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Economia angolana tendências, reformas necessárias e Plano Nacional de Emprego

A vida social em Angola é muito viva e, neste momento, os assuntos políticos e judiciais dominam a agenda do país. No entanto, é no domínio da economia que se regista uma evolução extremamente significativa sobre a qual é importante refletir e proceder a uma análise cuidada.

O recente (Fevereiro de 2023)[1] relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI)sobre o país sublinha os avanços favoráveis da economia angolana e também as reformas necessárias. É com base nesse relatório que vamos enunciar as principais tendências de Angola no campo económico e os pontos nevrálgicos para evitar recaídas como a que originou a última longa recessão que começou na presidência de José Eduardo dos Santos.

TENDÊNCIAS POSITIVAS

A economia de Angola está em franca recuperação após a recessão que durou cinco anos (2016-2020). Em 2022, apoiada por preços de petróleo mais elevados e atividade não petrolífera resiliente já alcançou um crescimento superior a 3%, estimando o FMI que em 2023 o país continue a ver o PIB aumentar na ordem dos 3,5%.

Portanto, assistimos a crescimentos superiores a 3% ao ano, que pelos nossos cálculos, mantendo-se o preço do petróleo e acelerando-se a liberalização dos mercados angolanos e o investimento estrangeiro, poderá acelerar para números na ordem dos 4% ou 5%, adotadas que sejam as políticas acertadas.

O otimismo que aqui partilhamos resulta do facto de o crescimento não petrolífero ter sido generalizado, apesar de um ambiente externo difícil, tal significando que o sector não petrolífero está a revivescer, bem como da atenção que vários países desenvolvidos com economias de mercado estão a prestar a Angola, como é o caso dos EUA, Espanha, França e Alemanha. Mencionem-se as recentes visitas a Angola do Rei de Espanha e do Presidente da República Francesa, Emmanuel Macron (Fevereiro e Março 2023).

Refira-se que a dívida que a relação dívida pública/PIB caiu cerca de 17,5 pontos percentuais do PIB, para estimados 66,1% do PIB, auxiliada por uma taxa de câmbio mais forte. Estima-se que a conta corrente tenha permanecido com um grande superávit em 2022, enquanto a cobertura das reservas em moeda estrangeira permaneceu adequada (dados FMI).

O facto é que o governo angolano tem, segundo o FMI, sabido adotar e manter sólidas políticas macroeconómicas e mantido um compromisso com reformas estruturais que são fundamentais para a economia de Angola.

REFORMAS NECESSÁRIAS

Entendemos que é na verificação de reformas estruturais fundamentais que reside o futuro da economia angolana. Destacamos algumas reformas que é necessário tomar e/ou continuar.

1-A primeira reforma, com impacto no médio e longo prazo, é fomentar a formação para a economia dos jovens. Formação não significa apenas, e talvez não na maioria, formação universitária, mas formação sólida no ensino básico e em aspetos profissionais. Defendemos, pois, que deve existir uma efetiva aposta no ensino profissional e técnico em Angola, antes de qualquer outro. Uma aposta real nas escolas e institutos profissionais e técnicos, que sejam vistos como alternativas valiosas ao academismo e não meras imitações universitárias (erro trágico dos politécnicos portugueses).

2-A segunda reforma acarreta a criação de mais condições para o investimento, já não a nível legal, onde existe um enquadramento moderno e atualizado por duas vezes durante a presidência de João Lourenço, mas ao nível judicial, administrativo e de boas práticas. O investidor deve-se sentir seguro para chegar e Angola e aplicar o seu dinheiro. Não deve ter medo de ficar sem ele devido a qualquer interferência de um oligarca, ou ver qualquer processo arrastar-se no tribunal. A celeridade e imparcialidade da justiça está ligada ao bom investimento.

3-Uma terceira reforma dedica-se ao setor financeiro, aí tem especial relevo o aumento do crédito às pessoas privadas e a resolução das fragilidades bancárias. Depressa há que fundir e capitalizar bancos, criando um setor bancário não dependente do Estado, do clientelismo ou da mera gestão da dívida pública.

Finalmente, entre outras mais reformas, destacamos o verdadeiro imperativo que é fazer mais progressos no fortalecimento da governação, e transparência, para melhorar o ambiente de negócios e promover o investimento privado.

Naturalmente, que continuar e acelerar a estratégia anticorrupção também é importante.

PLANO NACIONAL DE EMPREGO

Todas estas notícias devem ser enquadradas com o bem-estar da população e com os problemas graves ainda pendentes. Aquele que mais destacamos é o desemprego, que embora anotando uma ligeira descida, ainda se situa em valores muito altos, cerca de 30%.[2] Esta é uma área em que advogamos uma intervenção direta do Estado. É evidente que o aumento do PIB corresponde a uma diminuição de desemprego, no entanto, acreditamos que face os índices tão elevados de desemprego, no curto prazo é fundamental a atuação imediata do governo.

Nesse sentido, o recente anúncio da disponibilização pelo Banco Mundial de 300 milhões de dólares americanos para um projeto de aceleração da diversificação económica e criação de emprego[3] é de saudar. Não se conhecendo em detalhe o desenho desse programa de aceleração, a sua existência deve ser sublinhada, como também o anúncio anterior da ministra do Trabalho angolana da criação de um Programa Nacional de Emprego, com o objetivo de criar mais oportunidades de inserção de jovens no mercado de trabalho.[4] Também, neste caso, os dados são escassos acerca do desenho do Plano, sendo certo que o Presidente da República tinha declarado no discurso do Estado da Nação de 2022, a criação do referido Plano.

Até ao momento estas iniciativas referentes ao desemprego, embora positivas, parecem descoordenadas e pouco concretizadas. Por isso, a verdade é que Angola ganharia em ver um Plano Nacional de Emprego abrangente, específico e coordenado diretamente pelo Presidente da República, sem o que há o risco de não se implementar devidamente um Plano, que no curto prazo é fundamental para a economia e população angolana.

Fig.n. º1- Números fundamentais da economia angolana


[1] https://www.imf.org/en/News/Articles/2023/02/23/pr2352-angola-imf-executive-board-concludes-2022-article-iv-consultation-with-angola

[2] https://www.ine.gov.ao/

[3] https://correiokianda.info/banco-mundial-financia-usd-300-milhoes-para-fomento-do-emprego-em-angola/

[4] https://www.jornaldeangola.ao/ao/noticias/programa-nacional-de-emprego-e-implementado-este-ano/

Sinais e previsões de Verão para a economia angolana

Sinais

Os últimos números disponíveis do Instituto Nacional de Estatística acerca da economia angolana apontam para um decréscimo do PIB no 1.º trimestre de 2021 na ordem dos -3,4%, uma taxa de desemprego no mesmo trimestre de 30,5%, e uma taxa de inflação homóloga com referência ao mês de julho de 2021 de 25,72%[1] Nenhum destes números que refletem as grandezas macroeconómicas é animador no curto-prazo.

Contudo, há outras realidades económico-financeiras a considerar para se ter uma visão global do movimento em curso na economia angolana, e que permitem ter uma perspetiva mais otimista.

Em primeiro lugar, ao nível do saldo orçamental e da dívida pública, elementos essenciais do programa de apoio do Fundo Monetário Internacional (FMI) a expectativa é que o saldo orçamental de 2021 seja positivo, possivelmente acima dos 2% do PIB (adiante apresentaremos a nossa previsão). Em relação à dívida pública, como aliás havíamos previsto em anteriores relatórios, a sua sustentabilidade encontra-se consolidada, tal como reconhecido pelo representante do FMI em Angola muito recentemente (mais abaixo estará a nossa previsão).[2]

Em termos de taxa de câmbio com referência ao mês de julho de 2021, o Kwanza já se já apreciou 1,8% em relação ao dólar e 6,1% no que respeita ao euro, desde janeiro de 2021, quebrando forte período de forte desvalorização iniciado em 2018. A isto acresce que 3,5 anos depois da flexibilização cambial o gap entre as taxas no mercado formal e no informal está abaixo do objetivo de 20% anunciado pelo banco central na altura da liberalização, situando-se entre os 7% e 8% para o dólar e euro respetivamente. Note-se que no momento antecedente da liberalização o mesmo gap era de 159% e 167%.

Figura 1 – Variação da Taxa de Câmbio do Kwanza face ao dólar e euro (julho 2021)

Atualmente, alguns setores já anunciam o aumento da rentabilidade das exportações em virtude da política cambial favorável. É o caso do cimento, onde Pedro Pinto CEO da Nova Cimangola assegura que “Para potencializar as exportações a desvalorização da moeda ajudou, porque todos os custos que a empresa tem em moeda nacional, em dólares ficaram mais baixos e aumentou, desta forma, a competitividade da empresa para colocar produtos no mercado internacional. Ou seja, todos aqueles produtos que continuamos a comprar em Kzs e que não sofreram grandes variações de preços em dólares ficaram mais baixos e, portanto, permitiu que a empresa tivesse maior rentabilidade com as exportações.[3]

Referência também para o PRODESI (Programa de Apoio à Produção, Diversificação das Exportações e Substituição das Importações), que rendeu desde o início do ano mais de USD 29 milhões de dólares. Como principais produtos exportados, sublinhe-se o cimento, a cerveja, a embalagem de vidro, a banana, os sumos e refrigerantes e o açúcar[4].

Estes movimentos refletem-se ao nível da balança comercial. A balança comercial de Angola registou, no 1º semestre de 2021, um superavit de USD 8.381,9 milhões,[5] um aumento de 40,2 % face aos resultados registados no 2º semestre de 2020 (USD 5.978,8 milhões)[6]. Dentro deste quadro, registou-se um aumento das exportações em 25% naturalmente ainda influenciado pelo aumento das exportações do sector petrolífero em 28,4%.

Figura 2 – Balança Comercial de Angola e Trocas comerciais com a China

Mas também há que registar um aumento importante do comércio com um dos principais parceiros comerciais de Angola, a China. “As trocas comerciais entre Angola e China aumentaram 23,9% no primeiro semestre de 2021, para 10.550 milhões de dólares (8.985 milhões de euros), face ao período homólogo”[7]. De acordo com Gong Tao, embaixador da China em Angola, apesar dos efeitos adversos causados pela pandemia de covid-19, as empresas chinesas mantêm interesse em investir em Angola, salientando como exemplo as recentes construções de fábricas, uma dedicada à produção de azulejos e outra habilitada para a produção de contadores de energia e água.

Previsões de Verão 2021

Na modelação das perspetivas que aqui apresentamos entram em conta vários fatores, entre os quais destacamos os principais. Como primeiro elemento temos o cálculo do preço do petróleo (sempre um elemento determinante na economia angolana). Admitimos que o preço do brent manterá uma ligeira tendência de apreciação situando-se a um nível entre os 65 USD a 75 USD por barril. Faz parte também do nosso modelo uma relativa estabilização ou eventual apreciação do Kwanza face ao dólar e euro o que permite inverter algumas quebras do passado que foram meramente nominais devido à flexibilização da taxa de câmbio. Antevemos que a recuperação mundial pós-Covid-19 trará ânimo às exportações da economia angolana, como aliás já está a acontecer com a China. Finalmente, antecipamos que paulatinamente o ambiente para o investimento externo irá melhorando fruto das reformas legislativas e do empenho do poder político. Temos como exemplo recente os vários anúncios provenientes da Turquia. No final de julho de 2021, Angola e Turquia celebraram 10 acordos de cooperação, nos domínios da economia, comércio, recursos minerais e dos transportes, tendo já sido anunciado um aumento da balança comercial com Angola num valor a rondar os USD 500 milhões de dólares[8].  

Do ponto de vista dos obstáculos, há que referir a falta imensa de capital. Este é o elemento essencial para qualquer retoma sustentada, e também, a inexistência de diversificação da economia[9] e persistência da burocracia administrativa.

Tudo considerado o nosso modelo prevê que no ano de 2021 a economia angolana saia da recessão, e o crescimento do PIB atinja entre 1,4% e 1,75%.

O nosso modelo aponta para um excedente orçamental entre os 2,3% a 2,75%, dependendo da evolução do preço do petróleo até ao final do ano. E considerando a evolução da cotação do câmbio do Kwanza a nossa previsão é que em 2022, o ratio dívida pública/Produto Interno Bruto (PIB) se situe abaixo dos 100% obtendo uma maior consolidação.

Figura 3 – Modelo CEDESA – Previsões para a Economia Angolana

Consequentemente, prevê-se que o período inicial de forte ajustamento e contração da economia angolana chegue ao fim este ano, não existindo mais choques e controlando-se mundialmente a pandemia Covid-19.

O caso especial do Desemprego

Entendemos que o desemprego é um caso especial que deveria ter um tratamento diferenciado, quer estatisticamente, quer ao nível das políticas públicas. Em termos de estatísticas deve ser apurado melhor quem está ocupado com atividades informais produtivas remuneradas e quem não consegue efetivamente obter qualquer trabalho remunerado querendo. Há que evitar enviesamentos estatísticos que perturbam a adequada compreensão da realidade.

Por outro lado, é evidente que não vai ser o mercado ou a economia privada a resolverem no curto-prazo o problema da falta de emprego, sobretudo jovem. Nessa medida, apela-se às autoridades que desenvolvam um programa de tipo keynesiano de promoção de emprego eventualmente com recurso a capitais disponíveis do combate à corrupção, como temos defendido noutros relatórios. O Estado tem de gastar dinheiro na criação de emprego.


[1] Cfr. https://www.ine.gov.ao/

[2] Cfr. https://www.sapo.pt/noticias/atualidade/representante-do-fmi-em-angola-afirma-que_611bf099d1bccf29fd83b48c

[3] https://mercado.co.ao/grandes-entrevistas/a-desvalorizacao-da-moeda-permitiu-que-a-empresa-tivesse-maior-rentabilidade-com-as-exportacoes-XJ1038347

[4] https://www.angonoticias.com/Artigos/item/68811/prodesi-rende-mais-de-usd-29-milhoes-em-exportacoe

[5] https://www.bna.ao/Conteudos/Artigos/lista_artigos_medias.aspx?idc=15419&idsc=15428&idl=1

[6] https://www.angonoticias.com/Artigos/item/68824/balanca-comercial-regista-superavit-de-usd-83819-milhoes

[7] https://www.rtp.pt/noticias/economia/comercio-entre-china-e-angola-recupera-24-no-1o-semestre-apos-forte-quebra-em-2020_n1343994

[8] https://www.angop.ao/noticias/economia/angola-e-turquia-reforcam-balanca-comercial/

[9] Cfr, os elementos mais recentes sobre a participação setorial no PIB que demonstram o peso imenso e reforçado de setor do petróleo. https://www.bna.ao/Conteudos/Artigos/lista_artigos_medias.aspx?idc=15907&idsc=15909&idl=1

A Zona de Comércio Livre Africana aumenta o crescimento económico de Angola

1-Introdução: A Zona de Comércio Livre e Angola

Angola depositou a ratificação da adesão à Zona de Comércio Livre Continental Africana (ZCLCA) no passado dia 4 de Novembro de 2020, depois da Assembleia Nacional ter aprovado para ratificação a 28 de Abril do presente ano, e do Presidente da República ter assinado Carta de Ratificação, a 6 de Outubro.

A entrada em vigor do acordo está agendada para o próximo dia 1 de Janeiro de 2021.

A ZCLCA foi ratificada até agora por 30 países e, numa primeira fase, levará à eliminação das tarifas sobre 90% dos produtos. Além disso, o acordo compromete os países a liberalizar progressivamente o comércio de serviços e a lidar com uma série de outras barreiras não tarifárias, como os longos atrasos nas fronteiras nacionais que dificultam o comércio entre os países africanos. Eventualmente, no futuro a livre circulação de pessoas e um mercado único de transporte aéreo africano poderão surgir dentro da área de livre comércio recém-criada.

O objetivo deste acordo é criar a maior zona de livre comércio deste género no mundo, com um mercado gigantesco do Cairo à Cidade do Cabo. A ZCLCA reúne 1,3 mil milhões de pessoas e um produto interno bruto (PIB) combinado de mais de US $ 2 triliões.

Essencialmente, objetivos comerciais do acordo são:

-Criar um mercado único, aprofundando a integração económica do continente;

-Auxiliar a movimentação de capitais e pessoas, facilitando o investimento;

-Avançar para o estabelecimento de uma futura união aduaneira continental.

Como referido, o acordo inicialmente requer que os membros removam as tarifas de 90% dos bens, permitindo o livre acesso a mercadorias, bens e serviços em todo o continente.

Quadro nº 1 – Objectivos da ZCLCA

2-O impacto da ZCL no comércio externo de Angola

Uma modelagem recente da Comissão Económica das Nações Unidas para a África (UNECA) projeta que o valor do comércio intra-africano seja entre 15% e 25% mais alto em 2040 devido à ZCLCA. A análise também mostra que se espera que os países menos desenvolvidos experimentem o maior crescimento no comércio intra-africano de produtos industriais até 35%1.

Não havendo dúvidas que a inserção numa zona de comércio livre aumenta o comércio externo dum país, tal deverá acontecer em Angola, apontando-se, face aos dados das Nações Unidas, para um reforço em pelo menos 25% do comércio externo com a restante África até 2031.

Esta percentagem surge da ponderação da modelagem da UNECA acima referida com fatores específicos em curso em Angola2 como a aposta política na liberalização e diversificação da economia, a operacionalização de algumas estruturas de transportes internacionais como a finalização do Aeroporto Internacional de Luanda, a entrada em funcionamento do porto de águas profundas do Caio, bem como o funcionamento do Corredor do Lobito; um corredor ferroviário para tráfego internacional de mercadorias com início no Porto do Lobito (Benguela) e que integra três países — Angola, República Democrática do Congo e Zâmbia — sendo desejo do governo que seja um dos principais eixos de circulação de matérias-primas e mercadorias nos territórios que atravessa.

Há uma conjugação tripartida que potencia o crescimento a médio prazo de Angola:

  1. a liberalização e diversificação da economia angolana com o fabrico de novos produtos (alguns em que Angola se havia especializado no tempo colonial e depois abandonado) e serviços,
  2. a adesão à zona de comércio livre africana, e
  3. a construção de infraestruturas logísticas de transportes.

Esta interação é fundamental para que a adesão a uma zona de comércio livre tenha sucesso. A zona de comércio livre será o propulsor de crescimento que por sua vez é acelerado pela combinação da diversificação económica e novas estruturas logísticas. As reduções tarifárias podem desempenhar um papel significativo no desenvolvimento do comércio intrarregional, mas devem ser complementadas por políticas de redução dos estrangulamentos não tarifários (por ex. logística).

3- Aumento do comércio externo e crescimento económico em Angola

A previsão é que o resultado desta interação seja um aumento do comércio internacional que acarretará um crescimento mais acelerado do Produto Interno Bruto (PIB).

Em princípio um aumento do comércio internacional leva a um crescimento do PIB3.

Nos últimos dois séculos, a economia mundial experimentou um crescimento económico positivo sustentado e, no mesmo período, esse processo de crescimento económico foi acompanhado por um crescimento ainda mais rápido do comércio global. De forma semelhante, descobrimos que também há uma correlação entre o crescimento económico e o comércio: países com maiores taxas de crescimento do PIB também tendem a ter maiores taxas de crescimento no comércio.

Entre os potenciais fatores de crescimento que podem advir de uma maior integração económica global estão: Concorrência (as empresas que não adotam novas tecnologias e não cortam custos têm maior probabilidade de fracassar e serem substituídas por empresas mais dinâmicas); Economias de escala (as empresas que podem exportar para o mundo enfrentam maior procura e, nas condições certas, podem operar em escalas maiores onde o preço por unidade de produto é menor); Aprendizagem e inovação (as empresas ganham mais experiência e exposição para desenvolver e adotar tecnologias e padrões da indústria de concorrentes estrangeiros).4

No geral, a evidência disponível sugere que a liberalização do comércio melhora a eficiência económica. Essa evidência provém de diferentes contextos políticos e económicos e inclui medidas micro e macro de eficiência. Esse resultado é importante, pois mostra que há ganhos com o comércio que implicam aumento do PIB.

É difícil calcular o impacto no PIB de um incremento de 25% até 2031 do comércio entre Angola e o resto de África. Na verdade, o comércio de Angola com os restantes países de África representava em 2019 apenas 3% do total do comércio externo do país5. Admitimos que a ZCLCA faça aumentar esse número em 25%, provocando um incremento no comércio total angolano entre 0,75% a 1% face ao peso relativo mencionado.

Nesse sentido, uma perspetiva conservadora baseada em dados históricos de relação entre aumento de comércio e crescimento do PIB de outros países com muitas diferenças entre si aponta como possível uma relação de 1:1. (Ver quadro abaixo que permite estabelecer essa correlação com alguma segurança).

Quadro nº 2 – Crescimento PIB e Comércio em vários países (fontes: as referidas no Quadro)

Nesse caso, o incremento do comércio externo até 2031 implicaria um acréscimo médio do PIB anual ao crescimento do PIB entre 0,75% a 1% entre 2021 e 2031 em Angola derivado do funcionamento da ZCLCA. Se por exemplo, para 2022 existisse uma previsão de crescimento do PIB de 2% sem ZCLCA, com ZCLCA essa previsão poderia alcançar os 2,75% a 3% e assim sucessivamente

Note-se que esse resultado só é possível se os seguintes condicionantes se verificarem:

-Efetivo funcionamento da zona de comercio livre;

-Liberalização e diversificação da economia angolana;

-Concretização e operacionalização de projetos logísticos de transportes (aeroporto, porto de águas profundas, e caminho-de-ferro internacional).

O enquadramento político que o governo angolano quer dar à economia de incremento das reformas estruturais e concorrência vai de encontro às vantagens que podem surgir do incremento das trocas comerciais com o resto de África.

Além do mais as políticas públicas devem abordar os custos de ajustamento da integração comercial:

  • Fomentar a produtividade agrícola em economias menos diversificadas;
  • Em alguns países, mobilizar a receita fiscal interna para compensar as perdas;
  • Usar programas sociais e de formação direcionados para facilitar a mobilidade dos trabalhadores entre indústrias para mitigar os efeitos adversos na distribuição de rendimentos.

3-Conclusões

Em conclusão:

É possível antever um crescimento do comércio externo de Angola com África em 25% até 2031 se a Zona de Comércio Livre Africana for realmente implementada e as políticas internas forem as adequadas.

Esse crescimento poderá originar um crescimento médio anual da economia nesses anos de 0,75 % a 1%.

São boas notícias para Angola.

Quadro nº 3 – Previsões Crescimento % PIB do FMI adaptadas6

1 Vera Songwe,  Mamadou Biteye, African  Trade  Agreement: Catalyst  for Growth, UNECA, https://www.uneca.org/stories/african-trade-agreement-catalyst-growth

2 A modelação que adotamos atribui um peso de 60% às previsões da UNECA (que funcionam como mecanismo propulsor) e de 40% aos fatores internos em desenvolvimento domesticamente mencionados (mecanismo acelerador), acreditando que é da combinação virtuosa entre os dois que será possível exponenciar o crescimento do comércio.

3 Frankel, J. A., & Romer, D. H. (1999). Does trade cause growth? American economic review, 89(3), 379-399.

4 Esteban Ortiz-Ospina (2018), Does trade cause growth? https://ourworldindata.org/trade-and-econ-growth

5 Cfr. http://www.expansao.co.ao/artigo/134739/trocas-comerciais-de-angola-com-africa-representam-so-3-do-total-do- comercio-com-o-mundo?seccao=exp_merc

6 https://www.imf.org/en/Countries/AGO / Outubro de 2020. As projeções com ZCL são da nossa exclusiva responsabilidade, embora baseadas nas previsões do FMI de Outubro de 2020 e implicam a verificação de todas as condições prescritas no texto.

Proposta de um esquema-piloto de garantia de emprego em Angola

Introdução: a magnitude do problema do desemprego e a necessidade de uma resposta governamental sistemática

Em Angola, no terceiro trimestre de 2020, a taxa de desemprego situou-se nos 34%[1]. Este número corresponde a um aumento em cadeia (i.e., em relação ao trimestre anterior) de 9,9% e homólogo (referente ao mesmo período de 2019) na ordem dos 22%[2]. Face a estes dados, qualquer que seja a perspetiva adotada, é fácil verificar que o desemprego é um problema fundamental e grave com que se deparam a economia e sociedades angolanas.

Fig. n.º 1- Evolução recente da taxa de desemprego em Angola (2017-2020). Fonte: INE-Angola

Até ao momento, o governo reconhece esse problema, mas aposta na retoma da economia ao nível do setor privado, para resolver a questão, acreditando que o Estado pouco pode fazer para enfrentar a situação. A solução está no crescimento económico e no dinamismo empresarial, afirma o executivo. O Presidente da República, João Lourenço, foi claro no último discurso do Estado da Nação quando afirmou: “prioridade da nossa agenda é: trabalhar para a reanimação e diversificação da economia, aumentar a produção nacional de bens e de serviços básicos, aumentar o leque de produtos exportáveis e aumentar a oferta de postos de trabalho.” João Lourenço realiza uma ligação indelével entre a diversificação da economia e o aumento da produção nacional e a descida do desemprego.

No fundo, o governo estriba-se no tradicional postulado enunciado pelo economista norte-americano Arthur Okun, segundo o qual existiria uma relação linear entre as mudanças na taxa de desemprego e o crescimento do produto nacional bruto: a cada crescimento real do PIB em dois por cento corresponderia uma diminuição do desemprego em um por cento[3]. A verdade é que vários estudos empíricos não confirmam em absoluto esta relação empírica, e nos anos mais recentes em vários países do mundo, um aumento do PIB não tem levado a um decréscimo acentuado do desemprego, enquanto, noutros casos tem, portanto, é difícil estabelecer uma relação permanente entre desemprego e PIB. A isto acresce que a magnitude do desemprego em Angola implicaria que para diminuir a taxa para os, ainda assustadores, 24%, o PIB teria de crescer 15%…

A questão fundamental é que o problema do desemprego em Angola não é conjuntural, mas estrutural, isto quer dizer que está intimamente conectado às deficiências permanentes da economia angolana e não tem uma mera dependência do ciclo económico.

O facto de o problema do desemprego ser estrutural e duma retoma económica para os anos 2021 e seguintes apenas se situar entre os 2 a 4% do PIB[4], de acordo com as presentes projeções do FMI, implicam que tal animação da economia venha a ter pouco impacto no emprego.

Neste sentido, é fundamental entender-se que a solução do problema do desemprego não depende apenas do mercado e da retoma económica, exige, pelo menos no curto prazo, a intervenção musculada do Estado. É neste contexto que surge esta proposta de experiência piloto.

Fig. n.º 2- Projeções de crescimento do PIB Angola (2021-2024). Fonte: FMI

Uma experiência-piloto de garantia de emprego em Angola

Partindo da primeira experiência de garantia universal de emprego do mundo, projetada por investigadores da Universidade de Oxford e administrada pelo Serviço Público de Emprego Austríaco, que tem lugar na cidade austríaca de Marienthal[5], aplicar-se-ia a mesma metodologia a uma localidade específica em Angola, possivelmente, a um município concreto em Luanda.

Segundo este regime a implementar a título experimental num município de Luanda seria oferecida uma garantia universal de um emprego devidamente remunerado a todos os residentes que estão desempregados há mais de 12 meses.

Além de receber formação e assistência para conseguir trabalho, os participantes teriam garantido o trabalho remunerado, devendo o Estado subsidiar 100% do salário numa empresa privada ou empregar participantes no setor público ou ainda apoiar a criação de uma microempresa. Todos os participantes receberiam pelo menos um salário mínimo fixado de acordo com o Decreto Presidencial que regula a matéria adequado a uma vida com dignidade.

O esquema-piloto funcionaria da seguinte forma:

1) Todos os residentes do município de Luanda escolhidos, que estejam desempregados há um ano ou mais, serão convidados incondicionalmente a participar no esquema-piloto.

2) Os participantes começam com um curso preparatório de dois meses, que inclui formação individual e aconselhamento.

3) De seguida, os participantes serão ajudados a encontrar um emprego adequado e subsidiado no setor privado ou apoiados para criar um emprego com base nas suas competências e conhecimento das necessidades de sua comunidade ou ainda serão empregues pelo Estado.

4) A garantia de emprego assegura três anos de trabalho para todos os desempregados de longa duração, embora os participantes possam optar pelo trabalho a tempo parcial.

Fig. n.º 3- Descrição sumária do esquema-piloto de emprego

Além de eliminar o desemprego de longa duração na região, o programa visa oferecer a todos os participantes um trabalho útil, seja na pavimentação de ruas, em pequenas reparações comunitárias, numa creche, na criação de um café comunitário, no acesso a água e energia, saneamento básico, na reconstrução de uma casa, ou em algum outro campo.

O esquema-piloto é projetado para testar os resultados e eficácia da política e ser depois estendido a mais áreas do país.

Financiamento

“No âmbito do processo de recuperação de ativos, o Estado já recuperou bens imóveis e dinheiro no valor de USD 4.904.007.841,82, sendo USD 2.709.007.842,82 em dinheiro e USD 2.194.999.999,00 em bens imóveis, fábricas, terminais portuários, edifícios de escritório, edifícios de habitação, estações de rádio e televisão, unidades gráficas, estabelecimentos comerciais e outros.”

Assim, falou o Presidente da República no mais recente discurso do estado da Nação acima mencionado.

Ora, nada melhor do que destinar uma parte destas verbas recuperadas ao fomento do emprego. Consequentemente, utilizar-se-ia um montante daí retirado para se criar um Fundo de Desenvolvimento do Emprego que chamaríamos simplificadamente, por causa da origem dos montantes, “Fundo dos Marimbondos”. Este Fundo receberia parte dos ativos recuperados e iria usá-los para financiar iniciativas de fomento de emprego como a aqui apresentada. Dinheiro retirado no passado da economia retornaria a esta para fomentar trabalho para as novas gerações.

Com este modelo de autofinanciamento ficariam arredadas eventuais constrições impostas pelo Fundo Monetário Internacional ou a necessidades de contenção orçamental. O fomento do emprego teria fundos próprios resultantes da luta contra a corrupção. Não parece existir melhor destino do dinheiro que esse.

Fig. n.º 4- Financiamento do esquema-piloto


[1] https://www.ine.gov.ao/

[2] https://www.ine.gov.ao/images/Idndicador_IEA_III_Trimestre_2020.PNG

[3] Arthur M. Okun, The Political Economy of Prosperity (Washington, D.C.: Brookings Institution, 1970)

[4] https://www.imf.org/en/Countries/AGO#countrydata

[5] https://www.ox.ac.uk/news/2020-11-02-world-s-first-universal-jobs-guarantee-experiment-starts-austria

As vantagens da desvalorização do Kwanza, o combate à inflação e o crescimento económico

O facto de a 20 de Agosto passado, no mercado informal, o Kwanza ter tido o seu valor mais baixo face ao Euro tem levantado muitos temores, aliado a previsões de desvalorizações cambiais de 50% até ao final do ano. Aliás, as previsões negativas sucedem-se. O presente estudo pretende desmistificar essa narrativa e explicitar o momento necessário que atravessa a economia angolana.

Na verdade, não há que ter temores, mas sim analisar as situações racionalmente, pois fazem parte duma mudança de modelo económico que é fundamental para Angola retornar ao crescimento económico.

O sistema de câmbio semirrígido que vigorou em Angola ao valorizar a moeda nacional artificialmente, contribuiu para a facilitação das importações e devastação da indústria nacional. A manutenção deste sistema só foi possível devido ao alto preço do petróleo, sendo certo que a partir do momento em que o preço do crude começou a baixar, tornou-se insustentável. Era imperativo liberalizar o câmbio e permitir que a produção nacional se relançasse baseada nas exportações. É este o motivo fundamental da liberalização do câmbio e da virtuosidade da desvalorização da moeda: relançar as exportações e promover a indústria nacional.

A presente desvalorização que ocorre não deve, por isso, suscitar ansiedade, mas ser explicada como um processo normal que tem em conta dois aspetos:

Em primeiro lugar, há que anotar que o mercado informal do Kwanza está a ser movido por fatores específicos diferentes do mercado formal. As oscilações da moeda angolana no mercado informal ligam-se aos efeitos das medidas tomadas a propósito da pandemia Covid-19, designadamente interrupção dos voos internacionais, encerramento de fronteiras e diminuição do pequeno comércio com a China, Turquia e Brasil.

Em segundo lugar, e mais importante, a desvalorização da moeda tem vantagens, e são exatamente essas vantagens que se procuram. Com a desvalorização, as exportações tornam-se mais baratas e mais competitivas para os compradores estrangeiros. Portanto, isso impulsiona a procura interna e pode levar à criação de empregos no sector exportador. O maior nível de exportação deve levar à melhoria do déficit da conta corrente. Isso é importante se o país tem um grande déficit de conta corrente devido à falta de competitividade. Exportações e procura agregada mais altas podem levar a taxas mais elevadas de crescimento económico.

Vê-se assim que através da desvalorização do Kwanza se está a procurar criar um círculo virtuoso que aumente as exportações, dinamize a economia interna, crie mais empregos e empresas, e no final acelere o crescimento económico baseado em exportações.

No fundo, a desvalorização vai trazer crescimento através das exportações. Grosso modo, foi aquilo que os chamados “tigres asiáticos” fizeram.

Os mesmos que acenam com os terrores da desvalorização, afirmam também que a inflação se vai acentuar. Isso não é assim. A partir do momento em que se adota um câmbio flexível, “liberta-se” o banco central da obrigação de manter a taxa de juro para garantir o valor da moeda. Pelo contrário, o banco central pode utilizar a taxa de juro para combater a inflação, bem como outras medidas de política monetária ligadas à circulação monetária. Isto quer dizer que o efeito da liberalização cambial é precisamente o oposto do que se afirma: não implica inflação, dá margem de manobra ao banco central para lutar contra a inflação.

Portanto, depois dos momentos de ajustamento difíceis que ocorrem neste momento em Angola, o que se espera com a presente política de câmbio flexível que deixa o Kwanza desvalorizar, permita que as exportações aumentem e a atividade interna comece a melhorar, ao mesmo tempo que o Banco Nacional de Angola reduz a inflação.

Convém perceber a teoria em que a presente política cambial angolana se estriba. Talvez a melhor explicação se encontre no trabalho do Prémio Nobel da Economia Milton Friedman.[1] As taxas de câmbio flutuantes, argumentava Friedman, ajudariam a isolar a economia doméstica de choques externos e dariam às autoridades de política nacional a capacidade de satisfazer as metas domésticas. Isto quer dizer que uma coisa passaria ser o valor de troca da moeda com o estrangeiro, outra a inflação interna. A partir do momento em que se liberaliza a taxa de câmbio, o banco central pode-se ocupar em criar regras monetárias internas para combater a inflação, deixando de haver uma ligação direta entre os dois fenómenos.

Naturalmente, que uma mudança da magnitude da que se pretende operar na economia angolana, habituada a estar acolchoada pelos valores do petróleo, não se faz sem sacrifício e alguma dor. É essa a fase presente da economia. O importante é perceber os fundamentos subjacentes às políticas económicas e perceber que se forem levados com profissionalismo e determinação augurarão um modelo mais próspero para a economia angolana.

Esta é uma fase de transição para uma economia melhor. Obviamente que obriga a adaptações internas. Um país habituado a importar tudo, tem de começar a produzir para si e para o mercado externo.

Este é o desafio que se coloca a Angola: voltar a ser um país produtor de bens e serviços, como já foi, além do petróleo. Portanto, não há que ter medo e perceber que depois da mudança económica a melhoria do nível de vida será assinalável.

A economia angolana está num momento de tentativa de modificação de um modelo oligárquico rentista e improdutivo, para uma economia moderna e competitiva. É um passo difícil, mas necessário.


[1] Friedman, M. (1953) “The Case for Flexible Exchange Rates.” In Essays in Positive Economics, 157–203. Chicago: University of Chicago Press.