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Análise da Proposta de Orçamento Geral do Estado de Angola para 2023

1-A apresentação oficial do OGE

A proposta do Orçamento Geral do Estado (OGE) de Angola para 2023 já foi entregue na Assembleia Nacional, constando os seus elementos essenciais de uma acessível e pedagógica página digital do Ministério das Finanças.[1]

O ministério das Finanças na sua nota oficial destacou os seguintes aspetos principais acerca do OGE.[2]

Objectivos

Os dois principais objetivos da política orçamental são a “continuação do crescimento económico nacional e o prosseguimento de uma gestão orçamental prudente.”

Saldo orçamental e dívida pública

O saldo orçamental será superavitário no valor 0,9% do PIB, consolidando a evolução de 2021 e 2022. O rácio da dívida pública em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) está a diminuir, sendo que as projeções para 2022 apontam um rácio de 56.1% do PIB, manifestamente inferior aos 128,7% já registados. O governo espera que a tendência conjugada da diminuição da dívida pública e da inflação (que se estima em 11% no final de 2023) leve, finalmente, à diminuição das taxas de juro, promovendo o crescimento económico.

Serão mantidos alguns aligeiramentos fiscais como a redução da taxa do IVA dos produtos da cesta básica, que caíram de 14 para 5%, e na hotelaria e turismo (14 para 7%).

Preço petróleo

A proposta de OGE tem como referência o barril de petróleo a USD 75.00.

Despesa por sectores

Em termos de afetação da despesa, estão orçamentados 23.9 % para o sector social, 10 % para o sector económico, 8,6 % para o defesa, segurança e ordem pública ao passo que os serviços públicos gerais contam com 12,5 %.

Segundo o governo, a Despesa Social representa a maior fatia de despesa no OGE absorvendo 43,5% da despesa fiscal primária e 23,9% da despesa total do orçamento, com um aumento de 33,4% face ao OGE 2022.

Crescimento

Em termos de previsões que substanciam a proposta, o OGE assume que em 2022, o PIB real deverá apresentar uma taxa de crescimento real positivo de 2,7%, acima dos 2,4% inicialmente previstos no OGE 2022, e para o ano de 2023, espera-se um crescimento real de 3,3%[3]

Inflação

O Governo espera para 2022 uma inflação de 14,4%, bem abaixo do objetivo de 18%. Para 2023, antecipa uma taxa de inflação de 11,1%, como acima referido.

2-A questão do petróleo

É evidente que o preço do petróleo ainda ocupa um amplo espaço na economia angolana. Segundo os próprios dados do ministério das Finanças, no OGE de 2022, o sector petrolífero representou aproximadamente 25% do PIB nominal, prevendo-se que para 2023 tal número seja de 22%.[4]

Assente o papel determinante do petróleo na economia e nas contas públicas angolanas, repete-se que o preço indicativo calculado para o OGE 2023 foi de 75,00 USD/Bbl como média para o ano, com uma produção também média de 1 180,0 mil Bbl/dia.

Neste momento (13 de Dezembro 2022) o preço do barril está em USD 79, 03[5]e a tendência nos mercados nos últimos tempos tem sido de queda. No último mês desceu de um patamar superior aos USD 90,00, para um limite inferior aos USD 80.00. Obviamente, que a volatilidade do preço do petróleo é grande e ninguém pode fazer previsões sobre a evolução previsível do preço. A queda atual é atribuída ao desaceleramento da economia chinesa e ao efeito da subida das taxas de juro americanas sobre a commodoties. Poderá ser assim ou não, o preço poderá subir ou descer. Havendo talvez uma expectativa de subida, uma vez que se antecipa que a China comece a recuperar e as taxas de juro norte-americanas não aumentem mais, além dos cortes de produção na OPEP, a verdade é que a margem orçamental não é demasiado grande em termos de preço de petróleo. Rapidamente, oscilações do preço podem colocar em causa os cálculos do OGE.

A isto acresce que a precisão de produção diária é de 1180 mil barris dia, quando a média de 2022 foi de 1 147 em 2022 e 1 124 naquilo que se refere a 2021. Atendendo a uma reconhecida obsolescência em alguns sectores de produção petrolífera emAngola, pode acontecer que esse valor de barril não seja alcançado.

Quer isto dizer que, na nossa opinião, haverá algum otimismo nas projeções petrolíferas no OGE 2023 quer ao nível de preço, quer ao nível de produção. Não se pode dizer que as projeções não se verificarão, tão somente que é necessária alguma reserva de emergência para o caso das projeções não se consumarem.

         Continua a existir uma linha muito fina entre o sucesso e insucesso orçamental, por isso, uma renovada reforma da economia é fundamental.

3-A despesa social

O governo anuncia como grande sucesso da sua proposta o aumento da despesa social em 33,4% face a 2022, ocupando a maior fatia por sector. Concretizando, o Relatório de Fundamentação afirma que a despesa social corresponderá a 43,5% da despesa fiscal primária (sem serviço da dívida), que equivale a 23,9% da despesa total e a um aumento de 33,4 % face ao OGE 2022, como já foi referido. “Neste sector, destacam-se a Educação, Saúde, Habitação e Serviços Comunitários e a Proteção Social, com pesos de 14,1%, 12,1%, 10,1% e 6,2% na despesa fiscal primária, respetivamente.”[6] A verdade é que comparando Educação, Saúde, e Habitação com 2022, em todas estas rubricas há um aumento da despesa superior à inflação.

De anotar a subida exponencial da Saúde e Habitação face ao ano transato, com aumentos de 45,1% e 57,6% respetivamente.

Se repararmos no OGE de 2022, o sector social representava 38,8% da despesa fiscal primária, correspondendo a 19,02% da despesa total e a um aumento de 27,1% face ao OGE 2021.[7] Quer isto dizer que é manifesto que o governo está a dar uma especial atenção e promoção ao sector social que incrementa ano após ano. Os números comprovam essa atenção social da política orçamental.

Contudo, como é sabido é no sector social que muitas vezes se encontram as queixas da população. Existe aqui um problema que não é orçamental, mas de gestão e racionalidade. Tem de se executar efetivamente o OGE e fazer chegar o dinheiro às pessoas. A questão é cada vez mais de boa gestão e boa governação, de competência e deliverance, e não da falta de recursos.

4-A despesa financeira relativa à dívida

A despesa financeira relativa à dívida é de 45,1% da despesa do OGE, diminuindo em 2,6% em relação a 2022.[8] Na prática, temos um pouco menos de metade do OGE destinado a pagar dívidas. Não vamos acenar com o “fantasma” do incumprimento da dívida, que como temos referido aos longo das análises que temos efetuado, não existe. O que nos preocupa é o conteúdo da dívida e o facto do Estado estar a suportar e pagar uma dívida que não é dele.

Como refere um órgão de imprensa angolano especializado em economia e confirmam os dados oficiais, “a China continua a ser o país que Angola mais deve, detendo cerca de 40% do total. A maior parte da dívida à China tem como principal credor o China Development Bank (CDB), como resultado de um financiamento de 15 mil milhões USD, no âmbito de um acordo celebrado em Dezembro de 2015.”[9]

Este empréstimo chinês de 2015/2016 é uma das questões que mais atenção deve merecer e ter uma abordagem específica.

O nosso argumento é que uma parte da dívida pública angolana é aquilo que doutrinariamente se chama “dívida odiosa”. A doutrina legal da “dívida odiosa” defende que a dívida soberana contraída sem o consentimento do povo e que não o beneficia é “odiosa” e não deve ser transferível para um governo sucessor, especialmente se os credores estiverem cientes desses fatos com antecedência.[10] Não pugnamos pelo não pagamento integral desta dívida ou outras à China ou a outro país (também nos oferece muitas dúvidas a dívida inscrita a favor do Reino Unido, mas deixaremos esse tema para outra ocasião)  ou entidade, mas sim, uma renegociação bi-voluntária com o respetivo  haircut (redução) de capital e juros que alivie manifestamente o peso da dívida.

Consequentemente, deverá haver uma profunda auditoria forense a este empréstimo chinês de 2015/2016 cujo destino nunca ficou muito claro, a não ser em vagas afirmações que seria aplicado na Sonangol, numa altura coincidente com a assunção do mandato de gestão da companhia por Isabel dos Santos. Após essa auditoria forense e de acordo com os resultados obtidos deverá haver uma renegociação muito séria da dívida com a China. Em 2015, a China já tinha mais do que elementos suficientes para saber que parte do seu dinheiro emprestado estava a ser mal aplicado. Aliás, este é o ano em que o seu suposto representante, Sam Pa, foi, aparentemente, detido. O país, como grande potência que é, não se pode esconder por detrás de formalismos jurídicos e tem de enfrentar, em conjunto, com Angola o problema da sua dívida que foi desviada por corrupção.

5-Conclusões

Torna-se evidente que há um esforço de política económica no sentido de existir rigor financeiro e controlo orçamental de acordo com as injunções do Fundo Monetário Internacional, credibilizando externamente o país em termos económicos. A par desse rigor financeiro que custou bastante eleitoralmente a João Lourenço em Agosto de 2022, há uma atenção ao sector social, tentando mitigar o pendor financista.

Esta política orçamental está corretamente formulada, a questão a atentar situa-se no âmbito da concretização e execução. É fundamental que a despesa social chegue a quem precisa e às estruturas da linha da frente: médicos, enfermeiros, hospitais, escolas, professores, etc, e não fique em consumos intermédios e atalhos de corrupção que funcionam como sifão da verbas. Dito de outro modo, é imperativo que o dinheiro público orçamentado não seja desviado. E aí torna-se imperativo controlar a afetação e aplicação das verbas. A tarefa de boa gestão e governação é a mais importante no OGE de 2023.

Ao nível dos recursos é relevante enfatizar que nos parece estar a atividade petrolífera (preço e quantidade produzida) otimista, nessa medida, é importante haver uma reserva de contingência para baixas quer do preço, quer da produção.

E em relação à dívida pública face à China (e outras entidades) defendemos ser necessário realizar determinadas auditorias forenses e no caso de se vislumbrar algo semelhante a uma “dívida odiosa”, ativarem-se mecanismos de profunda renegociação. Em última análise, haveria que levar o assunto (“dívida ódios”) à Organização das Nações Unidas nos termos dos artigos 1.º, n.º 3 e 14.º , entre outros da Carta das Nações Unidas para se criar um consenso no direito internacional sobre o tema.


[1] Ministério das Finanças de Angola: https://www.minfin.gov.ao/PortalMinfin/#!/materias-de-realce/orcamento-geral-do-estado/oge2023

[2] Ministério das Finanças de Angola: https://www.minfin.gov.ao/PortalMinfin/#!/sala-de-imprensa/noticias/11811/proposta-de-oge-2023-entregue-a-assembleia-nacional

[3]Relatório Fundamentação OGE 2023 https://www.ucm.minfin.gov.ao/cs/groups/public/documents/document/aw4z/mzg4/~edisp/minfin3388777.pdf

[4] Relatório Fundamentação OGE 2023, p.17

[5] Cotações Brent Crude, 10:33 H, 13-12-22 https://oilprice.com/

[6] Vide nota supra, p. 52.

[7] Relatório Fundamentação OGE 2022, https://www.ucm.minfin.gov.ao/cs/groups/public/documents/document/aw4z/mjk2/~edisp/minfin3296952.pdf ,p.5.

[8] Relatório Fundamentação OGE 2023, cit., p. 53.

[9] Mercado, https://www.angonoticias.com/Artigos/item/72530/angola-deve-quase-52-mil-milhoes-usd-ao-exterior-jornal-mercado

[10] Michael Kremer & Seema Jayachandran, Odious Debt, Finance & Development, IMF, June 2002
Volume 39, Number 2