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Condições e soluções para a retirada do subsídio aos combustíveis em Angola

Resumo da política proposta

Neste documento apresentam-se condições necessárias e soluções possíveis para a retirada do subsídio aos combustíveis em Angola.

1-As condições necessárias são:

a) Criação de Mecanismo de Transparência de fluxos financeiros orçamentais. O destino das poupanças realizadas com a retirada dos subsídios, enfatizando aspetos sociais;

b) Modificação da estrutura de mercado oligopolista. Promoção de concorrência no mercado da distribuição de combustíveis. Uma hipótese é a cisão da Sonangol Distribuição em três entidades e privatização de duas delas.

2-As soluções possíveis são:

a) Foco no sujeito

aa) Subsídio direto aos mais desfavorecidos e passe social

ab) Subsídio direto às empresas

ac)Benefício fiscal /Imposto negativo a aa) e ab)

b) Foco no objeto

ba) Preços de combustível subsidiado continua para veículos de cilindrada inferior

bb) Preços de combustível subsidiados continuam para empresas de transporte e similares

c) Sistemas compósitos

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Eliminação subsídios aos combustíveis: FMI e Vera Daves

É uma parte integrante de qualquer intervenção do Fundo Monetário Internacional (FMI) mandar retirar subsídios aos combustíveis, onde estes existam. Naturalmente, que a mesma cartilha foi seguida em Angola criando esse ônus ao governo angolano.

Em termos de política fiscal, no recente Staff Report de acordo com o artigo IV o Fundo torna esta a principal medida a tomar ao nível da política fiscal, prescrevendo que: “as autoridades precisam tomar uma ação política para aumentar as receitas fiscais não petrolíferas e eliminar gradualmente os subsídios aos combustíveis, enquanto aumentam o apoio aos vulneráveis. Estas medidas devem ajudar a reduzir a dívida vulnerabilidades, criar espaço fiscal e alcançar seus objetivos fiscais e de dívida de médio prazo”.[1] (sublinhado nosso).

A ministra Vera Daves afina pelo mesmo diapasão, e em entrevista recente afirmou que a retirada dos subsídios aos combustíveis é “o elefante no meio da sala, e com sapatos de bailarina”, afirmando que que a decisão política estaria tomada e só não foi implementada porque falta é encontrar o mecanismo que diminua o impacto nos mais desfavorecidos. E explicou que: “É um subsídio cego, a que toda a gente acede, e com essa receita poderíamos ter uma política mais direcionada em vez de subvencionar quem não precisa”. Adicionando argumentos para a eliminação desta medida como “as fugas de combustível para os países vizinhos, a falta de participação no mercado e a consequente perda de receita fiscal, para além da questão da desigualdade de tratamento. São várias distorções ao mercado, mas temos consciência que o impacto, principalmente por via dos transportes, é considerável”. Reconheceu também o impacto negativo nos municípios, nas indústrias e nas fazendas e no preço dos fretes para transportar comida. E concluiu dizendo: “Temos tudo mapeado, agora o desafio está em tirar o sapato da bailarina pensando em medidas que possam mitigar a remoção” deste subsídio que custa entre 3 a 4 mil milhões de dólares, cerca de 2,8 a 3,7 mil milhões de euros, por ano. “É um valor considerável, tendo em conta que o Programa de Integração e Intervenção nos Municípios (PIIM) tem 2 mil milhões, portanto seriam dois PIIM.[2]

Parece, portanto, que o FMI e Vera Daves estão determinados a eliminar os subsídios aos combustíveis, aparentemente, não sabem ainda é como.

A questão política e o mecanismo de transparência

É evidente que estas eliminações, mesmo fazendo sentido economicamente, e já abordaremos as dúvidas nesse âmbito, têm um impacto político grande e não podem ser encaradas de “ânimo leve”. Desde o Egito, ao Irão ao Sudão, a França, as mudanças nos preços de combustíveis têm impactos na estabilidade política, pelo que a primeira avaliação a fazer é política.

O grande argumento adiantado por Vera Daves é aquele que tecnicamente se denomina crowding out. Ao gastar 2,8 a 3,7 mil milhões de euros, por ano em subsídios aos combustíveis, o governo não os gasta no setor social, em educação e saúde, por exemplo. Na realidade, argumenta, o que é colocado no abaixamento do preço da gasolina é retirado do bem-estar do povo. Aceitando o argumento, há que o sustentar e convencer a população. Nestes termos, a primeira tarefa seria criar um mecanismo de transparência (talvez em forma de site digital) que explicasse à população como seriam canalizados os fundos dos subsídios para os outros setores, clarificando os planos do governo. Mil milhões para escolas, 500 milhões para docentes, etc. Fazendo um esquema simples e divulgando-o, todos perceberiam o destino do dinheiro, e, depois ao longo dos primeiros anos, deveria haver uma apresentação anual pública desse fluxo. Explicava-se com um esquema para onde tinham ido as poupanças com a retirada dos subsídios aos combustíveis. Consequentemente, a população veria que não tinha sido invenção da ministra das Finanças, mas que estava efetivamente a acontecer.

Uma primeira medida preparatória de cariz político é a criação de um Mecanismo de Transparência por todos consultável que explique o percurso do dinheiro, quanto sai dos subsídios aos combustíveis e onde vai parar nos vários setores do orçamento. Assim, a população vê os benefícios.

Fig. n.º 1- Exemplo de Mecanismo de Transparência do fluxo dos fundos retirados do subsídio aos combustíveis, a ser apresentado anualmente à população

O problema da estrutura de mercado

Entrando na área económica há uma questão que se coloca e deveria ser confrontada. É evidente que a cessação do subsídio aos combustíveis fará aumentar os preços destes.

Em 2021, havia em Angola 951 postos de combustíveis, dos quais 432, seriam controlados por pequenos operadores sem marca. A Sonangol distribuidora é a maior do segmento de distribuição com uma quota de mercado (vendas) de 64%, a Pumangol é o segundo maior player com 24% sendo que os restantes 16% estão distribuídos pela Sonangalp e a Tomsa (Total Marketing and Services Angola[3]).

A questão que se coloca é a definição da estrutura deste mercado. Uma primeira análise poderia aparentar estarmos perante um mercado concorrencial, mas o peso da Sonangol e da Pumangol, representando um total de 78% de quota de mercado de vendas indica que estamos perante um mercado de tipo oligopolístico, em que poucas empresas dominam o setor. É sabido da teoria dos preços que os mercados oligopolistas têm preços mais altos do que os mercados em concorrência perfeita, em que ninguém domina o mercado. O preço em oligopólio é fixado pelas empresas acima do nível de preço que prevaleceria em competição e abaixo do nível de preço maximizador de lucros de monopólio. É uma estrutura de mercado que se constitui num caso intermediário, onde há poucas empresas que competem entre si[4]. Consequentemente, retirar o subsídio aos preços de combustíveis numa situação de oligopólio equivaleria a um preço mais alto do que o preço de equilíbrio de mercado e a colocar a população a financiar lucros mais elevados das empresas de distribuição de combustíveis.

É fundamental ao mesmo tempo que se começa a gradual retirada dos preços aumentar o número de operadores relevantes no mercado e colocá-los a concorrer entre si, sem que ninguém domine o mercado.

O mais aconselhável era proceder à cisão da Sonangol Distribuidora em três empresas diferentes e privatizar de imediato duas delas. Assim, teríamos, pelo menos 5 operadores relevantes em concorrência.

Fig. n.º 2- Esquema de cisão da Sonangol Distribuição para garantir concorrência no mercado

Formas de compensação/mitigação da retirada de subsídios

Descrita que foi a necessidade de criação de um Mecanismo de Transparência de Fluxo de Fundos para efeitos de consenso político, bem como a necessidade de reformar a estrutura de mercado do segmento downstream como maneira de evitar a formação de preço em oligopólio, isto é, mas altos do que o normal, é altura de fazer sugestões de compensação da retirada dos subsídios.

O ponto de partida é que não haverá uma poupança da totalidade dos valores apontados como custo, 2,8 a 3,7 mil milhões de euros, por ano, e que há setores e populações que devem ser protegidos. Falamos, naturalmente, das populações com menos rendimentos e as áreas dos transportes e distribuição alimentar e agrícola.

As medidas podem partir de vários focos:

a) Foco no sujeito

aa) Subsídio direto aos mais desfavorecidos e passe social

ab) Subsídio direto às empresas

ac) Benefício fiscal /Imposto negativo a aa) e ab)

b) Foco no objeto

ba) Preços de combustível subsidiado continua para veículos de cilindrada inferior

bb) Preços de combustível subsidiados continuam para empresas de transporte e similares

c) Sistemas compósitos

Explicitando cada um dos itens e possibilidades. Teríamos o seguinte:

a)         Foco no sujeito

aa) Subsídio direto aos mais desfavorecidos e passe social

Uma primeira hipótese seria a concessão de um subsídio de combustível a todos aqueles que tivessem um veículo e/ou utilizassem combustível em determinada atividade e apresentassem um rendimento abaixo de determinado patamar. Queria isto dizer que o cidadão que utilizasse combustível e tivesse rendimentos baixos, receberia um subsídio direto do Estado com vista a minorar os efeitos negativos da subida do preço dos combustíveis.

Além disto poderia ser criado um passe social de valor reduzido, que permitisse a qualquer cidadão utilizar os transportes sem repercussão do valor da subida dos combustíveis

ab) Subsídio direto às empresas

Outra hipótese seria a do subsídio direto às empresas de transportes e distribuição. Para que estas não fizessem repercutir a subida do preço dos combustíveis nos preços cobrados ao público, haveria uma compensação paga pelo Estado que cobriria o diferencial. As empresas receberiam fundos para não aumentar os preços.

ac) Benefício fiscal /Imposto negativo a aa) e ab)

Nesta situação, o instrumento utilizado de compensação seria o sistema fiscal, e não as transferências diretas de subsídios. Permitir-se-ia às pessoas singulares até certo patamar de rendimento e às empresas dos setores afetados apresentaram como dedução fiscal o valor do diferencial pago com a subida dos preços. Por exemplo, se antes pagavam 5 e depois passassem a pagar 10, teriam oportunidade de apresentar um valor de 5 como dedução fiscal, pagando um menor imposto.

Numa situação superficial, tal possibilidade dedutiva apenas se aplicaria a entes que pagassem imposto, ficando de fora os que não pagam ou estão isentos. Nestes casos, dever-se-ia fazer funcionar um imposto negativo, isto é, um sistema através do qual pessoas de baixo rendimento receberiam pagamentos suplementares do governo, em vez de pagar impostos. Esses pagamentos suplementares seriam iguais aos montantes adicionais gastos em combustível por estas pessoas.

b)         Foco no objeto

ba) Preços dos combustíveis subsidiado continua para veículos de cilindrada inferior

Nesta hipótese, o que aconteceria seria o estabelecimento de diferentes níveis de preços para os combustíveis de acordo com a cilindrada dos veículos. Veículos de baixa cilindrada pagariam um preço mais baixo e vice-versa. Seria uma espécie de preço progressivo.

bb) Preços dos combustíveis subsidiados continuam para empresas de transporte e similares

Neste caso, o sistema seria o mesmo que indicado acima, com a diferença que o preço benéfico seria aplicado aos veículos das empresas de transporte e similares

c) Sistema compósito

É evidente que os sistemas acima referidos, podem ser misturados ou complementados uns pelos outros, cabendo ao decisor político encontrar a melhor combinação técnica.

Fig. n.º 3- Possíveis soluções compensatórias para a retirada dos subsídios aos combustíveis

Necessidade de cálculos financeiros

Não se apresentam cálculos financeiros neste trabalho porque os números não são conhecidos. A ministra das Finanças apresenta uma ordem de grandeza de gastos atuais com o subsídio de combustíveis que é entre 2,8 a 3,7 mil milhões de euros, por ano. Facilmente, se verifica que o diferencial é demasiado grande (900 milhões de euros) para se proceder a uma aritmética mais fina da situação.


[1] IMF, STAFF REPORT FOR THE 2022 ARTICLE IV CONSULTATION, February 7, 2023, p. 7.

[2] https://angola24horas.com/component/k2/item/26418-governo-angolano-prepara-fundo-de-investimento-imobiliario-para-gerir-ativos-recuperados

[3] Dados retirados de Expansão: https://expansao.co.ao/expansao-mercados/interior/sao-951-postos-de-combustivel-e-454-de-bandeira-branca-101135.html

[4] Ver por exemplo, George J. Stigler, https://cooperative-individualism.org/stigler-george_a-theory-of-oligopoly-1964-feb.pdf