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A situação económica em Angola e a Agenda 2050

Agitações económicas recentes

Os resultados da política económica angolana que estavam a ser avaliados de forma favorável nas instituições internacionais e na generalidade da opinião pública nos últimos tempos, designadamente, baixa da inflação, consolidação orçamental, controlo da dívida pública e sucesso da liberalização cambial, pareceram sofrer um abalo durante do mês de junho de 2023.

O “gatilho” de tal mudança de perceção foi o anúncio abrupto da subida do preço da gasolina comercial em mais de 80%, devido à retirada parcial do subsídio estatal,( sem o necessário enfoque nas medidas mitigadoras que estavam bem pensadas) a que se seguiram uma série de eventos em catadupa, a exoneração de Manuel Nunes Júnior como ministro de Estado da Coordenação Económica, alguns rumores sobre salários da função pública em atrasos, e inevitavelmente o anúncio de uma agência de rating da baixa da perspetiva económica de Angola de “positivo” para “estável”.[1]A isto acresce que o Kwanza está em depreciação acelerada face ao dólar e ao euro. No final de junho, a moeda nacional angolana passou pela primeira vez os 800 kwanzas por dólar.[2]

A depreciação do Kwanza faz levantar renovados temores de inflação, num país ainda muito dependente de importações para o seu quotidiano. Em Fevereiro passado, o Banco Nacional de Angola informava que o país desembolsara mais de dois mil milhões de dólares (1,8 mil milhões de euros) com a importação de alimentos, em 2022, representando um aumento de 40% comparativamente ao ano anterior.[3] Um valor mais baixo da moeda nacional e uma subida das necessidades de importação de alimentos tem obviamente como resultado preços mais altos.

Por sua vez, a afirmação que o novo ministro de Estado e da Coordenação Económica fez sobre os atrasos de alguns salários públicos em maio, não tranquilizou, pois Lima Massano assegurou que tal se deveu a “um desfasamento entre a altura da recepção dos fundos resultantes da arrecadação fiscal e o período dos pagamentos.”[4]Não se contesta a explicação do ministro, o problema é que mesmo aceitando-a ela contém um problema, que é o da falta de reservas de tesouraria do governo, fazendo indicar que a contenção orçamental imposta pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) não criou qualquer espaço para as finanças públicas angolanas. Note-se que apesar do preço do petróleo não estar muito elevado, nos últimos seis meses oscilou entre os 70 e 80 USD, com prevalência para os 75/76 USD. Como o Orçamento Geral do Estado foi feito com base nos 75 USD (o que na altura criticámos[5]), a verdade é que o preço tem estado em linha com a previsão, embora sem margem de manobra.

O possível efeito do preço do petróleo

Face ao exposto, não será, em teoria, o preço do petróleo ainda a ter efeitos negativos no OGE no imediato.

Contudo, tal pode acontecer no segundo semestre. Temos formada a opinião, que existe uma forte pressão de descida do preço resultante dos embargos petrolíferos à Rússia e provavelmente ao Irão. A nossa tese é que estes embargos Ocidentais sobre o petróleo têm como efeito não a restrição assinalável da oferta desse produto pela Rússia, o que faria subir o preço do petróleo, mas a venda com desconto desse mesmo petróleo a intermediários que funcionam como “lavandarias”. Isto significa que quanto mais tempo durar o embargo de petróleo à Rússia, mais esta tornará eficiente os mecanismos de contorno e mais venderá petróleo com desconto. Assim, é muito possível que continue a existir uma pressão em baixo para o preço do petróleo, sobretudo, se associadamente a economia da China continuar sem mostrar a pujança do passado.

Consequentemente, pode acontecer que os apertos orçamentais se intensifiquem no segundo semestre deste ano, se o preço do petróleo sucumbir a estas pressões.

O problema doutrinário e prático

O facto concreto é que as “receitas” do FMI em Angola parecem ter falhado, e mais uma vez a aplicação de doutrinas económicas clássicas não resulta.

Torna-se cada vez mais nítido que uma teoria universal da economia baseada no pensamento conhecido como clássico e divulgado pelas universidades norte-americanas pode funcionar em economias maduras desenvolvidas ou em locais com instituições (mercado, governo, tribunais) relativamente sólidos, mas não funciona em países ainda com extremos desequilíbrios e em construção institucional. Não se pode falar de verdadeiros mercados funcionado livremente segundo as regras da oferta e procura, nem em governação eficiente ou sequer numa justiça aproximada do funcional em Angola. Por motivos variados, estes são processos em estruturação, sem finalização. Nessa medida, qualquer modelo económico que os assuma como condição prévia, falhará. Por isso, falham as medidas do FMI, não trazendo prosperidade a Angola e fazendo o país andar de crise em crise. Sublinhe-se que desde 2009 que o FMI acompanha e concorda com as políticas económicas angolanas.

Há efetivamente um problema doutrinário subjacente ao impacto negativo da política económica em Angola que se liga ao facto dos principais decisores terem formação em universidades estrangeiras que adotam modelos institucionais de economia de mercado, com maior ou menor intervenção do Estado, mas sempre admitindo que se está perante uma situação em normal funcionamento. Ora, a verdade é que Angola está numa situação pré-institucional pelo que os modelos a aplicar deviam ser de desenvolvimento e construção institucional e não de estabilização. Este problema, parecendo muito teórico, tem uma real relevância prática, pois está-se a aplicar algo que pouco tem a ver com a realidade.

A isto acresce que algumas reformas estruturais fundamentais não foram tomadas pelo governo. Manteve-se um sistema marcado pela interferência de políticos no comando das empresas, pela continuada aposta em oligopólios que são essencialmente importadores, não se tornou a justiça célere e não se diminuiu manifestamente a burocracia.

A conjugação destes fatores leva a que a economia angolana não tenha saído ainda do ciclo do petróleo e da repetição de erros passados.

A interrogação sobre a Agenda 2050

São estas deficiências de base que aparentam limitar o efeito da Agenda 2050. Em anterior relatório elogiámos a forma desassombrada e honesta em como os autores da Agenda faziam o diagnóstico da situação passada e presente[6], e tínhamos alguma antecipação em ler as propostas para o futuro.

É evidente que a Agenda 2050[7] tem muitos objetivos interessantes e análises profundas que estimulam o debate, que deveria ser alargado na sociedade angolana. No entanto, no seu cerne o documento não nos traz a ambição necessária e tem o defeito de se basear, como temos referido, em modelos generalistas.

Se repararmos o núcleo essencial dos objetivos estratégicos é pouco mobilizador. O aumento previsto até 2050 do PIB é de 2,4 vezes, o que em termos de PIB per capita, presumindo-se que o crescimento populacional é apenas de 2,1 vezes (e pode ser bem mais) resulta numa subida de 3.675 USD para 4.215 USD do mencionado PIB per capita. Se repararmos é uma subida em 27 anos do bem-estar de população de apenas 14%[8]. Adicione-se que o desemprego ainda se situará na ordem dos 20%. Um valor extremamente elevado, embora a fórmula estatística usada pelo Instituto Nacional de Estatísticas de Angola (INEA) não se possa comparar com outras, por ser mais exigente e por isso apresentar resultados mais negativos[9].

É muito desanimador. Na realidade, face ao aumento da população, o que a Agenda 2050 está a colocar como objetivo é uma quase-não progressão. Não é possível fazer diferente?

Pretende-se que Angola em 2050 seja semelhante ao que hoje são países como o Paraguai, Jordânia, Sri Lanka, Essuatíni ou Mongólia[10]. Não podemos subscrever esta visão, que na prática vislumbra um país estacionado, onde uma subida mais acentuada da população colocará severos problemas.

Conclusões

Com toda a independência e objetividade somos de opinião que esta Agenda futura deveria ser fundamentalmente revista e substancialmente alterada com a participação do Conselho Económico e Social, dos Centros de Estudos variados que trabalham sobre Angola nas universidades e fora delas e das forças vivas do país com vista a apresentar um modelo simultaneamente ambicioso e praticável para o futuro de Angola. Só assim serão ultrapassados os presentes problemas resultantes de maus modelos doutrinários e de pouco reformismo estrutural.

Mais além e mais rapidamente, tem de ser mote do futuro.


[1] https://www.noticiasaominuto.com/economia/2347975/fitch-piora-perspetiva-de-evolucao-de-angola-para-estavel

[2] https://www.dw.com/pt-002/angola-queda-hist%C3%B3rica-do-kwanza/a-66037342

[3] https://www.jornaldenegocios.pt/economia/mundo/africa/angola/detalhe/angola-importou-mais-40-de-alimentos-no-valor-de-mais-de-dois-mil-milhoes-de-dolares-em-2022

[4] https://www.angonoticias.com/Artigos/item/74007/ministro-de-estado-esclarece-atrasos-salarias-no-pais

[5] https://www.cedesa.pt/2022/12/20/analise-da-proposta-de-orcamento-geral-do-estado-de-angola-para-2023/

[6] https://www.cedesa.pt/2023/06/11/estrategia-angola-2050-uma-analise-i/

[7] https://www.mep.gov.ao/angola-2050

[8] Idem, nota 7, p. 22.

[9] https://www.makaangola.org/2023/05/desemprego-o-erro-das-politicas/

[10] Países que na atualidade têm um PIB per capita próximo dos 4125 USD. GDP, Per Capita GDP – US Dollars”, e 2018 para gerar a tabela), Divisão Estatística das Nações Unidas.

Indications and Summer Forecasts for the Angolan Economy

Indications

The latest figures available from the National Institute of Statistics on the Angolan economy point to a decrease in GDP in the 1st quarter of 2021 in the order of -3.4%, an unemployment rate in the same quarter of 30.5%, and a annual inflation rate for the month of July 2021 of 25.72%[1]. None of these figures that reflect macroeconomic magnitudes are encouraging in the short term.

However, there are other economic and financial realities to consider in order to have a global view of the movement underway in the Angolan economy, and which allow for a more optimistic perspective.

To begin with, in terms of the budget balance and public debt, essential elements of the support program of the International Monetary Fund (IMF), the expectation is that the 2021 budget balance will be positive, possibly above 2% of GDP (further on we will present our prediction). In relation to public debt, as we had predicted in previous reports, its sustainability is consolidated, as recognized by the IMF representative in Angola very recently (see our forecast below)[2].

In terms of exchange rate with reference to the month of July 2021, the Kwanza has already appreciated 1.8% against the dollar and 6.1% against the euro, since January 2021, breaking a strong period of strong devaluation started in 2018. Furthermore, 3.5 years after exchange rate flexibility, the gap between formal and informal market rates is below the 20% target announced by the central bank at the time of liberalization, between 7% and 8% for the dollar and euro respectively. Note that at the time prior to liberalization, the same gap was 159% and 167%.

Figure 1 – Kwanza Exchange Rate Variation against the Dollar and Euro (July 2021)

Currently, some sectors are already announcing an increase in the profitability of exports due to the favorable exchange rate policy. This is the case of cement, where Pedro Pinto CEO of Nova Cimangola assures that “To boost exports, the devaluation of the currency helped, because all the costs that the company has in national currency, in dollars, were lower and, in this way, the competitiveness of the company to place products on the international market. In other words, all those products that we continue to buy in Kzs and that have not suffered large price variations in dollars were lower and, therefore, allowed the company to have greater profitability with exports.[3]

Also a reference to PRODESI (Program to Support Production, Diversification of Exports and Substitution of Imports), which has generated more than USD 29 million since the beginning of the year. As the main exported products, emphasis is placed on cement, beer, glass packaging, bananas, juices and soft drinks and sugar[4].

These movements are reflected in the trade balance. Angola’s trade balance recorded, in the 1st half of 2021, a surplus of USD 8,381.9 million[5], an increase of 40.2 % compared to the results recorded in the 2nd half of 2020 (USD 5,978.8 million)[6]. Within this framework, there was an increase in exports of 25%, naturally still influenced by the increase in exports from the oil sector of 28.4%.

Figure 2 – Angola’s Trade Balance and Trade Relations with China

But there is also a significant increase in trade with one of Angola’s main trading partners, China. “Trade between Angola and China increased 23.9% in the first half of 2021, to US$10,550 million (€8,985 million), compared to the same period last year”[7]. According to Gong Tao, Chinese ambassador to Angola, despite the adverse effects caused by the covid-19 pandemic, Chinese companies remain interested in investing in Angola, highlighting the recent construction of factories, one dedicated to the production of tiles and another qualified for the production of energy and water meters.

2021 Summer Forecasts

In modeling the perspectives we present here, several factors are taken into account, among which we highlight the main ones. The first element is the calculation of the oil price (always a determining factor in the Angolan economy). We assume that the price of Brent will maintain a slight upward trend, standing at a level between USD 65 to USD 75 per barrel. A relative stabilization or possible appreciation of the Kwanza against the dollar and the euro is also part of our model, which makes it possible to reverse some of the falls in the past that were merely nominal due to the more flexible exchange rate. We anticipate that the post-Covid-19 world recovery will boost the Angolan economy’s exports, as is already happening with China. Finally, we anticipate that the environment for foreign investment will gradually improve as a result of legislative reforms and the commitment of political power. We have as a recent example the several advertisements coming from Turkey. At the end of July 2021, Angola and Turkey signed 10 cooperation agreements, in the fields of economy, trade, mineral resources and transport, having already announced an increase in the trade balance with Angola to a value of around USD 500 million[8].

From the point of view of obstacles, it is worth mentioning the immense lack of capital. This is the main element for any sustained recovery, and also the inexistence of economic diversification[9] and the persistence of administrative bureaucracy.

All things considered, our model predicts that by the year 2021 the Angolan economy will come out of recession, and GDP growth will reach between 1.4% and 1.75%.

Our model points to a budget surplus between 2.3% and 2.75%, depending on the evolution of the oil price until the end of the year. And considering the evolution of the Kwanza exchange rate, our forecast is that in 2022, the public debt/Gross Domestic Product (GDP) ratio will be below 100%, achieving greater consolidation.

Figure 3 – CEDESA Model – Forecasts for the Angolan Economy

Consequently, the initial period of strong adjustment and contraction of the Angolan economy is expected to come to an end this year, with no more shocks and global control of the Covid-19 pandemic.

The special case of Unemployment

We understand that unemployment is a special case that should be treated differently, both statistically and in terms of public policies. In terms of statistics, it should be better ascertained who is occupied with informal productive paid activities and who cannot effectively obtain any paid work they want. We should avoid statistical biases that disturb the proper understanding of reality.

On the other hand, it is clear that it will not be the market or the private economy that will solve the problem of lack of employment in the short term, especially for young people. To that extent, the authorities are urged to develop a Keynesian-type employment promotion program, if necessary using available capital from the fight against corruption, as we have advocated in other reports. The state has to spend money on job creation.


[1] Cfr. https://www.ine.gov.ao/

[2] Cfr. https://www.sapo.pt/noticias/atualidade/representante-do-fmi-em-angola-afirma-que_611bf099d1bccf29fd83b48c

[3] https://mercado.co.ao/grandes-entrevistas/a-desvalorizacao-da-moeda-permitiu-que-a-empresa-tivesse-maior-rentabilidade-com-as-exportacoes-XJ1038347

[4] https://www.angonoticias.com/Artigos/item/68811/prodesi-rende-mais-de-usd-29-milhoes-em-exportacoe

[5] https://www.bna.ao/Conteudos/Artigos/lista_artigos_medias.aspx?idc=15419&idsc=15428&idl=1

[6] https://www.angonoticias.com/Artigos/item/68824/balanca-comercial-regista-superavit-de-usd-83819-milhoes

[7] https://www.rtp.pt/noticias/economia/comercio-entre-china-e-angola-recupera-24-no-1o-semestre-apos-forte-quebra-em-2020_n1343994

[8] https://www.angop.ao/noticias/economia/angola-e-turquia-reforcam-balanca-comercial/

[9] Cfr, the most recent elements on the sectoral participation in the GDP that demonstrate the immense and reinforced weight of the oil sector. https://www.bna.ao/Conteudos/Artigos/lista_artigos_medias.aspx?idc=15907&idsc=15909&idl=1

Sinais e previsões de Verão para a economia angolana

Sinais

Os últimos números disponíveis do Instituto Nacional de Estatística acerca da economia angolana apontam para um decréscimo do PIB no 1.º trimestre de 2021 na ordem dos -3,4%, uma taxa de desemprego no mesmo trimestre de 30,5%, e uma taxa de inflação homóloga com referência ao mês de julho de 2021 de 25,72%[1] Nenhum destes números que refletem as grandezas macroeconómicas é animador no curto-prazo.

Contudo, há outras realidades económico-financeiras a considerar para se ter uma visão global do movimento em curso na economia angolana, e que permitem ter uma perspetiva mais otimista.

Em primeiro lugar, ao nível do saldo orçamental e da dívida pública, elementos essenciais do programa de apoio do Fundo Monetário Internacional (FMI) a expectativa é que o saldo orçamental de 2021 seja positivo, possivelmente acima dos 2% do PIB (adiante apresentaremos a nossa previsão). Em relação à dívida pública, como aliás havíamos previsto em anteriores relatórios, a sua sustentabilidade encontra-se consolidada, tal como reconhecido pelo representante do FMI em Angola muito recentemente (mais abaixo estará a nossa previsão).[2]

Em termos de taxa de câmbio com referência ao mês de julho de 2021, o Kwanza já se já apreciou 1,8% em relação ao dólar e 6,1% no que respeita ao euro, desde janeiro de 2021, quebrando forte período de forte desvalorização iniciado em 2018. A isto acresce que 3,5 anos depois da flexibilização cambial o gap entre as taxas no mercado formal e no informal está abaixo do objetivo de 20% anunciado pelo banco central na altura da liberalização, situando-se entre os 7% e 8% para o dólar e euro respetivamente. Note-se que no momento antecedente da liberalização o mesmo gap era de 159% e 167%.

Figura 1 – Variação da Taxa de Câmbio do Kwanza face ao dólar e euro (julho 2021)

Atualmente, alguns setores já anunciam o aumento da rentabilidade das exportações em virtude da política cambial favorável. É o caso do cimento, onde Pedro Pinto CEO da Nova Cimangola assegura que “Para potencializar as exportações a desvalorização da moeda ajudou, porque todos os custos que a empresa tem em moeda nacional, em dólares ficaram mais baixos e aumentou, desta forma, a competitividade da empresa para colocar produtos no mercado internacional. Ou seja, todos aqueles produtos que continuamos a comprar em Kzs e que não sofreram grandes variações de preços em dólares ficaram mais baixos e, portanto, permitiu que a empresa tivesse maior rentabilidade com as exportações.[3]

Referência também para o PRODESI (Programa de Apoio à Produção, Diversificação das Exportações e Substituição das Importações), que rendeu desde o início do ano mais de USD 29 milhões de dólares. Como principais produtos exportados, sublinhe-se o cimento, a cerveja, a embalagem de vidro, a banana, os sumos e refrigerantes e o açúcar[4].

Estes movimentos refletem-se ao nível da balança comercial. A balança comercial de Angola registou, no 1º semestre de 2021, um superavit de USD 8.381,9 milhões,[5] um aumento de 40,2 % face aos resultados registados no 2º semestre de 2020 (USD 5.978,8 milhões)[6]. Dentro deste quadro, registou-se um aumento das exportações em 25% naturalmente ainda influenciado pelo aumento das exportações do sector petrolífero em 28,4%.

Figura 2 – Balança Comercial de Angola e Trocas comerciais com a China

Mas também há que registar um aumento importante do comércio com um dos principais parceiros comerciais de Angola, a China. “As trocas comerciais entre Angola e China aumentaram 23,9% no primeiro semestre de 2021, para 10.550 milhões de dólares (8.985 milhões de euros), face ao período homólogo”[7]. De acordo com Gong Tao, embaixador da China em Angola, apesar dos efeitos adversos causados pela pandemia de covid-19, as empresas chinesas mantêm interesse em investir em Angola, salientando como exemplo as recentes construções de fábricas, uma dedicada à produção de azulejos e outra habilitada para a produção de contadores de energia e água.

Previsões de Verão 2021

Na modelação das perspetivas que aqui apresentamos entram em conta vários fatores, entre os quais destacamos os principais. Como primeiro elemento temos o cálculo do preço do petróleo (sempre um elemento determinante na economia angolana). Admitimos que o preço do brent manterá uma ligeira tendência de apreciação situando-se a um nível entre os 65 USD a 75 USD por barril. Faz parte também do nosso modelo uma relativa estabilização ou eventual apreciação do Kwanza face ao dólar e euro o que permite inverter algumas quebras do passado que foram meramente nominais devido à flexibilização da taxa de câmbio. Antevemos que a recuperação mundial pós-Covid-19 trará ânimo às exportações da economia angolana, como aliás já está a acontecer com a China. Finalmente, antecipamos que paulatinamente o ambiente para o investimento externo irá melhorando fruto das reformas legislativas e do empenho do poder político. Temos como exemplo recente os vários anúncios provenientes da Turquia. No final de julho de 2021, Angola e Turquia celebraram 10 acordos de cooperação, nos domínios da economia, comércio, recursos minerais e dos transportes, tendo já sido anunciado um aumento da balança comercial com Angola num valor a rondar os USD 500 milhões de dólares[8].  

Do ponto de vista dos obstáculos, há que referir a falta imensa de capital. Este é o elemento essencial para qualquer retoma sustentada, e também, a inexistência de diversificação da economia[9] e persistência da burocracia administrativa.

Tudo considerado o nosso modelo prevê que no ano de 2021 a economia angolana saia da recessão, e o crescimento do PIB atinja entre 1,4% e 1,75%.

O nosso modelo aponta para um excedente orçamental entre os 2,3% a 2,75%, dependendo da evolução do preço do petróleo até ao final do ano. E considerando a evolução da cotação do câmbio do Kwanza a nossa previsão é que em 2022, o ratio dívida pública/Produto Interno Bruto (PIB) se situe abaixo dos 100% obtendo uma maior consolidação.

Figura 3 – Modelo CEDESA – Previsões para a Economia Angolana

Consequentemente, prevê-se que o período inicial de forte ajustamento e contração da economia angolana chegue ao fim este ano, não existindo mais choques e controlando-se mundialmente a pandemia Covid-19.

O caso especial do Desemprego

Entendemos que o desemprego é um caso especial que deveria ter um tratamento diferenciado, quer estatisticamente, quer ao nível das políticas públicas. Em termos de estatísticas deve ser apurado melhor quem está ocupado com atividades informais produtivas remuneradas e quem não consegue efetivamente obter qualquer trabalho remunerado querendo. Há que evitar enviesamentos estatísticos que perturbam a adequada compreensão da realidade.

Por outro lado, é evidente que não vai ser o mercado ou a economia privada a resolverem no curto-prazo o problema da falta de emprego, sobretudo jovem. Nessa medida, apela-se às autoridades que desenvolvam um programa de tipo keynesiano de promoção de emprego eventualmente com recurso a capitais disponíveis do combate à corrupção, como temos defendido noutros relatórios. O Estado tem de gastar dinheiro na criação de emprego.


[1] Cfr. https://www.ine.gov.ao/

[2] Cfr. https://www.sapo.pt/noticias/atualidade/representante-do-fmi-em-angola-afirma-que_611bf099d1bccf29fd83b48c

[3] https://mercado.co.ao/grandes-entrevistas/a-desvalorizacao-da-moeda-permitiu-que-a-empresa-tivesse-maior-rentabilidade-com-as-exportacoes-XJ1038347

[4] https://www.angonoticias.com/Artigos/item/68811/prodesi-rende-mais-de-usd-29-milhoes-em-exportacoe

[5] https://www.bna.ao/Conteudos/Artigos/lista_artigos_medias.aspx?idc=15419&idsc=15428&idl=1

[6] https://www.angonoticias.com/Artigos/item/68824/balanca-comercial-regista-superavit-de-usd-83819-milhoes

[7] https://www.rtp.pt/noticias/economia/comercio-entre-china-e-angola-recupera-24-no-1o-semestre-apos-forte-quebra-em-2020_n1343994

[8] https://www.angop.ao/noticias/economia/angola-e-turquia-reforcam-balanca-comercial/

[9] Cfr, os elementos mais recentes sobre a participação setorial no PIB que demonstram o peso imenso e reforçado de setor do petróleo. https://www.bna.ao/Conteudos/Artigos/lista_artigos_medias.aspx?idc=15907&idsc=15909&idl=1

Angola: Fundamentos do mercado cambial continuam sólidos

Informação adaptada e divulgada por CEDESA:

A. FACTOS

1. No dia 20 de agosto de 2020, a taxa do euro no mercado informal esteve em EUR|AOA 853,0, enquanto os bancos comerciais o comercializaram a EUR|AOA 700,2.

2. O diferencial entre o câmbio praticado ao nível do BNA e o câmbio praticado ao nível do Mercado Informal passou de 5,0%, no início de abril, para 23,0%, a 20 de agosto, o que comprova que a depreciação no mercado informal não tem origem no mercado formal.

3. Desde o final de 2018, reduziram-se significativamente os tempos de espera na compra de divisas, eliminaram-se os atrasados registados (backlogs) e adotou-se uma plataforma multilateral de compras e vendas (o BNA hoje responde apenas por 57% das aquisições de divisas dos bancos comerciais).

4. A 20 de agosto as Reservas Internacionais Brutas ascendiam aos USD 14,67 mil milhões, cobrindo onze (11) meses de importações, valor muito acima da média dos países africanos.

5. Com o ajustamento cambial registado entre 2019 e 2020, a taxa de câmbio formal já está muito próximo aos valores de equilíbrio de mercado. Com os níveis de Reservas Internacionais atuais, não faz sentido esperar por uma forte desvalorização da taxa de câmbio formal, nos próximos meses. Com a abertura das fronteiras internacionais, devemos esperar pela normalização da taxa de câmbio do mercado informal e do ritmo de evolução dos preços.

B. O QUE EXPLICA ENTÃO A EVOLUÇÃO RECENTE DO MERCADO INFORMAL?

6. Para responder a esta questão, devemos antes recordar que, o mercado informal de divisas é, essencialmente, um mercado de notas.

7. Desde o mês de março de 2020, com o advento da pandemia da covid-19, três fatores levaram ao registo de uma maior pressão sobre a taxa de câmbio no mercado informal:

• 1º FATOR: na sequência da suspensão dos voos internacionais, o BNA orientou os Bancos Comerciais a suspender a venda de divisas para Efeito de Viagem. Ora, se concordarmos que parte da procura de divisas que era adquirida para efeito de viagem, tinha como objetivo último verdadeiro a proteção contra o risco cambial, a decisão do BNA reorientou parte da procura antes dirigida à banca comercial, para o mercado informal, pressionando a respetiva taxa;

• 2º FATOR: Parte significativa da oferta de notas de dividas provém do comércio (legal e ilegal) feito com os países vizinhos. Com o encerramento das fronteiras, a oferta de notas reduziu subitamente, acelerando o ritmo de depreciação das divisas no mercado informal, sem afetar, no entanto, o funcionamento do mercado formal de divisas;

• 3º FATOR: os pequenos comerciantes que operavam com mercados como o da China, Turquia e Brasil estão com a sua atividade parada. À medida que as respetivas vendas de mercadorias ocorrem, não sendo possível adquirir divisas no mercado bancário para efeitos comerciais, canalizam-nas no mercado informal de divisas, ou na compra de bens duradouros como os automóveis.

C. DEVEMOS ESPERAR EFEITOS NEGATIVOS DA ENTRADA EM VIGOR DA NOVA TABELA DE IRT?

8. A nova tabela de IRT é mais justa do que anterior. Um maior número de indivíduos que auferem rendimentos baixos foram beneficiados, com a passagem do limite máximo de isenção dos 34 mil Kwanzas para os 70 mil Kwanzas.

9. Imagine um indivíduo com salário de 300 mil Kwanzas (IRT efetiva = 17%) e outro que aufere 5 milhões de Kwanzas (IRT efetivo = 24%). Na tabela anterior, os dois indivíduos pagariam a mesma taxa de IRT (17%), não obstante o facto do segundo ganhar 16 vezes mais do que o primeiro.

10. Referir, por fim, que o ajustamento da tabela de IRT deve ser vista de forma combinada com a redução do Imposto Industrial ocorrida para a maior parte dos sectores de atividade, para 25%, sendo que as empresas do sector agrícola terão incidência de apenas 10%. Em geral, uma leitura atenta da política tributária do Executivo, leva a concluir que se pretende obter maior contribuição dos indivíduos e empresas que têm maior capacidade contributiva, ao mesmo tempo que se criam condições para a expansão dos negócios e do emprego.

The devaluation of Kwanza and inflation

Some studies by prestigious economic consultants have lately issued some reports on the Angolan economy that only report negative numbers and projections, without taking into account either the theoretical models on which some of the main economic policy decisions in Angola are based, or the actual reality of its economy.

One of the most intriguing cases is the permanent link between the rise in inflation and the devaluation of the Kwanza, presenting the two phenomena as cause and effect or effect and cause, as well as always giving a negative connotation to the term “devaluation”.

This article, which does not aim to make forecasts, which at this time of Covid-19 would be rash, offers alternative explanations behind the Kwanza`s devaluation, looking instead at the opportunity it offers foreign investors.

It is evident that the semi-rigid or controlled exchange rate regime that existed before the adoption of the flexible exchange rate last year, was partly responsible for the crash in the Angolan economy.
In fact, pegging the Angolan currency at a high value in view of market conditions, caused unrestrained consumerism while domestic production was allowed to decline, since international prices were artificially made more competitive.

It was the time when Luanda became the most expensive city in the world with the Angolan elite making flagrant shows of wealth. This situation did not correspond to domestic production or development, but rather excessive spending of foreign currency earned from high oil prices which bolstered the inadequate value of the Kwanza. This was unsustainable.

The prolonged recession since 2014 demanded an end to the artificial appreciation of the Kwanza and the introduction of a flexible exchange rate.

The model underlying the adoption of flexible exchange rates has clear goals. Since Milton Friedman’s seminal text in 1953[1] on flexible exchange rates, two arguments support this policy: first, free movements in exchange rates are an efficient way of adjusting international relative prices in response to macroeconomic shocks; second, with flexible exchange rates, policymakers are free to choose and follow their own inflation target, rather than depending on the inflation rate from abroad. This last factor should be emphasised. Milton Friedman stressed that exchange rates would help to insulate the domestic economy from external shocks and would give national political authorities the ability to meet domestic goals. Flexible exchange rates provide enough insulation to the domestic economy if the sources of the recessionary shock are abroad.

This means that with a flexible exchange rate, it is possible for the government / central bank to pursue an autonomous anti-inflationary policy on the external value of the currency.
In fact, the devaluation of the Kwanza could mean that the prices of international goods become excessively expensive for Angola, and spark that, contrary to what happened previously, being cheaper to produce goods in Angola. That would be the opportunity to invest in Angola`s agriculture and industry, at they will have a market and low production costs due to the devaluation.

With national goods becoming more competitive than corresponding foreign goods, this will boost national production and encourage exports.

And provided that the central bank does not pint excess money, national production should increase and inflation should decrease if internal policies are adequately followed.

This does not mean that the transition from an economy artificially anchored by a high-value Kwanza supported by rising oil prices to a competitive and productive economy is easy. Angola is currently in deep crisis, made worse by the Covid-19 pandemic, and luck, either bad or good, has to be considered.

However, the exchange rate easing policy is right and there is no need to be afraid of devaluation. This is making the economy more competitive overseas and encouraging the manufacture and production of goods to sell both internally and abroad. Success depends more on government policies; policies that are coherent and consistent.

That is why the figures being released on devaluation and inflation are, on the surface, frightening, but they will only have a negative impact if the government implements the wrong policies.

Otherwise, they are not, by themselves, of any relevance. It is known that the Kwanza was overvalued and that this has greatly affected the Angolan economy. It is known that combating inflation, with flexible rates, does not depend on the outside world, but on the right decisions by the government.

There is awareness that Angola is in deep economic crisis, but some real encouraging indicators are beginning to emerge. One of them is that “Angola disbursed, in the first quarter of the year, 495 million dollars (436.5 million euros) on importing food products, a decrease of 31% compared to the 717 million dollars (632.3 million euros) ) for the last quarter of 2019.[2]

The Angolan government attributed this evolution to a better organisation of its foreign exchange market and to an increase in the demand for national products. Official sources state: “We are verifying these two factors, we can say that we are on the right path, there is a demand for national production, there is a decrease in imports.” These facts seem to confirm the analysis we do. Obviously, in the end everything will depend on the right internal public policies.


[1] Friedman, M. (1953) “The Case for Flexible Exchange Rates.” In Essays in Positive Economics, 157–203. Chicago: University of Chicago Press.

[2] https://www.sapo.pt/noticias/economia/angola-importou-menos-31-de-alimentos-no_5f0f32adb34d505496f5eddd

INFLAÇÃO E DESVALORIZAÇÃO DO KWANZA

Resumo:
A flexibilização do câmbio do Kwanza (que está a implicar a sua desvalorização) é condição fundamental para relançar o tecido produtivo angolano e torná-lo competitivo, depois deste ter sido devastado pela política de valorização artificial da moeda. Ao mesmo tempo, autonomiza a política anti-inflação que se torna um elemento doméstico e não importado do exterior. Neste sentido, deve haver cautela com parangonas e análises internacionais que apenas se focam em números negativos do valor do kwanza e da inflação; e estabelecem correlações não necessariamente existentes.

Algumas análises de prestigiadas consultoras económicas têm, ultimamente, emitido alguns relatórios sobre a economia angolana que apenas reproduzem números e projeções negativas, não tomando em consideração nem os modelos teóricos em que assentam algumas das principais decisões de política económica em Angola, nem a realidade concreta da sua economia.

Um dos casos mais intrigantes é a ligação permanente que se faz entre a subida da inflação e a desvalorização do Kwanza, apresentando os dois fenómenos como causa e efeito ou efeito e causa, bem como atribuindo sempre uma carga negativa à expressão “desvalorização[1]”.

O presente texto, não sendo uma previsão, que neste momento de Covid-19 parece despiciendo fazer, tenta abrir outras pistas alternativas para o significado e para a análise da inflação e desvalorização do kwanza, apontando outras justificações e caminhos.

É evidente que o regime cambial semirrígido ou controlado existente antes da adoção do câmbio flexível no último ano, foi um dos responsáveis pela devastação económica angolana. De facto, ao manter-se a moeda angolana num valor elevado face às condições de mercado e não correspondendo ao que seria o resultado da oferta e da procura, estimularam-se as importações fáceis, o consumismo desenfreado e deixou-se declinar a produção interna, uma vez que os preços internacionais foram tornados mais competitivos artificialmente. É a altura em que Luanda se torna a cidade mais cara do mundo[2], e sinais exteriores de riqueza nas elites angolanas abundavam. Tal situação não correspondia a qualquer produção ou desenvolvimento interno, mas ao gasto excessivo de divisas obtidas com os preços elevados do petróleo para manter o valor desadequado do kwanza. Esta era uma situação impossível.


Obviamente, que a recessão prolongada desde 2014, exigia que se terminasse com a valorização artificial do kwanza e se introduzisse um câmbio flexível. Ainda ocorreram alguns anos até tal acontecer, e obviamente, a liberalização do kwanza tem trazido vários problemas graves económicos e sociais a curto-prazo e até mesmo algumas tensões inflacionistas acrescidas.

No entanto, o modelo subjacente à adoção de câmbios flexíveis tem objetivos opostos que se refletirão após um primeiro momento de desconcertoeconómico. Desde o texto seminal de Milton Friedman em 1953[3], sobre as taxas de câmbio flexíveis que dois argumentos sustentam essa política: primeiro, os movimentos livres das taxas de câmbio são uma maneira eficiente de ajustar os preços relativos internacionais em resposta a choques macroeconómicos; segundo, com taxas de câmbio flexíveis, os formuladores de políticas são livres para escolher e seguir sua própria meta de inflação, em vez de depender da taxa de inflação do exterior. Este último aspeto é fundamental ser sublinhado. Milton Friedman enfatizou que as taxas de câmbio, ajudariam a isolar a economia doméstica de choques externos e dariam às autoridades políticas nacionais a capacidade de satisfazer objetivos domésticos. Taxas de câmbio flexíveis fornecem bastante isolamento à economia doméstica se as fontes do choque recessivo estiverem no exterior.


Quer isto dizer que havendo uma taxa de câmbio flexível é possível que o governo/ banco central prossiga uma política anti-inflacionista autónoma do valor externo da moeda.

Na verdade, a desvalorização do kwanza poderá significar que os preços dos bens internacionais  tornam-se excessivamente caros para Angola, e provocar que, ao contrário do que se passava anteriormente, seja mais barato produzir bens em Angola.

Ficando os bens nacionais mais competitivos e substituindo por concorrência, e não por imposição administrativa ineficiente, os bens similares estrangeiros, tal implica que a produção nacional renasça e possa até se constituir como exportadora.

E desde que simultaneamente, o banco central não emita moeda em excesso, outra preocupação da teoria de Milton Friedman, o que a desvalorização cambial acaba por fomentar é o aumento da produção nacional e a redução da inflação, neste último caso se forem seguidas as políticas internas adequadas.

Temos aqui dois efeitos da flexibilização do câmbio:

  • Desvalorizar ou ter uma moeda com valor fraco não é algo de negativo em termos económicos. Pode ser uma questão de afirmação política, mas não é económica. Duas potências económicas mundiais como o Japão e Itália, alcançaram sucesso no pós Segunda Guerra Mundial adotando uma moeda fraca;
  • A flexibilização permite a diferenciação da política cambial do combate à inflação. O combate à inflação passa a depender do acerto das políticas internas. Não há uma ligação necessária entre uma coisa e outra.

Isto não quer dizer que o caminho de transição de uma economia sustentada artificialmente por um kwanza de valor elevado suportado por preços de petróleo em alta para uma economia competitiva e produtiva seja fácil. Está a haver um momento de crise profunda, mais acentuado pela pandemia Covid-19, além de que há sempre um fator sorte a considerar. E sorte não tem havido para Angola, em termos económicos.

Contudo, a política de flexibilização cambial está certa e não há que ter medo da desvalorização. Esta está a tornar a economia mais competitiva face ao exterior e a obrigar à busca de soluções internas. O sucesso passa a depender mais das políticas do governo. É na definição coerente e consistente da política económica do governo que está agora o segredo.

É por isso que os números que estão a ser lançados sobre desvalorização e inflação assustam superficialmente, mas só terão impacto negativo se forem causadores da implementação de políticas erradas por parte do governo. Caso contrário, não têm, por si mesmo, qualquer relevo. É sabido que o Kwanza estava sobrevalorizado e que tal prejudicou imensamente a economia angolana. É sabido que o combate à inflação, com taxas flexíveis, não depende do exterior, mas das decisões certas do governo.

Há consciência que o momento presente é de crise profunda, mas começam a surgir alguns indicadores reais animadores. Um deles é que “Angola desembolsou, no primeiro trimestre do ano, 495 milhões de dólares (436,5 milhões de euros) na importação de bens alimentares, uma diminuição de 31% comparativamente aos 717 milhões de dólares (632,3 milhões de euros) do último trimestre de 2019.[4]


O governo angolano atribuiu esta evolução a uma melhor organização do mercado cambial e a um aumento da procura de produtos nacionais. Fonte oficial afirmou: “Estamos a verificar estes dois fatores, podemos dizer que estamos no caminho certo, há uma procura da produção nacional, há uma diminuição das importações”. Estes factos parecem confirmar a análise que fazemos. Obviamente, que no final tudo dependerá do acerto das políticas públicas internas.


[1] Usamos indistintamente a expressão desvalorização e depreciação, apesar da existência de correntes que defendem serem conceitos diferentes.

[2] https://www.me.mercer.com/newsroom/2015-cost-of-living-survey-rankings-Mercer-Middle-East.html

[3] Friedman, M. (1953) “The Case for Flexible Exchange Rates.” In Essays in Positive Economics, 157–203. Chicago: University of Chicago Press.

[4] https://www.sapo.pt/noticias/economia/angola-importou-menos-31-de-alimentos-no_5f0f32adb34d505496f5eddd

ANÁLISE DAS MEDIDAS DO BNA NO ÂMBITO DO COVID-19

1-Comité de Política Monetária

A 27 de Março de 2020 reuniu o Comité de Política Monetária (CPM) do Banco Nacional de Angola (BNA) com vista a apreciar a situação dos indicadores com relevo monetário e a tomar medidas de preparação para o impacto do Covid-19.

A primeira preocupação do CPM foi a situação da inflação. Se em cadeia a inflação em Fevereiro de 2020 parece abrandar em relação a Janeiro de 2020, com uma variação mensal de 1,72% contra 2,05% em Janeiro, sendo que em Luanda a variação foi de 1,48%, face a 1,84% em Janeiro, em termos homólogos há uma ligeira aceleração da inflação, 18,74% em 2020 contra 17,95% em 2019, não sendo os números de Luanda muito diferentes.

Quer isto dizer que a inflação não está ainda numa trajectória de baixa, nem dominada, o que é preocupante numa situação em que o desemprego abunda e o país aparenta continuar em recessão.

Sendo assim, afigura-se que o país se encontra numa situação de estagflação: inflação alta persistente combinada com alto desemprego e procura estagnada.

Esta situação surge da existência de políticas económicas contraditórias, em que por um lado, se promove a subida de preços, quer seja através do aumento da moeda em circulação ou da desvalorização da moeda, e por outro lado, se restringe a economia, seja por ter taxas de juro elevadas, aumentar impostos ou criar dificuldades à oferta empresarial.

No caso de Angola, a inflação surge essencialmente na área da alimentação e bebidas não alcoólicas importados. Deste facto, podem ser deduzidas duas conclusões:

  1. A perda de valor do Kwanza tem aumentado os preços dos produtos alimentares importados;
  2. A oferta nacional de produtos alimentares é insuficiente.

A insuficiência da oferta nacional de produtos alimentares é notória por outra razão: o facto de a variação de preços de produtos nacionais ser superior à variação de preço dos bens importados. Daqui deriva que as empresas nacionais têm possibilidade de colocar os seus produtos no mercado a preços elevados, funcionando provavelmente em mercados de tipo oligopolista e sem concorrência, possivelmente especulando com o preço.

Consequentemente, ao nível da economia real o instrumento efectivo para combater a inflação será a facilitação de criação de empresas no sector da produção nacional de alimentos e bebidas não alcoólicas, fomentando a concorrência, evitando o sufoco estatal, e eliminando barreiras à entrada no mercado.

*

Uma análise fina das tensões inflacionistas implica atenção à variação da massa monetária em circulação.  A Base Monetária em Moeda Nacional, fruto das chamadas operações de Open Market, expandiu-se em Fevereiro (9,26%), depois de se ter contraído em Janeiro em valor aproximado.

O agregado monetário M2 em moeda nacional que junta a totalidade dos depósitos bancários em moeda nacional mais notas e moedas em poder do público contraiu face a Janeiro. Parece existir aqui uma política do BNA de stop and go (expande/ contrai/expande/contrai). Se assim é, tal apenas serve para confundir os agentes económicos e não baixa a inflação.

O histórico recente de M2 reflecte desde Janeiro de 2019 até Outubro uma subida permanente de M2, aliás como dos indicadores monetários similares que indiciava um aligeiramento suave das restrições monetárias e do combate à inflação com vista a estimular a economia. Em Outubro dá-se uma subida abrupta desse índice, ainda por explicar, tendo depois mantendo-se estável apenas com uma ligeira subida em Janeiro de 2020, que se seguiu a uma curta baixa em Dezembro, e uma baixa mais acentuada em Fevereiro.

Esta evolução mais próxima dos agregados monetários demonstra alguma hesitação, por um lado durante 2019 deixou-se generosamente subir a massa monetária, possivelmente para estimular a economia, como se referiu. Tal não teve especiais efeitos na inflação que foi desacelerando até ao final do ano. Agora reduz-se a massa monetária, o que não controlando a inflação como se vê, acentuará a crise recessiva.

A taxa do mercado interbancário, LUIBOR desceu entre Janeiro e Março de 19,98% para 16,94%, o que traduz maior confiança nos bancos entre si e mais facilidade de financiamento interno. Contudo, preocupante é o facto do stock de crédito se ter contraído 0,38% em Fevereiro, depois de aumentado 1,78% em Janeiro.

Estes números indicam duas realidades ligadas:

a) Parecem confirmar a política stop and go do BNA em termos monetários, o que

b) Tem efeitos recessivos na actividade empresarial, contribuindo para pouca oferta e preços artificialmente altos.

Se as oscilações ao nível da massa monetária em circulação preocupam, há que anotar pela positiva a aparente estabilização da taxa de câmbio de referência entre o Kwanza e o dólar dos Estados Unidos.

Outro ponto sensível é o das Reservas Internacionais. Quer as Reservas Internacionais Brutas, quer as líquidas diminuíram. As Reservas Internacionais Líquidas estão nos 10,89 mil milhões. As Reservas Internacionais Líquidas caiem desde 2014 pelos motivos óbvios ligados à queda do preço do petróleo. Contudo, nos últimos meses tem-se conseguido manter alguma estabilidade destas na ordem dos 10 mil milhões de dólares.

As decisões do CPM.

Face ao cenário apresentado foi decidido:

1-Manter a taxa básica de Juro, Taxa BNA, em 15,5%;

2-Manter a taxa de juro da facilidade permanente de absorção de liquidez, com maturidade overnight em 0%;

3-Reduzir a taxa de juro da facilidade permanente de absorção de liquidez, com maturidade de sete dias, de 10% para 7%;

4-Manter em 22% e 15% os coeficientes de reservas obrigatórias para moeda nacional e estrangeira, respectivamente;

5-Estabelecer uma linha de liquidez com valor máximo de 100 mil milhões de Kwanzas para a aquisição de títulos públicos em posse de sociedades não-financeiras.

Um curto comentário sobre algumas destas decisões. Em relação à manutenção da Taxa BNA em 15,5%, a verdade é que esta está idêntica desde Abril de 2019, altura em que desceu 0,25%.

O problema desta taxa é que não prossegue agressivamente o combate à inflação, nem, por outro lado, estimula a economia. Em 1981, nos Estados Unidos, que viviam uma situação de estagflação desde a presidência de Nixon. Nesse ano, a taxa de inflação era de 14,76%. O então Governador da Reserva Federal, Paul Volcker, assumiu uma postura radical e subiu a taxa do banco central para 20%. Portanto, bem acima da taxa de inflação. Gerou uma crise massiva, mas resolveu o problema, e depois da crise, com Ronald Reagan, o país entrou numa quase permanente prosperidade. Em Angola, a taxa básica do BNA situa-se abaixo do nível de inflação, e assim, nem é agressiva para combater a inflação, nem por outro lado, é suficientemente atractiva para fomentar o crédito e a expansão da economia.

Aparentemente, não mexendo na taxa, o BNA pretende aumentar a liquidez através da baixa de taxa de juro da facilidade permanente de absorção de liquidez, com maturidade de sete dias, de 10% para 7% e do estabelecimento de uma linha de liquidez com valor máximo de 100 mil milhões de Kwanzas para a aquisição de títulos públicos em posse de sociedades não-financeiras.

Conclusões

A inflação continua à espreita na economia angolana. Se existem aspectos causadores da inflação que são de ordem monetária, há um óbvio de características reais, que é a incapacidade da oferta nacional empresarial na área da alimentação e bebidas não alcoólicas e o facto de as empresas existentes não estarem a operar em mercados concorrenciais. Logo, um dos instrumentos fundamentais para colmatar as deficiências é promover o investimento em Angola na área agro-pecuária e alimentar e fomentar a criação de competição e concorrência.

Em termos da política do BNA esta afigura-se timorata e sem determinação, apostando num meio-termo que nem combate a inflação, nem estimula a economia, daí derivando a estagflação. É que este tipo de política acaba por transmitir um sinal confuso aos mercados e empresários que nem os leva a baixar os preços nem a produzir mais. Era fundamental que o BNA adoptasse uma política clara e inequívoca.

Na verdade, existem fortes evidências de que um aumento na disponibilidade de informações claras sobre os objectivos da política monetária diminuem a volatilidade da taxa de câmbio, bem como ajudam a baixar a inflação.

2-Instrutivo n.º 02/ 2020, de 30 de Março obrigando ao uso do FXGO Bloomberg

Esta norma impõe a adopção para a negociação de operações cambiais entre contrapartes, devendo, doravante, as empresas do sector petrolífero, incluindo entidades que se dedicam à produção de gás natural liquefeito, e as instituições financeiras bancárias que pretendam transaccionar moeda estrangeira, negociar todas as operações cambiais através da plataforma de negociação da Bloomberg, designada FXGO. Estão isentas as vendas de moeda estrangeira de valor inferior a 500.000,00 USD.

A plataforma Bloomberg FXGO é uma plataforma de trading electrónico. As plataformas de comércio eletrónico podem fornecer preços simultâneos de vários provedores de liquidez para ajudar tesoureiros ou gestores de portfólio a encontrar instantaneamente uma contraparte que atenda ao seu objectivo comercial. A Bloomberg FXGO replica o processo manual em formato digital, e o faz com mais de 350 bancos – fornecendo aos participantes do mercado uma alargada pool de liquidez para obter o melhor preço num único sistema integrado. Há também a questão da boa comunicação. Enquanto muitas plataformas podem ligar um sistema de mensagens, poucas são capazes de transformar texto em dados accionáveis. A funcionalidade de chat do FXGO, por exemplo, pode ser alterada para colectar dados accionáveis. Ao automatizar o processo e integrá-lo ao sistema comercial mais amplo, os traders podem capturar dados e contexto de negociação, supervisionar mais amplamente as actividades de suas equipes, monitorar melhor os mercados e reduzir o risco de erro humano ao processar pedidos.

Consequentemente, esta medida deverá introduzir mais transparência, liquidez e agilidade no mercado cambial. Além do mais esta plataforma é livre de comissões, baixando assim os custos de transacção.

3-Instrutivo n.º 03/2020, de 30 de Março sobre a formação das taxas de câmbio de referência

Neste Instrutivo encontramos o ajustamento do processo de formação das taxas de câmbio de referência com entrada em funcionamento da plataforma de negociação electrónica Bloomberg FXGO.

O processo será o seguinte: “Com base nas transacções executadas ou executáveis, registadas na plataforma de negociação electrónica “FXGO”, serão publicadas as taxas de câmbio de mercado, actualizadas ao longo do dia para representar, em permanência, o mercado. O Banco Nacional de Angola publicará, na sua página oficial, a média aritmética da taxa de compra e venda de cada moeda publicada na plataforma de negociação electrónica “FXGO” da Bloomberg. A referida publicação será efectuada todos os dias úteis às 16:00, indicando as taxas de câmbio de mercado do Euro e do Dólar dos Estados Unidos da América em relação ao Kwanza.”

Este mecanismo, que é meramente informativo, evita a fixação “secreta” ou manipulada das taxas de câmbio de referência com vista a beneficiar determinados agentes ou prejudicar outros. Trata-se de um esquema perfeitamente transparente e objectivo de informação sobre a formação de preços, neste caso taxas de câmbio.

Há suficiente literatura e prova empírica no sentido de demonstrar que a maior transparência na informação leva à fixação menos arbitrária dos preços e induz liquidez no mercado.

Conclusões

Os Instrutivos n.º 02/ e n.º 03 ambos de 30 de Março ao introduzir mais transparência e rigor técnico no mercado cambial terão como resultado provável o aumento da liquidez no mercado cambial angolano.

4-Instrutivo n.º 05/2020, de 30 de Março sobre a isenção temporária de limites por instrumento de pagamento na importação de bens alimentares da cesta básica, medicamentos e material de biossegurança

Esta norma pretende assumir uma orientação de “facilitação e desburocratização dos procedimentos de licenciamento para importação de bens essenciais”. Nesse sentido, o Instrutivo “isenta temporariamente os limites por instrumento de pagamento na importação de bens alimentares da cesta básica, medicamentos e material de biossegurança.”

Deste modo, ficam excluídos dos limites previamente estabelecidos em Outubro de 2019, as importações de açúcar, arroz, milho, trigo, feijão, leite em pó, óleo alimentar, carne bovina, carne suína, carne de frango, medicamentos e material de biossegurança, desde que os pagamentos sejam efectuados directamente aos produtores dos referidos bens ou seus representantes oficiais.

Acresce que os pagamentos antecipados ou adiantamentos para a importação dos produtos acima referidos, cujo valor seja inferior a 100.000,00 USD (cem mil dólares dos Estados Unidos da América), por operação, dispensam autorização do BNA e/ou apresentação de garantias bancárias de boa execução, sendo que os pagamentos antecipados de valor superior ao acima mencionado ficam sujeitos à autorização do Banco Nacional de Angola.

Este Instrutivo facilita um pouco a importação de bens essenciais e médicos, mas não muito. Na verdade, todos os pagamentos de importações superiores a cem mil dólares continuam a necessitar de autorização do BNA, embora não de garantia bancária de boa execução. É um passo, mas um passo tímido.

Temos aqui uma norma no sentido da simplificação e liberalização. Contudo, ainda mantém vários obstáculos burocráticos que podem efectivamente complicar a fluidez do sistema.

Conclusões globais

O governo tem instintos liberais e modernizadores, o que é uma vantagem apreciável. As medidas agora apresentadas pelo BNA suscitam os seguintes comentários:

a) A medida de adopção do e-terminal Bloomberg FXGO pode trazer transparência e liquidez ao mercado de divisas e, por isso, é de aplaudir, bem como o novo método de formação das taxas de câmbio de referência.

b) A isenção de procedimentos relativamente à importação de bens essenciais vai no bom caminho, mas deixa ainda muita burocracia, sendo timorata.

c) Do ponto de vista da política monetária, o BNA ainda hesita e acaba por se dividir entre controlar a inflação e promover o crescimento, objectivos que exigem aproximações opostas. Por isso, tem uma política contorcionista, dita stop and go, uns dias expande, outros dias contrai. Possivelmente, é este ziguezague na política monetária que é responsável pela estagflação continuada que o país vive.

Neste ponto, é fundamental dar orientações precisas e claras ao BNA relativamente ao objectivo concreto que deve prosseguir. Orientações que devem ser enquadradas na política global do governo. Toma aqui relevo a necessidade de existir uma equipa económica unida, pequena e flexível dentro do governo.

d) É fundamental a facilitação de criação de empresas no sector da produção nacional de alimentos e bebidas não alcoólicas, fomentando a concorrência, evitando o sufoco estatal, e eliminando barreiras à entrada no mercado.