Artigos

Biden em Angola: depois do adeus

Rumos e prospetivas para as relações Angola-EUA

A viagem

Cumprindo uma agenda com afabilidade e espírito de simpatia para Angola, Joe Biden, Presidente dos EUA em pleno exercício das suas funções até 20 de janeiro de 2025, abandonou o país na tarde de quarta-feira, 4 de Dezembro, depois duma visita a Luanda e a algumas estruturas do Corredor do Lobito.

Não é possível desvalorizar a importância histórica desta viagem que marca um realinhamento estrutural das relações entre Angola e os Estados Unidos. Foi de facto um momento histórico. Contudo, não se deve entender este como um momento singular em que todos os problemas angolanos serão resolvidos. É acima de tudo o culminar de uma fase inicial de um processo de aproximação e o arranque de uma nova fase do mesmo processo. É uma etapa numa marcha. Não é o fim, nem o princípio, mas o fim do princípio de uma aproximação, parafraseando Churchill.

A estratégia e o processo histórico de aproximação

Pode-se dizer que o processo de aproximação efetiva de Angola aos EUA começou com uma viagem de João Lourenço à China em setembro de 2018, um ano depois de tomar posse.[1]Nessa viagem, Lourenço, enquanto se confrontava com os cofres vazios em Luanda[2], percebia que já não podia contar com mais empréstimos avultados da China. A verdade é que a China acabara de emprestar cerca de 10 mil milhões de dólares em 2016, cujo destino em Angola não era claro, e percebera que uma boa parte do seu dinheiro tinha acabado em negócios corruptos, que aliás a levaram a prender Sam Pa, em 2015. Portanto, para a China este era um tempo de reavaliação do envolvimento financeiro com Luanda.

Depois disso, Lourenço adotou aquilo a que se pode chamar a “estratégia Sadat.[3]” Escolheu aproximar-se dos EUA, mesmo que estes estivessem focados noutros assuntos e desinteressados de Angola. Os resultados não foram imediatos. Lourenço foi insistindo e manifestando abertura. Aliás, agora Biden acentuou no seu discurso no Museu Nacional da Escravatura em Luanda, que foi Lourenço o responsável pelo avanço da relação com os EUA[4].

Obviamente, que o momento que alertou os EUA para a importância de Angola, surgiu a partir do esfriamento, iniciado ainda no primeiro mandato de Trump (2017-2012), com a China, em que os EUA perceberam que a China dominava a maior parte das matérias-primas fundamentais para o progresso tecnológico e a transição energética e que estas se encontravam em África. Depois disso, em 2022, o choque da invasão russa da Ucrânia, fez entender aos EUA que quase não tinham aliados em África e que tinham “perdido” o continente a favor da Rússia e da China.

Os EUA estavam à procura de aliados que lhes faltavam e de uma estratégia para África, quando Angola em outubro de 2022 surge na ONU a votar uma moção que condenava a Rússia e a sua invasão ucraniana, ao contrário da China e da maioria dos países africanos, entre os quais Moçambique, que se abstiveram[5]. O passo fundamental para e o realinhamento angolano tornava-se uma realidade. Depois disso, os EUA sentiram que podiam contar com Angola, que efetivamente se tinha descolado da Rússia e da China. Seguiu-se uma miríade de visitas de altos funcionários e a ida de João Lourenço à Casa Branca em novembro de 2023. O processo culmina nesta visita de Joe Biden a Luanda.

Resultados iniciais do processo de aproximação

Do ponto de vista financeiro, entretanto, segundo os dados mais recentes do BNA, o stock da dívida pública de Angola aos EUA teve um salto quantitativo de 755 milhões de dólares, uma insignificância em 2020 para 2.967 milhões de dólares em 2021, portanto, o ano do grande passo em frente de endividamento angolano face aos EUA, estimando-se que em 2024 alcance os 4.353 milhões de dólares. Obviamente, um valor significativamente abaixo da dívida chinesa que se estima em 2024 ser de 15.619 milhões de dólares, contudo, demonstrando uma aceleração da dívida americana[6]. Os dados do BNA não contêm elementos desagregados destes empréstimos que era bom conhecer, designadamente, a finalidade e as condições de pagamento. É importante haver transparência para não se repetirem os erros cometidos com os empréstimos da China.

No seu discurso de boas-vindas a Joe Biden a 3 de dezembro João Lourenço enunciou os principais contributos americanos relativamente a Angola[7].

Mencionou projetos de investimento público em curso com o financiamento do EXIMBANK americano, do CITI Capital e a Corporação Financeira de Desenvolvimento Internacional DFC, com empresas americanas como a SUN África, a Africell, a Mayfair Energy, a Acrow Bridge, e a GATES Air. Portanto, parece que o endividamento acima mencionado será para fazer face a estes projetos em parceria com as empresas americanas. A SUN África[8] dedica-se a painéis solares, a Africell a telecomunicações, a Mayfair Energy[9] é uma consultora de estruturação financeira de soluções para energia, a Acrow Bridge vende pontes modulares permanentes e temporárias para uso em locais de escavação, canteiros de obras, locais de perfuração e muito mais[10]. Finalmente, a GATES Air é uma fabricante americana de produtos eletrónicos que produz, comercializa e faz manutenção de equipamentos de transmissão de rádio e TV terrestre em todo o mundo[11]. Consequentemente, na sua essência temos duas linhas de investimentos americanos suportados por empréstimos, uma linha é a energia solar, outra as telecomunicações.

A projeção do soft-power

O ponto essencial do novo relacionamento entre Angola e Estados Unidos não é económico, embora este aspeto tenha óbvio relevo. Trata-se de algo mais abrangente e com impacto estratégico profundo, que é Angola funcionar como um fator de projeção do soft-power americano na África Central e Austral e também no Golfo da Guiné, garantindo a defesa dos interesses do Ocidente no continente, apartados duma perspetiva neo-colonial. Acima de tudo é isso que está em jogo. Trata-se de garantir o acesso ao hinterland africano, mantendo a sua estabilidade e a segurança das rotas marítimas, e evitando o completo domínio chinês e russo de África.

É por isso que João Lourenço começa o seu discurso de boas-vindas ao Presidente americano, não por aspetos económicos, mas por temas de defesa e segurança. Referiu o Presidente da República de Angola, que gostaria “de ver incrementada a cooperação no sector da Defesa e Segurança, no acesso às escolas e academias militares, no treino militar em Angola, realizar mais exercícios militares conjuntos, cooperar mais nos programas de segurança marítima para a protecção do Golfo da Guiné e do Atlântico Sul, assim como no programa de reequipamento e modernização das Forças Armadas Angolanas”[12].

A verdade é que os Estados Unidos e Angola têm estado a reforçar os seus laços de defesa através de iniciativas estratégicas e programas conjuntos destinados a robustecer a capacidade de Angola de manter a estabilidade dentro das suas fronteiras e contribuir para a paz regional. O país torna-se um parceiro indispensável na promoção da segurança regional e na abordagem dos desafios globais, desde a segurança marítima ao combate ao crime transnacional.

Em concreto, recentemente, em junho de 2024, houve a reunião inaugural do Comité Conjunto Angolano-EUA de Cooperação em Defesa (DEFCOM) que marcou um avanço significativo, com os dois países a assinarem um acordo para troca de bens e serviços logísticos entre os seus militares, colaborando em áreas críticas como a manutenção da paz, a defesa cibernética, a engenharia e o desenvolvimento da nascente guarda costeira de Angola. Em setembro de 2024, Angola aderiu ao Programa de Parceria de Estado (SPP) do Departamento de Defesa dos EUA, integrando ainda mais os seus esforços militares com os dos Estados Unidos. Com o DEFCOM e o SPP, Angola não só está a fortalecer a sua defesa nacional, mas também a tornar-se um modelo de segurança na África Subsaariana. Em termos de liderança regional, a inclusão de Angola na Parceria de Cooperação Atlântica (PCA) liderada pelos EUA destaca o seu papel estratégico na promoção de uma região atlântica segura e próspera.

Este afigura-se, na nossa visão, o ponto essencial desta nova relação. A consagração de Angola como o fator estratégico de estabilidade e acesso a África por parte de um Ocidente não neo-colonizador.

Neste sentido, e em termos práticos, aumenta a força de dissuasão de Angola para levar a paz à RDC. Na verdade, agora pode agir invocando o poder americano como subjacente à sua política de estabelecimento de paz, o que será importante para Paul Kagame, sobretudo, e também para Tshisekedi. O chamado “stick” americano pode ser mencionado por João Lourenço para obrigar à paz. Talvez por isso tenha agora sido marcada uma Cimeira para a Paz no Leste do Congo para o próximo dia 15 de dezembro, com a presença de João Lourenço, mediador designado pela União Africana, e dos chefes de Estado do Ruanda, Paul Kagame, e da RDCongo, Félix Tshisekedi[13].

O Corredor do Lobito: a primeira vitória americana

É possível que muitos discordem da prioridade dada neste texto aos aspetos estratégicos e de projeção de poder e apontem para o relevo que foi dado ao Corredor do Lobito na viagem presidencial americana. Esse relevo é um facto, mas representa um chamariz e a criação de um efeito de imagem.

O Corredor do Lobito é um conceito que assenta no antigo Caminho-de-Ferro de Benguela (CFB) que nos tempos coloniais foi das linhas férreas mais lucrativas do mundo. Depois, foi tornada inoperante durante a guerra civil angolana (1975-2002) e um dos principais projetos de reconstrução nacional apoiados e realizados pela China. A reabilitação do CFB ficou pronta com os comboios a circular entre 2015-2019. Ao mesmo tempo o porto do Lobito também foi remodelado e ficou operacional. Portanto, estamos a falar duma linha de caminho-de-ferro e de um porto que ligam a costa atlântica às zonas mineiras do Congo e da Zâmbia (esta última parte não está feita). Muito foi por estes dias escrito sobre o Corredor do Lobito, pelo que não vamos repetir.

O essencial a reter é o seguinte: originalmente este foi um projeto sustentado pela China, que se viu perante a competição norte-americana e não obteve a concessão do CFB e por isso abandonou o Porto do Lobito, onde já tinha obtido um lugar. Portanto, na prática tratou-se duma ambição chinesa que foi parar a mãos americanas. Este é o significado do Corredor do Lobito. Os EUA conseguiram-se sobrepor à China na exploração de um ativo estratégico.

No entanto, há duas questões a considerar. A primeira é que uma boa parte das minas de onde sairão as matérias-primas a ser transportadas está nas mãos da China. A título de exemplo, refira-se que as empresas chinesas controlam dois terços do cobalto na RDC.[14] Consequentemente, ou os americanos chegam a um qualquer tipo de acordo com as empresas chinesas para usar o Corredor do Lobito para garantir economias de escala ou usam a sua influência para afastar essas empresas e substituí-las por outras ligadas ao Ocidente. É um grande desafio pela frente.

A perspetiva angolana sobre o Corredor do Lobito é mais ampla e não o resume a um comboio e um barco, mas sim a uma via de comunicação que promova ao longo do seu caminho vários polos de desenvolvimento que permitam o escoamento dos produtos agrícolas angolanos, o estabelecimento de zonas de comércio e de centros integrados de desenvolvimento agroindustrial, no fundo um eixo de desenvolvimento. Possivelmente, uma boa parte dos anúncios de verbas americanas e europeias serão para essa lateralização do Corredor, como se parece inferir do anúncio da Casa Branca segundo o qual “iniciativa [Corredor do Lobito] também ajudaria a desenvolver as comunidades em torno da linha férrea, incluindo o fomento da agricultura e dos negócios em geral[15].

Muitos milhares de milhões já foram anunciados para este Corredor. Não é certo o que já efetivamente chegou ao terreno e foi aplicado e onde. Recentemente, foi explicado que a finalização da construção ainda demorará 3 a 5 anos.[16]Não se sabendo exatamente se tal finalização se refere ao ramal para a Zâmbia, ou alguma reabilitação da reabilitação chinesa.

No final de contas, o projeto ainda tem muitas incógnitas, duas delas dependendo da China, uma é o interesse das minas no uso do CFB, outra a existência de alternativas, construídas e exploradas pela China, que podem ser complementares ou excludentes.

Era manifestamente importante que o desenvolvimento do Corredor fosse acompanhado por mecanismos adequados de transparência para evitar erros do passado e que a IGAE criasse um departamento vocacionado para inspecionar todos os trabalhos em que haja intervenção do Estado angolano no Corredor do Lobito para garantir o cumprimento das boas práticas.

Intangíveis: o essencial da relação

Se a projeção de Angola como potência regional estabilizadora é um dos principais benefícios da relação como os EUA, se o Corredor do Lobito é um símbolo importante do retorno dos EUA a África e se ficam abertas oportunidades para investimento americano em Angola, acredita-se que a influência americana poderá ter maiores efeitos estruturantes a um nível essencial modificando a cultura política, empresarial e educacional angolana.

O convívio com as práticas e aproximação americanas bem como a imersão nos seus valores poderá embeber Angola num ambiente desafiante que promova mudanças a três níveis:

-Constitucionalismo e cultura democrática: Os Estados Unidos têm tido um papel fundamental no desenvolvimento do constitucionalismo e na promoção da cultura democrática mundial.  A Constituição dos EUA, adotada em 1787, uma das mais antigas ainda em vigor, serve como um modelo prático para muitos países que procuram equilibrar poderes e garantir direitos fundamentais. O conceito de separação de poderes entre Executivo, Legislativo e Judicial é central para prevenir abusos de poder e garantir um governo equilibrado. Os movimentos históricos nos EUA, como o Movimento dos Direitos Civis na década de 1960, destacam a importância da luta pela igualdade e inspiram movimentos de direitos humanos em todo o mundo. A democracia americana é amplamente estudada e discutida globalmente, e as suas instituições, como o Supremo Tribunal e princípios, como a liberdade de expressão, são referências em debates académicos e políticos internacionais. Embora, com sobressaltos variados, os EUA têm promovido a democracia através de sua política externa, apoiando transições democráticas e eleições livres em diversas regiões do mundo.

Todo este caldo cultural passa a ser estudado e mais vivido em Angola. Forçosamente terá influência no modo de pensar, agir e na exigência popular.

Refira-se como exemplo histórico em Portugal, o papel que os militares, que foram chamados “geração NATO” por terem ido estudar para os EUA a propósito da sua formação para a NATO, tiveram na democratização do país[17].

-Gestão eficiente e competição: Os Estados Unidos são pioneiros na promoção de uma gestão eficaz e de um ambiente competitivo nos negócios. Empresas americanas como General Electric e Apple são conhecidas pelos seus modelos inovadores de gestão que focam na eficiência operacional, inovação e liderança. Métodos como o Six Sigma e o Lean Manufacturing ganharam reconhecimento global. A integração da tecnologia na gestão, como o uso de software de planeamento de recursos empresariais (ERP) e sistemas de inteligência artificial, ajuda a otimizar processos e reduzir custos. Instituições como Harvard Business School e MIT oferecem programas de MBA e cursos de gestão que são considerados referências mundiais e formam líderes empresariais de diversas nações. O ambiente económico dos EUA é caracterizado pela livre concorrência e pela regulação que visa manter mercados justos e impedir monopólios. Silicon Valley é um epicentro de inovação tecnológica e empreendedorismo, onde startups competem e colaboram, criando um ecossistema vibrante que serve de modelo para outras regiões.

Espera-se que este espírito penetre no mundo empresarial angolano e transforme os seus mercados.

-Educação:  Dos Estados Unidos poderão vir respostas às carências no ensino angolano, quer à falta de estruturas no ensino básico, quer à falta de qualidade do ensino superior. Desde logo o incremento de plataformas online e MOOCs (Massive Open Online Courses) que oferecem oportunidades de aprendizagem acessíveis sem necessidade de investimentos impossíveis em edifícios, mas apenas em sistemas digitais. A ideia de escolha curricular, permitindo uma grande flexibilidade na escolha de disciplinas, deixando que os alunos personalizem seu percurso educativo de acordo com seus interesses e objetivos. O Investimento em I&D: As universidades americanas são líderes em investigação, muitas vezes com fundos significativos tanto do setor público quanto do privado. Tal oferece aos alunos oportunidades de participar de projetos inovadores e de ponta. Alguns programas podem ser alargados a Angola. Parcerias com a Indústria: Colaborações com empresas e instituições de pesquisa proporcionam experiência prática e aplicabilidade real das teorias aprendidas. Meritocracia: A competição saudável é incentivada, o que pode levar a altos padrões de desempenho académico e inovação.

Estes são exemplos de aspetos que podem ser explorados e trazidos dos EUA para tornar o sistema de ensino angolano mais eficiente e promissor.

Conclusão

Há um mundo novo que se abre a Angola com esta relação reforçada com os EUA. Agora haverá um certo intervalo até 20 de janeiro com a posse do Presidente Trump. Espera-se que a atitude americana se mantenha e que seja possível uma acomodação realista com a China. Quanto a Angola, o objetivo é que absorva as boas práticas e os bons exemplos e que, desta vez, não perca a oportunidade. Pode ser uma nova fase para Angola. O balanço desta viagem de Joe Biden não pode ser feito hoje, nem amanhã, apenas daqui a vários anos. Aguardemos a resposta do futuro.


[1] https://www.makaangola.org/?s=china%2Bjo%C3%A3o+louren%C3%A7o&tztc=1

[2] https://expresso.pt/politica/2018-11-21-Joao-Lourenco-em-entrevista-ao-Expresso-Sao-conhecidos-os-que-trairam-a-patria-8db1c6de

[3] Hernry Kissinger, Leadership, Allen Lane, 2022.

[4] https://www.facebook.com/PresidedaRepublica

[5] https://www.voaportugues.com/a/angola-vota-resolu%C3%A7%C3%A3o-da-onu-que-condena-r%C3%BAssia-mo%C3%A7ambique-abst%C3%A9m-se-/6787365.html

[6] https://www.bna.ao/#/pt/estatisticas/estatisticas-externas/dados-anuais

[7] https://www.facebook.com/PresidedaRepublica

[8] https://sunafrica.com/pt/

[9] https://www.mayfairenergyadvisory.com/

[10] https://www.eiffeltrading.com/blog/post/what-is-an-acrow-bridge

[11] https://www.gatesair.com/

[12] https://www.facebook.com/PresidedaRepublica

[13] https://observador.pt/2024/12/02/luanda-acolhe-este-mes-nova-cimeira-tripartida-para-solucionar-conflito-na-republica-democratica-do-congo/

[14] https://pontofinal-macau.com/2024/10/29/dominio-chines-no-congo-altera-planos-para-diversificar-acesso-a-minerais-criticos-diz-estudo/

[15] https://angola24horas.com/angola-24-horas-noticias/item/30961-em-angola-biden-prometeu-investir-diferente-da-china

[16] https://www.angonoticias.com/Artigos/item/78775/corredor-do-lobito-demora-no-minimo-5-anos-a-ficar-concluido

[17] Pedro Aires Oliveira e João Viera Borges. Crepúsculo do Império — Portugal e as guerras de descolonização, Bertrand, 2024.

Perspectiva de Visita Joe Biden a Angola  

João ShangInvestigador Associado ao CEDESA (área China-África)

O ex-secretário de estado dos Estados Unidos, Henry Kissinger, disse que ser inimigo dos EUA é perigoso, mas ser amigo é fatal!

No século XXI, a relação bilateral entre a China e os Estados Unidos é uma das relações mais importantes. Por conseguinte, a China expressa boa vontade aos Estados Unidos através de vários canais, na esperança de se sentar e conversar calmamente. No entanto, a base para a cooperação deve ser a equidade e a justiça, especialmente quando se trata dos interesses fundamentais da China, que não podem ser provocados pelos Estados Unidos.

Numa perspectiva pessimista, a China e os Estados Unidos poderão nunca ser bons amigos, mas podem evitar tornar-se inimigos. Na ausência de confiança, a China e os Estados Unidos podem levar a cabo o diálogo e a cooperação em áreas como o ciberespaço, o espaço exterior e a inteligência artificial. As empresas chinesas estão dispostas a cooperar com as empresas americanas. Por isso, quando o governo dos EUA promulgou uma série de sanções às empresas chinesas, as empresas chinesas procuraram os melhores modelos de evasão, como a transferência das suas empresas para países do Sudeste Asiático e países da América do Sul.

O mercado dos EUA tem um enorme potencial de consumo. Sendo a China a fábrica mundial, é natural que muitos produtos manufaturados sejam destinados aos Estados Unidos, sobretudo, para as pessoas de classe média e baixa. Ao mesmo tempo que se consegue a redução das despesas domésticas, são também satisfeitas todas as necessidades de procura. Por exemplo, nos últimos anos, os triciclos elétricos produzidos na China têm sido vendidos em grandes quantidades nos Estados Unidos. A cooperação win-win é a primeira escolha da China.

Na relação comercial sino-americana, as sanções comerciais dos EUA representam um grande desafio para a China, especialmente a ameaça de Trump de impor tarifas até 60%, o que pode prejudicar gravemente as exportações da China para os Estados Unidos.

No entanto, a China tem uma variedade de respostas.

O primeiro é o método do “banho de caranguejo peludo”, que transporta mercadorias chinesas para outros países, como o México, o Vietname, a Índia, etc., e depois as vende aos Estados Unidos em nome desse país.

Adicionalmente há método de “mudança”, que passa pela instalação de fábricas de montagem noutros países, pelo transporte de peças e componentes chineses para lá, para a sua montagem e venda aos Estados Unidos. No entanto, estes dois métodos têm desvantagens e os Estados Unidos podem impor sanções aos países de trânsito relevantes.

Contudo, as sanções ficam muitas vezes atrás das nossas ações.

Outra forma é aproveitar a insubstituibilidade dos bens. Quando os produtos chineses não podem entrar nos Estados Unidos direta ou indiretamente devido a tarifas, e os Estados Unidos precisam dos produtos e outros países têm capacidade de produção insuficiente, podem vender os produtos aos Estados Unidos e depois utilizar os fundos ganhos para importá-los da China, como acontece com as toalhas de papel.

Esta abordagem está em conformidade com a lei dos EUA e torna difícil para o Presidente Trump encontrar uma razão para sanções.

A terceira opção é ir diretamente aos Estados Unidos para construir uma fábrica, como foi o caso da CATL. Embora isto possa parecer uma saída de produção chinesa, a longo prazo, se a China quiser abraçar o mundo, terá de “sair” e “convidar a entrar”. No passado, os Estados Unidos recusaram investimentos de empresas chinesas. Se abrirem as portas agora, as empresas chinesas podem aproveitar a oportunidade, mas também precisam de pesar os prós e os contras.

Uma quarta opção poderia passar pela ajuda de “amigos internacionais”, neste caso contrabandistas internacionais. As tarifas elevadas promoverão o contrabando. Embora a China não participe, o contrabando internacional é difícil de controlar. Do ponto de vista da manutenção da justiça no comércio internacional, se os Estados Unidos o permitirem, as alfândegas chinesas podem até ajudar na aplicação da lei, mas esta é apenas uma suposição extrema porque a China não encorajará tal comportamento de violação de regras.

O quinto tipo é a expansão dos mercados internacionais para fora dos Estados Unidos. Se as sanções dos EUA bloquearem algumas exportações para os EUA, poderemos trabalhar arduamente para aumentar as vendas noutros mercados internacionais. As sanções dos EUA podem estimular a China a expandir-se para novos mercados, tal como as restrições dos EUA às exportações de chips incentivam a China a desenvolver investigação e desenvolvimento independentes.

A sexta e mais importante forma é melhorar a qualidade do produto e reduzir os custos. Mesmo que os Estados Unidos imponham tarifas elevadas, se o produto for suficientemente rentável, poderá ainda obter lucro no mercado dos EUA. Por exemplo, os painéis solares chineses mantiveram a competitividade internacional ao reduzir o custo do polissilício face aos elevados direitos antidumping nos Estados Unidos. A repressão por parte dos Estados Unidos tornou-se uma das forças motrizes para a China lutar pela força e confirma também o princípio de “nascer da preocupação”, que promoverá o aumento da China nos desafios comerciais.

A China está a adoptar uma variedade de estratégias diplomáticas e económicas para reforçar as relações com os países parceiros, que incluem principalmente os seguintes aspectos:

Promover a integração das empresas nas cadeias industriais e de abastecimento internacionais: a China orienta ativamente as empresas para a integração nas cadeias industriais e de abastecimento internacionais, incentiva as empresas multinacionais a criarem centros de I&D, plataformas piloto e bases de produção na China, promove a cooperação inovadora entre empresas de alta tecnologia e aumenta a internacionalização do nível operacional das empresas nacionais. Ao mesmo tempo, através do investimento estrangeiro e do estabelecimento de fábricas, do licenciamento de tecnologia, etc., reforçaremos a cooperação com empresas estrangeiras, construiremos várias plataformas e orientamos as pequenas e médias empresas a integrarem-se activamente no mercado global.

Melhorar a reputação das marcas Made in China: A China concentra-se em melhorar a imagem da marca “Fabricado da China”, melhorar a qualidade do produto através do design industrial, apoiar as empresas na melhoria da logística global e dos sistemas de serviços e melhorar a sua capacidade de servir os consumidores globais. Intensificando a proteção da marca e manter a imagem das marcas fabricadas na China atualmente, 72 empresas entraram na lista das 500 principais marcas do mundo.

Desenvolver o comércio digital e o comércio verde: a China desenvolve vigorosamente o comércio digital e o comércio verde, aproveita as oportunidades da nova ronda de revolução tecnológica e transformação industrial, reforça os intercâmbios e a cooperação em domínios de ponta como a inteligência artificial, a informação quântica e a vida e saúde e promove o salto da produtividade na região da Ásia-Pacífico. Ao mesmo tempo, devemos aderir à prioridade ecológica, ao desenvolvimento verde e de baixo carbono, e promover a transformação e o desenvolvimento colaborativo digital e verde.

Reforçar a cooperação multilateral: A China participa ativamente na reforma e construção do sistema de governação global e promove a construção de uma comunidade com um futuro partilhado para a humanidade. Expandir a diplomacia multilateral, reforçar a cooperação com as Nações Unidas, resolver disputas regionais e manter a paz mundial. Participar extensivamente em actividades multilaterais nos domínios económico e social e desempenhar um papel activo em questões globais como o ambiente, a alimentação e a prevenção da criminalidade.

Aprofundar a cooperação com países específicos: A China assinou protocolos de atualização do acordo de comércio livre com o Peru e outros países para promover a facilitação do comércio e do investimento, reforçar a inspeção aduaneira e a cooperação em quarentena e aumentar o comércio de produtos de elevado valor acrescentado. As duas partes acordaram ainda reforçar a cooperação na economia digital, na inovação tecnológica e noutros domínios.

Perspectiva sobre corredor de Lobito 

Se a China sair de Angola, Angola perderá o seu valor de uso e os Estados Unidos sairão em breve de Angola. O ex-secretário de estado dos Estados Unidos, Henry Kissinger disse que ser inimigo dos EUA é perigoso, mas ser amigo é fatal!

Na primeira parte, a China está satisfeita pelo investimento dos EUA em Angola, o mercado Angola está com grande espaço para todos os investidores. O Corredor Lobito é um bom projeto para o desenvolvimento de Angola é muito importante, mas parece-me que não é o projeto mais importante em Angola, resolver o combate à pobreza e fome é o primeiro trabalho do governo.

O Corredor Lobito é máxima prioridade dada a esta ligação ferroviária que atravessa Angola, desde o porto do Lobito até à República Democrática do Congo e à Zâmbia. Mas, agora no Congo e na Zâmbia há muitas empresas chinesas a investir no sector das minas, os donos das minas são empresários chineses. Por isso, caso os EUA concretizassem o investimento, na realidade ajudavam as empresas chinesas. Mas, agora o caminho de ferro do Corredor de Lobito só chega ao limite de Angola, não conseguindo chegar à Zâmbia, por isso agora os empresários zambianos transportam as minas para a cidade de Durban na África do Sul. Eles já têm uma opção fácil para exportar as minas para fora de África através do Corredor de Lobito, não é a única opção deles.  

A razão pela qual os Estados Unidos estão agora a reforçar a sua cooperação com Angola é porque os Estados Unidos querem encontrar o seu próprio porta-voz na África Austral, e obter mais apoio e suporte.

Nesta altura, o governo angolano quer agradar ao governo dos EUA e substituir a posição da África do Sul.

O modelo de cooperação entre a China e Angola foi em tempos o modelo de cooperação mais bem-sucedido, embora tenha sido atacado e caluniado pelos meios de comunicação ocidentais. Afinal, a infra-estrutura interna de Angola sofreu tremendas alterações.

Os Estados Unidos estão próximos do governo angolano, o que pode significar prejudicar a relação entre a China e Angola. No entanto, se um dia os investidores chineses abandonarem Angola, Angola perderá o seu valor de uso e o governo dos EUA abandonará imediatamente Angola. Por isso, o governo angolano precisa de reexaminar as suas relações com os Estados Unidos e a China.

O Espaço continental é bem grande, onde cabem os EUA, Europa e China.  

Atualmente, os EUA querem investir em Angola, por isso alguns jornalistas ocidentais pensam que a China já perdeu a capacidade em Angola, mas a realidade não é essa.

Em Angola há mais de 4000 empresas chinesas, criámos mais 300 mil empregos para angolanos, só Luanda tem 13 mercados chineses, cria mais 200 empregos, muitas senhoras compram as mercadorias e revendem na praça, as “mamãs” podem conseguir os lucros para a vida, pelo contrário, quantos empregos foram criados por empresas americanas? Inclusive, a maioria das empresas americanas não investe em Angola, e só exploram os recursos minerais, alugam a casas e escritórios, nunca compram, significa que os empresários americanos não apoiam o PIB angolano.

A visita de Biden tem mais significado simbólico do que prático. Acredita-se mesmo que a visita de Biden terá um impacto negativo nas futuras relações bilaterais entre Angola e os Estados Unidos. Dado que o mandato do Presidente Biden terminará em Janeiro do próximo ano, dentro de apenas um mês, será difícil para os Estados Unidos obter benefícios práticos para o governo e para o povo angolano. Como inimigo de Biden, Trump optará por alienar deliberadamente o governo angolano. Existe um provérbio chinês que diz que o amigo do inimigo é o inimigo.

Numa perspectiva prática, o governo dos EUA e as empresas dos EUA não têm projectos de investimento de qualquer significado prático em Angola. Porque as empresas americanas estão principalmente envolvidas na extração de petróleo e na extração de diamantes em Angola. Será difícil proporcionar mais empregos à população local, o que é uma das razões pelas quais raramente se vêem americanos em Angola.

Portanto, numa perspectiva de longo prazo, o investimento das empresas chinesas em Angola nada tem a ver com o governo dos EUA e com Angola. O governo e as empresas chinesas estão separados e o governo não participa no investimento e gestão diária das empresas privadas. Portanto, mesmo que o governo angolano desista da cooperação com a China, as empresas chinesas continuarão a investir e a operar em Angola.

Como investigador da CEDESA, sinto que o governo e as empresas dos EUA não farão investimentos substanciais em Angola, porque os seus interesses não estão de todo em Angola.

Na era Trump, não creio que seja possível os Estados Unidos investirem em Angola, pelo que não há necessidade de responder às questões acima. Angola poderá ser apenas um peão dos Estados Unidos, não um parceiro.

 Amizade da China e Africa é Longo caminho  

A amizade da China e Africa remonta à época de 70 do século passado. Atualmente a China tem 53 parceiros africanos, por isso não depende de Angola ou EUA. Desde o dia 1 de dezembro, 38 países africanos exportam as mercadorias para a China com isenção de imposto, por isso o futuro da relação da China e Africa é muito grande, os africanos precisam da China, a China também necessita de África, isso é verdadeira cooperação, não como os EUA que no continente africano surgem com uma mão com um dólar e outra mão com um pau. A China só quer cooperar com os africanos, por isso ganhamos confiança dos africanos.

O investimento da China em África centra-se principalmente na indústria transformadora, nas infra-estruturas, nos parques industriais e no comércio, bem como em novas áreas, como a medicina e os cuidados de saúde, os transportes e a logística, o comércio electrónico e o processamento de produtos agrícolas. Nos últimos anos, o investimento da China em África tem apresentado uma tendência diversificada, não só envolvendo os campos tradicionais, mas também se expandindo para as indústrias emergentes.

Sector Industrial

A indústria transformadora é uma das áreas-chave tradicionais para as empresas chinesas investirem em África. Através do investimento orientado para o mercado, as empresas chinesas participam activamente na construção do sistema industrial de África e promovem o processo de industrialização de África. Por exemplo, investe em projetos rodoviários, ferroviários, portuários e outros, e introduz tecnologia avançada e experiência de gestão no domínio da produção para ajudar as empresas africanas a melhorar a eficiência da produção e a qualidade dos produtos.

Infraestrutura

O investimento em infra-estruturas é também uma importante direcção de investimento para as empresas chinesas em África. Ao investir em estradas, caminhos-de-ferro, portos e outros projetos, as empresas chinesas não só promoveram a construção de infra-estruturas em África, como também prestaram um forte apoio ao desenvolvimento económico local.

Parques Industriais e Comércio

As empresas chinesas têm também investimentos significativos em parques industriais e setores comerciais africanos. Estes investimentos, não só promovem o processo de industrialização local, como também proporcionam às empresas chinesas um amplo mercado e espaço de desenvolvimento.

Áreas emergentes

Com o desenvolvimento da economia africana, os campos de investimento das empresas chinesas estão também em constante expansão. Atualmente, o investimento das empresas chinesas em África expandiu-se da produção e infra-estruturas tradicionais para áreas emergentes, como o processamento de produtos agrícolas, transporte e logística, e comércio electrónico. Estes campos têm um grande potencial de desenvolvimento em África e tornaram-se novos centros de investimento para as empresas chinesas.

A vitória de Trump e Angola (análise rápida)

As expectativas e imprevisibilidade de Donald Trump

Para qualquer observador da política angolana pareceu haver um certo alinhamento doméstico em termos de simpatias relativamente às eleições americanas. Ou dito mais expressamente, uma esperança dos sectores antagónicos a João Lourenço numa vitória de Donald Trump, na expectativa que este repetisse a política do seu primeiro mandato de desinteresse em África e logo de arrefecimento com Angola.

Agora que a vitória se consumou, é importante tentar perceber o que se poderá ou não passar, uma vez que está em jogo o novo alinhamento estratégico de Angola com os EUA que, de certa forma, equilibrou a balança de poder no continente africano e igualmente, em concreto, relançou o Corredor do Lobito, projecto abraçado intensamente pelo Presidente Joe Biden.

Obviamente, que antes de 20 de janeiro de 2025 tudo será demasiado especulativo, e, sobretudo, tratando-se de Trump, a imprevisibilidade tem um lugar cimeiro.

Mesmo assim, tem havido suficientes sinais que podem indiciar que, afinal, a atitude de Trump em relação a Angola não será assim tão diferente da política de Joe Biden.

A competição e contenção da China

A primeira razão para a permanência da política é a China. Do ponto de vista geoestratégico a situação atual (2024) é extremamente diferente daquela do primeiro mandato de Trump (2017-2021), designadamente naquilo que diz respeito à competição ou contenção da China, que, lembre-se foi iniciada como tendência estrutural da política externa norte-americana, precisamente, por Donald Trump. A coletânea de discursos de Trump sobre a China nesse mandato “TRUMP ON CHINA • PUTTING AMERICA FIRST” é expressa na sua introdução ao afirmar:

“For decades, Donald J. Trump was one of the few prominent Americans to recognize the true nature of the Chinese Communist Party and its threat to America’s economic and political way of life. Now, under President Trump’s leadership, the United States is taking action to protect our nation and its partners from an increasingly assertive China. We are no longer turning a blind eye to the People’s Republic of China’s conduct nor are we hiding our criticism of its Communist Party behind closed doors”.[1]

(Durante décadas, Donald J. Trump foi um dos poucos americanos proeminentes a reconhecer a verdadeira natureza do Partido Comunista Chinês e a sua ameaça ao modo de vida económico e político dos Estados Unidos. Agora, sob a liderança do presidente Trump, os Estados Unidos estão a tomar medidas para proteger a nossa nação e seus parceiros de uma China cada vez mais assertiva. Não estamos mais a fechar os olhos à conduta da República Popular da China nem a esconder as nossas críticas ao seu Partido Comunista a portas fechadas.)

É neste sentido que alguns dos mais destacados colaboradores de Trump se têm pronunciado. Tibor Nagy, ex-secretário assistente de Estado para Assuntos Africanos de Trump e ex-embaixador na Guiné e Etiópia, insiste que Trump foi o primeiro a aumentar a consciencialização sobre a enorme ameaça que a China representa para os interesses dos EUA na África, e afirma expressamente: “Vocês verão novamente um combate agressivo à influência chinesa na África[2]“.

Admite-se que o foco dessa abordagem transacional, típica de Trump, será começar a bloquear as cadeias de suprimentos para minerais essenciais na África usados ​​para baterias de energia verde usadas em veículos elétricos e telefones. Assim declara o embaixador J. Peter Pham, ex-enviado especial dos EUA para a região do Sahel na África sob Trump,  “Não há como negar que o acesso aos muitos minerais críticos que a África tem em grande abundância é necessário para a economia americana hoje, bem como para as tecnologias que nos levarão ao futuro” e “Além disso, a monopolização das cadeias de suprimentos para esses recursos estratégicos por qualquer país, muito menos uma potência revisionista como a China, é uma ameaça à segurança dos EUA.”

Este sentido geoestratégico de África em que se enquadra Angola é reforçado pela chamado Projeto 2025, uma espécie de doutrina paralela dos ideólogos Trumpistas, de que este se afastou nalguns aspetos, mas não em relação a África. Escreve Kiron K. Skinner nesse documento que o crescimento populacional explosivo da África, grandes reservas de minerais dependentes da indústria, proximidade com as principais rotas de transporte marítimo e o seu poder diplomático coletivo garantem a importância global do continente[3].

A verdade é que uma área da abordagem Biden-Harris que não foi criticada pelos republicanos é  o Corredor de Lobito, o projeto multibilionário de infraestrutura de logística e comunicações que conecta o Porto de Lobito em Angola às minas de minerais essenciais da Zâmbia e da República Democrática do Congo. Observadores americanos de África veem o projeto como um modelo a ser construído ou replicado, principalmente com o objetivo de retomar algum controlo das cadeias de suprimentos de minerais essenciais da China[4].

Portanto, o que resulta duma primeira análise dos pronunciamentos dos aliados de Trump e dos seus próprios interesses e postura em relação à China, é que Angola e o seu Corredor do Lobito ocupam um lugar destacado, e por isso, mantendo-se a atenção de Trump à China, a África e especialmente Angola estarão num nível superior das opções estratégicas EUA, i.e., manter-se-á o interesse norte-americano em Angola.

Oportunidades de negócio

Um segundo aspecto, é o relevo que Trump dá aos números e oportunidades de negócio. É provável, que desta vez, pensando em África e Angola, veja números refletindo o movimento massivo de jovens no continente e de oportunidades para negócios norte-americano. Não é segredo que João Lourenço, ainda que com um sucesso modesto, tem tentado abrir Angola aos negócios mundiais, tornando o país um local apetecível para o investimento externo. É uma longa caminhada. Contudo, Trump poderá ver aqui um mercado para as exportações norte-americanas, como Biden já viu ao nível das telecomunicações e energia solar[5].

Conclusões

Com toda a prudência que a imprevisibilidade de Trump aconselha, bem como o seu desprezo anterior pelo continente africano demonstrou, não se deve antecipar que venha a existir um esfriamento na aproximação entre Angola e os Estados Unidos após 20 de Janeiro de 2025.

Na verdade, o que tem estado em causa da parte dos EUA não é qualquer amizade ou relação pessoal de Joe Biden com João Lourenço, mas o interesse americano estratégico em contrabalançar a China e garantir acesso a minerais fundamentais, bem como a exploração de negócios rentáveis para uma economia madura como a dos EUA.

Nesses termos, os EUA, muito provavelmente manterão um interesse claro em África e Angola, ao contrário do que aconteceu no primeiro mandato de Trump. O que está em causa é uma tendência estrutural da política externa norte-americana, que dependerá menos dos seus atores e mais dos seus interesses.


[1] https://trumpwhitehouse.archives.gov/wp-content/uploads/2020/11/Trump-on-China-Putting-America-First.pdf

[2] https://www.semafor.com/article/11/01/2024/trumps-africa-plans-take-pragmatic-turn-for-election

[3] https://static.project2025.org/2025_MandateForLeadership_CHAPTER-06.pdf

[4] https://www.semafor.com/article/11/01/2024/trumps-africa-plans-take-pragmatic-turn-for-election

[5] https://www.atlanticcouncil.org/blogs/africasource/what-africa-can-expect-under-a-second-trump-administration-a-focus-on-the-numbers/

Angola: o desafio americano e a reação chinesa

A nova política externa de Angola com João Lourenço (2017)

José Eduardo dos Santos (JES), após o final da Guerra Civil (2002), apostou numa política externa de “baixo perfil” para Angola. À parte da intensificação da relação com a China, que teve, essencialmente, objetivos económicos, e intervenções musculadas em países fronteiriços africanos, geralmente, quando a segurança interna angolana poderia estar em causa, o antigo Presidente da República não desenvolveu uma política ativa no mundo, preferindo que este esquecesse a existência de Angola.

A não-política externa de JES teve duas consequências fundamentais. Tirou Angola do xadrez de preocupações das grandes potências, deixando o país de ser olhado com cobiça no grande palco mundial, e ao fazer isso, permitiu que a “captura de Estado” por interesses privados assumisse contornos impensáveis[1]. Angola tornou-se uma espécie de propriedade privada de alguns, perante a indiferença generalizada do mundo e o contentamento dos aproveitadores sofisticados.

João Lourenço efetivamente mudou a bússola da política externa angolana, promovendo aquilo que chamaremos uma política soberanista de geometria variável a partir de 2017.  Quer isto dizer, que Lourenço quis colocar Angola no radar no mundo e o país assumiu-se como potência regional, com um papel a desempenhar na estabilização pacífica da África Central e Austral; também aberto ao investimento e com empenho nos assuntos globais[2].

Tal perspetiva lourencista implicou uma forte aproximação aos Estados Unidos, aos países árabes do Golfo, mas igualmente, a manutenção de relações com a China e a Rússia, além de que as realidades económicas impõem agora um laço mais forte com a Índia.

Se da parte de Angola, a nova diplomacia ativa presidencial é bem percetível e clara, a grande dúvida coloca-se na reação dos restantes países, designadamente, das grandes potências, como os Estados Unidos, com um historial ambíguo em relação a Angola, bem como da China, habituada a ter um papel determinante em Angola.

Estados Unidos e o Corredor do Lobito

Dá ideia que numa primeira fase, os Estados Unidos não perceberam os movimentos de João Lourenço. Estava-se no final da Administração Trump, que não tinha qualquer interesse em África, ainda havia, embora em degradação, uma ideia de cooperação entre a América e a China, e a Rússia não tinha invadido a Ucrânia. África e Angola, em particular, não interessavam aos americanos, exceto às tradicionais petrolíferas.

No entanto, tudo mudou no início da década de 20. A situação geo-estratégica mundial colocou África, de novo, como campo de conflito de interesses, quer na obtenção de matérias-primas (área em que a China estava avançadíssima, e em que os EUA passaram a ter interesse, para garantir a sua autonomia estratégica), quer na contagem de apoios para a Guerra da Ucrânia e suas sequelas. Nesse sentido, com um novo embaixador dos EUA em Angola, Tulinabo S. Mushingi, e a persistente aproximação de Luanda a Washington, os americanos perceberam que tinham um possível novo e poderoso aliado em Angola.

Daí que Angola aparentaria tornar-se um dos mais fortes aliados dos Estados Unidos em África. Símbolos disso foram a viagem de João Lourenço a Washington para um encontro na Casa Branca com o Presidente Joe Biden (Dezembro de 2023)[3], e as constantes visitas de autoridades americanas a Luanda (Antony Blinken, cinco senadores americanos, Samantha Power, Lloyd Austin, entre outros).

Muitos projetos foram anunciados, destacando-se o famoso Corredor do Lobito, que se tornou a bandeira desta cooperação intensa Angola-EUA.

Não entrando agora numa aprofundada descrição deste projeto, o essencial a reter é que se trata duma via de comunicação ferroviária que liga o interior africano, englobando a República Democrática do Congo, Zâmbia e a própria Angola ao porto do Lobito. Ainda recentemente, foi divulgada a Parceria para Infraestrutura e Investimento Global (PGII) sobre a mobilização até a presente data de 4.9 mil milhões de dólares, apresentada como um passo significativo dos Estados Unidos da América, da União Europeia e dos parceiros privados para reforçar o compromisso com o desenvolvimento sustentável e a integração regional, beneficiando Angola, Zâmbia e a República Democrática do Congo[4]. E na recente cimeira do G-7, em Puglia, Itália, os líderes das economias mais avançadas do Ocidente reafirmaram o apoio a projetos de infraestruturas de vários milhares de milhões de dólares em toda a África, a fim de concretizar o potencial económico e a transformação do continente, especificando o Corredor do Lobito como máxima prioridade[5].

Muitos observadores têm assegurado que se trata duma resposta a um domínio mineiro chinês de África[6]. Dificilmente, será assim, uma vez que uma boa parte dos minérios que se pretende transportar pelo Corredor estão em minas debaixo do controlo chinês. Embora, segundo o Wilson Center, a China controle atualmente apenas cerca de 8 por cento do sector mineiro de África, menos de metade dos seus concorrentes ocidentais, o certo é que tal representa ainda assim um aumento em relação aos 6,7 por cento em 2018. E naquilo que diz respeito aos potenciais beneficiários do Corredor do Lobito, o que preocupa os EUA é o monopólio da China sobre a mineração na cintura de cobre de África (República Democrática do Congo e Zâmbia) e os seus recentes investimentos substanciais na produção de lítio no Zimbabué, que detém as maiores reservas de lítio de África. Estes investimentos permitem à China ditar a cadeia de abastecimento global de baterias renováveis ​​e veículos eléctricos (EV). Na RDC, o país com as maiores reservas mundiais de cobalto e cobre de alta qualidade, a China possui actualmente 72% das minas de cobalto e cobre, incluindo a mina Tenge Fungurume, que sozinha produz cerca de 12% da produção mundial de cobalto. As operações mineiras da China nestes três países conferem a Pequim uma liderança significativa na produção de semicondutores e baterias e, portanto, no domínio das tecnologias de segurança climática. Isto deixa o resto do mundo cada vez mais dependente da inovação e da indústria chinesa para impulsionar as transições energéticas globais e enfrentar as alterações climáticas. Além disso, na RDC, a China possui pelo menos 7 entidades de processamento de cobalto, mas envia principalmente minerais brutos de volta à China para processamento e fabrico, a fim de satisfazer a procura global de minerais críticos e produtos acabados[7].

Naturalmente, estes dados sobre a influência da China da mineração na RDC e Zâmbia, permitem perceber que o Corredor do Lobito nunca será uma alternativa americana ao domínio chinês dos minérios centro-africanos. Na verdade, para ter sucesso comercial, os transportes americanos precisarão do concurso dos mineiros chineses.

Fontes bem colocadas informam-nos que o objetivo é menos o transporte de minérios e mais a criação duma área de desenvolvimento agroindustrial paralela ao corredor, cujos produtos serão escoados pelo mesmo. É neste objetivo, que entra a opção americana pelo Grupo Carrinho. Na recente cimeira do G7, já mencionada, foi anunciado um relevante financiamento ao Grupo Carrinho, considerada empresa angolana líder no setor agroindustrial, para desenvolver o Corredor do Lobito. Aparentemente, o Grupo Carrinho, uma espécie de empresa “querida” dos americanos, tem como função transformar Angola em um hub alimentar regional, com investimentos destinados à construção e aquisição de infraestrutura para armazenamento de produtos alimentares[8]. Torna-se assim, este Grupo Carrinho, uma peça chave da estratégia americana para África.

Mesmo assim, contudo, há que notar que mesmo na estrutura atual do Corredor, há uma empresa chinesa relevante, a Mota-Engil, que embora tenha um nome português, tem como acionista de referência o Estado Chinês. A verdade é que a China Communications Construction Co., Ltd. detém 32,41% do capital social, e o próprio CEO da Mota-Engil, Carlos Mota Santos, já admitiu que a CCCC é detida pelo Estado da República Popular da China[9].

Portanto, no final do dia, o Corredor do Lobito nunca será um projeto norte-americano para contrapor à China, mas seguramente, para ter sucesso, terá de ser um projeto cooperativo sino-americano. Se isso é ou não possível, veremos no futuro.

A atitude chinesa

Durante anos, enquanto, assegurava o seu crescimento económico exponencial, a China adotou uma diplomacia internacional suave e discreta, não confrontando, mas modelando, seguindo os preceitos de Deng Xiao Ping, que preferia uma aproximação internacional conhecida como “taoguang yanghui” que sublinhava a a necessidade de evitar polémicas e o uso de retórica cooperativa. É notório que com Xi Jiping a China entrou numa nova fase, mais assertiva no plano internacional que se denomina do “lobo guerreiro “que não evita o confronto que permita à China ocupar o lugar que reconhece como seu no palco dos assuntos mundiais.

Neste contexto, de assertividade, ao contrário de que seria esperado no passado, a China reagiu à aproximação americana a Angola, rapidamente, sobretudo, reocupando de forma expedita espaços que os americanos ou os aliados Ocidentais não souberam ocupar ou em que foram desleixados.

Do ponto de vista político, a reação chinesa foi visível na mais recente viagem de João Lourenço a Pequim (Março 2024). Embora as afirmações oficiais tenham sido de grande amizade e sucesso, as autoridades chinesas, fizeram saber em determinados círculos razoavelmente públicos o seu desencanto com João Lourenço, contradizendo a narrativa oficial dessa viagem. Foi um jogo discreto, impercetível para muitos, mas que existiu, demonstrando a vontade chinesa de não “entregar os pontos” em Angola.

E a realidade, é que a vontade política chinesa, posteriormente, tem vindo a afirmar-se no terreno de eleição chinês: a economia.

Três anúncios recentes afirmam o renovado vigor chinês em Angola.

Em primeiro lugar, um grupo chinês vai construir a primeira autoestrada de Angola, com cerca de 1.400 quilómetros, a ligar o sul ao norte do país. Será a empresa estatal chinesa China Road and Bridge Corporation (CRBC) que construirá uma autoestrada com cerca de 1.400 quilómetros, que ligará a parte sul de Angola com a vizinha Namíbia, até à parte norte de Angola, com a República Democrática do Congo. Prevê-se o início da construção efetiva da obra no final de 2025 ou em 2026[10].

Este projeto mostra a China a voltar aos projetos infraestruturantes de grande envergadura em Angola, algo que se julgaria ter terminado. Contudo, não é o caso.

Em segundo lugar, temos a manifestação da intenção por parte do governo angolano em rescindir o contrato com a empresa que venceu o concurso de construção da refinaria do Soyo, que tem tido dificuldades para obter financiamento. Trata-se dum consórcio liderado pela Quanten que ganhou, em 2021, um concurso público internacional para a construção da refinaria do Soyo, constituído por quatro empresas, sendo três norte-americanas (a líder do consórcio Quanten LLC, a TGT INC e a Aurum & Sharp LLC) e uma angolana (ATIS Nebest)[11].

Neste caso, temos um falhanço americano em garantir financiamentos, que leva à cessação dum contrato, abrindo as portas para a entrada da China, pois, recorde-se a que China já havia estado com a construção da refinaria do Soyo, nos tempos de José Eduardo dos Santos, e uma empresa chinesa tinha ficado em segundo lugar no concurso internacional que proporcionou a adjudicação à Quanten[12]. Agora, a porta fica aberta para os chineses que ficaram em segundo lugar, o consórcio CMEC de que faz parte a chinesa China Machinery Engineering Corp,[13] ou outros interessados liderados pela China, avançarem para o Soyo.

É evidente que aqui somos confrontados com um problema americano típico dos nossos dias, a excessiva crença na força do marketing e em engenharias financeiras impraticáveis em África. Citando, mais uma vez o CEO da Mota-Engil, Carlos Mota Santos, o problema americano é que “, todo o investimento norte-americano ou europeu, com uma ou duas exceções, é mais oportunístico. São fundos imobiliários e fundos abutres, não os vejo a investir em nenhuma indústria.”[14]

Finalmente, temos um terceiro sinal de desistência ocidental, agora da Siemens, e abertura de mais portas à China numa área em que este país também tem perícia, a dos metros de superfície (lembremo-nos que a recente frota do metro do Porto, Portugal, já foi habilitada com composições chinesas).

Agora é o caso do metro de superfície em Luanda. Os alemães da Siemens Mobility desistiram do projeto assente numa parceria público-privada e o governo angolano pretende assumir ele próprio os custos de construção com base num financiamento proveniente da China[15].

É um grande volte-face, e mais uma vez demonstra a incapacidade ou falta de vontade das empresas ocidentais para investir em Angola. Primeiro, a Quanten falha no Soyo, agora a Siemens no metro de Luanda. Angola volta a estar plenamente aberta e necessitada da China para assegurar o seu desenvolvimento.

Estados Unidos lentos e China energética

O que aparenta, neste momento, é que boas vontades americanas e Ocidentais não chegam. A realidade é simples. Angola precisa de dinheiro, como precisou em 2002 para a reconstrução, e, mais uma vez, a China parece empenhada em tomar a dianteira.

Os Estado Unidos parecem ter vontade de estar com Angola, mas chegando a momentos decisivos não têm soluções práticas e operacionais, perdendo-se em planos, projetos, viagens, engenharias financeiras e anúncios de intenções. Pelo contrário, a China parece ter percebido que se está a abrir uma nova oportunidade em Angola, e aparentemente, está em condições para aproveitar essa nova oportunidade.

O futuro dirá se é assim.


[1] Cfr. Rui Verde, 2021, Angola at the Crossroads: Between Kleptocracy and Development, Londres

[2] Ver o nosso relatório anterior em https://www.cedesa.pt/2021/05/18/os-realinhamentos-da-politica-externa-de-angola/

[3] https://observador.pt/2023/12/06/embaixador-dos-eua-destaca-ano-verdadeiramente-historico-apos-encontro-entre-biden-e-joao-lourenco/

[4] João de Almeida, https://www.facebook.com/dealmeida31

[5] https://www.afdb.org/pt/noticias-e-eventos/comunicados-de-imprensa/lideres-do-g-7-reafirmam-empenho-em-infraestruturas-de-milhares-de-milhoes-de-dolares-para-africa-prometem-mais-apoio-iniciativas-do-banco-africano-de-desenvolvimento-71926

[6] https://www.club-k.net/index.php?option=com_content&view=article&id=52349:o-corredor-do-lobito-a-resposta-de-washington-a-iniciativa-belt-and-road-em-africa&catid=5&lang=pt&Itemid=1070#google_vignette

[7] https://www.wilsoncenter.org/blog-post/addressing-chinas-monopoly-over-africas-renewable-energy-minerals

[8] https://www.club-k.net/index.php?option=com_content&view=article&id=54293:grupo-angolano-carrinho-recebe-financiamento-do-g7-para-impulsionar-infraestrutura-no-corredor-do-lobito&catid=41026:nacional&lang=pt&Itemid=1083

[9] https://eco.sapo.pt/2023/04/20/mota-engil-insiste-numa-decisao-e-diz-que-e-incontornavel-no-projeto-do-novo-aeroporto/

[10] https://www.angonoticias.com/Artigos/item/77289/grupo-chines-vai-construir-primeira-autoestrada-de-angola

[11] https://www.rtp.pt/noticias/economia/angola-admite-rescindir-contrato-com-empresa-que-vai-construir-refinaria-do-soyo_n1578622

[12] https://expansao.co.ao/expansao-mercados/interior/consorcio-euaangola-tem-tres-anos-para-construir-refinaria-101446.html

[13] https://www.noticiasaominuto.com/economia/1710487/consorcio-quantem-vence-concurso-para-a-construcao-da-refinaria-do-soyo

[14] https://eco.sapo.pt/2023/04/20/mota-engil-insiste-numa-decisao-e-diz-que-e-incontornavel-no-projeto-do-novo-aeroporto/

[15] https://www.angonoticias.com/Artigos/item/77319/angola-avanca-com-metro-de-luanda-e-desiste-de-ppp-negociada-com-os-alemaes-da-siemens-mobility

Em busca de um novo paradigma para as relações Angola-China

Ultrapassar a questão da dívida

Aparentemente, está para breve a visita de João Lourenço à China e Beijing já tem, novamente, embaixador em Luanda. Portanto, há movimentos dinâmicos acentuados na relação Angola-China.

Não é a primeira visita do Presidente angolano a Beijing, todavia, é a primeira após a aproximação pública e efetiva aos Estados Unidos, e no momento em que a questão da dívida à China se tornou o aspeto principal das relações entre os dois países.

Sobre a dívida, há um facto indesmentível. Angola procedeu a uma redução substancial do capital em débito desde 2017. Na realidade, nesse ano o montante de capital devido era de 23 204,9 mil milhões de dólares enquanto no final de 2023 apenas se situava nos 17 921,0 mil milhões de dólares americanos, tendo havido assim uma redução exata de 5 283,9 mil milhões de dólares segundo os dados oficiais do Banco Nacional de Angola (BNA), só em capital, não contabilizando juros.[1] Isto significa que mesmo durante anos de crise-não esquecer que a economia angolana se contraiu entre 2016 e 2020[2]– o estado angolano teve capacidade e quis pagar a sua dívida à China.

Portanto, a questão não se coloca ao nível da capacidade, mas do sacrifício, ou melhor dizendo, do custo de oportunidade. O capital retirado do Orçamento Geral do Estado para pagar à China é capital que não é utilizado noutros sectores, como por exemplo, na área do desenvolvimento humano, educação, saúde, saneamento, etc. Além disso, obviamente, a instabilidade orçamental derivada da oscilação dos preços do petróleo coloca sempre uma grande pressão na liquidez do tesouro para cumprir os pagamentos.

É por essa razão, e após o grande esforço angolano de mais de 5 mil milhões de dólares, efetuado durante a presidência de João Lourenço, que este deveria ser o tempo de descompressão no pagamento da dívida à China.

A este acresce outro facto, já suficientemente tratado[3], que é o da chamada “dívida odiosa”. Parece hoje demonstrado que uma boa parte da dívida contraída à China por Angola, terminou de forma ilegal na posse de entidades privadas angolanas que não usaram os fundos para o bem comum, mas para lucro próprio indevido. Notícias recentes dão conta que a estruturação de todo o mecanismo de desvio de fundos teve a participação de entidades chinesas mandatadas pelo Comité Central do Partido Comunista Chinês[4]. A confirmar-se, e não está devidamente certificado, tal ação coloca os montantes de “dívida odiosa” numa categoria à parte, que deverá ser objeto de negociação separada pelas diplomacias dos dois países, para não dar origem a nenhum processo em tribunal arbitral, como está previsto nos acordos bilaterais de financiamento.

Enquadrada a questão da dívida, torna-se evidente que este é o tempo de ir para além da dívida e criar um novo paradigma para as relações entre Angola e China

O novo paradigma entre Angola e China: esvaziar o maniqueísmo China-EUA

Poder-se-ia pensar que a aproximação de João Lourenço a Joe Biden, promovendo um efetivo estreitamento das relações de Angola com os Estados Unidos, levaria a um necessário agastamento e afastamento da China.

Não se partilha dessa opinião. Pelo contrário, entende-se que a visão maniqueísta que suporta essa visão não se sustenta em factos.

Em primeiro lugar, na esfera económica, apesar da retórica americana que começou com a administração Trump e continuou com Biden, o certo é que as relações entre ambos os países- EUA e China- se mantêm intensamente. As companhias americanas -e Ocidentais em geral- continuam muito dependentes dos mercados e das cadeias de produção chinesas. A retórica mais agressiva apenas beneficiou alguns países intermediários que recebem investimento chinês e depois exportam os produtos resultantes desse investimento para os EUA com um “selo não chinês”, sendo que no final os laços se mantêm fortes. Neste sentido, por exemplo, Elon Musk da Tesla está a convidar fornecedores chineses de peças dos seus automóveis para replicarem as suas cadeias de produção da China para o México[5]. Recentemente, o CEO da Apple – Tim Cook – encontrou-se com governantes da China e reafirmou o seu compromisso com o mercado da China, e desejo de estreitamento de laços com o Governo de Beijing[6]. Um outro exemplo atual é a ExxonMobil, o gigante americano do sector da energia que planeia investir num complexo petroquímico de vários milhares de milhões de dólares na província de Guangdong[7]. Com efeito, se tudo correr dentro do previsto, o projeto que tem um investimento total de 10 mil milhões de dólares, e estará com a primeira fase concluída ainda antes do final do ano. Já para não falar da Starbucks, a multinacional norte americana, que hoje em dia está com mais de 6.800 lojas só na China, e que em 2023 investiu mais de 200 milhões de dólares num novo campus na China, sinal de como o consumidor chinês continua a ser crucial para a cadeia global de café, apesar de estar a haver um certo abrandamento económico[8].

A isto acresce que o sucesso do Corredor do Lobito em que quer Angola, quer os Estados Unidos apostam, necessita forçosamente do concurso chinês-que domina o essencial da matéria-prima- para ter sucesso.

Estes factos reais da infraestrutura económica, apontam para uma necessária triangulação entre países intermediários, China e Estados Unidos, que se traduz numa função ideal para Angola, que se posiciona acertadamente como “ponte” entre Ásia e Ocidente. Portanto, poder-se-á ter um benefício desta aproximação recíproca e não uma desvantagem, sabendo Angola aproveitar o seu papel de charneira de modo hábil e inteligente.

O novo paradigma entre Angola e China: trocar os empréstimos por investimento produtivo

O facto essencial é a necessidade de mudança de paradigma. Angola não pode sustentar o seu tesouro e desenvolvimento em empréstimos que forçosamente têm de ser pagos. Isto não quer dizer que não os use e recorra quando precise, mas a estratégia tem de ser outra, e outra quer dizer, investimento. O que se deve querer da China é investimento e não mais empréstimos.

Olhemos para a política da China em Portugal. Aí essencialmente, a China realiza investimentos, compra ações de empresas, torna-se sócia de outras. Leva capital para Lisboa para aplicar no processo produtivo, não para obter juros. Os principais investimentos chineses em Portugal concentram-se em setores como banca, energia e seguros. Atente-se para o caso da EDP. O investimento chinês na EDP – Energias de Portugal, S.A. é significativo. A China Three Gorges (CTG) é a maior acionista da EDP desde 2011. No ano passado, as acções detidas pela CGT estavam avaliadas em 4.634 milhões de euros[9]. No sector da saúde, destaca-se o grupo privado chinês Fosun, que é o maior acionista do Grupo Luz Saúde.  Este grupo que é uma das principais referências da saúde em Portugal, é controlado pelos chineses da Fosun e pela seguradora Fidelidade (que, por sua vez, também tem como acionista os chineses da Fosun)[10]. Atualmente, este grupo gere 30 hospitais, clínicas e unidades de saúde. Em 2022, os seus resultados operacionais atingiram os 600 milhões de euros, mais 11 % face ao ano anterior[11].

Em 2023, Portugal captou mais investimento estrangeiro industrial e o maior veio da China.[12] Trata-se “da fábrica de baterias para carros eléctricos da chinesa CALB, que já arrancou com o processo de licenciamento ambiental de uma nova unidade em Sines, um projecto de 2060 milhões de euros, para o qual foram reservados 90 hectares de terreno e prometidos 1800 postos de trabalho[13]”.
É este género de relação que Angola deve começar a ter com a China. Não uma relação de dependência de empréstimos, mas de investimentos diretos chineses na economia angolana.

Existem várias áreas para o investimento chinês em Angola, mas destacar-se-ia as possibilidades de fábricas de automóveis, sabendo-se o grande incremento que esta indústria está a ter na China e a tornar-se a maior do mundo. Igualmente, importante, o sector das telecomunicações e energia elétrica que tanta falta faz em Angola. Outro setor de aposta poderia ser o têxtil, depois do falhanço da Etiópia, encurtando as linhas logísticas de fornecimento para os EUA e Europa em relação ao Vietnam.

E outras hipóteses deveriam ser estudas, mas ficam estas sugestões para investimento chinês em Angola: criar um cluster de indústria automóvel, telecomunicações e energia elétrica, têxteis.


[1] DÍVIDA EXTERNA PÚBLICA POR PAÍSES (STOCK): 2009 – 2023, https://www.bna.ao/#/pt/estatisticas/estatisticas-externas/dados-anuais                  

[2] https://pt.countryeconomy.com/governo/pib/angola

[3] Cfr. Rui Verde, 2023, O tratamento jurídico a conferir à dívida pública angolana à China que resulta de apropriação privada, Comunicação ao III Congresso Internacional de Angolanística
Biblioteca Nacional /Lisboa

[4] https://www.rfa.org/english/news/china/sam-pa-ccp-02062024151947.html

[5] https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2024/02/16/elon-musk-atrai-fornecedores-chineses-para-se-instalarem-bem-ao-lado-dos-eua.ghtml

[6] https://www.adrenaline.com.br/hardware/ceo-da-apple-reafirma-seu-compromisso-com-a-china/

[7] https://www.globaltimes.cn/page/202402/1307530.shtml

[8] https://edition.cnn.com/2023/09/19/business-food/starbucks-china-coffee-center-intl-hnk/index.html

[9] Idem.

[10] https://observador.pt/2020/10/21/luz-saude-dos-chineses-da-fosun-foi-quem-fez-mais-negocios-com-o-estado-na-pandemia/

[11] https://jornaleconomico.sapo.pt/noticias/luz-saude-tem-dimensao-para-entrar-no-psi-diz-lider-da-bolsa-nacional/

[12] https://www.publico.pt/2024/03/03/economia/noticia/portugal-captou-investimento-estrangeiro-industrial-maior-veio-china-2082344

[13] Idem.

Eleições angolanas de 2022 e os Estados Unidos da América

Recentemente, têm circulado por Luanda e obtido o devido eco em portais geralmente bem-informados[1]rumores acerca dum possível interesse acrescido dos Estados Unidos nas eleições angolanas, que levariam a potência ocidental a exigir que as eleições tivessem observadores internacionais imparciais que garantissem a verdade eleitoral, bem como a ameaça de possíveis sanções ao governo de João Lourenço se não acatasse essas recomendações americanas. Em concreto, anuncia-se que a Administração Biden tem estado a ameaçar com a aplicação de sanções financeiras, restrições de vistos e proibições de viagens contra governantes que prejudiquem as eleições nos seus países.[2] Daí extrapola-se que estará a fazer o mesmo em relação a Angola.

Representando esta aparente postura uma rutura com a relativa passividade com que os Estados Unidos da América no passado têm encarado as eleições gerais em Angola, pelo menos desde 2008, é mister tentar perceber se existe verificavelmente essa mudança de política dos EUA e em que termos.

Em primeiro lugar, as fontes que consultamos afirmam desconhecer qualquer inversão da política externa norte-americana relativa a Angola, anotando que os rumores têm origem, essencialmente, em documentos enviados por Organizações Não Governamentais angolanas ao Departamento de Estado, o que sempre aconteceu e acontecerá e também nas auscultações habituais que a Embaixada americana em Luanda efetuou, mas que sempre realizou no passado e realizará no futuro. Nada de novo, portanto.

Em segundo lugar, e isto constitui o objeto do nosso estudo, interessa averiguar se as condicionantes estruturais da política externa norte-americana implicam uma intervenção/preocupação mais acentuada com as eleições e a situação em Angola, podendo levar a desentendimentos graves ente a Administração Biden e o executivo de João Lourenço.

A política externa da Administração Biden, curiosamente, nas suas grandes linhas segue a política adotada por Donald Trump, quebrando apenas em aspetos específicos, como a emergência climatérica ou algum multilateralismo. Deste modo, a política externa Biden assenta num empenho no tratamento da relação com a China, um pragmatismo na generalidade das relações e um desinteresse em África.

A retirada, nos termos em que ocorreu, do Afeganistão é um exemplo típico desta abordagem, em que os americanos não se querem envolver em projetos “nation building” ou de promoção ativa de valores noutros países. Preferem agora uma estratégia que os beneficie comercialmente, garanta a estabilidade e ajude a controlar a China.  

O idealismo dos neoconservadores que acolitaram George Bush filho na sua tentativa de construção de democracias e estados de direito no Iraque e Afeganistão, deixou de fazer parte do guião da política externa americana. Portanto, não se espere que esse idealismo venha existir para África. Não vão existir intervenções em África para promover qualquer tipo de valores americanos, nem sequer intervenções musculadas de qualquer tipo.

O que existe da parte norte-americana é um desejo que o continente africano seja o mais estável possível e o fornecimento de matérias-primas essenciais seja assegurado do modo mais adequado possível.

Ainda este mês de outubro, na prestigiada revista Foreign Affairs, escrevia-se “President Joe Biden’s administration has been similarly slow out of the blocks on Africa. Aside from its focused diplomatic response to the horrific civil war in Ethiopia and a few hints about other areas of emphasis, such as trade and investment, Biden has not articulated a strategy for the continent.” (A administração do presidente Joe Biden tem sido igualmente lenta nos bloqueios de África. Além de sua resposta diplomática focada na horrível guerra civil na Etiópia e algumas dicas sobre outras áreas de ênfase, como comércio e investimento, Biden não articulou uma estratégia para o continente.)[3].

Consequentemente, em termos das linhas estruturais da política estrangeira americana verifica-se que com a retirada do Afeganistão foi abandonada qualquer veleidade de “Nation building” ou intervenção em país terceiro que não ameace diretamente o interesse nacional.

Adicionalmente, o foco foi colocado na China e no seu controlo e mais geralmente na Ásia.

A declaração do Departamento de Estado norte-americano de maio deste ano é bem clara sobre a importância da China e o papel que desempenha na abordagem americana: “Strategic competition is the frame through which the United States views its relationship with the People’s Republic of China (PRC).  The United States will address its relationship with the PRC from a position of strength in which we work closely with our allies and partners to defend our interests and values.  We will advance our economic interests, counter Beijing’s aggressive and coercive actions, sustain key military advantages and vital security partnerships, re-engage robustly in the UN system, and stand up to Beijing when PRC authorities are violating human rights and fundamental freedoms.  When it is in our interest, the United States will conduct results-oriented diplomacy with China on shared challenges such as climate change and global public health crises[4].” (“A competição estratégica é a estrutura pela qual os Estados Unidos veem seu relacionamento com a República Popular da China (RPC). Os Estados Unidos abordarão o seu relacionamento com a RPC a partir de uma posição de força na qual trabalhamos em estreita colaboração com nossos aliados e parceiros para defender nossos interesses e valores. Avançaremos os nossos interesses económicos, combateremos as ações agressivas e coercitivas de Pequim, manteremos vantagens militares importantes e parcerias de segurança vitais, voltaremos a colaborar fortemente no sistema da ONU e enfrentaremos Pequim quando as autoridades da RPC estiverem a violar os direitos humanos e as liberdades fundamentais. Quando for de nosso interesse, os Estados Unidos conduzirão uma diplomacia voltada para resultados com a China em desafios compartilhados, como mudanças climáticas e crises globais de saúde pública.”

Se as linhas estruturantes da política externa americana são as referidas, e África não ocupa um lugar relevante, convém assinalar, no entanto, o que os Estados Unidos desejam ou esperam de África. Essencialmente, pode-se resumir numa frase coloquial: Os EUA desejam que África não lhe dê chatices e propicie alguns lucros económicos.

No seguimento dessa estratégia, os EUA têm entregado uma boa parte da luta anti- terrorista a França e contam que os países africanos garantam a estabilidade local, prosseguindo fortes alianças com alguns deles. Só se o interesse e a segurança nacionais norte-americanas forem afetadas pelo terrorismo islâmico, os Estados Unidos intervirão fortemente. De notar, que também aqui os EUA têm o seu trauma, ocorrido na Somália, e tão bem retratado no belo filme Black Hawk Down[5] magistralmente dirigido por Ridley Scott. Não existe qualquer apetência dos EUA em se colocarem por dentro de qualquer imbróglio em África. Esta ideia é reforçada pelas propostas de donwsizing relativamente ao seu Africom (Comando dos Estados Unidos para a África).

Nesta medida, os EUA têm uma perspetiva muito prática dos equilíbrios de forças e necessidades para África. E na realidade a sua história com Angola isso o demonstra. Na verdade, mesmo quando nos anos 1980s apoiavam declaradamente a UNITA de Jonas Savimbi contra o MPLA de José Eduardo dos Santos tinham o cuidado que tal apoio não perturbasse as atividades das suas companhias petrolíferas a operar em território dominado pelo governo do MPLA. Na altura, Cuba enviou 2 mil soldados adicionais para proteger as plataformas de petróleo da Chevron (em Cabinda). Em 1986 Savimbi chamou a presença da Chevron em Angola, já protegida pelas tropas cubanas, como um “alvo” da UNITA. Portanto, tínhamos Savimbi apoiado pelos norte-americanos a invetivar uma companhia norte-americana protegida pelos cubanos.[6] Mais tarde, correram rumores que uma empresa ligada ao conservador Dick Cheney, futuro vice-presidente de George Bush filho, teria tido um papel na localização e morte de Jonas Savimbi[7].

Isto quer dizer, que a atitude dos EUA face a Angola sempre foi ambivalente, e não será agora que irá enveredar por um caminho de confronto, quando Angola se tornou um aliado importante por dois motivos muito reais.

Em primeiro lugar, Angola, sobretudo com a liderança de João Lourenço tem desempenhado um papel de pacificação na sua zona de influência. Relembre-se que Angola ajudou a uma transmissão pacífica e eleitoral na República Democrática do Congo (RDC), tenta estabelecer alguma tranquilidade entre o triângulo RDC, Uganda e Ruanda, além de ter contribuído decisivamente para a recente paz na República Centro-Africana (RCA). Na verdade, neste último país o Presidente Touadéra destacou o papel fulcral desempenhado pelo Estado angolano na obtenção da paz. Angola é um aliado da paz dos EUA em África e obviamente os americanos não vão desleixar o apoio e colaboração diplomática e militar de Angola para a tranquilidade africana.

Também é um forte baluarte contra qualquer penetração do terrorismo islâmico.

Em segundo lugar, é nítido que Angola segue atualmente uma nova política externa, pretendendo “descolar-se” da excessiva dependência da China. Ora, atendendo à sua experiência com a China de quem foi pioneira da intervenção em África e da tentativa atual duma política estrangeira mais ocidental, Angola constitui uma plataforma experimental por excelência para a política dos EUA face à China, onde se testarão as verdadeiras implicações dessa política e até onde irá o empenho americano para contrabalançar a China.

Nessa medida, um falhanço americano com Angola será um falhanço global da sua aproximação estratégica à China. Aqui, tal como na Guerra Fria em relação à União Soviética, se vai medir a realidade da ação americana relativamente à China.

Assim, tudo ponderado não parece que a Administração Biden embarque em qualquer hostilização ou mudança em relação ao governo de João Lourenço, pois isso não corresponde aos interesses americanos face a África e mesmo em relação à China. Todos rumores noutro sentido, devem ser vistos como parte da luta interna angolana e não qualquer posicionamento musculado americano.


[1]CLUB-K, 2021,  https://club-k.net/index.php?option=com_content&view=article&id=46062:eua-ameacam-sancoes-contra-regimes-africanos-que-recorrem-a-fraude-eleitoral&catid=11:foco-do-dia&lang=pt&Itemid=1072

[2] Idem

[3] Foreign Affairs, 2021, https://www.foreignaffairs.com/articles/africa/2021-10-08/africa-changing-and-us-strategy-not-keeping?utm_medium=promo_email&utm_source=lo_flows&utm_campaign=registered_user_welcome&utm_term=email_1&utm_content=20211026

[4] USA State Department, 2021, https://www.state.gov/u-s-relations-with-china/

[5] Black Hawk Down, 2001, https://www.imdb.com/title/tt0265086/

[6] Franklyn, J. (1997), Cuba and the United States: a chronological history

[7] Madsen, W. (2013). National Security Agency surveillance: Reflections and revelations 2001-2013

Os realinhamentos da política externa de Angola

1-Introdução. O reposicionamento geopolítico de Angola

No momento, em que terminamos este relatório, o Presidente da República de Angola encontra-se em Paris com o Presidente da República Francesa. Este encontro representa um dos pontos do realinhamento em curso da política externa de Angola. Basta lembrar que nos últimos tempos de José Eduardo dos Santos, os franceses estavam de “castigo” devido ao seu papel no Angolagate.

Angola não é um país indiferente. Tem desempenhado um papel geopoliticamente relevante ao longo da sua curta, mas intensa história após a independência. Primeiramente, foi um dos palcos violentos da Guerra Fria, onde americanos e soviéticos se digladiaram com a virulência que não podiam adotar noutras localizações geográficas. Angola acabou por ser um bastião soviético de grande nomeada, onde estes na realidade ganharam quando em confronto com os Estados Unidos. Depois da fase soviética, Angola foi mais uma vez inovadora e tornou-se o primeiro país africano a receber a nova China que se abria ao mundo e procurou em África um continente para a sua expansão e teste das suas ideias. Angola tornou-se um parceiro por excelência da China.

            Obviamente, sendo uma simplificação, do ponto de vista das grandes tendências a posição geopolítica de Angola começou por estar alinhada com a União Soviética e após a queda desta, com a China. Não se tratando dum país rabidamente antiocidental, muito longe disso, até porque Angola tem uma profunda influência da cultura europeia, o país ancorou-se em outras paragens ao longo do tempo.

Por várias razões, neste momento, Angola ensaia uma diferente aproximação geopolítica que tende a desvalorizar o papel quer da Rússia, quer da China, e a encontrar novas referências e diálogos políticos. Este texto debruçar-se-á sobre essa desvalorização, os novos vetores que influenciam o reposicionamento angolano, os países que agora desempenharão um papel mais relevante nas preocupações externas de Angola, além de uma curta nota sobre Portugal. Não se abordará a influência de Angola na África Austral e o seu papel de estabilização nos Congos.

2-O declínio da relação angolana com a Rússia e a China

O declínio da relação soviética (agora russa) com Angola é fácil de descrever. A aposta da União Soviética em Angola fazia parte de uma estratégia de longo-prazo de envolvimento do Atlântico Norte através dos países do Sul. A incursão em África que foi acelerada pela “perda” da influência no Médio-Oriente nos anos 1970s derivada do corte promovido por Sadat do Egipto e pelo aproveitamento oportuno de Kissinger. De repente, a União Soviética viu-se sem um dos suportes principais que tinha no Médio Oriente e de onde esperava condicionar os americanos. O certo é que essa situação levou a um aprofundamento de várias alternativas entre as quais mais tarde se destacou Angola. Naturalmente, que a queda do Muro de Berlim em 1989 e o final da Guerra Fria, com a consequente desagregação da União Soviética levaram a que o interesse russo em África esmorecesse consideravelmente. A Rússia que emergiu após o colapso de Gorbachev já não estava interessada em qualquer competição mundial com os Estados Unidos, mas na sua sobrevivência e transformação. Rapidamente perdeu o interesse em Angola.

            É certo que atualmente, Putin recuperou alguma da dinâmica imperial e procura alguma influência em África, mas ainda é de curto alcance e tem-se traduzido no envio de mercenários do grupo Wagner, que têm tido pouca eficácia, designadamente em Moçambique. Em Angola, não se nota uma atuação relevante da Rússia, sobretudo como parceiro essencial e determinante. Existem obviamente contactos e relações. Fala-se muito na influência russa em Isabel dos Santos, que será cidadã desse país, mas o certo é que não são visíveis investimentos ou laços russos com Luanda com manifesto relevo. Em 2019, foram anunciados investimentos russos em Angola de 9 mil milhões de euros, mas não se conhece sequência de tal. A isto acresce que a dívida pública externa de Angola à Rússia é zero de acordo com os dados do Banco Nacional de Angola (BNA), tendo sido liquidada na sua totalidade até 2019.

            Mais difícil é concluir pelo declínio da relação com a China. Na verdade, o investimento chinês em Angola tem vindo a crescer, pelo menos até 2020, e a dívida pública externa angolana face à China representava em 2020, 22 mil milhões de dólares, o equivalente a mais de 40% do total. A implantação chinesa em Angola é grande, bastando referir em termos sociológicos a relevância da Cidade da China.

            No entanto, há indícios que a preferência chinesa está a diminuir, ou pelo menos, a ser mitigada. O primeiro indício refere-se às negociações de um novo empréstimo que levou João Lourenço à China no início do seu mandato. As primeiras informações para a imprensa davam conta de montantes avultados a serem disponibilizados pela China, na ordem dos 11 mil milhões de dólares. A realidade é que houve variadas procrastinações nesse empréstimo, que acabou aparentemente para envolver uma quantia reduzida de 2 mil milhões de dólares que terá servido para fazer pagamentos de dívida angolana a empresas chinesas.

O certo é que se analisarmos a evolução da dívida pública externa angolana à China verificaremos que um houve um salto assinalável entre 2015 e 2016, de cerca de 11,7 mil milhões de dólares para 21,6 mil milhões de dólares, que a dívida atingiu o pico em 2017, 23 mil milhões de dólares e que desde aí tem vindo a diminuir com uma cadência significativa. Afigura-se que a China não se quer envolver mais com Angola, preferindo ir gerindo o atual envolvimento.

            Se da parte da China se poderá vislumbrar alguma recalcitrância na relação com Angola, da parte angolana também existem obstáculos. O primeiro deles é a natureza da dívida angolana à China. Muitos alegam que uma boa parte desta dívida é o que se chama “dívida odiosa”, isto é, serviu para beneficiar interesses privados corruptos e não o desenvolvimento do país. Existe a impressão que a opacidade com que se fazem os negócios com a China permitiu a criação de situações de corrupção demasiado evidentes e prejudiciais ao país. Assim, a dívida da China é, em parte, vista como dívida da corrupção. A isto acresce que surgiram problemas de qualidade nalgumas construções chinesas em Angola financiadas por dívida chinesa. Não está claro se essa falta de qualidade se deve a qualquer negligência chinesa ou a comportamentos censuráveis por parte de responsáveis angolanos, mas o certo é que a imagem persiste.

            Isto quer dizer que sendo ainda a China um parceiro fundamental de Angola, está-se, neste momento, numa espécie de fase de reavaliação. Forçosamente há que resolver o problema da dívida do passado ligada à corrupção, do modo de agir contratual demasiado opaco por parte da China e também as questões ligadas à qualidade. É uma tarefa exigente, mas necessária para reativar o interesse comum chinês e angolano.

            Se a relação com a Rússia não tem a relevância do passado e com a China está numa fase de reavaliação e recondicionamento, é evidente que Angola, sobretudo, atendendo às mudanças porque passa, terá que buscar novos parceiros ativamente.

3-Os novos vetores de atuação angolana: objetivos e países

A relação angolana com a Rússia e a China coincidiu com a necessidade de afirmar uma soberania própria e independente de interferências externas, e também da obtenção de fundos para a guerra e reconstrução pós-guerra. A atual política externa de João Lourenço coloca-se num patamar ligeiramente diferenciado, em que é importante congregar o apoio externo para as duas grandes reformas que estão a ser levadas a cabo internamente: a reforma económica e a luta contra a corrupção. Ambas as reformas necessitam de colaboração externa, sem o qual podem não sobreviver.

            A reforma económica assenta no chamado consenso de Washington proposto pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), embora os intelectuais e burocratas internacionais tenham já abandonado esta designação e a recusem. Ainda assim, implica a adoção de políticas de alargamento dos impostos e restrição da despesa com a respetiva consolidação fiscal. Naturalmente que este tipo de políticas é recessivo, aumenta, no curto-prazo, a crise económica em Angola. A grande forma de ultrapassar este efeito é obter investimento externo e muito. Aliás, diz a teoria seguida, que havendo estas reformas disciplinadoras do FMI, os investidores estrangeiros passam a confiar nos governos que as seguem e sentem-se seguros para investir. Em resumo, o investimento estrangeiro é o contrapeso necessário às reformas do FMI e a chave do sucesso destas. Consequentemente, não admira que um dos principais vetores da política externa angolana seja a aproximação a países com capacidade de investimento reprodutor assinalável e com provas dadas.

            Naquilo que diz respeito à luta contra a corrupção, o panorama que se apresenta é que, de uma maneira geral, são os países com potencialidades para investir em Angola, aqueles em que é necessária a colaboração judicial para recuperação de ativos ou traço de movimentos financeiros ilegais. As oligarquias angolanas que desviaram fundos públicos remeteram-nos para os países mais avançados ou com maior potencial financeiro.

Portanto, há um grupo de países que atualmente interessa de sobremaneira a Angola: são aqueles com capacidade de investimento eficiente e com um sistema financeiro por onde passaram muitos dos movimentos ilícitos de fundos angolanos, bem como onde se sedearam ativos comprados, possivelmente, com esses fundos. Neste momento, nem a China, nem a Rússia são países de onde se espere mais investimento, nem foram os locais escolhidos, aparentemente, para parquear bens ou ativos ilícitos. Ou se foram não há qualquer conhecimento do que lá se passa e está acolhido.

            É neste contexto que tem assumido relevância uma série de países. Um primeiro grupo são os países da Europa Ocidental que se têm destacado em visitas e anúncios de investimentos em Angola. No início deste mês de Abril de 2021, o primeiro-ministro de Espanha, Pedro Sanchez, fez uma visita a Angola. Esta visita foi acompanhada de grande empenho espanhol, afirmando Angola como um dos parceiros preferenciais de Espanha em África, e esta como uma grande aposta espanhola. Anunciou-se que Angola era a “proa” duma empreitada de Madrid a que chamou “Foco África 2023.” No ano passado, tinha sido a vez da Chanceler alemã Angela Merkel visitar Angola no âmbito de um Fórum Económico Angola-Alemanha e mais alargadamente de um Plano Marshall alemão para África. Também, o Presidente Macron anunciou uma visita a Angola, que tem sido adiada devido à Covid-19. Por sua vez o Presidente italiano já havia visitado Angola em 2019. Em relação ao Reino Unido não tem havido visitas deste nível tão elevado, mas começa a notar-se algum interesse por Angola devido às imposições do Brexit, que exigem novos mercados para o Reino Unido, embora haja um enorme desconhecimento.

            Às visitas têm sucedido variadas promessas de investimento da Europa Ocidental. A empresa italiana de petróleos (ENI) prevê investir sete mil milhões de dólares (5,9 mil milhões de euros), nos próximos quatro anos, na pesquisa, produção, refinação e energia solar, anunciou no início de abril de 2021. Antes empresários britânicos afirmaram pretender investir em Angola cerca de 20 mil milhões de dólares. Também a Alemanha e a França têm vários projetos em curso.

            Este eixo da Europa Ocidental tornou-se fundamental na política externa angolana, pois estes países necessitam de novos mercados e investimentos, para saírem da excessiva dependência da China, e no caso britânico, também para procurar alternativas pós-Brexit, e sendo mercado maduros, têm de ir ao encontro de onde está a juventude e o futuro, e isso está em África.

Conseguindo João Lourenço passar a imagem que rege um governo competente e com regras macroeconómicas estáveis e viradas para o mercado livre, os investidores espanhóis, franceses, britânicos, italianos ou alemães sentir-se-ão seguros para investir. Ao mesmo tempo, nestes países residem muitas das fortunas saídas de Angola, portanto, haverá oportunidade de criar mecanismos para a sua recuperação ou redirecção.

            Note-se que ao contrário do que se poderia pensar, esta Ocidentalização da política externa de Lourenço não passa por Portugal, mas indica uma abordagem direta entre os países europeus e Angola e vice-versa.

            A este eixo Europeu Ocidental há que adicionar outro, o eixo do Golfo. Os países do Golfo, em que se destacam os Emirados Árabes Unidos e a Arábia Saudita. Estes países, previamente dependentes do petróleo, entraram numa política de diversificação. O Dubai já há alguns anos e com tremendo sucesso. A Arábia Saudita ainda dá os primeiros passos, com a chamada Visão 2030, mas o certo é que querem investir fora do seu âmbito tradicional e encontrar novos mercados. Na verdade, o Dubai já tem vários investimentos em Luanda e uma sua empresa tomou agora conta do Porto de Luanda e na Arábia Saudita, Luanda abriu agora uma Embaixada, o que revela bem o interesse no reino. Por outro lado, como se sabe, o Dubai é um centro financeiro internacional de grande nomeada e por onde passou variada movimentação financeira angolana, bem como foi utilizado nos esquemas de fuga ao fisco no comércio de diamantes. Alegadamente, ao contrário do que tem sido a sua prática, o Dubai estará a colaborar com os pedidos de auxílio judiciário angolanos, representando um exemplo típico do novo eixo geopolítico que estamos a descrever, países com potencial de investimento e de colaboração judicial na luta contra corrupção.

            Sumariamente, concluímos que uma nova aproximação geopolítica angolana se centra nos países da Europa Ocidental e do Golfo Pérsico. Mas não se fica por aqui.

4-O potencial da Índia

            A quantidade de comércio entre a África Subsaariana e a Índia tem crescido de forma consistente, e hoje a Índia é um parceiro comercial fundamental de África. Relativamente a Angola, o país é hoje o terceiro exportador na África subsaariana mais importante para a Índia, quando em 2005 não tinha relevância. Em 2017, o Embaixador da Índia emitiu um comunicado no qual destacou: “O comércio entre Angola e a Índia aumentou 100% para US $ 4,5 biliões em 2017, (…) No final de julho, à margem da 10ª cimeira dos BRICS, em Joanesburgo, o presidente de Angola, João Lourenço, reuniu-se com o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, e os dois reafirmaram a necessidade de aumentar o comércio e a cooperação em áreas como energia, agricultura, alimentos e processamento farmacêutico.”. Há medida que a Índia vai crescendo e se tornando um ator muito importante a nível mundial, é normal que Angola olhe para este país com uma nova visão. Trata-se de um mercado milionário para onde uma imensidão das exportações angolanas pode chegar.

5-Estados Unidos da América. The ultimate prize

            A relação entre Angola e os Estados Unidos tem sido ambígua. Na verdade, mesmo nos tempos em que a administração norte-americana apoiava Jonas Savimbi e a UNITA, havia um relacionamento com Luanda ligado ao petróleo e à proteção das multinacionais americanas a operar em território dominado pelo governo do MPLA.

            Atualmente, os Estados Unidos representam tudo o que Angola deseja, o país do dólar com uma capacidade de investimento e inovação financeira invejável, com uma estrutura jurídica universalizante que permite lançar mão de múltiplos instrumentos legais por todo o mundo para perseguir as fortunas da corrupção. É também dos Estados Unidos que Angola necessita que sejam levantados os vários “sinais vermelhos” que foram sendo erguidos nos tempos de José Eduardo dos Santos e tornaram a vida financeira angolana muito mais difícil. Os Estados Unidos são o país chave para esta nova fase angolana de investimento externo e combate à corrupção, porque daqui pode vir os estímulos definitivos de avanço.

            De certa forma, João Lourenço teve azar em se deparar com Trump, quando necessitava dos EUA. É conhecido que Trump não tinha qualquer interesse em África, que apenas serviu para a sua mulher realizar uma viagem em trajes estilo colonial.  Pior teria sido impossível. Mas a indiferença americana não tem de ser um obstáculo a um maior empenho angolano nas relações com a superpotência. No início dos anos 1970, Anwar Sadat do Egipto também decidiu que se queria aproximar dos Estados Unidos. Estes ocupados com mil e uma crises, entre as quais se destacava o Vietname não deram qualquer atenção a Sadat, que não deixou de seguir a sua linha, expulsando os conselheiros soviéticos e iniciando uma aproximação aos norte-americanos.

Comparações e evoluções históricas à parte-Sadat acabou assassinado por ter assinado um acordo da paz com Israel sobre os auspícios americanos- o que parece mais lógico para Angola nesta fase é acentuar uma aproximação aos Estados Unidos, mesmo que estes não estejam atentos. E não estarão, pois entre a Covid- 19, a China e a Rússia, e múltiplas pequenas crises internas têm muito com que se ocupar. No entanto, o apoio efetivo e real dos EUA à nova política angolana é fundamental para que o país saia do marasmo e deixe de ter os condicionalismos financeiros externos, portanto, uma vigorosa aproximação à administração norte-americana seria aconselhável por parte de Angola, apesar da desconfiança mútua que existe.

6-Portugal é diferente

            A propósito da visita de Pedro Sanchez, primeiro-ministro espanhol, a Angola surgiu algumas críticas ao governo português, acusando-o de inação e de estar a ser ultrapassado por Espanha. Isto é um disparate. Nem Portugal pode pensar ter o monopólio das relações com Angola, nem sequer há qualquer perigo nas relações luso-angolanas. Portugal é sempre um caso à parte, a sua influência vem menos do governo e mais do soft power, da ligação umbilical que se mantém entre os povos de ambos os países. Luanda continua a parar quando o Sporting ganha o campeonato ou o Benfica tem um jogo muito importante, o destino preferido da maior parte dos angolanos é Portugal, as relações pessoais fáceis estabelecem-se entre portugueses e angolanos. Os empresários portugueses olham sempre para Angola como uma possibilidade de expansão dos seus negócios. As relações entre Angola e Portugal têm subjacente um entrosamento entre os povos antes da intervenção dos governos.

            A nível oficial o governo português é geralmente acolhedor em relação a Angola. Em 2005 acolheu os desejos de investimento angolano, atualmente, acedeu aos pedidos de cooperação judicial de Angola relativamente a Isabel dos Santos, como antes acabou por enviar o processo de Manuel Vicente para Angola após grande pressão de Luanda. Digamos que há uma porosidade manifesta da posição portuguesa, adaptando-se com facilidade às posições e necessidades de Luanda. Esta posição aliada ao interesse das elites angolanas em Portugal, tem acabado por consolidar uma boa relação entre os dois países, apesar de um ou outro solavanco. É evidente que após o 25 de Abril de 1974, Portugal desinteressou-se de África, fazendo como sua prioridade número um a adesão à Europa e o tornar-se um país moderno ocidental. Este projeto está um pouco enrodilhado desde 2000, mas não levou Portugal ainda a uma revisão do seu foco europeu, apenas o obrigou a um olhar mais prolongado para África, depois de décadas de desinteresse. Talvez exista um momento em que Portugal queira centrar a sua política externa nos países lusófonos, mas esta não é a altura, como não é para Angola, que quer abraçar outras fonias, como a anglófona e francófona, portanto, o melhor que os governos podem fazer é facilitar o máximo a vida aos seus povos que desejem trabalhar em comum e apoiar mutuamente as solicitações de cada uma das partes, mas pouco mais.

Conclusão

O sumário da nova posição geopolítica angolana é que Angola aposta nos vetores ligados ao investimento externo e combate contra a corrupção, assumindo relevância na política externa parcerias com a Europa Ocidental, Espanha, França, Itália, Alemanha, Reino Unido, com o Golfo Pérsico, Emirados e Dubai, e com a Índia. Ao mesmo tempo, antecipa-se um reforço das relações com os Estados Unidos. Portugal terá sempre um lugar à parte.


Bibliografia utilizada

-Banco Nacional de Angola-Estatísticas- www.bna.ao

-Douglas Wheeler e René Pélissier, História de Angola, 2011

-Ian Taylor, India’s rise in Africa, International Affairs, 2012

-José Milhazes, Angola – O Princípio do Fim da União Soviética, 2009

-Robert Cooper, The Ambassadors: Thinking about Diplomacy from Machiavelli to Modern Times, 2021

-Rui Verde, Angola at the Crossroads. Between Kleptocracy and Development, 2021

-Saudi Vision 2030- https://www.vision2030.gov.sa/en

-Tom Burgis, The Looting Machine. Warlords, Tycoons, Smugglers and the Systematic Theft of Africa’s Wealth, 2015.

-Factos públicos e informativos retirados da Lusa, DW, Jornal de Negócios, Jornal de Angola, Angonotícias e Novo Jornal.