e estrangeiras.

Notou-se um forte interesse no tema, destacando-se a intensificação dos esforços russos de estabelecimento em África através de acordos militares, a presença constante e pragmática da China, novos actores como a Índia e a Turquia, as possibilidades que se abrem para a União Europeia, e o absentismo dos EUA que já teve como consequência o incremento dos conflitos em África. A situação africana é instável, as fronteiras podem mudar e as guerras alastrar. Estas foram as principais conclusões.

As presenças foram mais ricas e oportunas.

O SALTO DO DINOSSAURO- Novas tecnologias e boa governação

Comunicação à Conferência Nacional sobre Boa Governação

Organização da Inspecção Geral de Administração do Estado

Luanda

15 de Janeiro de 2025

A grande questão que confronta a governação de Angola, como a de muitos países que sentem ter capacidade para muito melhor, dispõem de amplos recursos naturais e de uma população jovem, ativa e impaciente, é a questão do salto. Como saltar rapidamente tornando-se um país desenvolvido, próspero e justo para todos?

Nos estudos antigos de economia, havia um autor fundamental, Alfred Marshall, cujo livro Principles of Economy era a base do conhecimento da economia neoclássica. Na abertura do livro, Marshall tinha inscrito o velho dito Natura non facit saltus (a natureza não salta). Com isto, Marshall seguindo Leibniz e Darwin, expressava a ideia de que as coisas e as propriedades naturais mudam gradualmente, e não repentinamente. Quereria isto dizer que não seriam possíveis longos saltos, apenas uma evolução gradual.

Contudo, Stephen Jay Gould, um paleontólogo e historiador da ciência norte-americano veio demonstrar que a evolução da natureza não é exatamente assim, apresentando a chamada teoria do equilíbrio pontuado. A teoria propõe que a maior parte da evolução é caracterizada por longos períodos de estabilidade evolutiva, pontuados por períodos rápidos de especiação, de saltos abruptos. A teoria contrastava com o gradualismo, a ideia popular de que a mudança evolutiva é marcada por um padrão de mudança suave e contínua no registo fóssil. Em suma, Gould comprovou que os dinossauros também saltam.

Naquilo que se refere ao desenvolvimento de um país, uma boa hipótese é que o impulso para este salto será dado pela boa governação em conjunto com a exploração inteligente das novas tecnologias.

A boa governação é uma expressão em que o conselho uti, non abuti (usar, não abusar) deve predominar, para não se tornar num conceito vazio e inexpressivo. Por exemplo, olhando para o Índice de Boa Governação de Fundação Mo Ibrahim verificamos que a Boa Governação para eles inclui a segurança e estado de direito, participação, direitos e inclusão, oportunidades económicas e desenvolvimento humano. Por sua vez, estas categorias subdividem-se em subcategorias. É um exercício interessante, mas no final do dia impossível, dando razão aos versos de Camões “o mundo todo abarco e nada aperto.”

A generosidade dos conceitos acarreta na sua raiz a sua ineficácia. Não interessa tudo incluir na Boa Governação, para no final não termos nada a não ser boas intenções. Assim, é melhor cingirmos a Boa Governação a dois aspetos que desde sempre se exigiram ao governante, fosse ele imperador, rei, presidente, chanceler ou outro qualquer. Eficácia na concretização das necessidades do país em cada momento do processo histórico e consentimento popular. Eficácia e consentimento são as bases duma boa governação. O governante tem de ter a capacidade de produzir o efeito desejado ou um resultado esperado. Em termos mais simples, tem de conseguir atingir os objetivos que lhe são exigidos pela situação histórica. Esses objetivos são definidos de forma ampla e espontânea pela comunidade política, incluindo os manifestos dos partidos vencedores, os discursos ou proclamações do chefe de estado, a opinião consensual emergente da opinião pública, o sentir da população medido através de sondagens. E o que é importante num espaço e tempo pode não ser noutro.

Contudo, essa eficácia e os objetivos a atingir estão submetidos à necessidade da governação ter consentimento popular. Consentimento popular refere-se à aceitação ou apoio geral da população em relação a uma decisão, política ou governante. Consentimento popular não implica necessariamente o modelo democrático como seguido na atualidade, pode ser esse ou outro modelo qualquer através do qual exista a necessária sensibilidade e canal de comunicação adequado entre povo e governante.

É muito importante definir a boa governação, para evitar o vácuo.

Quanto às novas tecnologias, elas podem ter um papel preponderante. Mas antes há sempre que chamar a atenção para os perigos que Jamie Susskind no seu livro The Digital Republic invoca: os sistemas digitais baseiam-se em regras escritas por pessoas que ao criar determinados algoritmos não sindicáveis ficam com um enorme poder não controlado. O que parece neutro e técnico, no final é político e moral. Enfatizado este ponto verifiquemos alguns exemplos de uma ligação virtuosa entre boa governação e novas tecnologias.

Nos Índices realizados pela ONU, a Estónia costuma surgir como o país mais avançado do mundo em e-government. Tem havido várias notícias de deslocações do ministro de Estado e da Casa Civil, Dr. Adão de Almeida, à Estónia. Assim, o país e as suas práticas são já sobejamente conhecidos em Angola, pelo que não vou ser redundante, apenas focando os pontos que parecem mais salientes.

A utilização ampla de novas tecnologias resultou antes de tudo de investimentos em infraestruturas e tecnologias de ponta, como a inteligência artificial, a computação em nuvem e a banda larga.  Simultaneamente, a Estónia é o lar de 10 unicórnios e a produzir 10 vezes mais start-ups per capita do que a média europeia. As empresas de TIC da Estónia ajudaram a construir a sociedade digital mais avançada do mundo.

Portanto, temos um conjunto virtuoso que permite a utilização de novas tecnologias para a boa governação: investimento em inteligência artificial, computação nuvem e banda larga complementada pela liberdade e promoção de criação de empresas tecnológicas de ponta.

Há assim uma parceria Estado-sector privado para a digitalização e implementação das novas tecnologias. O Estado não tem capacidade para fazer tudo, nem os privados.

Em concreto, 99% de todos os serviços públicos estão acessíveis online.  Um total de 88% dos agregados familiares dispõem de capacidade Internet, estando também disponíveis ligações Wi-Fi em mais de 1100 locais públicos, incluindo todas as escolas. Na Estónia, 88% da população com idades compreendidas entre os 16 e os 74 anos utiliza a Internet e estes cidadãos utilizam regularmente serviços eletrónicos. Mais de 95% das declarações de imposto sobre o rendimento foram apresentadas através do e-Tax Board em 2022, enquanto quase todas (mais de 99%) das transações bancárias são efetuadas através da Internet.

Todos os residentes possuem um cartão de identidade eletrónico da Estónia que funciona como um elemento de identidade digital, e é um documento de identidade físico e, na União Europeia, também um documento de viagem.

Um empresário pode até criar uma empresa na Estónia diretamente a partir do seu dispositivo pessoal. O registo do portal e-Business para a constituição e registo de uma empresa pode demorar apenas 18 minutos.

A política é também uma atividade digital. Desde 2005, todos na Estónia podem votar eletronicamente através da Internet, utilizando um cartão de identificação ou um documento de identificação móvel, a partir de casa ou mesmo durante viagens ao estrangeiro.

Além dos investimentos mencionados e da criação de um ecossistema empresarial centrados nas novas tecnologias há dois temas base fundamentais sem os quais não é possível a utilização das novas tecnologias para a boa governação. O primeiro, que não se focará aqui é a reforma da administração pública, desburocratizando-a e tornando-a numa estrutura ao serviço do cidadão. Administrações públicas eficientes satisfazem as necessidades dos cidadãos e das empresas. É essencial que as autoridades públicas sejam capazes de se adaptar às novas circunstâncias.

Nesse sentido, em Angola tenho de fazer referência aos sites que utilizo com mais frequência e que de um modo geral correspondem às expectativas. Um é o site do Ministério das Finanças. Sobretudo naquilo que se refere ao OGE está muito completo, acessível, com fácil acesso e compreensão. Os relatórios, os quadros, os números estão organizados e é fácil entender.

Outros dois que têm tido melhorias substanciais são os sites do Tribunal Supremo e do Tribunal Constitucional. Contudo, para facilitar o investigador, os acórdãos publicados deviam ter um curto sumário, de preferência realizado pelo juiz relator, acompanhado de palavras-chave. É que como estão agora, torna-se quase impossível fazer uma análise jurisprudencial. Por curiosidade, verifico que o último acórdão publicado no Constitucional (na altura em que escrevo) já tem o objeto mencionado. Talvez seja o anúncio de uma boa evolução.

O outro tema fundamental, que constitui uma síntese hegeliana da boa governação e novas tecnologias é a educação. Sem educação não é possível o uso das novas tecnologias como se fez na Estónia, e por outro lado, a educação pode ser uma das maiores beneficiárias das novas tecnologias e de uma aplicação concreta da boa governação.

A educação é a chave e o resultado do exímio uso das novas tecnologias por um país bem governado.

Todos reconhecem que há um déficit escolar ao nível do ensino básico em Angola. Fala-se de 5 milhões de crianças fora do sistema de ensino. Não é demais acentuar a gravidade do tema, como também, é evidente que não há meios para reproduzir o sistema em vigor assente em mais escolas físicas e mais professores. Os números são imensos e impossíveis. Por isso, é fundamental mudar o paradigma, abdicando da abstração e generalização que as leis impõem tornando-se impraticáveis, e procurado soluções diferenciadas, diversas e inovadoras. Não se pode pensar a escola ainda segundo o modelo prussiano-industrial com uma lei que tudo regula de igual forma e que apenas permite e repetição de um modelo de escola por vezes infinitas. É a receita para o falhanço.

Num mundo ideal, os professores do ensino primário em Angola seriam todos bem formados, altamente motivados e a sonhar com lições vibrantes. Na realidade, esta possibilidade não é viável. Por isso, há que ter soluções radicais para abranger o maior número de estudantes de forma consistente.

Em primeiro lugar, temos de distinguir os locais com acesso a rede e a sistemas de comunicações de internet e outros que não têm. É em relação a estes últimos que se deve focar o investimento físico, construindo edifícios e formando professores. Em relação aos locais com acesso a rede, além das estruturas físicas já existentes, o modelo de aprendizagem deve ser radicalmente diferente. O professor será sobretudo um facilitador que transmitirá aulas bem-elaboradas escritas por uma equipa central e que lhes são enviadas em tablets eletrónicos. As instruções definem exatamente o que escrever no quadro e até mesmo quando caminhar fazendo a apresentação. Planos igualmente detalhados determinam as verificações diárias que os diretores devem realizar para garantir que a sua equipa está em dia. O que este facilitador tem de saber é usar os meios eletrónicos, ler e transmitir. No fundo, funcionará como um terminal de uma linha eletrónica divulgando o seu conteúdo a uma miríade de alunos.

Um estudo realizado no Quénia realizado por Michael Kremer, economista vencedor do Prémio Nobel (2019), e colegas de quatro universidades americanas – acompanhou mais de 10.000 crianças que se candidataram a vagas gratuitas nas escolas que adotavam estes métodos. Ao fim de dois anos, verificou-se que as crianças aprenderam muito mais do que os foram para as escolas tradicionais.

A grande vantagem do método é o seu custo baixo, o que permite um maior número de crianças a aprender. Como se disse, os professores são facilitadores, pelo que podem ter apenas o ensino secundário, o que fomentaria largamente o emprego jovem, tão necessário.

É evidente que o sistema padronizado digital pode ter muitas críticas, desde logo a promoção de uma aprendizagem mecânica, a desvalorização social do papel do professor, a falta de elasticidade no conhecimento. É verdade. Mas tem uma vantagem fundamental, permite uma muito maior cobertura de estudantes a menor custo e vai introduzi-los aos meios digitais de imediato.

É muito mais importante dar a todas as crianças instrumentos básicos de conhecimento, mesmo que não sejam os ideais, mesmo que existam sistemas diferentes, mesmo que uns tenham professores e escolas e outros tablets e facilitadores, do que deixar milhões sem nada.

Esta é a verdadeira escolha.

Termina-se como se começou. Angola pode dar o salto do dinossauro. Só tem de usar de forma inteligente e local as novas tecnologias para garantir a boa governação.

IV CONGRESSO INTERNACIONAL DE ANGOLANÍSTICA

CHAMADA DE COMUNICAÇÕES

Celebra-se este ano de 2025 o meio século de existência de Angola independente. Foram cinquenta anos de caminhos por vezes divergentes, de continuidades e de roturas, e de opções quase sempre difíceis.

Cinquenta anos parecem pouco, mas foi um período riquíssimo da História de África e na do mundo, que viu mudanças ainda imprevisíveis em 1975, entre elas a da queda do chamado Bloco de Leste, a transformação da China em potência global, a criação de um bloco europeu, o fortalecimento da União Africana e tantas outras.

Neste momento de balanço, a Angola Research Network (https://www.angolaresearchnetwork.org/) convida todos os angolanistas, membros e não-membros da nossa Rede, a apresentarem propostas de comunicação e de painéis para o IV Congresso Internacional de Angolanística, a decorrer em Lisboa no dia 18 de junho de 2025 nas instalações da Biblioteca Nacional de Portugal.

A chamada estará aberta entre 15 de janeiro e 15 de março de 2025.

Como é habitual, o Congresso contemplará um vasto espectro de interesses servidos por uma ampla diversidade de perspetivas e de metodologias da história e das ciências sociais, políticas e jurídicas, das humanidades, das artes e da música, das culturas da diáspora angolana e das relações internacionais e integração regional (Grandes Lagos e SADC).

Serão especialmente bem-vindas as propostas multidisciplinares, com perspetivas transversais a diversos domínios do saber, e das interartes.

Os interessados deverão enviar uma proposta fundamentada, com um máximo de 250 palavras, acompanhada de curta biografia académica (máximo de 100 palavras), email, se possível, e telefone de contacto com WhatsApp.

Toda a correspondência deverá ser dirigida para o seguinte endereço de e-mail:

angolaresearchnetwork@gmail.com

Coorganizadores: Filipe Santos e Rui Verde

A paz impossível no Leste do Congo e os interesses económicos do Ruanda

1-Sumário da situação no Leste do Congo. O papel do M23 e do Ruanda

Existe uma guerra desconhecida ou ignorada no Leste do Congo que poderá no médio-prazo ter impactos muito relevantes em toda a política de transição energética e uso de novas tecnologias no globo. Na atualidade, já tem um efeito devastador na zona. O jornal inglês The Guardian numa reportagem muito recente em que finalmente se aborda o tema, apresenta relatos de vítimas de uma violência impensável que pintam um quadro macabro da brutalidade que varre o país centro-africano [República Democrática do Congo-RDC] e pergunta: “Por quanto tempo o Ocidente está preparado para desviar o olhar?”[1]

A Angola e o Presidente João Lourenço têm-se empenhado em evitar uma escalada de violência e em garantir a paz. Se bem que a mediação angolana tenha evitado um confronto total e direto entre a República Democrática do Congo e o Ruanda, não tem conseguido trazer a paz.

Papel relevante em todo este processo tem o M23. O grupo rebelde M23 ganhou notoriedade há cerca de uma década, quando seus combatentes tomaram a cidade de Goma, a maior do leste do Congo. O nome “M23” vem do acordo de paz de 23 de março de 2009, que eles acusam o governo congolês de não implementar adequadamente. Nos últimos anos, o M23 ressurgiu e intensificou suas atividades, capturando territórios estratégicos e causando deslocações massivas de civis. A violência do grupo tem levado a uma crise humanitária grave, com milhares de pessoas sendo forçadas a abandonar as suas casas e vivendo em condições precárias[2].

A situação torna-se complicada pelo apoio que o M23 recebe de Ruanda, o que tem gerado tensões regionais e dificultado os esforços de paz. O governo congolês, liderado pelo presidente Félix Tshisekedi, tem-se recusado a negociar diretamente com o M23, classificando o grupo como terrorista e responsabilizando-o por imenso sofrimento e pela violação da soberania nacional.

A realidade é que o Ruanda está profundamente envolvido na promoção das atividades do M23 na RDC. Tal já foi comprovado por variados relatórios da ONU, o último dos quais apresentado em julho de 2024[3]. As tropas do Ruanda atuam sem disfarces no território do Leste congolês, com equipamento de combate completo. Imagens de drones confirmam colunas das suas tropas na RDC. Cerca de 4.000 tropas da Força de Defesa de Ruanda (RDF) estão no Congo a apoiar o M23.

Admite-se que exista um objetivo político por parte do Ruanda, que é obter uma parte desse território para si. Primeiro, desestabiliza, depois toma o controlo fáctico e numa fase posterior destaca esse território da RDC e torna-o um protetorado, estado-tampão ou mesmo parte integrante do Ruanda. Admite-se que utilize as técnicas russas que levaram à anexação da Crimeia.

Acresce que em muitos sectores norte-americanos existe a ideia que a RDC é demasiado grande para ser eficientemente governada de Kinshasa, havendo alguma simpatia por uma divisão do país, designadamente, como se fez no Sudão do Sul, em que a parte rica entra em secessão. O autor deste relatório participou num encontro da Chatham House em que esta posição americana foi desenvolvida e discutida, sem conclusões, mas ficou no ar….é uma hipótese de trabalho.

Refira-se a propósito que o Ruanda conta com o apoio, ou pelo menos benevolência de muitas potências ocidentais. A UE tem medo de interromper a cadeia de suprimentos se sancionasse Ruanda. Atualmente, a UE está a discutir um controverso acordo estratégico de minerais com Ruanda. Os críticos alertam que o acordo corre o risco de legitimar o contrabando de minerais de conflito da RDC. Além disso, o Ruanda “controla” o Ocidente ao “alavancar” o seu papel como terceiro maior contribuinte para missões de paz da ONU. Fontes diplomáticas alegam que Kigali ameaçou retirar tropas de manutenção da paz se graves sanções fossem aplicadas. Ruanda corteja Washington com a sua imagem de donors` darling, uma imagem reforçada pela contratação de empresas de RP e lobistas nos EUA e no Reino Unido[4]. A França, um dos maiores doadores bilaterais para Ruanda, é outro país que alguns acreditam ser muito próximo de Kagame (Presidente do Ruanda). Fontes apontam para o envio de tropas ruandesas para proteger instalações de gás de propriedade francesa em Moçambique o que cria uma “alavancagem sólida sobre Paris”. Nenhuma destas asserções é linear, apenas demonstra alguma ambiguidade que pode presidir à atuação Ocidental relativamente ao Leste da RDC e ao conflito aí vivido.

2-A questão fundamental dos interesses económicos

Apesar dos objetivos políticos do Ruanda, ligados à projeção de poder do país, prestígio e combate às forças da oposição que se encontram na RDC, há um facto-chave que aguça o interesse do Ruanda e provavelmente está ligado à sua sobrevivência enquanto país viável e sustentável, com altas taxas de crescimento.

O mais recente relatório do FMI[5] esclarece por detrás da linguagem técnica alguns dos paradoxos que afetam o Ruanda em termos económico-financeiros. Do ponto de vista estrutural, a economia do Ruanda é frágil e está sujeita a choques permanentes. O próprio governo do Ruanda reconhece que o espaço político que dispõe para avançar com os seus objetivos de desenvolvimento é limitado devido a choques recorrentes e sobrepostos. De 2015 a 2023, a dívida pública quase dobrou para 73,5% do PIB, por conta dos gastos para apoiar a agenda de desenvolvimento, mitigar o impacto da pandemia Covid-19 e das enchentes de maio de 2023. Ventos contrários da crescente fragmentação geopolítica, aperto das condições financeiras globais e consecutivas temporadas agrícolas fracas, principalmente por conta de condições climáticas adversas, pressionaram o nível das reservas internacionais. As enchentes devastadoras de maio de 2023 ampliaram ainda mais os desequilíbrios subjacentes, com custos de reconstrução projetados em cerca de US$ 451 milhões (3% do PIB) no período de 2023-2028. O recente surto da doença do vírus de Marburg (MVD) coloca mais pressão sobre os equilíbrios fiscais e o sistema de saúde. As pressões da balança de pagamento permanecem significativas no meio da fraqueza prolongada no desempenho das exportações e às altas importações de bens de capital e consumo.

Contudo, enquanto se depara com estes problemas, a economia do Ruanda cresce a um nível assinalável: 8,2% em 2023, 8,3% em 2024 e uma previsão de 7% para 2025. Trata-se de invejáveis taxas de crescimento do PIB. Consequentemente, as debilidades estruturais mencionadas não se refletem nas altíssimas taxas de crescimento do PIB.

O que se começa a vislumbrar é o papel de sustentabilidade do crescimento económico que a zona “invadida” pelo M23 da RDC tem para o Ruanda.

Em 2021, dados oficiais dos EUA mostraram que Ruanda fornecia 15% do suprimento global de tântalo, um derivado do minério de coltan, apesar de o Ruanda produzir apenas quantidades modestas de tântalo nas suas próprias minas. Os EUA compram tântalo de Ruanda no valor de 36% das suas (EUA) importações totais — a mais alta entre os produtores globais — em comparação com apenas 7% da RDC, o que é bizarro, uma vez que o tântalo existe em abundância na RDC e não no Ruanda.

Em março de 2023, o ministro das finanças da RDC, Nicolas Kazadi, afirmou que o seu país estava a perder quase US$ 1 mil milhões por ano em minerais contrabandeados ilegalmente para o Ruanda. O ministro asseverou que o Ruanda exportou perto de US$ 1 mil milhões em 2022 em ouro, estanho, tântalo e tungstênio, embora o país (Ruanda) tenha poucos depósitos minerais próprios.

Segundo um relatório da AMSTERDAM & PARTNERS LLP, firma de advogados de Washington DC[6], usado pelo governo da RDC para demandar a Apple instando-a a deixar de utilizar materiais provenientes da zona de conflito, o Ruanda usa uma rede internacional de entidades de elite para ajudar a contrabandear, vender e lucrar com os minerais da RDC que são transportados ao longo de rotas comerciais militarizadas. Kigali, alegadamente, recebeu cobertura institucional para comercializar esses minerais com a ajuda de um esquema de conformidade liderado pela indústria e empresas como a AVX Corporation, KEMET Corporation e Global Advanced Metals que fabricam componentes eletrónicos; essas empresas legitimariam, de acordo com o mesmo relatório, o contrabando comprando conscientemente minerais” lavados” pelo Ruanda. O relatório exemplifica com vários casos e situações concretas de atuação dentro da RDC e posteriormente no Ruanda, evidenciando os vários atores participantes.

Pode haver propositadamente um contexto de guerra provocado pelo Ruanda para obter ganhos económicos através da “lavagem” grandes quantidades de estanho, tungsténio, tântalo e ouro da RDC.

3-A fragilidade e corrupção na RDC

A fragilidade do Estado e a corrupção na República Democrática do Congo (RDC) são questões críticas que afetam profundamente o desenvolvimento e a estabilidade do país, e sobretudo a sua capacidade de reação aos problemas no Leste, e que impedem que qualquer solução se limite a apoiar sem mais a RDC. As instituições políticas na RDC são frequentemente tidas como fracas e ineficazes, o que compromete a boa governação e a implementação de políticas públicas. No caso das Forças Armadas, onde o gasto orçamental está a aumentar exponencialmente, existe a convicção que muitos desses gastos não vão para o treino e equipamento dos soldados[7], mas sim são desviados pelos responsáveis e intermediários, deixando o exército ineficaz, a que se alia uma falta de comando unificado na região de combate e a incapacidade de treino[8]. Até certo ponto, a guerra tornou-se um negócio lucrativo para responsáveis congoleses, quer através da compra de armamento, quer pela contratação de mercenários.

O próprio Presidente da República Tshisekedi e a sua família são acusados de estar mais empenhados em aumentar a sua fortuna do que em gerir o país de forma racional[9].

4-Paradoxos duma paz impossível e as várias hipóteses de trabalho

O Ruanda precisa do acesso aos minerais da zona de conflito do Leste do Congo para sustentar o seu crescimento económico. A RDC tem uma estrutura política ineficiente e alegadamente corrupta. Portanto, não há soluções ideais, e não se pode contar em demasia com a boa-fé dos contendores. Até certo ponto, ambos acabam por ter interesse num prolongamento do conflito, e este será o problema essencial. Qualquer solução será a do mal menor.

Como referido, existe sempre a possibilidade veiculada em certas esferas analíticas do Ocidente que é a separação/secessão da zona do Leste criando um novo estado que possivelmente ficaria sob a influência do Ruanda, ou pelo menos assinaria um acordo de comércio livre com Kigali (capital do Ruanda). Obviamente, que esta solução não agradaria a Kinshasa (capital da RDC).

Existe a hipótese de manter o Leste do Congo como parte integrante da RDC, mas dando-lhe um estatuto de autonomia mais alargada e permitindo que a zona integrasse uma área de comércio livre ou integração económica com o Ruanda.

Há ainda uma outra hipótese que exigiria uma intervenção militar de Angola no sentido de treinar e reforçar o exército da RDC, possivelmente com envolvimento dos Estados Unidos da América. Esta hipótese teria de ser acompanhada por reforma no sentido da boa governação na RDC e qualquer espécie de acordo económico com o Ruanda, sem o que não é possível garantir uma paz duradoura.


[1] https://www.theguardian.com/global-development/2024/dec/21/children-executed-and-women-raped-in-front-of-their-families-as-m23-militia-unleashes-fresh-terror-on-drc

[2] “Cansados desta guerra”: a violência do grupo M23 na República Democrática do Congo | Mundo | G1 e Rápida expansão do M23 na RD Congo preocupa líder da missão da ONU | ONU News

[3] Final Report of the UN Group of Experts on the Democratic Republic of Congo, https://documents.un.org/doc/undoc/gen/n24/118/80/pdf/n2411880.pdf

[4] https://www.theguardian.com/global-development/2024/dec/21/children-executed-and-women-raped-in-front-of-their-families-as-m23-militia-unleashes-fresh-terror-on-drc

[5] MF Country Report No. 24/341, Dezembro 2024, RWANDA December 2024. Fourth review under the policy coordination instrument, second and final review under the stand-by credit facility arrangement, fourth and final review under the arrangement under the resilience and sustainability facility, and request for the modification of end-June 2025 quantitative target for the policy coordination instrument—press release; staff report; and statement by the executive director for Rwanda.

[6] AMSTERDAM & PARTNERS LLP, BLOODMINERALS “everyone sees the massacres in eastern congo.but everyone is silent.” Washington DC|A pril2024 The laundering of drc’s3 t minerals by Rwanda and private entities.

[7] https://www.egmontinstitute.be/corruption-in-the-congolese-army-three-lessons-for-modern-democracies/

[8] https://afridesk.org/rdc-lever-letat-de-siege-au-profit-dune-zone-operationnelle-unique-biprovinciale/

[9] https://thegreatlakeseye.com/post?s=DRC%3A–Unmasking–Tshisekedi%E2%80%99s–failure–to–address–deep-seated–corruption–_1217; https://www.theguardian.com/global-development/2024/jan/02/how-many-more-must-suffer-in-drc-before-the-west-stops-enabling-tshisekedi

Biden em Angola: depois do adeus

Rumos e prospetivas para as relações Angola-EUA

A viagem

Cumprindo uma agenda com afabilidade e espírito de simpatia para Angola, Joe Biden, Presidente dos EUA em pleno exercício das suas funções até 20 de janeiro de 2025, abandonou o país na tarde de quarta-feira, 4 de Dezembro, depois duma visita a Luanda e a algumas estruturas do Corredor do Lobito.

Não é possível desvalorizar a importância histórica desta viagem que marca um realinhamento estrutural das relações entre Angola e os Estados Unidos. Foi de facto um momento histórico. Contudo, não se deve entender este como um momento singular em que todos os problemas angolanos serão resolvidos. É acima de tudo o culminar de uma fase inicial de um processo de aproximação e o arranque de uma nova fase do mesmo processo. É uma etapa numa marcha. Não é o fim, nem o princípio, mas o fim do princípio de uma aproximação, parafraseando Churchill.

A estratégia e o processo histórico de aproximação

Pode-se dizer que o processo de aproximação efetiva de Angola aos EUA começou com uma viagem de João Lourenço à China em setembro de 2018, um ano depois de tomar posse.[1]Nessa viagem, Lourenço, enquanto se confrontava com os cofres vazios em Luanda[2], percebia que já não podia contar com mais empréstimos avultados da China. A verdade é que a China acabara de emprestar cerca de 10 mil milhões de dólares em 2016, cujo destino em Angola não era claro, e percebera que uma boa parte do seu dinheiro tinha acabado em negócios corruptos, que aliás a levaram a prender Sam Pa, em 2015. Portanto, para a China este era um tempo de reavaliação do envolvimento financeiro com Luanda.

Depois disso, Lourenço adotou aquilo a que se pode chamar a “estratégia Sadat.[3]” Escolheu aproximar-se dos EUA, mesmo que estes estivessem focados noutros assuntos e desinteressados de Angola. Os resultados não foram imediatos. Lourenço foi insistindo e manifestando abertura. Aliás, agora Biden acentuou no seu discurso no Museu Nacional da Escravatura em Luanda, que foi Lourenço o responsável pelo avanço da relação com os EUA[4].

Obviamente, que o momento que alertou os EUA para a importância de Angola, surgiu a partir do esfriamento, iniciado ainda no primeiro mandato de Trump (2017-2012), com a China, em que os EUA perceberam que a China dominava a maior parte das matérias-primas fundamentais para o progresso tecnológico e a transição energética e que estas se encontravam em África. Depois disso, em 2022, o choque da invasão russa da Ucrânia, fez entender aos EUA que quase não tinham aliados em África e que tinham “perdido” o continente a favor da Rússia e da China.

Os EUA estavam à procura de aliados que lhes faltavam e de uma estratégia para África, quando Angola em outubro de 2022 surge na ONU a votar uma moção que condenava a Rússia e a sua invasão ucraniana, ao contrário da China e da maioria dos países africanos, entre os quais Moçambique, que se abstiveram[5]. O passo fundamental para e o realinhamento angolano tornava-se uma realidade. Depois disso, os EUA sentiram que podiam contar com Angola, que efetivamente se tinha descolado da Rússia e da China. Seguiu-se uma miríade de visitas de altos funcionários e a ida de João Lourenço à Casa Branca em novembro de 2023. O processo culmina nesta visita de Joe Biden a Luanda.

Resultados iniciais do processo de aproximação

Do ponto de vista financeiro, entretanto, segundo os dados mais recentes do BNA, o stock da dívida pública de Angola aos EUA teve um salto quantitativo de 755 milhões de dólares, uma insignificância em 2020 para 2.967 milhões de dólares em 2021, portanto, o ano do grande passo em frente de endividamento angolano face aos EUA, estimando-se que em 2024 alcance os 4.353 milhões de dólares. Obviamente, um valor significativamente abaixo da dívida chinesa que se estima em 2024 ser de 15.619 milhões de dólares, contudo, demonstrando uma aceleração da dívida americana[6]. Os dados do BNA não contêm elementos desagregados destes empréstimos que era bom conhecer, designadamente, a finalidade e as condições de pagamento. É importante haver transparência para não se repetirem os erros cometidos com os empréstimos da China.

No seu discurso de boas-vindas a Joe Biden a 3 de dezembro João Lourenço enunciou os principais contributos americanos relativamente a Angola[7].

Mencionou projetos de investimento público em curso com o financiamento do EXIMBANK americano, do CITI Capital e a Corporação Financeira de Desenvolvimento Internacional DFC, com empresas americanas como a SUN África, a Africell, a Mayfair Energy, a Acrow Bridge, e a GATES Air. Portanto, parece que o endividamento acima mencionado será para fazer face a estes projetos em parceria com as empresas americanas. A SUN África[8] dedica-se a painéis solares, a Africell a telecomunicações, a Mayfair Energy[9] é uma consultora de estruturação financeira de soluções para energia, a Acrow Bridge vende pontes modulares permanentes e temporárias para uso em locais de escavação, canteiros de obras, locais de perfuração e muito mais[10]. Finalmente, a GATES Air é uma fabricante americana de produtos eletrónicos que produz, comercializa e faz manutenção de equipamentos de transmissão de rádio e TV terrestre em todo o mundo[11]. Consequentemente, na sua essência temos duas linhas de investimentos americanos suportados por empréstimos, uma linha é a energia solar, outra as telecomunicações.

A projeção do soft-power

O ponto essencial do novo relacionamento entre Angola e Estados Unidos não é económico, embora este aspeto tenha óbvio relevo. Trata-se de algo mais abrangente e com impacto estratégico profundo, que é Angola funcionar como um fator de projeção do soft-power americano na África Central e Austral e também no Golfo da Guiné, garantindo a defesa dos interesses do Ocidente no continente, apartados duma perspetiva neo-colonial. Acima de tudo é isso que está em jogo. Trata-se de garantir o acesso ao hinterland africano, mantendo a sua estabilidade e a segurança das rotas marítimas, e evitando o completo domínio chinês e russo de África.

É por isso que João Lourenço começa o seu discurso de boas-vindas ao Presidente americano, não por aspetos económicos, mas por temas de defesa e segurança. Referiu o Presidente da República de Angola, que gostaria “de ver incrementada a cooperação no sector da Defesa e Segurança, no acesso às escolas e academias militares, no treino militar em Angola, realizar mais exercícios militares conjuntos, cooperar mais nos programas de segurança marítima para a protecção do Golfo da Guiné e do Atlântico Sul, assim como no programa de reequipamento e modernização das Forças Armadas Angolanas”[12].

A verdade é que os Estados Unidos e Angola têm estado a reforçar os seus laços de defesa através de iniciativas estratégicas e programas conjuntos destinados a robustecer a capacidade de Angola de manter a estabilidade dentro das suas fronteiras e contribuir para a paz regional. O país torna-se um parceiro indispensável na promoção da segurança regional e na abordagem dos desafios globais, desde a segurança marítima ao combate ao crime transnacional.

Em concreto, recentemente, em junho de 2024, houve a reunião inaugural do Comité Conjunto Angolano-EUA de Cooperação em Defesa (DEFCOM) que marcou um avanço significativo, com os dois países a assinarem um acordo para troca de bens e serviços logísticos entre os seus militares, colaborando em áreas críticas como a manutenção da paz, a defesa cibernética, a engenharia e o desenvolvimento da nascente guarda costeira de Angola. Em setembro de 2024, Angola aderiu ao Programa de Parceria de Estado (SPP) do Departamento de Defesa dos EUA, integrando ainda mais os seus esforços militares com os dos Estados Unidos. Com o DEFCOM e o SPP, Angola não só está a fortalecer a sua defesa nacional, mas também a tornar-se um modelo de segurança na África Subsaariana. Em termos de liderança regional, a inclusão de Angola na Parceria de Cooperação Atlântica (PCA) liderada pelos EUA destaca o seu papel estratégico na promoção de uma região atlântica segura e próspera.

Este afigura-se, na nossa visão, o ponto essencial desta nova relação. A consagração de Angola como o fator estratégico de estabilidade e acesso a África por parte de um Ocidente não neo-colonizador.

Neste sentido, e em termos práticos, aumenta a força de dissuasão de Angola para levar a paz à RDC. Na verdade, agora pode agir invocando o poder americano como subjacente à sua política de estabelecimento de paz, o que será importante para Paul Kagame, sobretudo, e também para Tshisekedi. O chamado “stick” americano pode ser mencionado por João Lourenço para obrigar à paz. Talvez por isso tenha agora sido marcada uma Cimeira para a Paz no Leste do Congo para o próximo dia 15 de dezembro, com a presença de João Lourenço, mediador designado pela União Africana, e dos chefes de Estado do Ruanda, Paul Kagame, e da RDCongo, Félix Tshisekedi[13].

O Corredor do Lobito: a primeira vitória americana

É possível que muitos discordem da prioridade dada neste texto aos aspetos estratégicos e de projeção de poder e apontem para o relevo que foi dado ao Corredor do Lobito na viagem presidencial americana. Esse relevo é um facto, mas representa um chamariz e a criação de um efeito de imagem.

O Corredor do Lobito é um conceito que assenta no antigo Caminho-de-Ferro de Benguela (CFB) que nos tempos coloniais foi das linhas férreas mais lucrativas do mundo. Depois, foi tornada inoperante durante a guerra civil angolana (1975-2002) e um dos principais projetos de reconstrução nacional apoiados e realizados pela China. A reabilitação do CFB ficou pronta com os comboios a circular entre 2015-2019. Ao mesmo tempo o porto do Lobito também foi remodelado e ficou operacional. Portanto, estamos a falar duma linha de caminho-de-ferro e de um porto que ligam a costa atlântica às zonas mineiras do Congo e da Zâmbia (esta última parte não está feita). Muito foi por estes dias escrito sobre o Corredor do Lobito, pelo que não vamos repetir.

O essencial a reter é o seguinte: originalmente este foi um projeto sustentado pela China, que se viu perante a competição norte-americana e não obteve a concessão do CFB e por isso abandonou o Porto do Lobito, onde já tinha obtido um lugar. Portanto, na prática tratou-se duma ambição chinesa que foi parar a mãos americanas. Este é o significado do Corredor do Lobito. Os EUA conseguiram-se sobrepor à China na exploração de um ativo estratégico.

No entanto, há duas questões a considerar. A primeira é que uma boa parte das minas de onde sairão as matérias-primas a ser transportadas está nas mãos da China. A título de exemplo, refira-se que as empresas chinesas controlam dois terços do cobalto na RDC.[14] Consequentemente, ou os americanos chegam a um qualquer tipo de acordo com as empresas chinesas para usar o Corredor do Lobito para garantir economias de escala ou usam a sua influência para afastar essas empresas e substituí-las por outras ligadas ao Ocidente. É um grande desafio pela frente.

A perspetiva angolana sobre o Corredor do Lobito é mais ampla e não o resume a um comboio e um barco, mas sim a uma via de comunicação que promova ao longo do seu caminho vários polos de desenvolvimento que permitam o escoamento dos produtos agrícolas angolanos, o estabelecimento de zonas de comércio e de centros integrados de desenvolvimento agroindustrial, no fundo um eixo de desenvolvimento. Possivelmente, uma boa parte dos anúncios de verbas americanas e europeias serão para essa lateralização do Corredor, como se parece inferir do anúncio da Casa Branca segundo o qual “iniciativa [Corredor do Lobito] também ajudaria a desenvolver as comunidades em torno da linha férrea, incluindo o fomento da agricultura e dos negócios em geral[15].

Muitos milhares de milhões já foram anunciados para este Corredor. Não é certo o que já efetivamente chegou ao terreno e foi aplicado e onde. Recentemente, foi explicado que a finalização da construção ainda demorará 3 a 5 anos.[16]Não se sabendo exatamente se tal finalização se refere ao ramal para a Zâmbia, ou alguma reabilitação da reabilitação chinesa.

No final de contas, o projeto ainda tem muitas incógnitas, duas delas dependendo da China, uma é o interesse das minas no uso do CFB, outra a existência de alternativas, construídas e exploradas pela China, que podem ser complementares ou excludentes.

Era manifestamente importante que o desenvolvimento do Corredor fosse acompanhado por mecanismos adequados de transparência para evitar erros do passado e que a IGAE criasse um departamento vocacionado para inspecionar todos os trabalhos em que haja intervenção do Estado angolano no Corredor do Lobito para garantir o cumprimento das boas práticas.

Intangíveis: o essencial da relação

Se a projeção de Angola como potência regional estabilizadora é um dos principais benefícios da relação como os EUA, se o Corredor do Lobito é um símbolo importante do retorno dos EUA a África e se ficam abertas oportunidades para investimento americano em Angola, acredita-se que a influência americana poderá ter maiores efeitos estruturantes a um nível essencial modificando a cultura política, empresarial e educacional angolana.

O convívio com as práticas e aproximação americanas bem como a imersão nos seus valores poderá embeber Angola num ambiente desafiante que promova mudanças a três níveis:

-Constitucionalismo e cultura democrática: Os Estados Unidos têm tido um papel fundamental no desenvolvimento do constitucionalismo e na promoção da cultura democrática mundial.  A Constituição dos EUA, adotada em 1787, uma das mais antigas ainda em vigor, serve como um modelo prático para muitos países que procuram equilibrar poderes e garantir direitos fundamentais. O conceito de separação de poderes entre Executivo, Legislativo e Judicial é central para prevenir abusos de poder e garantir um governo equilibrado. Os movimentos históricos nos EUA, como o Movimento dos Direitos Civis na década de 1960, destacam a importância da luta pela igualdade e inspiram movimentos de direitos humanos em todo o mundo. A democracia americana é amplamente estudada e discutida globalmente, e as suas instituições, como o Supremo Tribunal e princípios, como a liberdade de expressão, são referências em debates académicos e políticos internacionais. Embora, com sobressaltos variados, os EUA têm promovido a democracia através de sua política externa, apoiando transições democráticas e eleições livres em diversas regiões do mundo.

Todo este caldo cultural passa a ser estudado e mais vivido em Angola. Forçosamente terá influência no modo de pensar, agir e na exigência popular.

Refira-se como exemplo histórico em Portugal, o papel que os militares, que foram chamados “geração NATO” por terem ido estudar para os EUA a propósito da sua formação para a NATO, tiveram na democratização do país[17].

-Gestão eficiente e competição: Os Estados Unidos são pioneiros na promoção de uma gestão eficaz e de um ambiente competitivo nos negócios. Empresas americanas como General Electric e Apple são conhecidas pelos seus modelos inovadores de gestão que focam na eficiência operacional, inovação e liderança. Métodos como o Six Sigma e o Lean Manufacturing ganharam reconhecimento global. A integração da tecnologia na gestão, como o uso de software de planeamento de recursos empresariais (ERP) e sistemas de inteligência artificial, ajuda a otimizar processos e reduzir custos. Instituições como Harvard Business School e MIT oferecem programas de MBA e cursos de gestão que são considerados referências mundiais e formam líderes empresariais de diversas nações. O ambiente económico dos EUA é caracterizado pela livre concorrência e pela regulação que visa manter mercados justos e impedir monopólios. Silicon Valley é um epicentro de inovação tecnológica e empreendedorismo, onde startups competem e colaboram, criando um ecossistema vibrante que serve de modelo para outras regiões.

Espera-se que este espírito penetre no mundo empresarial angolano e transforme os seus mercados.

-Educação:  Dos Estados Unidos poderão vir respostas às carências no ensino angolano, quer à falta de estruturas no ensino básico, quer à falta de qualidade do ensino superior. Desde logo o incremento de plataformas online e MOOCs (Massive Open Online Courses) que oferecem oportunidades de aprendizagem acessíveis sem necessidade de investimentos impossíveis em edifícios, mas apenas em sistemas digitais. A ideia de escolha curricular, permitindo uma grande flexibilidade na escolha de disciplinas, deixando que os alunos personalizem seu percurso educativo de acordo com seus interesses e objetivos. O Investimento em I&D: As universidades americanas são líderes em investigação, muitas vezes com fundos significativos tanto do setor público quanto do privado. Tal oferece aos alunos oportunidades de participar de projetos inovadores e de ponta. Alguns programas podem ser alargados a Angola. Parcerias com a Indústria: Colaborações com empresas e instituições de pesquisa proporcionam experiência prática e aplicabilidade real das teorias aprendidas. Meritocracia: A competição saudável é incentivada, o que pode levar a altos padrões de desempenho académico e inovação.

Estes são exemplos de aspetos que podem ser explorados e trazidos dos EUA para tornar o sistema de ensino angolano mais eficiente e promissor.

Conclusão

Há um mundo novo que se abre a Angola com esta relação reforçada com os EUA. Agora haverá um certo intervalo até 20 de janeiro com a posse do Presidente Trump. Espera-se que a atitude americana se mantenha e que seja possível uma acomodação realista com a China. Quanto a Angola, o objetivo é que absorva as boas práticas e os bons exemplos e que, desta vez, não perca a oportunidade. Pode ser uma nova fase para Angola. O balanço desta viagem de Joe Biden não pode ser feito hoje, nem amanhã, apenas daqui a vários anos. Aguardemos a resposta do futuro.


[1] https://www.makaangola.org/?s=china%2Bjo%C3%A3o+louren%C3%A7o&tztc=1

[2] https://expresso.pt/politica/2018-11-21-Joao-Lourenco-em-entrevista-ao-Expresso-Sao-conhecidos-os-que-trairam-a-patria-8db1c6de

[3] Hernry Kissinger, Leadership, Allen Lane, 2022.

[4] https://www.facebook.com/PresidedaRepublica

[5] https://www.voaportugues.com/a/angola-vota-resolu%C3%A7%C3%A3o-da-onu-que-condena-r%C3%BAssia-mo%C3%A7ambique-abst%C3%A9m-se-/6787365.html

[6] https://www.bna.ao/#/pt/estatisticas/estatisticas-externas/dados-anuais

[7] https://www.facebook.com/PresidedaRepublica

[8] https://sunafrica.com/pt/

[9] https://www.mayfairenergyadvisory.com/

[10] https://www.eiffeltrading.com/blog/post/what-is-an-acrow-bridge

[11] https://www.gatesair.com/

[12] https://www.facebook.com/PresidedaRepublica

[13] https://observador.pt/2024/12/02/luanda-acolhe-este-mes-nova-cimeira-tripartida-para-solucionar-conflito-na-republica-democratica-do-congo/

[14] https://pontofinal-macau.com/2024/10/29/dominio-chines-no-congo-altera-planos-para-diversificar-acesso-a-minerais-criticos-diz-estudo/

[15] https://angola24horas.com/angola-24-horas-noticias/item/30961-em-angola-biden-prometeu-investir-diferente-da-china

[16] https://www.angonoticias.com/Artigos/item/78775/corredor-do-lobito-demora-no-minimo-5-anos-a-ficar-concluido

[17] Pedro Aires Oliveira e João Viera Borges. Crepúsculo do Império — Portugal e as guerras de descolonização, Bertrand, 2024.

Perspectiva de Visita Joe Biden a Angola  

João ShangInvestigador Associado ao CEDESA (área China-África)

O ex-secretário de estado dos Estados Unidos, Henry Kissinger, disse que ser inimigo dos EUA é perigoso, mas ser amigo é fatal!

No século XXI, a relação bilateral entre a China e os Estados Unidos é uma das relações mais importantes. Por conseguinte, a China expressa boa vontade aos Estados Unidos através de vários canais, na esperança de se sentar e conversar calmamente. No entanto, a base para a cooperação deve ser a equidade e a justiça, especialmente quando se trata dos interesses fundamentais da China, que não podem ser provocados pelos Estados Unidos.

Numa perspectiva pessimista, a China e os Estados Unidos poderão nunca ser bons amigos, mas podem evitar tornar-se inimigos. Na ausência de confiança, a China e os Estados Unidos podem levar a cabo o diálogo e a cooperação em áreas como o ciberespaço, o espaço exterior e a inteligência artificial. As empresas chinesas estão dispostas a cooperar com as empresas americanas. Por isso, quando o governo dos EUA promulgou uma série de sanções às empresas chinesas, as empresas chinesas procuraram os melhores modelos de evasão, como a transferência das suas empresas para países do Sudeste Asiático e países da América do Sul.

O mercado dos EUA tem um enorme potencial de consumo. Sendo a China a fábrica mundial, é natural que muitos produtos manufaturados sejam destinados aos Estados Unidos, sobretudo, para as pessoas de classe média e baixa. Ao mesmo tempo que se consegue a redução das despesas domésticas, são também satisfeitas todas as necessidades de procura. Por exemplo, nos últimos anos, os triciclos elétricos produzidos na China têm sido vendidos em grandes quantidades nos Estados Unidos. A cooperação win-win é a primeira escolha da China.

Na relação comercial sino-americana, as sanções comerciais dos EUA representam um grande desafio para a China, especialmente a ameaça de Trump de impor tarifas até 60%, o que pode prejudicar gravemente as exportações da China para os Estados Unidos.

No entanto, a China tem uma variedade de respostas.

O primeiro é o método do “banho de caranguejo peludo”, que transporta mercadorias chinesas para outros países, como o México, o Vietname, a Índia, etc., e depois as vende aos Estados Unidos em nome desse país.

Adicionalmente há método de “mudança”, que passa pela instalação de fábricas de montagem noutros países, pelo transporte de peças e componentes chineses para lá, para a sua montagem e venda aos Estados Unidos. No entanto, estes dois métodos têm desvantagens e os Estados Unidos podem impor sanções aos países de trânsito relevantes.

Contudo, as sanções ficam muitas vezes atrás das nossas ações.

Outra forma é aproveitar a insubstituibilidade dos bens. Quando os produtos chineses não podem entrar nos Estados Unidos direta ou indiretamente devido a tarifas, e os Estados Unidos precisam dos produtos e outros países têm capacidade de produção insuficiente, podem vender os produtos aos Estados Unidos e depois utilizar os fundos ganhos para importá-los da China, como acontece com as toalhas de papel.

Esta abordagem está em conformidade com a lei dos EUA e torna difícil para o Presidente Trump encontrar uma razão para sanções.

A terceira opção é ir diretamente aos Estados Unidos para construir uma fábrica, como foi o caso da CATL. Embora isto possa parecer uma saída de produção chinesa, a longo prazo, se a China quiser abraçar o mundo, terá de “sair” e “convidar a entrar”. No passado, os Estados Unidos recusaram investimentos de empresas chinesas. Se abrirem as portas agora, as empresas chinesas podem aproveitar a oportunidade, mas também precisam de pesar os prós e os contras.

Uma quarta opção poderia passar pela ajuda de “amigos internacionais”, neste caso contrabandistas internacionais. As tarifas elevadas promoverão o contrabando. Embora a China não participe, o contrabando internacional é difícil de controlar. Do ponto de vista da manutenção da justiça no comércio internacional, se os Estados Unidos o permitirem, as alfândegas chinesas podem até ajudar na aplicação da lei, mas esta é apenas uma suposição extrema porque a China não encorajará tal comportamento de violação de regras.

O quinto tipo é a expansão dos mercados internacionais para fora dos Estados Unidos. Se as sanções dos EUA bloquearem algumas exportações para os EUA, poderemos trabalhar arduamente para aumentar as vendas noutros mercados internacionais. As sanções dos EUA podem estimular a China a expandir-se para novos mercados, tal como as restrições dos EUA às exportações de chips incentivam a China a desenvolver investigação e desenvolvimento independentes.

A sexta e mais importante forma é melhorar a qualidade do produto e reduzir os custos. Mesmo que os Estados Unidos imponham tarifas elevadas, se o produto for suficientemente rentável, poderá ainda obter lucro no mercado dos EUA. Por exemplo, os painéis solares chineses mantiveram a competitividade internacional ao reduzir o custo do polissilício face aos elevados direitos antidumping nos Estados Unidos. A repressão por parte dos Estados Unidos tornou-se uma das forças motrizes para a China lutar pela força e confirma também o princípio de “nascer da preocupação”, que promoverá o aumento da China nos desafios comerciais.

A China está a adoptar uma variedade de estratégias diplomáticas e económicas para reforçar as relações com os países parceiros, que incluem principalmente os seguintes aspectos:

Promover a integração das empresas nas cadeias industriais e de abastecimento internacionais: a China orienta ativamente as empresas para a integração nas cadeias industriais e de abastecimento internacionais, incentiva as empresas multinacionais a criarem centros de I&D, plataformas piloto e bases de produção na China, promove a cooperação inovadora entre empresas de alta tecnologia e aumenta a internacionalização do nível operacional das empresas nacionais. Ao mesmo tempo, através do investimento estrangeiro e do estabelecimento de fábricas, do licenciamento de tecnologia, etc., reforçaremos a cooperação com empresas estrangeiras, construiremos várias plataformas e orientamos as pequenas e médias empresas a integrarem-se activamente no mercado global.

Melhorar a reputação das marcas Made in China: A China concentra-se em melhorar a imagem da marca “Fabricado da China”, melhorar a qualidade do produto através do design industrial, apoiar as empresas na melhoria da logística global e dos sistemas de serviços e melhorar a sua capacidade de servir os consumidores globais. Intensificando a proteção da marca e manter a imagem das marcas fabricadas na China atualmente, 72 empresas entraram na lista das 500 principais marcas do mundo.

Desenvolver o comércio digital e o comércio verde: a China desenvolve vigorosamente o comércio digital e o comércio verde, aproveita as oportunidades da nova ronda de revolução tecnológica e transformação industrial, reforça os intercâmbios e a cooperação em domínios de ponta como a inteligência artificial, a informação quântica e a vida e saúde e promove o salto da produtividade na região da Ásia-Pacífico. Ao mesmo tempo, devemos aderir à prioridade ecológica, ao desenvolvimento verde e de baixo carbono, e promover a transformação e o desenvolvimento colaborativo digital e verde.

Reforçar a cooperação multilateral: A China participa ativamente na reforma e construção do sistema de governação global e promove a construção de uma comunidade com um futuro partilhado para a humanidade. Expandir a diplomacia multilateral, reforçar a cooperação com as Nações Unidas, resolver disputas regionais e manter a paz mundial. Participar extensivamente em actividades multilaterais nos domínios económico e social e desempenhar um papel activo em questões globais como o ambiente, a alimentação e a prevenção da criminalidade.

Aprofundar a cooperação com países específicos: A China assinou protocolos de atualização do acordo de comércio livre com o Peru e outros países para promover a facilitação do comércio e do investimento, reforçar a inspeção aduaneira e a cooperação em quarentena e aumentar o comércio de produtos de elevado valor acrescentado. As duas partes acordaram ainda reforçar a cooperação na economia digital, na inovação tecnológica e noutros domínios.

Perspectiva sobre corredor de Lobito 

Se a China sair de Angola, Angola perderá o seu valor de uso e os Estados Unidos sairão em breve de Angola. O ex-secretário de estado dos Estados Unidos, Henry Kissinger disse que ser inimigo dos EUA é perigoso, mas ser amigo é fatal!

Na primeira parte, a China está satisfeita pelo investimento dos EUA em Angola, o mercado Angola está com grande espaço para todos os investidores. O Corredor Lobito é um bom projeto para o desenvolvimento de Angola é muito importante, mas parece-me que não é o projeto mais importante em Angola, resolver o combate à pobreza e fome é o primeiro trabalho do governo.

O Corredor Lobito é máxima prioridade dada a esta ligação ferroviária que atravessa Angola, desde o porto do Lobito até à República Democrática do Congo e à Zâmbia. Mas, agora no Congo e na Zâmbia há muitas empresas chinesas a investir no sector das minas, os donos das minas são empresários chineses. Por isso, caso os EUA concretizassem o investimento, na realidade ajudavam as empresas chinesas. Mas, agora o caminho de ferro do Corredor de Lobito só chega ao limite de Angola, não conseguindo chegar à Zâmbia, por isso agora os empresários zambianos transportam as minas para a cidade de Durban na África do Sul. Eles já têm uma opção fácil para exportar as minas para fora de África através do Corredor de Lobito, não é a única opção deles.  

A razão pela qual os Estados Unidos estão agora a reforçar a sua cooperação com Angola é porque os Estados Unidos querem encontrar o seu próprio porta-voz na África Austral, e obter mais apoio e suporte.

Nesta altura, o governo angolano quer agradar ao governo dos EUA e substituir a posição da África do Sul.

O modelo de cooperação entre a China e Angola foi em tempos o modelo de cooperação mais bem-sucedido, embora tenha sido atacado e caluniado pelos meios de comunicação ocidentais. Afinal, a infra-estrutura interna de Angola sofreu tremendas alterações.

Os Estados Unidos estão próximos do governo angolano, o que pode significar prejudicar a relação entre a China e Angola. No entanto, se um dia os investidores chineses abandonarem Angola, Angola perderá o seu valor de uso e o governo dos EUA abandonará imediatamente Angola. Por isso, o governo angolano precisa de reexaminar as suas relações com os Estados Unidos e a China.

O Espaço continental é bem grande, onde cabem os EUA, Europa e China.  

Atualmente, os EUA querem investir em Angola, por isso alguns jornalistas ocidentais pensam que a China já perdeu a capacidade em Angola, mas a realidade não é essa.

Em Angola há mais de 4000 empresas chinesas, criámos mais 300 mil empregos para angolanos, só Luanda tem 13 mercados chineses, cria mais 200 empregos, muitas senhoras compram as mercadorias e revendem na praça, as “mamãs” podem conseguir os lucros para a vida, pelo contrário, quantos empregos foram criados por empresas americanas? Inclusive, a maioria das empresas americanas não investe em Angola, e só exploram os recursos minerais, alugam a casas e escritórios, nunca compram, significa que os empresários americanos não apoiam o PIB angolano.

A visita de Biden tem mais significado simbólico do que prático. Acredita-se mesmo que a visita de Biden terá um impacto negativo nas futuras relações bilaterais entre Angola e os Estados Unidos. Dado que o mandato do Presidente Biden terminará em Janeiro do próximo ano, dentro de apenas um mês, será difícil para os Estados Unidos obter benefícios práticos para o governo e para o povo angolano. Como inimigo de Biden, Trump optará por alienar deliberadamente o governo angolano. Existe um provérbio chinês que diz que o amigo do inimigo é o inimigo.

Numa perspectiva prática, o governo dos EUA e as empresas dos EUA não têm projectos de investimento de qualquer significado prático em Angola. Porque as empresas americanas estão principalmente envolvidas na extração de petróleo e na extração de diamantes em Angola. Será difícil proporcionar mais empregos à população local, o que é uma das razões pelas quais raramente se vêem americanos em Angola.

Portanto, numa perspectiva de longo prazo, o investimento das empresas chinesas em Angola nada tem a ver com o governo dos EUA e com Angola. O governo e as empresas chinesas estão separados e o governo não participa no investimento e gestão diária das empresas privadas. Portanto, mesmo que o governo angolano desista da cooperação com a China, as empresas chinesas continuarão a investir e a operar em Angola.

Como investigador da CEDESA, sinto que o governo e as empresas dos EUA não farão investimentos substanciais em Angola, porque os seus interesses não estão de todo em Angola.

Na era Trump, não creio que seja possível os Estados Unidos investirem em Angola, pelo que não há necessidade de responder às questões acima. Angola poderá ser apenas um peão dos Estados Unidos, não um parceiro.

 Amizade da China e Africa é Longo caminho  

A amizade da China e Africa remonta à época de 70 do século passado. Atualmente a China tem 53 parceiros africanos, por isso não depende de Angola ou EUA. Desde o dia 1 de dezembro, 38 países africanos exportam as mercadorias para a China com isenção de imposto, por isso o futuro da relação da China e Africa é muito grande, os africanos precisam da China, a China também necessita de África, isso é verdadeira cooperação, não como os EUA que no continente africano surgem com uma mão com um dólar e outra mão com um pau. A China só quer cooperar com os africanos, por isso ganhamos confiança dos africanos.

O investimento da China em África centra-se principalmente na indústria transformadora, nas infra-estruturas, nos parques industriais e no comércio, bem como em novas áreas, como a medicina e os cuidados de saúde, os transportes e a logística, o comércio electrónico e o processamento de produtos agrícolas. Nos últimos anos, o investimento da China em África tem apresentado uma tendência diversificada, não só envolvendo os campos tradicionais, mas também se expandindo para as indústrias emergentes.

Sector Industrial

A indústria transformadora é uma das áreas-chave tradicionais para as empresas chinesas investirem em África. Através do investimento orientado para o mercado, as empresas chinesas participam activamente na construção do sistema industrial de África e promovem o processo de industrialização de África. Por exemplo, investe em projetos rodoviários, ferroviários, portuários e outros, e introduz tecnologia avançada e experiência de gestão no domínio da produção para ajudar as empresas africanas a melhorar a eficiência da produção e a qualidade dos produtos.

Infraestrutura

O investimento em infra-estruturas é também uma importante direcção de investimento para as empresas chinesas em África. Ao investir em estradas, caminhos-de-ferro, portos e outros projetos, as empresas chinesas não só promoveram a construção de infra-estruturas em África, como também prestaram um forte apoio ao desenvolvimento económico local.

Parques Industriais e Comércio

As empresas chinesas têm também investimentos significativos em parques industriais e setores comerciais africanos. Estes investimentos, não só promovem o processo de industrialização local, como também proporcionam às empresas chinesas um amplo mercado e espaço de desenvolvimento.

Áreas emergentes

Com o desenvolvimento da economia africana, os campos de investimento das empresas chinesas estão também em constante expansão. Atualmente, o investimento das empresas chinesas em África expandiu-se da produção e infra-estruturas tradicionais para áreas emergentes, como o processamento de produtos agrícolas, transporte e logística, e comércio electrónico. Estes campos têm um grande potencial de desenvolvimento em África e tornaram-se novos centros de investimento para as empresas chinesas.

Notícia CEDESA

Decorreu no dia 21 de Novembro no Pestana Palace em Lisboa, o Jantar-Debate de início das comemorações dos 50 anos da Independência de Angola, organizado conjuntamente pela ACNAE e pelo CEDESA.

Estiveram presentes académicos, jornalistas e empresários com ligações a Angola, um conjunto diverso de personalidades que debateu de forma viva e livre o tema, sem facciosismos e de maneira construtiva.

Tivemos o PCA da maior empresa química de Portugal que moderou o debate, vários antigos deputados, jornalistas da LUSA, DN, Jornal de Negócios e TPA, professores em universidades portuguesas e estrangeiras.

Foi distribuído o Livro de Actas do III Congresso de Angolanística (Junho de 2024)

Notou-se um forte interesse em Angola.

As presenças foram mais ricas e oportunas.

A vitória de Trump e Angola (análise rápida)

As expectativas e imprevisibilidade de Donald Trump

Para qualquer observador da política angolana pareceu haver um certo alinhamento doméstico em termos de simpatias relativamente às eleições americanas. Ou dito mais expressamente, uma esperança dos sectores antagónicos a João Lourenço numa vitória de Donald Trump, na expectativa que este repetisse a política do seu primeiro mandato de desinteresse em África e logo de arrefecimento com Angola.

Agora que a vitória se consumou, é importante tentar perceber o que se poderá ou não passar, uma vez que está em jogo o novo alinhamento estratégico de Angola com os EUA que, de certa forma, equilibrou a balança de poder no continente africano e igualmente, em concreto, relançou o Corredor do Lobito, projecto abraçado intensamente pelo Presidente Joe Biden.

Obviamente, que antes de 20 de janeiro de 2025 tudo será demasiado especulativo, e, sobretudo, tratando-se de Trump, a imprevisibilidade tem um lugar cimeiro.

Mesmo assim, tem havido suficientes sinais que podem indiciar que, afinal, a atitude de Trump em relação a Angola não será assim tão diferente da política de Joe Biden.

A competição e contenção da China

A primeira razão para a permanência da política é a China. Do ponto de vista geoestratégico a situação atual (2024) é extremamente diferente daquela do primeiro mandato de Trump (2017-2021), designadamente naquilo que diz respeito à competição ou contenção da China, que, lembre-se foi iniciada como tendência estrutural da política externa norte-americana, precisamente, por Donald Trump. A coletânea de discursos de Trump sobre a China nesse mandato “TRUMP ON CHINA • PUTTING AMERICA FIRST” é expressa na sua introdução ao afirmar:

“For decades, Donald J. Trump was one of the few prominent Americans to recognize the true nature of the Chinese Communist Party and its threat to America’s economic and political way of life. Now, under President Trump’s leadership, the United States is taking action to protect our nation and its partners from an increasingly assertive China. We are no longer turning a blind eye to the People’s Republic of China’s conduct nor are we hiding our criticism of its Communist Party behind closed doors”.[1]

(Durante décadas, Donald J. Trump foi um dos poucos americanos proeminentes a reconhecer a verdadeira natureza do Partido Comunista Chinês e a sua ameaça ao modo de vida económico e político dos Estados Unidos. Agora, sob a liderança do presidente Trump, os Estados Unidos estão a tomar medidas para proteger a nossa nação e seus parceiros de uma China cada vez mais assertiva. Não estamos mais a fechar os olhos à conduta da República Popular da China nem a esconder as nossas críticas ao seu Partido Comunista a portas fechadas.)

É neste sentido que alguns dos mais destacados colaboradores de Trump se têm pronunciado. Tibor Nagy, ex-secretário assistente de Estado para Assuntos Africanos de Trump e ex-embaixador na Guiné e Etiópia, insiste que Trump foi o primeiro a aumentar a consciencialização sobre a enorme ameaça que a China representa para os interesses dos EUA na África, e afirma expressamente: “Vocês verão novamente um combate agressivo à influência chinesa na África[2]“.

Admite-se que o foco dessa abordagem transacional, típica de Trump, será começar a bloquear as cadeias de suprimentos para minerais essenciais na África usados ​​para baterias de energia verde usadas em veículos elétricos e telefones. Assim declara o embaixador J. Peter Pham, ex-enviado especial dos EUA para a região do Sahel na África sob Trump,  “Não há como negar que o acesso aos muitos minerais críticos que a África tem em grande abundância é necessário para a economia americana hoje, bem como para as tecnologias que nos levarão ao futuro” e “Além disso, a monopolização das cadeias de suprimentos para esses recursos estratégicos por qualquer país, muito menos uma potência revisionista como a China, é uma ameaça à segurança dos EUA.”

Este sentido geoestratégico de África em que se enquadra Angola é reforçado pela chamado Projeto 2025, uma espécie de doutrina paralela dos ideólogos Trumpistas, de que este se afastou nalguns aspetos, mas não em relação a África. Escreve Kiron K. Skinner nesse documento que o crescimento populacional explosivo da África, grandes reservas de minerais dependentes da indústria, proximidade com as principais rotas de transporte marítimo e o seu poder diplomático coletivo garantem a importância global do continente[3].

A verdade é que uma área da abordagem Biden-Harris que não foi criticada pelos republicanos é  o Corredor de Lobito, o projeto multibilionário de infraestrutura de logística e comunicações que conecta o Porto de Lobito em Angola às minas de minerais essenciais da Zâmbia e da República Democrática do Congo. Observadores americanos de África veem o projeto como um modelo a ser construído ou replicado, principalmente com o objetivo de retomar algum controlo das cadeias de suprimentos de minerais essenciais da China[4].

Portanto, o que resulta duma primeira análise dos pronunciamentos dos aliados de Trump e dos seus próprios interesses e postura em relação à China, é que Angola e o seu Corredor do Lobito ocupam um lugar destacado, e por isso, mantendo-se a atenção de Trump à China, a África e especialmente Angola estarão num nível superior das opções estratégicas EUA, i.e., manter-se-á o interesse norte-americano em Angola.

Oportunidades de negócio

Um segundo aspecto, é o relevo que Trump dá aos números e oportunidades de negócio. É provável, que desta vez, pensando em África e Angola, veja números refletindo o movimento massivo de jovens no continente e de oportunidades para negócios norte-americano. Não é segredo que João Lourenço, ainda que com um sucesso modesto, tem tentado abrir Angola aos negócios mundiais, tornando o país um local apetecível para o investimento externo. É uma longa caminhada. Contudo, Trump poderá ver aqui um mercado para as exportações norte-americanas, como Biden já viu ao nível das telecomunicações e energia solar[5].

Conclusões

Com toda a prudência que a imprevisibilidade de Trump aconselha, bem como o seu desprezo anterior pelo continente africano demonstrou, não se deve antecipar que venha a existir um esfriamento na aproximação entre Angola e os Estados Unidos após 20 de Janeiro de 2025.

Na verdade, o que tem estado em causa da parte dos EUA não é qualquer amizade ou relação pessoal de Joe Biden com João Lourenço, mas o interesse americano estratégico em contrabalançar a China e garantir acesso a minerais fundamentais, bem como a exploração de negócios rentáveis para uma economia madura como a dos EUA.

Nesses termos, os EUA, muito provavelmente manterão um interesse claro em África e Angola, ao contrário do que aconteceu no primeiro mandato de Trump. O que está em causa é uma tendência estrutural da política externa norte-americana, que dependerá menos dos seus atores e mais dos seus interesses.


[1] https://trumpwhitehouse.archives.gov/wp-content/uploads/2020/11/Trump-on-China-Putting-America-First.pdf

[2] https://www.semafor.com/article/11/01/2024/trumps-africa-plans-take-pragmatic-turn-for-election

[3] https://static.project2025.org/2025_MandateForLeadership_CHAPTER-06.pdf

[4] https://www.semafor.com/article/11/01/2024/trumps-africa-plans-take-pragmatic-turn-for-election

[5] https://www.atlanticcouncil.org/blogs/africasource/what-africa-can-expect-under-a-second-trump-administration-a-focus-on-the-numbers/

A nova estratégia chinesa para Angola


Em Novembro de 2010, a China e Angola estabeleceram uma parceria estratégica.

No dia 15 de Março de 2024, os dois chefes de Estado (Xi Jinping e João Lourenço) anunciaram que iriam melhorar as relações China-Angola, promovendo uma parceria estratégica abrangente.

Apesar de alguns problemas, as relações de Angola e China sempre evoluem positivamente. Desde 2002, a cooperação política e as trocas comerciais dos dois países já alcançaram o auge. Mas no caso da cooperação e intercâmbio na área da cultura e educação ainda é necessário trabalhar em conjunto.

Em 41 anos desde o estabelecimento de relações diplomáticas, a relação entre os dois países tornou-se um exemplo de cooperação amistosa Sul-Sul. A profunda amizade China-Angola tem a origem na árdua luta dos dois povos para alcançar a libertação nacional. Os dois lados são naturalmente bons parceiros e bons irmãos.

A China adere sempre ao respeito mútuo e à igualdade de tratamento. Nunca atribui condições políticas à cooperação e nunca interfere nos assuntos internos de Angola. Os dois países sempre se ajudaram um ao outro, apoiando-se mutuamente em questões relativas aos interesses fundamentais e preocupações principais, salvaguardando conjuntamente o sistema internacional e multilateralismo com a ONU como o centro.

Estabelecemos um exemplo de benefício mútuo e de cooperação vantajosa para todos entre a China e África. A cooperação pragmática China-Angola tem sido continuamente desenvolvida e consolidada.

Tenho o prazer de vos dizer que a China é campeã da cooperação com Angola em vários sectores, como por exemplo, o maior parceiro económico e comercial, o maior importador dos produtos angolanos, e a principal fonte de investimento para Angola. Estabelecemos um exemplo de amizade entre os povos China-Angola. A China tem apoiado activamente o desenvolvimento de Angola e fornecido assistência através de vários projectos de doação, tais como o CINFOTEC Huambo, o Hospital Geral de Luanda, o Centro de Demonstração de Tecnologias Agrícolas no Mazozo, e Academia Diplomática Venâncio de Moura. O Instituto Confúcio da Universidade de Agostinho Neto e outras instituições de ensino de língua chinesa deram asas à cooperação sino-angolana, cada vez mais filmes e produtos culturais chineses e grupos de arte entraram em Angola, e as obras literárias dos escritores angolanos foram traduzidos na China, ajudando os povos de ambos os países a compreender melhor a história e cultura um do outro.

Em 2023, os intercâmbios de alto nível entre a China e Angola foram frequentes e estreitos enquanto a interação de todos os níveis floresceu. Visitaram Angola, o Ministro dos Negócios Estrangeiros da China, o Ministro do Comércio da China, o Cda. Yin Li, membro do Bureau Político do Comité Central do Partido Comunista e Secretário do Comité Municipal de Beijing do Partido, a Cda. Su Hui, Vice-Presidente da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês e Presidente do comitê central da Liga de Autonomia Democrática de Taiwan. Uma delegação da Assembleia Popular Nacional veio a Angola participar na 147ª Assembleia da UIP. Diversas delegações de alto nível de partido e do governo central e local deslocaram-se à China, incluindo a delegação do Ministro da Indústria e Comércio de Angola para a terceira edição da Exposição Económica e Comercial China-África e a delegação do Ministro da Energia e Águas à terceira edição do Fórum Cinturão e Rota para Cooperação Internacional. O Ministro das Relações Exteriores de Angola visitou a China com sucesso. A província de Shandong da China e a província do Bengo de Angola assinaram uma carta de intenções de cooperação.

A comunicação estratégica entre a China e Angola está a aproximar-se cada vez mais, a amizade está a aprofundar-se e a cooperação e os intercâmbios em vários domínios ganharam um novo fôlego. Até agora há mais 12 obras literárias angolanas traduzidas por mim, por exemplo, Estórias do Musseque,UANGA, Nga Mutúri,Luuanda, A Montanha da água lilás, Que Me Dera Ser Ondas, A Morte do Velho Kipacaça, Bola com Feitiço, A Dívida da Pexeira,O Principe Merdroso ,Undengue, Uma vida sem trégua.

Através das obras traduzidas em mandarim, o povo chinês começa a conhecer Angola. Ao mesmo tempo, a promoção do turismo angolano pode atrair mais turistas chineses.

Em 2023, registaram-se muitas novidades boas para a cooperação pragmática China-Angola. O volume anual de comércio bilateral atingiu 23,05 mil milhões de dólares americanos. Angola voltou a ser o segundo maior parceiro comercial da China em África. Foi realizada com sucesso a segunda Reunião da Comissão Orientadora de Cooperação Económica e Comercial China-Angola e foi assinado o Acordo entre a China e Angola sobre Promoção e Protecção Recíproca de Investimentos. Os grandes projectos de cooperação China-Angola em matéria de infra-estruturas tiveram progressos. O Aproveitamento Hidroeléctrico de Caculo Cabaça concluiu a primeira fase do desvio provisório do rio Kwanza. Foram inaugurados o Novo Aeroporto Internacional de Luanda e o Aproveitamento Hidroeléctrico de Luachimo. Foi oficialmente entregue ao governo angolano o CINFOTEC Huambo oferecido pela China. Estão a avançar de forma constante o Novo Porto do Caio, o Projeto Nacional de Banda Larga de Angola e a Refinaria do Lobito. Continua a expandir-se a cooperação China-Angola nos sectores da energia e da exploração mineira, da indústria transformadora, da agricultura e das pescas, os projectos de investimento têm vindo a ser lançados sucessivamente, apoiando Angola a atingir o objetivo da diversificação económica.

Em 2023, os intercâmbios culturais entre a China e Angola foram vibrantes. O “Dia da Amizade China-Angola” foi comemorado com grande sucesso. Jornalistas, académicos e jovens talentos de Angola visitaram a China para intercâmbios amigáveis. O Concurso de Proficiência em Língua Chinesa “Chinese Bridge” e o Concurso de Leitura das Obras Clássicas Chinesas foram realizados em Angola. O Instituto Confúcio na Universidade Agostinho Neto e a Academia Diplomática Venâncio de Moura abriram juntos cursos de língua chinesa. Dezenas de amigos angolanos ganharam prémios na série de concursos de fotografia e de vídeos curtos #ChinAnGood. Milhares de pessoas participaram no 2º Ciclo de Cinema Chinês. A Embaixada da China em Angola, em parceria com a Universidade Católica de Angola, organizou uma Conferência focada no desenvolvimento, onde académicos dos dois Países trocaram ideias, contribuindo com sua sabedoria para o desenvolvimento e cooperação dos nossos Países. É com muita satisfação que verificamos que o entusiasmo pela língua e cultura chinesas continua a crescer na sociedade angolana, especialmente entre os jovens.

É de salientar que o desenvolvimento da pátria e do aprofundamento das relações China-Angola não se separam do trabalho árduo das empresas e instituições chinesas e dos chineses residentes em Angola. Temos notado que perante a atividade separatista em busca da “independência de Taiwan”, os compatriotas chineses em Angola emitiram na primeira hora declarações de condenação, reforçando a voz internacional ao apoio da unificação da China. Temos notado que sob o calor escaldante do sol, os construtores chineses insistem em lutar nas obras para promover a inauguração e funcionamento dos projectos de cooperação China-Angola com benefícios para a comunidade local. Temos notado que aquando das chuvas fortes em Angola, as empresas chinesas e as organizações chinesas providenciaram voluntariamente centros de alojamento e doações para ajudar a comunidade afectada. Temos notado que apesar da diferença de cor de pele e de língua, os nossos compatriotas e os angolanos são capazes de se relacionar uns com os outros e de criar laços fraternos e fraternais.

A China seguiu inabalavelmente o caminho do desenvolvimento pacífico, ativamente se abrindo ao mundo e à participando na governação global. Desafiada pela interrogação histórica de “que tipo de mundo construiremos e como o construiremos”, a China propôs o importante conceito de construir uma comunidade com futuro compartilhado para a humanidade e levantou a Iniciativa para o Desenvolvimento Global, a Iniciativa para a Segurança Global e a Iniciativa para a Civilização Global. A China dá as mãos com mais de três quartos dos países do mundo para construir em conjunto o “Cinturão e Rota”. Apela à multipolaridade global equitativa e ordenada e à globalização económica que beneficie todos, injectando a sabedoria e a força chinesa na promoção do mundo rumo a um futuro promissor de paz, segurança, prosperidade e progresso.

Em segundo lugar, a Cimeira de 2024 do Fórum de Cooperação China-África (FOCAC) foi realizada com sucesso em Beijing no mês passado. Os Chefes de Estado e de Governo e representantes de 53 países africanos reuniram-se em Beijing para abordar os planos para a cooperação amistosa China-África na nova era. A relação China-África foi elevada para uma comunidade com futuro compartilhado China-África de todos os tempos na nova era.

O presidente chinês anunciou que, nos próximos três anos, a China trabalhará com África para tomar as dez ações de parceria para modernização, incluindo as dez áreas, que são a aprendizagem mútua entre civilizações, prosperidade comercial, cooperação de cadeia produtiva, conectividade, cooperação de desenvolvimento, saúde, agricultura e o bem-estar do povo, intercâmbio entre os povos, desenvolvimento verde e de segurança comum. Para implementar as dez ações de parceria, o governo chinês fornecerá apoio financeiro de 360 mil milhões de yuan, nos próximos três anos. Isso inclui uma linha de crédito de 210 mil milhões de yuan, 80 mil milhões de yuan de assistência em diferentes formas, e pelo menos 70 mil milhões de yuan de investimento em África por empresas chinesas, proporcionando um forte apoio à cooperação pragmática China-África em vários domínios.

Por isso, nos próximos anos, Angola também pode conseguir mais oportunidades de cooperação com a China. Para facilitar, os empresários angolanos já exportam mercadorias para a China, desde o mês de Dezembro de 2024, isentas de imposto. Cerca de 98% das mercadorias angolanas importadas pela China têm benefícios fiscais. Assim, os empresários angolanos podem ganhar mais divisas.