Sucessos macroeconómicos de João Lourenço e o problema do desemprego juvenil: uma proposta de financiamento

Os recentes sucessos macroeconómicos do governo João Lourenço

Depois de anos de crise, recessão e quase desespero económico, que, naturalmente, se traduzirem nos resultados eleitorais do passado Agosto e na constante agitação das redes sociais, o governo angolano apresenta um quadro macroeconómico muito animador.

O crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) projetado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) para 2023, cifra-se nos 3,5%, um número robusto[1], sobretudo, tendo em conta que o país estava em recessão desde 2016, com um pico negativo em 2020 de -5,6%.

As recentes previsões da dívida externa, também do FMI, apontam para um rácio de 63,3% do PIB. Mais uma vez, refira-se que em 2020, esse rácio correspondia a 138,9% do PIB. Existem vários fatores que explicam esta queda, alguns nominais, mas ela é impressiva.

Por sua vez, o Orçamento Geral do Estado para 2023, apresenta um Saldo Fiscal Global Superavitário de 0,9% do PIB, e propõe-se a criar um saldo primário positivo, na ordem dos 4,9% do PIB.

Na inflação, a variação homóloga de março de 2023 é de 10,81%,[2] demonstrando uma queda veloz e consistente.

Fig.º n.º 1-Tendência decrescente da Inflação (Fonte: BNA)

Consequentemente, não há qualquer dúvida que o quadro da economia angolana se modificou desde 2016, e de um país descontrolado e à beira da falência, temos uma situação macroeconómica saudável.

Desemprego juvenil: um problema grave e persistente

Apesar das boas notícias na frente macroeconómica, a população parece ainda alheada do sucesso e o sentimento popular não é correspondente aos números.

Uma explicação para tal fenómeno está na persistência do desemprego elevado, em especial o desemprego juvenil. Segundo o Instituto Nacional de Estatísticas de Angola (INEA) no IV trimestre de 2022, a taxa de desemprego total situava-se nos 29,6%, o que representava uma ligeira queda em relação a anteriores trimestres, mas sem significado.

Em relação à população jovem (entre os 15-24 anos) a taxa de desemprego é de 52,9%[3]

Este número não é aceitável e não há economia que possa ser considerada saudável enquanto tal fenómeno persistir.

As consequências de uma alta taxa de desemprego são conhecidas e apenas se enumeram aqui. Trata-se de um desperdício de recursos, mostrando que a economia não está a funcionar ao seu nível potencial, mas sim de forma pouco eficaz e ineficiente. Naturalmente, que é uma situação que tem o potencial de gerar um aumento da pobreza e igualmente da agitação social. Certamente, uma boa parte da agitação social que hoje se vive em Angola, seja nas ruas, seja nas redes sociais, resulta direta e inapelavelmente do desemprego juvenil. Portanto, as consequências são extremamente e inapelavelmente negativas.

Fig. n.º 2- Consequências da taxa de desemprego juvenil elevada em Angola

Desemprego Juvenil: taxa social de resiliência e instabilidade sistémica perigosa

Do ponto de vista da ordem constitucional e da estabilidade do Estado, há um ponto sistémico relativo ao desemprego juvenil que é preciso ter em conta e sublinhar.

Haverá um limiar em que a taxa de desemprego se torna insuportável e leva as pessoas à ação política com vista a modificar a situação, será uma espécie de gatilho que origina revoluções, subversões, mudanças de regime, etc. Vamos chamar-lhe taxa social de resiliência ao desemprego, como constituindo o limiar de desemprego que uma sociedade suporta sem se revoltar.

Portanto, o ponto que se coloca é que uma taxa de desemprego juvenil acima dos 50%, num país essencialmente jovem e com uma taxa de crescimento demográfico expansiva, é uma taxa explosiva e poderá estar muito próxima da taxa social de resiliência. Quer isto dizer que a presente taxa de desemprego juvenil é, talvez, o maior fator de desestabilização política de Angola e tem a potencialidade de derrubar ordens constitucionais e clamar por elementos de ação extra- legais.

É nesta altura que “que lutar contra o desemprego se torna a prioridade das prioridades. (…) Quando é atingido o limiar da tolerância ao desemprego, é preciso agir depressa e em força. Temporizar não serve de nada, nem serve de nada desenvolver um discurso de desculpas assente nas dificuldades económicas.”[4]

Nunca é demais notar que a ascensão de Hitler ao poder e a sua subsequente popularidade nos anos 30 junto do povo alemão se deveu ao desemprego e à solução que deu ao problema. O desemprego alemão ditou a queda da República de Weimar na Alemanha e a instauração da ditadura nazista. O desemprego é o provocador de extremismos e agitações, superior a qualquer outro.

Por isso, se considera que no presente estado económico angolano, o combate ao desemprego juvenil se tornou a prioridade das prioridades.

Combate ao desemprego juvenil e financiamento: o instrumento financeiro autónomo (IFA)

É evidente que a economia privada angolana não tem a capacidade, neste momento, de criar os empregos necessários para fazer sair a taxa de desemprego do seu limiar de crise. Torna-se óbvio que é necessária uma intervenção maciça do Estado para criar emprego até a um nível social aceitável.

Os programas do Estado têm de ser os tradicionais, assentes na construção massiva de infraestruturas, estradas, portos, e indústria estratégica, bem como na formação técnica especializada e envio de jovens para as várias províncias para tarefas de apoio social na área do saneamento básico, habitação, saúde primária e agricultura.

Não servem os paliativos que as economias de mercado adotam nestas situações: subsídio de desemprego, estágios, formação profissional para conversão, benefícios fiscais. Estas políticas só funcionam perante curtas oscilações das curvas de oferta e procura de emprego, não operam em situações estruturais e permanentes de desemprego.

O combate ao desemprego juvenil tem de ser objeto de um massivo programa nacional com efeitos rápidos e que se traduza na oferta de emprego a vários milhões de jovens.

Os economistas clássicos contraporão que o Estado não tem fundos para tais programas abrangentes e maciços. É nesta altura do raciocínio que entra o combate à corrupção. Segundo números agora apresentados, “Angola recuperou seis mil milhões de dólares e apreendeu outros 21 mil milhões no âmbito do confisco de ativos, metade dos quais no exterior.[5]” Não se sabe exatamente quanto destes valores são meramente apreensões provisórias e quantos já se encontram disponíveis para o Estado. O certo é que são quantias apreciáveis.

O conceito que se propõe para o financiamento dos massivos programas contra o desemprego juvenil é simples: todos os programas de financiamento do emprego juvenil serão financiados por um mecanismo exterior ao crédito clássico, criando-se um veículo excecional assente nos ativos apreendidos.

Alguns dos ativos apreendidos, por exemplo, até a um montante de cinco mil milhões de dólares servirão de capital ou garantia de um instrumento financeiro autónomo (IFA) que lançará os programas de fomento ao emprego. O financiamento desse programa terá como base os ativos apreendidos e será pago através de títulos emitidos pelo IFA.

O IFA ou pagará os programas diretamente com os títulos que emite baseados nos ativos apreendidos ou emite títulos de dívida para levantar fundos para esse pagamento. O certo é que criaria dinheiro fora do sistema clássico e permitiria assim criar uma esperança para os desempregados, fazendo a ligação fundamental entre o combate à corrupção e o combate ao desemprego, ligação que reputamos fundamental.

Fig. n. º3- Esquema simplificado do financiamento dos programas de combate ao desemprego

Conclusões

O desemprego juvenil é a maior ameaça à estabilidade política angolana. Há que encarar o tema e criar mecanismos de intervenção maciça do Estado financiados por um Instrumento Financeiro Autónomo suportado por parte dos ativos apreendidos no combate à corrupção.

O IFA pagaria os programas de emprego com títulos baseados nesses ativos.


[1] https://www.imf.org/en/Countries/AGO (consultado a 19 de abril 2023)

[2] https://www.bna.ao/#/pt (consultado a 19 de abril 2023)

[3] Folha de Informação Rápida _ Inquérito ao Emprego em Angola _ IV Trimestre 2022, (INEA 2023), p.9

[4] Jean-François Bouchard, O Banqueiro de Hitler, 2023, p. 2022.

[5] https://observador.pt/2023/04/18/angola-recuperou-6-mil-milhoes-em-dinheiro-e-apreendeu-mais-21-mil-milhoes-em-ativos/ (consultado a 19 de abril de 2023)

Economia angolana tendências, reformas necessárias e Plano Nacional de Emprego

A vida social em Angola é muito viva e, neste momento, os assuntos políticos e judiciais dominam a agenda do país. No entanto, é no domínio da economia que se regista uma evolução extremamente significativa sobre a qual é importante refletir e proceder a uma análise cuidada.

O recente (Fevereiro de 2023)[1] relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI)sobre o país sublinha os avanços favoráveis da economia angolana e também as reformas necessárias. É com base nesse relatório que vamos enunciar as principais tendências de Angola no campo económico e os pontos nevrálgicos para evitar recaídas como a que originou a última longa recessão que começou na presidência de José Eduardo dos Santos.

TENDÊNCIAS POSITIVAS

A economia de Angola está em franca recuperação após a recessão que durou cinco anos (2016-2020). Em 2022, apoiada por preços de petróleo mais elevados e atividade não petrolífera resiliente já alcançou um crescimento superior a 3%, estimando o FMI que em 2023 o país continue a ver o PIB aumentar na ordem dos 3,5%.

Portanto, assistimos a crescimentos superiores a 3% ao ano, que pelos nossos cálculos, mantendo-se o preço do petróleo e acelerando-se a liberalização dos mercados angolanos e o investimento estrangeiro, poderá acelerar para números na ordem dos 4% ou 5%, adotadas que sejam as políticas acertadas.

O otimismo que aqui partilhamos resulta do facto de o crescimento não petrolífero ter sido generalizado, apesar de um ambiente externo difícil, tal significando que o sector não petrolífero está a revivescer, bem como da atenção que vários países desenvolvidos com economias de mercado estão a prestar a Angola, como é o caso dos EUA, Espanha, França e Alemanha. Mencionem-se as recentes visitas a Angola do Rei de Espanha e do Presidente da República Francesa, Emmanuel Macron (Fevereiro e Março 2023).

Refira-se que a dívida que a relação dívida pública/PIB caiu cerca de 17,5 pontos percentuais do PIB, para estimados 66,1% do PIB, auxiliada por uma taxa de câmbio mais forte. Estima-se que a conta corrente tenha permanecido com um grande superávit em 2022, enquanto a cobertura das reservas em moeda estrangeira permaneceu adequada (dados FMI).

O facto é que o governo angolano tem, segundo o FMI, sabido adotar e manter sólidas políticas macroeconómicas e mantido um compromisso com reformas estruturais que são fundamentais para a economia de Angola.

REFORMAS NECESSÁRIAS

Entendemos que é na verificação de reformas estruturais fundamentais que reside o futuro da economia angolana. Destacamos algumas reformas que é necessário tomar e/ou continuar.

1-A primeira reforma, com impacto no médio e longo prazo, é fomentar a formação para a economia dos jovens. Formação não significa apenas, e talvez não na maioria, formação universitária, mas formação sólida no ensino básico e em aspetos profissionais. Defendemos, pois, que deve existir uma efetiva aposta no ensino profissional e técnico em Angola, antes de qualquer outro. Uma aposta real nas escolas e institutos profissionais e técnicos, que sejam vistos como alternativas valiosas ao academismo e não meras imitações universitárias (erro trágico dos politécnicos portugueses).

2-A segunda reforma acarreta a criação de mais condições para o investimento, já não a nível legal, onde existe um enquadramento moderno e atualizado por duas vezes durante a presidência de João Lourenço, mas ao nível judicial, administrativo e de boas práticas. O investidor deve-se sentir seguro para chegar e Angola e aplicar o seu dinheiro. Não deve ter medo de ficar sem ele devido a qualquer interferência de um oligarca, ou ver qualquer processo arrastar-se no tribunal. A celeridade e imparcialidade da justiça está ligada ao bom investimento.

3-Uma terceira reforma dedica-se ao setor financeiro, aí tem especial relevo o aumento do crédito às pessoas privadas e a resolução das fragilidades bancárias. Depressa há que fundir e capitalizar bancos, criando um setor bancário não dependente do Estado, do clientelismo ou da mera gestão da dívida pública.

Finalmente, entre outras mais reformas, destacamos o verdadeiro imperativo que é fazer mais progressos no fortalecimento da governação, e transparência, para melhorar o ambiente de negócios e promover o investimento privado.

Naturalmente, que continuar e acelerar a estratégia anticorrupção também é importante.

PLANO NACIONAL DE EMPREGO

Todas estas notícias devem ser enquadradas com o bem-estar da população e com os problemas graves ainda pendentes. Aquele que mais destacamos é o desemprego, que embora anotando uma ligeira descida, ainda se situa em valores muito altos, cerca de 30%.[2] Esta é uma área em que advogamos uma intervenção direta do Estado. É evidente que o aumento do PIB corresponde a uma diminuição de desemprego, no entanto, acreditamos que face os índices tão elevados de desemprego, no curto prazo é fundamental a atuação imediata do governo.

Nesse sentido, o recente anúncio da disponibilização pelo Banco Mundial de 300 milhões de dólares americanos para um projeto de aceleração da diversificação económica e criação de emprego[3] é de saudar. Não se conhecendo em detalhe o desenho desse programa de aceleração, a sua existência deve ser sublinhada, como também o anúncio anterior da ministra do Trabalho angolana da criação de um Programa Nacional de Emprego, com o objetivo de criar mais oportunidades de inserção de jovens no mercado de trabalho.[4] Também, neste caso, os dados são escassos acerca do desenho do Plano, sendo certo que o Presidente da República tinha declarado no discurso do Estado da Nação de 2022, a criação do referido Plano.

Até ao momento estas iniciativas referentes ao desemprego, embora positivas, parecem descoordenadas e pouco concretizadas. Por isso, a verdade é que Angola ganharia em ver um Plano Nacional de Emprego abrangente, específico e coordenado diretamente pelo Presidente da República, sem o que há o risco de não se implementar devidamente um Plano, que no curto prazo é fundamental para a economia e população angolana.

Fig.n. º1- Números fundamentais da economia angolana


[1] https://www.imf.org/en/News/Articles/2023/02/23/pr2352-angola-imf-executive-board-concludes-2022-article-iv-consultation-with-angola

[2] https://www.ine.gov.ao/

[3] https://correiokianda.info/banco-mundial-financia-usd-300-milhoes-para-fomento-do-emprego-em-angola/

[4] https://www.jornaldeangola.ao/ao/noticias/programa-nacional-de-emprego-e-implementado-este-ano/

A economia angolana e a necessidade de uma nova Constituição

As constituições não resolvem problemas, mas dão sinais poderosos. É dum desses sinais poderosos que a economia de Angola necessita, neste momento.

Se olharmos para os grandes dados macroeconómicos, deparamos com um quadro animador. A inflação desde março de 2022 desceu de 27,66% para 13,86%, em dezembro de 2022, um dado impressivo, o Kwanza, moeda nacional, oscila livremente no mercado internacional, o Orçamento Geral do Estado apresenta um excedente, a dívida pública desceu assinalavelmente, para um valor próximo dos 60% do PIB. A economia voltou a crescer na órbita dos 3% em 2022, prevendo-se um aumento de 2,7% em 2023. Entretanto, o petróleo continua em alta, a 86,27 o barril/Brent (25-01-2023).

Portanto, aqueles que se podem considerar os “fundamentais” da economia angolana encontram-se saudáveis, depois de uma longa penúria começada em 2015/2016.

No entanto, o investimento internacional que devia fluir para Angola ainda não é uma realidade, e a ameaça de instabilidade é latente, como demonstra a entrevista do líder da oposição Adalberto da Costa Júnior a um jornal português[1] na passada semana, não reconhecendo resultados eleitorais, tribunais e, pelo que se apreende qualquer instituição do Estado; na prática, assumindo como possível uma tomada de poder pela força.

Consequentemente, temos um trabalho de estabilização económica meritório que por razões políticas, e também aquelas que Keynes denominava “animal spirits” (emoções que determinam o comportamento humano), não produz os efeitos desejados e descritos habitualmente nos manuais de economia.

Ora, é precisamente esta necessidade de deslanchar do “animal spirit” que não se move na economia angolana e as ameaças de instabilidade política que originam a premência da discussão de uma nova constituição para Angola.

É sabido que a constituição angolana aprovada em 2010 não é consensual e foi desenhada numa alfaiataria jurídica tendo em conta a figura de José Eduardo dos Santos, introduzindo, aquilo que Jorge Miranda, o famoso constitucionalista português, apelidou de “sistema de governo representativo simples, a que, configurações diversas, se reconduziram a monarquia cesarista francesa de Bonaparte, a república corporativa de Salazar segundo a Constituição de 1933, o governo militar brasileiro segundo a Constituição de 1967-1969, vários regimes autoritários africanos.”[2]

Embora tendo sofrido uma revisão num sentido mais democratizante e aberto em 2021, em que se destaca a autonomização do Banco Central e a criação de um sistema constitucional de fiscalização do poder executivo por parte do legislativo, o certo é que a génese constitucional impede sempre que esta seja um símbolo duma sociedade aberta e uma economia livre e por outro lado, não contém mecanismos de proteção constitucional à semelhança dos propostos por Karl Loewenstein e adotados na Lei básica alemã do pós-guerra. Estes mecanismos protegem a constituição de ameaças internas à própria constituição e são um elemento fundamental para a estabilidade política.

Acresce que é importante reforçar os mecanismos de defesa do investimento privado e estrangeiro. Se repararmos, o investimento privado apenas é mencionado uma vez na constituição no artigo 38.º, e a história de oportunismo e verdadeiros “roubos” de investidores estrangeiros em Angola foi uma realidade que obriga a uma especial atenção normativa. Também as disposições sobre a terra (artigo 15.º) têm de ser atualizadas e racionalizadas, bem como a garantia da justiça com julgamentos rápidos e imparciais.

A justiça é reconhecidamente um dos aspetos essenciais de um bom funcionamento da economia, esperando-se decisões previsíveis e em tempo útil. Não existem dúvidas que o sistema judicial angolano necessita de um grande “aggiornamento” que seria introduzido por uma nova constituição.

Numa mera perspetiva económica, vê-se assim que uma nova constituição seria um sinal, um símbolo de um novo tempo que atrairia investidores e daria esperanças de estabilidade política e legal.

Como se mencionou no início, uma nova constituição não resolve todos os problemas, o seu papel é de anúncio de uma nova época aberta ao investimento, à economia de mercado e ao progresso e desenvolvimento do país. Seria o culminar das reformas económicas encetadas recentemente.


[1] Adalberto da Costa Júnior, 2023, Nascer do Sol, https://sol.sapo.pt/artigo/790625/houve-muita-pressao-para-tomar-as-instituicoes

[2] Jorge Miranda, A Constituição de Angola de 2010, CJP-CIDP, p. 42

Gabinete de Estudos CEDESA

Análise da Proposta de Orçamento Geral do Estado de Angola para 2023

1-A apresentação oficial do OGE

A proposta do Orçamento Geral do Estado (OGE) de Angola para 2023 já foi entregue na Assembleia Nacional, constando os seus elementos essenciais de uma acessível e pedagógica página digital do Ministério das Finanças.[1]

O ministério das Finanças na sua nota oficial destacou os seguintes aspetos principais acerca do OGE.[2]

Objectivos

Os dois principais objetivos da política orçamental são a “continuação do crescimento económico nacional e o prosseguimento de uma gestão orçamental prudente.”

Saldo orçamental e dívida pública

O saldo orçamental será superavitário no valor 0,9% do PIB, consolidando a evolução de 2021 e 2022. O rácio da dívida pública em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) está a diminuir, sendo que as projeções para 2022 apontam um rácio de 56.1% do PIB, manifestamente inferior aos 128,7% já registados. O governo espera que a tendência conjugada da diminuição da dívida pública e da inflação (que se estima em 11% no final de 2023) leve, finalmente, à diminuição das taxas de juro, promovendo o crescimento económico.

Serão mantidos alguns aligeiramentos fiscais como a redução da taxa do IVA dos produtos da cesta básica, que caíram de 14 para 5%, e na hotelaria e turismo (14 para 7%).

Preço petróleo

A proposta de OGE tem como referência o barril de petróleo a USD 75.00.

Despesa por sectores

Em termos de afetação da despesa, estão orçamentados 23.9 % para o sector social, 10 % para o sector económico, 8,6 % para o defesa, segurança e ordem pública ao passo que os serviços públicos gerais contam com 12,5 %.

Segundo o governo, a Despesa Social representa a maior fatia de despesa no OGE absorvendo 43,5% da despesa fiscal primária e 23,9% da despesa total do orçamento, com um aumento de 33,4% face ao OGE 2022.

Crescimento

Em termos de previsões que substanciam a proposta, o OGE assume que em 2022, o PIB real deverá apresentar uma taxa de crescimento real positivo de 2,7%, acima dos 2,4% inicialmente previstos no OGE 2022, e para o ano de 2023, espera-se um crescimento real de 3,3%[3]

Inflação

O Governo espera para 2022 uma inflação de 14,4%, bem abaixo do objetivo de 18%. Para 2023, antecipa uma taxa de inflação de 11,1%, como acima referido.

2-A questão do petróleo

É evidente que o preço do petróleo ainda ocupa um amplo espaço na economia angolana. Segundo os próprios dados do ministério das Finanças, no OGE de 2022, o sector petrolífero representou aproximadamente 25% do PIB nominal, prevendo-se que para 2023 tal número seja de 22%.[4]

Assente o papel determinante do petróleo na economia e nas contas públicas angolanas, repete-se que o preço indicativo calculado para o OGE 2023 foi de 75,00 USD/Bbl como média para o ano, com uma produção também média de 1 180,0 mil Bbl/dia.

Neste momento (13 de Dezembro 2022) o preço do barril está em USD 79, 03[5]e a tendência nos mercados nos últimos tempos tem sido de queda. No último mês desceu de um patamar superior aos USD 90,00, para um limite inferior aos USD 80.00. Obviamente, que a volatilidade do preço do petróleo é grande e ninguém pode fazer previsões sobre a evolução previsível do preço. A queda atual é atribuída ao desaceleramento da economia chinesa e ao efeito da subida das taxas de juro americanas sobre a commodoties. Poderá ser assim ou não, o preço poderá subir ou descer. Havendo talvez uma expectativa de subida, uma vez que se antecipa que a China comece a recuperar e as taxas de juro norte-americanas não aumentem mais, além dos cortes de produção na OPEP, a verdade é que a margem orçamental não é demasiado grande em termos de preço de petróleo. Rapidamente, oscilações do preço podem colocar em causa os cálculos do OGE.

A isto acresce que a precisão de produção diária é de 1180 mil barris dia, quando a média de 2022 foi de 1 147 em 2022 e 1 124 naquilo que se refere a 2021. Atendendo a uma reconhecida obsolescência em alguns sectores de produção petrolífera emAngola, pode acontecer que esse valor de barril não seja alcançado.

Quer isto dizer que, na nossa opinião, haverá algum otimismo nas projeções petrolíferas no OGE 2023 quer ao nível de preço, quer ao nível de produção. Não se pode dizer que as projeções não se verificarão, tão somente que é necessária alguma reserva de emergência para o caso das projeções não se consumarem.

         Continua a existir uma linha muito fina entre o sucesso e insucesso orçamental, por isso, uma renovada reforma da economia é fundamental.

3-A despesa social

O governo anuncia como grande sucesso da sua proposta o aumento da despesa social em 33,4% face a 2022, ocupando a maior fatia por sector. Concretizando, o Relatório de Fundamentação afirma que a despesa social corresponderá a 43,5% da despesa fiscal primária (sem serviço da dívida), que equivale a 23,9% da despesa total e a um aumento de 33,4 % face ao OGE 2022, como já foi referido. “Neste sector, destacam-se a Educação, Saúde, Habitação e Serviços Comunitários e a Proteção Social, com pesos de 14,1%, 12,1%, 10,1% e 6,2% na despesa fiscal primária, respetivamente.”[6] A verdade é que comparando Educação, Saúde, e Habitação com 2022, em todas estas rubricas há um aumento da despesa superior à inflação.

De anotar a subida exponencial da Saúde e Habitação face ao ano transato, com aumentos de 45,1% e 57,6% respetivamente.

Se repararmos no OGE de 2022, o sector social representava 38,8% da despesa fiscal primária, correspondendo a 19,02% da despesa total e a um aumento de 27,1% face ao OGE 2021.[7] Quer isto dizer que é manifesto que o governo está a dar uma especial atenção e promoção ao sector social que incrementa ano após ano. Os números comprovam essa atenção social da política orçamental.

Contudo, como é sabido é no sector social que muitas vezes se encontram as queixas da população. Existe aqui um problema que não é orçamental, mas de gestão e racionalidade. Tem de se executar efetivamente o OGE e fazer chegar o dinheiro às pessoas. A questão é cada vez mais de boa gestão e boa governação, de competência e deliverance, e não da falta de recursos.

4-A despesa financeira relativa à dívida

A despesa financeira relativa à dívida é de 45,1% da despesa do OGE, diminuindo em 2,6% em relação a 2022.[8] Na prática, temos um pouco menos de metade do OGE destinado a pagar dívidas. Não vamos acenar com o “fantasma” do incumprimento da dívida, que como temos referido aos longo das análises que temos efetuado, não existe. O que nos preocupa é o conteúdo da dívida e o facto do Estado estar a suportar e pagar uma dívida que não é dele.

Como refere um órgão de imprensa angolano especializado em economia e confirmam os dados oficiais, “a China continua a ser o país que Angola mais deve, detendo cerca de 40% do total. A maior parte da dívida à China tem como principal credor o China Development Bank (CDB), como resultado de um financiamento de 15 mil milhões USD, no âmbito de um acordo celebrado em Dezembro de 2015.”[9]

Este empréstimo chinês de 2015/2016 é uma das questões que mais atenção deve merecer e ter uma abordagem específica.

O nosso argumento é que uma parte da dívida pública angolana é aquilo que doutrinariamente se chama “dívida odiosa”. A doutrina legal da “dívida odiosa” defende que a dívida soberana contraída sem o consentimento do povo e que não o beneficia é “odiosa” e não deve ser transferível para um governo sucessor, especialmente se os credores estiverem cientes desses fatos com antecedência.[10] Não pugnamos pelo não pagamento integral desta dívida ou outras à China ou a outro país (também nos oferece muitas dúvidas a dívida inscrita a favor do Reino Unido, mas deixaremos esse tema para outra ocasião)  ou entidade, mas sim, uma renegociação bi-voluntária com o respetivo  haircut (redução) de capital e juros que alivie manifestamente o peso da dívida.

Consequentemente, deverá haver uma profunda auditoria forense a este empréstimo chinês de 2015/2016 cujo destino nunca ficou muito claro, a não ser em vagas afirmações que seria aplicado na Sonangol, numa altura coincidente com a assunção do mandato de gestão da companhia por Isabel dos Santos. Após essa auditoria forense e de acordo com os resultados obtidos deverá haver uma renegociação muito séria da dívida com a China. Em 2015, a China já tinha mais do que elementos suficientes para saber que parte do seu dinheiro emprestado estava a ser mal aplicado. Aliás, este é o ano em que o seu suposto representante, Sam Pa, foi, aparentemente, detido. O país, como grande potência que é, não se pode esconder por detrás de formalismos jurídicos e tem de enfrentar, em conjunto, com Angola o problema da sua dívida que foi desviada por corrupção.

5-Conclusões

Torna-se evidente que há um esforço de política económica no sentido de existir rigor financeiro e controlo orçamental de acordo com as injunções do Fundo Monetário Internacional, credibilizando externamente o país em termos económicos. A par desse rigor financeiro que custou bastante eleitoralmente a João Lourenço em Agosto de 2022, há uma atenção ao sector social, tentando mitigar o pendor financista.

Esta política orçamental está corretamente formulada, a questão a atentar situa-se no âmbito da concretização e execução. É fundamental que a despesa social chegue a quem precisa e às estruturas da linha da frente: médicos, enfermeiros, hospitais, escolas, professores, etc, e não fique em consumos intermédios e atalhos de corrupção que funcionam como sifão da verbas. Dito de outro modo, é imperativo que o dinheiro público orçamentado não seja desviado. E aí torna-se imperativo controlar a afetação e aplicação das verbas. A tarefa de boa gestão e governação é a mais importante no OGE de 2023.

Ao nível dos recursos é relevante enfatizar que nos parece estar a atividade petrolífera (preço e quantidade produzida) otimista, nessa medida, é importante haver uma reserva de contingência para baixas quer do preço, quer da produção.

E em relação à dívida pública face à China (e outras entidades) defendemos ser necessário realizar determinadas auditorias forenses e no caso de se vislumbrar algo semelhante a uma “dívida odiosa”, ativarem-se mecanismos de profunda renegociação. Em última análise, haveria que levar o assunto (“dívida ódios”) à Organização das Nações Unidas nos termos dos artigos 1.º, n.º 3 e 14.º , entre outros da Carta das Nações Unidas para se criar um consenso no direito internacional sobre o tema.


[1] Ministério das Finanças de Angola: https://www.minfin.gov.ao/PortalMinfin/#!/materias-de-realce/orcamento-geral-do-estado/oge2023

[2] Ministério das Finanças de Angola: https://www.minfin.gov.ao/PortalMinfin/#!/sala-de-imprensa/noticias/11811/proposta-de-oge-2023-entregue-a-assembleia-nacional

[3]Relatório Fundamentação OGE 2023 https://www.ucm.minfin.gov.ao/cs/groups/public/documents/document/aw4z/mzg4/~edisp/minfin3388777.pdf

[4] Relatório Fundamentação OGE 2023, p.17

[5] Cotações Brent Crude, 10:33 H, 13-12-22 https://oilprice.com/

[6] Vide nota supra, p. 52.

[7] Relatório Fundamentação OGE 2022, https://www.ucm.minfin.gov.ao/cs/groups/public/documents/document/aw4z/mjk2/~edisp/minfin3296952.pdf ,p.5.

[8] Relatório Fundamentação OGE 2023, cit., p. 53.

[9] Mercado, https://www.angonoticias.com/Artigos/item/72530/angola-deve-quase-52-mil-milhoes-usd-ao-exterior-jornal-mercado

[10] Michael Kremer & Seema Jayachandran, Odious Debt, Finance & Development, IMF, June 2002
Volume 39, Number 2

Angola: A legislatura do emprego

Resultados eleitorais e desemprego

As recentes eleições angolanas ocorridas a 24 de agosto de 2022 foram objeto de intenso escrutínio por parte da opinião pública angolana e internacional. Curiosamente uma boa parte da atenção foi dedicada a assuntos de índole política e/ou jurídica. Falou-se muito de tribunais, processos eleitorais, aplicação da lei, contagem de votos, alternância e mesmo revisão constitucional.

No entanto, os inquéritos qualitativos que um nosso parceiro executou durante o período eleitoral não apontaram essas como as principais preocupações dos angolanos, mas sim aquelas ligadas à economia, designadamente ao emprego e desemprego. O que os angolanos parecem pedir acima de tudo é emprego e boas condições de vida.

Consequentemente, a questão do desemprego é daquelas que mais importância tem na atividade do executivo que agora tomou posse.

Neste momento, os dados mais atuais apontam para uma taxa de desemprego geral de 30,2% (dados do Instituto Nacional de Estatística referentes ao II trimestre de 2022) e a taxa de desemprego jovem (15-24 anos) situar-se-á nos 56,7%[1]. A população desempregada com mais de 15 anos na totalidade do país está calculada em 4 913 481 de pessoas, enquanto os jovens de 15-24 desempregados serão 3 109 296.

Fonte: Instituto Nacional de Estatística de Angola

Mesmo que se duvidem das estatísticas e considerando o peso muito grande da economia informal, o que dificulta os cálculos, a realidade é que a taxa de desemprego é demasiado elevada. Aliás, é quase certo que a elevada taxa de desemprego juvenil contribuiu manifestamente para a derrota do MPLA em Luanda.

O desemprego é um dos mais graves e importantes problemas políticos, económicos e sociais de Angola.

Política de emprego do governo

A política do governo relativamente ao desemprego tem sido essencialmente passiva, embora acompanhada por alguns programas concretos.

Essencialmente, o governo espera que o esforço de estabilização macroeconómica (equilíbrio orçamental, controlo contas públicas, liberalização taxa de câmbio, etc) se traduzam num incentivo ao investimento privado que por sua vez fará aumentar o emprego.

O discurso de investidura do Presidente da República reafirmou essa aproximação quando afirmou que “Continuaremos a trabalhar em políticas e boas práticas para incentivar e promover o sector privado da economia, para aumentar a oferta de bens e serviços de produção nacional, aumentar as exportações e criar cada vez mais postos de trabalho para os angolanos, sobretudo para os mais jovens”[2] (ênfase nosso).

O ministro de Estado para a Coordenação Económica, agora reconduzido, já tinha apontado este rumo quando ao referir-se ao desemprego e aos programas públicos de promoção de emprego, não os menciona concretamente, mas foca-se nos aspetos macroeconómicos. No início de setembro, Nunes Júnior avançava que estava confiante na redução do desemprego assente no sector privado, afirmando ter o governo conseguido “colocar o país no crescimento económico conferindo estabilidade cambial e nas reservas internacionais líquidas” e colocado “o país na rota do equilíbrio económico, da estabilidade cambial e das reservas internacionais”[3].

Não se contestam os sucessos do governo na área da estabilização das finanças públicas e política cambial, o que se duvida é da crença que o sector privado angolano tem capacidade imediata para resolver a questão do desemprego.

Na base desta política não interventiva na correção do desemprego excessivo está o modelo neoclássico que resume a essência de toda a atividade económica à interação livre entre oferta e procura mediada pela flexibilidade do preço. O modelo neoclássico tem uma relevância válida em muitas áreas da análise económica, mas certamente não será aplicável linearmente no mercado de trabalho[4] e ainda menos em Angola.

O governo continua a acreditar que basta criar as condições adequadas de enquadramento financeiro e cambial e o emprego aparece movido pelo sector privado.

Isto seria assim se Angola fosse uma economia de mercado livre com o sector privado forte e capitalizado. Angola não é nada disso. É uma economia que começou por um processo de destruição e sovietização após a independência em 1975 e cuja “liberalização” após 1992-2002, foi falsa, ou melhor, foi pós-soviética, imitando a mãe-Rússia: Alguns oligarcas ligados ao poder aproveitaram-se das privatizações e supostos mercados livres para rapidamente de “braço dado” com o poder político tomarem posições dominantes. Aliás, nunca houve verdadeiros empresários, mas essencialmente políticos empresários. E nunca existiu sector privado, mas sector de amigos do poder. Esta realidade não tem força para promover o emprego como quer o ministro.

Fazer depender, em Angola, a recuperação do emprego e o combate ao desemprego apenas do sector privado é impossível.

Há duas ordens de razões pelas quais a política contra o desemprego apenas assente no sector privado.

Em primeiro lugar o funcionamento do mercado. Regra geral o mercado de trabalho não funciona como um mercado livre obedecendo às regras da oferta e procura definidas pelo modelo económico neoclássico que parece sustentar a filosofia governamental, o comportamento do mercado de trabalho é tendencialmente rígido, dificilmente se baixam salários ou se despedem pessoas sem tumulto social e constrangimentos legais.

Em termos técnicos diz-se que o mercado de trabalho opera como um mercado sem compensação (non-clearing market)[5]. Enquanto de acordo com a teoria neoclássica a maioria dos mercados atinge rapidamente um ponto de equilíbrio sem excesso de oferta ou procura, isso não é verdade para o mercado de trabalho: pode haver um nível persistente de desemprego. A comparação do mercado de trabalho com outros mercados também revela diferenciais compensatórios persistentes entre trabalhadores similares.

Keynes no âmbito da crise dos anos 1930s estudou bem o assunto e concluiu que a economia poderia entrar em equilíbrios de subemprego, isto quer dizer que pode atingir um nível em que nunca vai empregar todos os potenciais trabalhadores e não sair daí sem a intervenção de uma “mão visível” que seria o Estado[6].

A segunda razão é a magnitude do desemprego em Angola. Uma coisa é esperar que o sector privado contrate pessoas quando o desemprego está a 10% e se pretende que desça para 6%.

É possível que um crescimento económico automaticamente aumente o emprego. A famosa lei de Okun[7], mesmo sendo imprecisa, diz-nos que uma subida de 2% do produto (PIB) implica uma descida de 1% do desemprego. Assim, se o PIB de Angola aumentasse 4% em 2023, o desemprego apenas desceria 2%, i.e., para 28%. Manifestamente insuficiente.

   Explicitação da Lei de Okun

Portanto, há aqui um problema para as teorias económicas em que o governo assenta a sua política. Para descer o desemprego para níveis aceitáveis, por exemplo 8%, seriam precisos 11 anos com um crescimento médio de 4% ao ano. Só em 2033 o desemprego estaria a um nível satisfatório para o bem-estar da população.

Exemplificação do necessário para alcançar uma taxa de Desemprego de 8% sem intervenção do Estado

Políticas alternativas e complementares

É possível que esta realidade tenha sido o que levou a recém-empossada ministra de Estado para a área social, Dalva Ringote, a anunciar a “redinamização” de vários programas sociais do governo. Embora não se tendo especificamente referido ao desemprego, presume-se que programas de formação, educação ao longo da vida e combate à pobreza estejam incluídos no portefólio das preocupações da ministra e comece a haver alguma inflexão na ortodoxia passiva do combate ao desemprego[8].

É evidente que não há milagres, mas tem de haver um esforço do governo para idealizar uma política de emprego mais ativa que suplemente o sector privado e o previsto crescimento económico.

Essencialmente essa política assentaria em três pilares:

PLANO DE EMPREGO

  1. a contratação de quadros para o Estado para a cobertura das necessidades fundamentais em educação, saúde e solidariedade social. Aqui o foco seria a contratação de quadros licenciados para ocupar posições de capital humano que reproduzissem o bem-estar social;
  2. O subsídio às empresas privadas para procederem à contratação de trabalhadores a contrato, dando preferência a angolanos;
  3. O lançamento de programas vastos de formação profissional de não-licenciados para os dotar de qualificações práticas na agricultura e nos ofícios variados.

Para financiar estes programas massivos de luta contra o desemprego ter-se-ia, em parte, de contar com os fundos superavitários do orçamento e noutra parte com as famosas recuperações de ativos do combate contra a corrupção.         

Não permaneçam dúvidas que muito do futuro do governo assenta naquilo que for feito na área do emprego. Esta terá mesmo de ser a legislatura do emprego


[1]INEAngola:https://www.ine.gov.ao/Arquivos/arquivosCarregados//Carregados/Publicacao_637961905091063045.pdf

[2] Presidência da República de Angola. Discurso de Investidura, 15-09-2022, in https://www.facebook.com/PresidedaRepublica

[3] https://correiokianda.info/governo-cria-programas-para-reducao-de-desemprego-no-pais/

[4] Ver uma descrição equilibrada do tema em Dagmar Brožová, Modern labour economics: the neoclassical paradigm with institutional content, Procedia Economics and Finance 30 ( 2015 ) 50 – 56.

[5] Ver por exemplo: Willi Semmler & Gang Gong, (2009), Macroeconomics with Non-Clearing Labor Market, https://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/download?doi=10.1.1.587.8716&rep=rep1&type=pdf

[6] A melhor explicação continua a ser a de Paul Samuelson & William Nordhaus, Economics, 2019 (20 ed).

[7] Ver nota anterior.

[8] https://www.verangola.net/va/pt/092022/Politica/32628/Dalva-Ringote-anuncia-%E2%80%9Credinamiza%C3%A7%C3%A3o%E2%80%9D-dos-programas-de-combate-%C3%A0-pobreza-e-seca.htm

As consequências económicas em Angola da guerra da Ucrânia

É um facto que a guerra na Ucrânia está a afetar a totalidade da economia mundial, e, naturalmente, esse impacto também terá consequências políticas,[1] como aliás desde logo reconheceu o Fundo Monetário Internacional (FMI). 

A questão que se vai abordar neste relatório é acerca do impacto específico da guerra na economia angolana, que como se sabe passa um tempo exigente de reforma e se apresta a sair duma crise profunda. Também se avaliará superficialmente se os impactos económicos terão influência política.

As duas faces do impacto do preço do petróleo em Angola

Naturalmente, que o primeiro impacto em Angola se refere ao preço do petróleo. A subida do preço do petróleo era uma tendência que já perdurava há algum tempo e foi acentuada com o deflagrar da guerra. Em certa medida, não é uma novidade trazida pela crise ucraniana, mas uma direção que já estava em curso há meses.

 A 31 de janeiro de 2022, o preço do barril de Brent estava a USD 89,9, a 14 de fevereiro de 2022, o valor situava-se nos USD 99,2. É um facto que com o início da guerra chegou a atingir os USD 129,3 a 8 de março. Neste momento (16 de março), estabilizou nos USD 99,11. Parece que o preço de equilíbrio do petróleo nos próximos tempos andará entre os USD 95-100, havendo, obviamente, a possibilidade de choques que o façam subir ou descer abruptamente.

Fig. nº 1- Gráfico Diário do Preço do Barril de Brent (Maio 2021-Março 2022)

Fonte: Trading Economics.com

Em relação a Angola, temos de partir da previsão orçamentada para 2022 que calculou o preço do barril a USD 59. Portanto, haverá uma mais-valia desde o início do ano correspondente a mais 50%, no mínimo. Nesse sentido, como o orçamento estava equilibrado, quer dizer que haverá um excedente financeiro, o que obviamente é uma boa notícia.

Esta subida do preço do petróleo tem então, numa primeira linha, dois efeitos positivos para Angola.

O primeiro é ao nível da receita extraordinária do Tesouro que naturalmente aumentará. Em termos simples, pode-se afirmar que haverá mais dinheiro disponível por parte do Estado.

O segundo efeito, que também já se sente, é o chamado feel good factor (ou índice de confiança). Os empresários e as famílias refazem as suas expectativas num sentido mais positivo, esperando melhores sinais da economia. Segundo o Instituto Nacional de Estatística angolano, os empresários estão, finalmente, otimistas quanto às perspetivas da economia nacional no curto prazo, depois de permanecerem mais de 6 anos pessimistas.[2] A subida do preço do petróleo não é o único motivo para o otimismo revelado, mas ajuda.

Note-se, no entanto, que os ganhos do preço do petróleo não se transformam diretamente em saldo orçamental positivo. Há vários constrangimentos na tradução da subida do preço do petróleo em vantagens orçamentais diretas para Angola.

O primeiro deles é o tipo de relação com a China. A China é o principal comprador do petróleo angolano. Não sabemos de que forma estão feitos os contratos e se estes refletem automaticamente as oscilações de preço. No passado, alguns intermediários das compras e vendas de petróleo para a China chegaram a fazer contratos de preço fixo que prejudicaram enormemente o Tesouro angolano.[3] Imagina-se que tais “esquemas” já não existam, mas não há certezas. Certo é que, provavelmente, os contratos entre Angola e China referentes ao petróleo conterão algum tipo de “amortecedores” que implicarão que não haja uma repercussão direta dos preços. Além do mais, alguns peritos petrolíferos, como os da Chatham House, entendem que o facto de a China comprar cerca de 2/3 do petróleo angolano (na verdade 70%[4]) lhe permite um certo controlo monopolista do preço, querendo com isto significar que as compras chinesas são feitas de modo a minorar as subidas de preço, prejudicando as vantagens angolanas[5].

Em segundo lugar, temos o serviço da dívida. Aparentemente, existem mecanismos contratuais que implicam que um preço mais elevado do petróleo implica um aumento do serviço da dívida, isto é, dos pagamentos a efetuar. A ministra das Finanças, Vera Daves, já reconheceu que “o que resulta do aumento do preço não pode ser feita uma conta aritmética com a produção” e que o preço do barril de petróleo, acima dos cem dólares, obriga Angola a pagar mais aos seus credores internacionais[6].

Além do mais a subida do preço do petróleo tem também um possível efeito negativo no Orçamento angolano, que se refere ao preço dos combustíveis vendidos ao público. Como se sabe esse preço é subsidiado pelo Estado; nessa medida, se o custo do petróleo aumenta e o governo não aumentar os combustíveis, quer dizer que vai ter de suportar mais subsídios e gastar mais para manter os preços dos combustíveis. Se não o fizer pode estar a alimentar inflação, que já não é baixa em Angola e criar problemas sociais e de descontentamento.

Há aqui quatro fatores: aumento do preço, relações com a China, aumento das obrigações de pagamento de dívida e aumento do subsídio dos combustíveis que têm de ser tidos em conta para avaliar o real impacto da subida do preço do petróleo nas contas e economia angolana.

Na realidade, não dispomos de números precisos sobre esses impactos, apenas ideias de grandezas, e face a estas, a conclusão que se pode retirar é que um aumento de 50% do preço do petróleo em relação ao que está previsto no Orçamento deixa uma folga de tesouraria ainda acentuada depois do aumento do pagamento do serviço da dívida e do suporte à subida do preço dos combustíveis, sendo indubitável que uma “almofada” financeira será criada.

A esta “almofada” financeira, que, repete-se, não é diretamente proporcional ao aumento do preço do petróleo, acresce o fator feel good, de quantificação intangível, mas que já se nota nos principais atores económicos angolanos.

Quer isto dizer que depois de anos de grande sacrifício, há, finalmente, razões para um otimismo moderado relativamente à economia angolana.

A questão do preço dos alimentos

A par com o preço do petróleo, muitas outras classes de produtos básicos estão a aumentar de preço. Uma delas é a dos cereais, designadamente o trigo.

A Ucrânia e Rússia juntas respondem por um quarto de todas as exportações mundiais de trigo. O conflito está a elevar dramaticamente os preços do trigo. Com o início da guerra, o preço do alqueire de trigo subiu para US$ 12,94, 50% mais caro do que no início de 2022.

No meio de uma guerra, não está claro se os agricultores da Ucrânia estarão dispostos a gastar o capital que tiverem para plantar na próxima colheita, ou mesmo se estarão em condições de o fazer. O que é certo é que a Ucrânia anunciou a proibição de todas as exportações de trigo, aveia e outros alimentos básicos para evitar uma enorme emergência alimentar dentro de suas fronteiras. Portanto, exportações de trigo da Ucrânia, mesmo que exista produção, estão comprometidas.

Ao contrário do petróleo, que afeta os preços quase que no imediato, os preços dos grãos levam semanas, se não meses, para chegar aos consumidores. Na realidade, o grão cru precisa ser enviado para as instalações de processamento para fazer pão e outros alimentos básicos – e isso leva tempo. Nesse sentido, possivelmente, não será uma crise imediata para Angola, mas chegará ao país.

De acordo com fontes governamentais, Angola é autossuficiente em seis produtos agrícolas base: mandioca, batata-doce, banana, o ananás, os ovos e a carne de cabrito. No entanto, o trigo é a mercadoria mais importada, representando 11%.[7] Lembremo-nos que o trigo é um elemento essencial da dieta dos angolanos, o que aliás levou há alguns meses o ministro da Indústria e Comércio a sugerir a substituição do pão pela mandioca, batata-doce, banana assada e ginguba. Esta afirmação gerou muitas críticas. Contudo, do estrito ponto da autossuficiência económica talvez faça sentido, uma vez que possivelmente o preço do pão irá subir e eventualmente o preço dos bens nacionais pode descer, se existir mercado concorrencial adequado.

O que é certo é que Angola poderá correr o mesmo perigo do Egito, uma cultura extremamente assente no trigo que sofre perturbações sociais quando o preço do trigo sobe.

Quando os preços dos grãos dispararam em 2007-2008, os preços do pão no Egito subiram 37%. Com o desemprego a aumentar, mais pessoas ficaram dependentes de pão subsidiado– mas o governo não reagiu. A inflação anual dos alimentos no Egito continuou e atingiu 18,9% antes da queda do presidente Mubarak.

A maioria dos pobres nesses países não tem acesso a redes de segurança social. Imagens de pão tornaram-se centrais nos protestos egípcios que levaram à queda de Mubarak. Embora as revoluções árabes estivessem unidas sob o slogan “o povo quer derrubar o regime” e não “o povo quer mais pão”, a comida foi um catalisador. Aliás, note-se que os “motins do pão” vêm ocorrendo regularmente desde meados da década de 1980, geralmente após a implementação de políticas “aconselhadas” pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional.

Angola não é o Egito, mas é fundamental que o governo esteja muito atento à evolução do preço do trigo e do pão para evitar agitação social, numa fase em que começa a sair da prolongada crise.

No entanto, tal como no caso do petróleo existe uma outra face, e neste caso é positiva. A crise da produção agrícola derivada da guerra pode ser um momento de inflexão para uma aposta em Angola de investidores estrangeiros na agropecuária. Angola é dos países do mundo com mais potencialidades, como aliás já referimos em relatório anterior[8], portanto este pode ser o tempo de oportunidades para investidores verem a capacidade agrícola angolana e desfrutarem dela. Um dos sectores mais promissores e com mais potencial é a agropecuária. Há neste momento uma conjugação de fatores que a tornam uma das apostas mais rentáveis para o investimento em Angola.

Conclusões e recomendações

A guerra na Ucrânia tem variados impactos na economia angolana.

A subida do preço do petróleo, não trazendo receitas diretamente proporcionais, cria uma “almofada” no Tesouro e um feel good factor no empresariado, que poderá ser potenciador de crescimento.

A subida do preço dos cereais, em especial do trigo, pode criar graves pressões inflacionistas e descontentamento entre a população, situação para a qual o governo deve estar atento. Ao mesmo tempo, chamará a atenção para o potencial enorme de investimento que Angola tem como país agropecuário.

O governo deveria criar uma reserva especial proveniente das mais-valias do petróleo para garantir o abastecimento de cereais à população mais carenciada e também para promover o investimento agropecuário em Angola.


[1] https://www.imf.org/en/News/Articles/2022/03/05/pr2261-imf-staff-statement-on-the-economic-impact-of-war-in-ukraine

[2] https://www.angonoticias.com/Artigos/item/70611/optimismo-regressa-no-seio-dos-empresarios-seis-anos-depois

[3] Rui Verde, Angola at the Crossroads. Between Kleptocracy and Development (2021), p. 24.

[4] https://www.forumchinaplp.org.mo/pt/china-foi-o-destino-de-71-do-petroleo-exportado-por-angola-em-2020/

[5] Explicações dadas em reunião da Chatham House que aqui replicamos, respeitando as regras da casa.

[6] https://rna.ao/rna.ao/2022/03/03/preco-do-petroleo-a-cima-dos-cem-dolares-obriga-governo-angolano-a-pagar-mais-aos-credores/

[7] https://www.expansao.co.ao/economia/interior/grupo-carrinho-destaca-se-nas-importacoes-e-exportacoes-do-pais-106709.html

[8] https://www.cedesa.pt/2020/06/15/plano-agro-pecuario-de-angola-diversificar-para-o-novo-petroleo-de-angola/

Nota CEDESA nº1

Convite aos investidores: os metais necessários para a transição energética existem em Angola

A transição para a energia limpa necessária para evitar os piores efeitos da mudança climática pode desencadear uma procura de metais sem precedentes nas próximas décadas, exigindo até 3 mil milhões de toneladas.

Uma bateria típica de um veículo elétrico, por exemplo, precisa de cerca de 8 quilogramas de lítio, 35 quilogramas de níquel, 20 quilogramas de manganês e 14 quilogramas de cobalto, enquanto as estações de carregamento requerem quantidades substanciais de cobre. Para a energia verde, os painéis solares usam grandes quantidades de cobre, silício, prata e zinco, enquanto as turbinas eólicas requerem minério de ferro, cobre e alumínio[1].

Os preços dos metais já tiveram grandes aumentos com a reabertura das economias, destacando uma necessidade crítica de analisar sobre o que pode restringir a produção e atrasar as respostas de fornecimento.

As análises sobre a presente produção de metais a nível mundial parecem indicar um gap de 30 a 40% da oferta face à procura querendo isto dizer que será preciso aumentar a produção mundial.

É aqui que Angola pode ter uma nova oportunidade económica ao relançar a exploração, que estará essencialmente adormecida, de metais. Se repararmos, o país tem uma imensidão de metais. O primeiro deles é o ferro, que no passado foi muito exportado. Sensivelmente, desde a segunda metade da década de 1950 a 1975, o minério de ferro foi extraído nas províncias de Malanje, Bié, Huambo e Huíla, e vários milhões de toneladas produzidas. A guerra civil naturalmente perturbou essa atividade e depois a quebra dos preços mundiais. Mas tudo indica que atualmente, o contexto é outro e poderá ser aproveitado pelas autoridades angolanas para promover mais investimentos na mineração ferrosa.

Em relação aos restantes metais fulcrais para a transição energética, há que referir que Angola tem potencial para o manganês, cobre, ouro, chumbo, zinco, tungstênio, estanho, entre outros.

O cobalto também parece abundar em Angola. Um recente estudo concluiu que a região com cobre e cobalto da Zâmbia e da República Democrática do Congo estende-se até ao território angolano em pelo menos 116 mil quilómetros quadrados. Aparentemente, as anomalias magnéticas detetadas pelo estudo evidenciam sinais favoráveis de prospeção de minerais metálicos e não-metálicos tais como ferro, diamantes, cobre, manganês, titânio, zinco, chumbo, bauxite e ainda minerais radioativos e fosfatos[2].

Daqui resulta uma conclusão óbvia. Angola está muito bem situada para aproveitar a exploração de metais necessários para a transição energética. Agora têm de surgir os investimentos.


[1] Nico Valckx, Martin Stuermer, Dulani Seneviratne and Ananthakrishnan Prasad, Metals Demand From Energy Transition May Top Current Global Supply, FMI, 2021, https://blogs.imf.org/2021/12/08/metals-demand-from-energy-transition-may-top-current-global-supply/?utm_medium=email&utm_source=govdelivery

[2] Cfr. http://www.sigame-cplp.com/noticias/angola-tem-grandes-depositos-de-cobre-e-cobalto.html

O combate estrutural à seca no Sul de Angola: o caso do Cunene

A seca no Cunene

A seca no Sul de Angola é um fenómeno que assola a região vezes sem conta, provocando a fome entre largos estratos da população.

A partir do final de 2020, a região enfrentou a pior seca dos últimos 40 anos. De acordo com o porta-voz do Programa Alimentar Mundial (PAM) Tomson Phiri, “o país atravessa um período de seca desde dezembro passado, com precipitações inferiores à média”[1].

Este cenário, que se tem repetido, e provavelmente piorará devido ao aquecimento global, como alerta o Banco Mundial escrevendo que, “riscos naturais na forma de inundações, erosão, secas e epidemias (…) impedem o desenvolvimento e espera-se que piorem à medida que o clima muda”[2], implica uma intervenção estruturante dos poderes públicos.

O objetivo deste estudo é averiguar as medidas estruturantes que o governo angolano está a desenvolver para apresentar soluções sustentáveis para o problema da seca. Focamo-nos na província do Cunene situada no interior sul de Angola e que tem sido uma das mais fustigadas pela seca.

Aliás, desde que Angola se tornou independente, só recentemente é que o problema da seca tem sido encarado mais seriamente pelas autoridades. Antes destes projetos, a situação era atenuada de alguma maneira com furos de água, contudo o sofrimento da população mantinha-se ou piorava gradualmente. A própria governadora provincial do Cunene, Gerdina Didalelwa, em uma ocasião confessou que “estas perfurações têm sido feitas de forma empírica e só estão a gastar dinheiro”[3]. Ou seja, perfurações até podem ser realizadas, mas apenas quando houver profissionalismo por trás disso; só depois de ter havido um estudo aprofundado por parte de empresas que tenham capacidades técnicas e um conhecimento apurado das águas.

Os projetos estruturantes

Em meados de 2021, o executivo angolano, anunciou o planeamento e execução de vários projetos na província do Cunene, que visam combater estruturalmente seca crónica que aflige o sul do país.

Projeto 1

O primeiro dos projetos que vamos mencionar é a construção do sistema de transferência de água do rio Cunene, a partir da região do Cafu.

Este projeto divide-se em dois lotes, sendo que o primeiro visa a construção da captação no rio Cunene do sistema de bombagem, conduta pressurizada, canal aberto a partir da localidade de Cafu até Cuamato e 10 chimpacas[4].

Relativamente ao segundo lote, a finalidade é a construção de dois canais adutores, a partir de Cuamato, sendo um (condutor oeste) que vai até Ndombondola, com 55 quilómetros e outro (condutor este) até ao município de Namacunde com 53 quilómetros[5].

As obras estão a ser conduzidas pela empresa Sinohydro Angola, num orçamento estimado em mais de 44 mil milhões de kwanzas, se englobarmos os dois lotes.

O início da execução deste projeto já teve lugar e conta com um estudo de pacto ambiental que inclui um protocolo da Southern African Development Community (SADC), bem como a partilha de informação com a Namíbia.

Existe a expectativa que a conclusão do projeto Cafu ocorra já no primeiro trimestre do próximo ano, e que venha a beneficiar aproximadamente 200.000 habitantes e 250.000 cabeças de gado.

Projeto 2

O segundo projeto que merece menção é a construção da barragem do Calucuve, localizada no município do Cuvelai. Esta barragem de terra conta com 19 metros de altura e um volume de armazenamento de 100 milhões m3 de água.

O orçamento do projeto ronda os 177 milhões de dólares, tendo como empreiteiro responsável a empresa Omatapalo-MotaEngil, e o prazo de execução da obra é de 20 meses.

A construção desta obra tem como principal finalidade o abastecimento de água para as populações, estando previsto satisfazer as necessidades de mais de 80.000 pessoas, bem como atender as necessidades de aproximadamente 182.000 cabeças de gado.

Nas outras, vertentes, vai fornecer água que permitirá a irrigação durante todo o ano numa área estimada em 2.600 ha.;

Garantirá a sustentabilidade das atividades económicas e sociais na área do projeto. Vai reduzir o problema de escassez de água sazonal na zona noroeste da bacia do Cuvelai. E por fim, mitigar ou evitar danos causados pelas cheias aos ativos e atividades na economia local nas cidades situadas à jusante da barragem (área do delta do Cuvelai – Evale).

O prazo de execução é de 20 meses.

Projeto 3

Quanto ao terceiro projeto, a construção da barragem do Ndué, é um empreendimento liderado também pela Synohidro Angola, havendo prazo de construção de 30 meses, e um orçamento estimado em cerca de 192 milhões de dólares.

Será uma barragem de terra com 26 m de altura e com volume de armazenamento de 145 milhões de m3 de água, no rio Caúndo à montante do Ndué.

As principais finalidades deste projeto, aspiram satisfazer as necessidades domésticas de aproximadamente 55.000 pessoas, assim como garantir a qualidade de abastecimento de água às populações. Além disso, visa satisfazer as necessidades de aproximadamente 60.000 cabeças de gado.

Destacam-se também outros objetivos, igualmente essenciais, tais como:

Fornecer água para permitir a irrigação durante todo o ano de uma área estimada de 9.200 há e garantir a sustentabilidade das atividades económicas e sociais na área do projeto e reduzir o problema de escassez de água na zona central da bacia do Cuvelai.

Por último, a barragem pode tornar-se numa importante fonte de abastecimento de água para a província do Cunene.

O prazo de execução é de 30 meses.

***

Referência final também para a recuperação de diques e açudes existentes no município do Curoca, que fica a 334 quilómetros da cidade de Ondjiva[6].

Quadro n.º 1- Benefícios gerais quantificáveis das obras contra a seca no Cunene

ProjetosPopulaçãoGadoValor
Projeto 1200.000250.00044 M USD
Projeto 280.000182.000177 M USD
Projeto 355.00060.000192 M USD
TOTAL335.000492.000413 M USD

Verifica-se que além de propiciar irrigação e fornecer possibilidades acrescidas de distribuição de água, estas obras irão beneficiar diretamente 335.000 pessoas e 492.000 cabeças de gado, custando cerca de 400 milhões de dólares.

A participação portuguesa

A participação portuguesa nestas obras de vulto é relevante. A Mota-Engil tem uma participação relevante (50%) no consórcio que constrói a barragem de Calucuve (Projeto 1) tendo ganho o respetivo concurso. Por sua vez a COBA, também sedeada em Portugal, é fiscal da barragem Ndúe (Projeto 3). Existe assim uma intervenção significativa da engenharia portuguesa nestes projetos estruturantes.

Nos últimos dois anos, a Mota-Engil tem passado por uma vigorosa reestruturação que se tem refletido, não só em Portugal, como também em Moçambique e Angola. Recorde-se que em meados de 2020, a empresa estabeleceu uma parceria com a chinesa CCCC, a qual define uma participação desta de mais de 30 % na construtora controlada pela família de António Mota[7].

Pouco tempo depois a Mota-Engil obteve um contrato em parceria de reabilitação e construção rodoviária nas Lundas com a sua subsidiária num valor a rondar os 280 milhões de euros. Nessa ocasião a empresa sublinhou que iria reforçar a sua carteira de encomendas no mercado, procurando maximizar a utilização dos ativos que o grupo dispõe no país.


[1] https://www.rfi.fr/br/%C3%A1frica/20210326-onu-alerta-sobre-fome-causada-pela-pior-seca-em-angola-em-40-anos

[2] https://climateknowledgeportal.worldbank.org/country/angola

[3] https://www.jornaldeangola.ao/ao/noticias/consequencias-da-seca-no-cunene-com-dias-contados/

[4] https://www.angop.ao/noticias/entrevistas/construcao-da-barragem-do-cafu-a-bom-ritmo-manuel-quintino/

[5] Idem

[6] https://www.angop.ao/noticias/sociedade/barragens-de-caluve-e-ndue-vao-beneficiar-136-mil-pessoas/

[7] https://www.jornaldenegocios.pt/empresas/construcao/detalhe/mota-engil-ganha-contrato-de-280-milhoes-em-angola

A questão do capital em Angola

1-Introdução: FMI, políticas económicas sólidas e acumulação de capital

Ao contrário do que se pode entender de algumas análises e previsões económicas presentemente realizadas por algumas consultoras mais ou menos desconhecidas, a atual política económica angolana tem fundamentos sólidos. Tal é demonstrado pela recente avaliação do Fundo Monetário Internacional a propósito do acordo entre o fundo e Angola. A administração do FMI é clara ao declarar[1]: “The authorities [from Angola government] have supported the [economic] recovery through sound policies that aim to further stabilize the economy, create opportunities for inclusive growth and protect the most vulnerable in Angolan society.” (As autoridades [angolanas] têm apoiado a recuperação [económica] através de políticas sólidas que visam estabilizar ainda mais a economia, criar oportunidades de crescimento inclusivo e proteger os mais vulneráveis da sociedade angolana). [ênfase nossa].

Melhor endosso à política económica do governo seria difícil.

No entanto, a estabilização macroeconómica e o relançamento do crescimento económico são realidades diferentes. É necessário que exista um determinado motor que assegure o crescimento económico. É sabido que o modelo essencial de crescimento foi apresentado por Robert Solow (prémio Nobel da Economia em 1987), que explica que o crescimento depende essencialmente da acumulação de capital, sendo que o aumento do PIB resulta do aumento do stock de capital[2].

É conhecido que os últimos números do PIB angolano, respeitantes ao primeiro trimestre de 2021, são negativos em 3,4%. Portanto, a questão que se coloca agora é: como transformar políticas económicas sólidas em acumulação de capital e promover o crescimento do PIB?

2-O capital na economia angolana

O modelo essencial de crescimento da economia angolana, pelo menos a partir de 2021, não foi um modelo assente primordialmente no investimento, mas no consumo derivado de importações e no benefício direto das mais-valias provenientes do elevado preço do petróleo. Tal importou que o investimento que existiu fosse induzido pelo petróleo e não se estendesse à economia como um todo.[3]Refira-se, ademais, que uma boa parte dos ganhos em poupança dessa época não foi transformada em investimento doméstico, tendo sido transferido de Angola para o exterior. Dito de forma coloquial, houve uma fuga acentuadíssima de capitais de Angola para o estrangeiro, designadamente Portugal ou paraísos fiscais off-shore[4].

É público que este modelo faliu a partir de 2014, e levou a anos acentuados de crise recessiva após 2015. Ao mesmo tempo verificou-se que a contribuição da formação bruta de capital fixo (FBCF) em relação ao PIB começou a diminuir a partir desse ano (2015). Se reparamos em cada ano a FBC/ PIB foi respetivamente de 28.21 %,26.21 %,23.24 %, 17.19%. O número de 2018 (17,9%) assusta e torna mais relevante a discussão sobre a necessidade de capitalizar a economia angolana.

Figura 1: Formação Bruta de Capital Fixo em relação ao PIB

“O país tem défice de capital”[5] e esse problema tem de ser resolvido para haver crescimento. Este aspeto tem de ser um dos guias da futura política económica. Há que traçar um objetivo de fazer subir a taxa FBCF/PIB para níveis superiores, possivelmente, para os 25/26% que aconteceram em 2007 ou 2012 que asseguram níveis de crescimento do PIB (embora baseados no petróleo) de 14% e 8%. Agora tem de se proceder a nova capitalização não apenas baseada no petróleo.

É fácil diagnosticar. Angola tem falta de capital e necessita de forte investimento. As respostas é que serão mais custosas.

3-Aumentar o capital em Angola

O que fazer para acumular e aumentar capital em Angola?

A nossa resposta divide-se em duas perspetivas, a de curto-prazo e a de médio- prazo. Concentremo-nos no curto-prazo, fazendo depois uma breve referência ao médio-prazo, embora, seja evidente que há um continuum, pois o que se faz agora tem repercussões ao longo do tempo.

O executivo já tomou algumas medidas, que aliás reportámos em anteriores relatórios[6], como a Lei do Investimento Privado (LIP)-Lei n.º 10/18, de 26 de junho que deixou de exigir a obrigatoriedade de parcerias com cidadãos angolanos ou empresas de capital angolano e no seu artigo 14.º garante que o Estado respeita e protege o direito de propriedade dos investidores privados; o artigo 15.º estabelece que o Estado Angolano garante a todos os investidores privados o acesso aos tribunais angolanos para a defesa dos seus interesses, sendo-lhes assegurado o devido processo legal, proteção e segurança. Também as possibilidades de transferência de dividendos foram ampliadas. Aliás, em termos administrativos, há que anotar que em 2018, todas as solicitações para a transferência de dividendos acima dos cinco milhões de dólares (4,3 milhões de euros) foram concedidas a empresas estrangeiras que operam no país. E, mais importante, desde 2020, passaram a estar dispensadas de licenciamento do banco central angolano a importação de capital de investidores estrangeiros que queiram investir no país em empresas ou projetos no sector privado, bem como a exportação dos rendimentos associados a esses investimentos.

No entanto, tal não é ainda suficiente, e o investimento privado estrangeiro vai tardar, seja porque se está a iniciar um período eleitoral muito turbulento, seja porque há uma distração mundial com a Covid-19. Além disso, o executivo ainda não comunicou com toda a amplificação mundial, a abertura de Angola para os negócios. Mesmo assim, é fundamental que o executivo mantenha a orientação política de abertura ao investimento direto estrangeiro.

É preciso fazer mais no curto-prazo para aumentar o investimento em Angola e o subsequente crescimento económico. E aqui são deixadas três sugestões.

  • A sugestão inicial é a óbvia e assenta num reforço do investimento público. É fundamental que o governo se torne um indutor de investimento e que as mais-valias que surjam da subida do preço do petróleo e de eventuais apreensões na luta contra a corrupção sejam aplicadas em investimentos reprodutivos com resultados a curto-prazo.

As duas sugestões seguintes é que poderão ser mais inovadoras.

 Abordemos a primeira das sugestões mais heterodoxas. Como se referiu, uma boa parte das poupanças obtidas pelos angolanos em Angola foi remetida para o exterior, descapitalizando o país. Ora há que inverter isso.

  • Nesse sentido o governo deveria, em primeiro lugar, vender as participações e património adormecidos ou em que não haja interesse estratégico muito relevante, que tem no exterior. Com o resultado dessa venda constituiria um fundo de investimento para aplicar dentro de Angola. Portanto, a primeira proposta heterodoxa para aumentar o capital disponível em Angola consiste em vender o que haja no estrangeiro pertencente ao Estado (direta ou indiretamente) e colocar na economia angolana. Certamente, a posição da Sonangol no Millennium BCP deveria ser vendida e transformada em capital de investimento em Angola, e possivelmente a participação indireta na Galp, se não for possível chegar a um acordo estratégico com a família Amorim para melhor rentabilizar a posição angolana.
  • A segunda sugestão refere-se ao combate à corrupção. É preciso sair de um certo protelamento em que se entrou e dinamizar a recuperação de capitais.

Assim, o governo deveria abordar diretamente aqueles a que chama “marimbondos” e propor-lhes uma solução negociada para a sua situação. Ou entregam os bens que estão no estrangeiro para investimento em Angola, ou terão de cumprir longas penas de prisão. Em relação a esses bens seguir-se-ia o método acima enunciado: Desde que os preços de mercado fossem aceitáveis, tudo seria vendido e o capital retornaria a Angola para investimento de acordo com uma fórmula acordada entre ambas as partes.

Esta “negociação” não seria levada a cabo pelos meios comuns, mas por uma força especial a constituir em Angola e teria prazos curtos, não os prazos judiciais.

Terá de haver uma radicalização em ambos os sentidos no combate à corrupção. Mais eficácia na punição ou no perdão com repatriamento. Ao contrário do que aconteceu na anterior lei de repatriamento não se ficaria à espera, mas haveria uma atitude proativa por parte do executivo.

A título de mera ilustração poderia ser vendida a participação de Isabel dos Santos na NOS, a do general Kopelipa no banco BIG e em vários empreendimentos hoteleiros, os apartamentos que as antigas figuras possuem no Estoril, etc. O resultado destas vendas retornaria a Angola onde seria investido em termos a acordar entre o Estado e os antigos titulares.

Estas medidas elencadas, poderiam dar algum impulso à economia angolana e assim promover o crescimento económico no imediato.

Ao nível do médio-prazo o essencial é não existir corrupção desenfreada, serem criadas boas infraestruturas de comunicação, um aparato legal amigo do investidor e com tribunais rápidos e não corruptos, uma força de trabalho educada (isto não quer dizer que tenha de ter cursos universitários, mas as aptidões necessárias) e impostos razoáveis. Em resumo, um clima político e social convidativo para o investimento.


[1] IMF, Fifth review under the extended arrangement under the extended fund facility and request for modifications of performance criteria— press release; staff report, and statement by the executive director for Angola, Junho 2021, disponível em https://www.imf.org/en/Publications/CR/Issues/2021/06/30/Angola-Fifth-Review-Under-the-Extended-Arrangement-Under-the-Extended-Fund-Facility-and-461318

[2] Cfr. A recente reavaliação e descrição em Philippe Aghion, Céline Antonin e Simon Bunel (2021), The Power of Creative Destruction

[3] Cfr. Rui Verde (2021), Angola at the Crossroads. Between Kleptocracy and Development

[4] Cfr. por ex: Isabel Costa Bordalo, Angola com 60 mil milhões USD é terceiro em África na fuga de capitais,  https://www.expansao.co.ao/angola/interior/angola-com-60-mil-milhoes-usd-e-terceiro-em-africa-na-fuga-de-capitais-94979.html

[5] Jonuel Gonçalves (2021), Angola: Não é a Covid que está a provocar a crise económica, https://www.dw.com/pt-002/angola-n%C3%A3o-%C3%A9-a-covid-que-est%C3%A1-a-provocar-a-crise-econ%C3%B3mica/a-58859385

[6] CEDESA, (2020), A nova atractividade para o investimento internacional em Angola https://www.cedesa.pt/2020/03/09/a-nova-atractividade-para-o-investimento-internacional-em-angola/

Sinais e previsões de Verão para a economia angolana

Sinais

Os últimos números disponíveis do Instituto Nacional de Estatística acerca da economia angolana apontam para um decréscimo do PIB no 1.º trimestre de 2021 na ordem dos -3,4%, uma taxa de desemprego no mesmo trimestre de 30,5%, e uma taxa de inflação homóloga com referência ao mês de julho de 2021 de 25,72%[1] Nenhum destes números que refletem as grandezas macroeconómicas é animador no curto-prazo.

Contudo, há outras realidades económico-financeiras a considerar para se ter uma visão global do movimento em curso na economia angolana, e que permitem ter uma perspetiva mais otimista.

Em primeiro lugar, ao nível do saldo orçamental e da dívida pública, elementos essenciais do programa de apoio do Fundo Monetário Internacional (FMI) a expectativa é que o saldo orçamental de 2021 seja positivo, possivelmente acima dos 2% do PIB (adiante apresentaremos a nossa previsão). Em relação à dívida pública, como aliás havíamos previsto em anteriores relatórios, a sua sustentabilidade encontra-se consolidada, tal como reconhecido pelo representante do FMI em Angola muito recentemente (mais abaixo estará a nossa previsão).[2]

Em termos de taxa de câmbio com referência ao mês de julho de 2021, o Kwanza já se já apreciou 1,8% em relação ao dólar e 6,1% no que respeita ao euro, desde janeiro de 2021, quebrando forte período de forte desvalorização iniciado em 2018. A isto acresce que 3,5 anos depois da flexibilização cambial o gap entre as taxas no mercado formal e no informal está abaixo do objetivo de 20% anunciado pelo banco central na altura da liberalização, situando-se entre os 7% e 8% para o dólar e euro respetivamente. Note-se que no momento antecedente da liberalização o mesmo gap era de 159% e 167%.

Figura 1 – Variação da Taxa de Câmbio do Kwanza face ao dólar e euro (julho 2021)

Atualmente, alguns setores já anunciam o aumento da rentabilidade das exportações em virtude da política cambial favorável. É o caso do cimento, onde Pedro Pinto CEO da Nova Cimangola assegura que “Para potencializar as exportações a desvalorização da moeda ajudou, porque todos os custos que a empresa tem em moeda nacional, em dólares ficaram mais baixos e aumentou, desta forma, a competitividade da empresa para colocar produtos no mercado internacional. Ou seja, todos aqueles produtos que continuamos a comprar em Kzs e que não sofreram grandes variações de preços em dólares ficaram mais baixos e, portanto, permitiu que a empresa tivesse maior rentabilidade com as exportações.[3]

Referência também para o PRODESI (Programa de Apoio à Produção, Diversificação das Exportações e Substituição das Importações), que rendeu desde o início do ano mais de USD 29 milhões de dólares. Como principais produtos exportados, sublinhe-se o cimento, a cerveja, a embalagem de vidro, a banana, os sumos e refrigerantes e o açúcar[4].

Estes movimentos refletem-se ao nível da balança comercial. A balança comercial de Angola registou, no 1º semestre de 2021, um superavit de USD 8.381,9 milhões,[5] um aumento de 40,2 % face aos resultados registados no 2º semestre de 2020 (USD 5.978,8 milhões)[6]. Dentro deste quadro, registou-se um aumento das exportações em 25% naturalmente ainda influenciado pelo aumento das exportações do sector petrolífero em 28,4%.

Figura 2 – Balança Comercial de Angola e Trocas comerciais com a China

Mas também há que registar um aumento importante do comércio com um dos principais parceiros comerciais de Angola, a China. “As trocas comerciais entre Angola e China aumentaram 23,9% no primeiro semestre de 2021, para 10.550 milhões de dólares (8.985 milhões de euros), face ao período homólogo”[7]. De acordo com Gong Tao, embaixador da China em Angola, apesar dos efeitos adversos causados pela pandemia de covid-19, as empresas chinesas mantêm interesse em investir em Angola, salientando como exemplo as recentes construções de fábricas, uma dedicada à produção de azulejos e outra habilitada para a produção de contadores de energia e água.

Previsões de Verão 2021

Na modelação das perspetivas que aqui apresentamos entram em conta vários fatores, entre os quais destacamos os principais. Como primeiro elemento temos o cálculo do preço do petróleo (sempre um elemento determinante na economia angolana). Admitimos que o preço do brent manterá uma ligeira tendência de apreciação situando-se a um nível entre os 65 USD a 75 USD por barril. Faz parte também do nosso modelo uma relativa estabilização ou eventual apreciação do Kwanza face ao dólar e euro o que permite inverter algumas quebras do passado que foram meramente nominais devido à flexibilização da taxa de câmbio. Antevemos que a recuperação mundial pós-Covid-19 trará ânimo às exportações da economia angolana, como aliás já está a acontecer com a China. Finalmente, antecipamos que paulatinamente o ambiente para o investimento externo irá melhorando fruto das reformas legislativas e do empenho do poder político. Temos como exemplo recente os vários anúncios provenientes da Turquia. No final de julho de 2021, Angola e Turquia celebraram 10 acordos de cooperação, nos domínios da economia, comércio, recursos minerais e dos transportes, tendo já sido anunciado um aumento da balança comercial com Angola num valor a rondar os USD 500 milhões de dólares[8].  

Do ponto de vista dos obstáculos, há que referir a falta imensa de capital. Este é o elemento essencial para qualquer retoma sustentada, e também, a inexistência de diversificação da economia[9] e persistência da burocracia administrativa.

Tudo considerado o nosso modelo prevê que no ano de 2021 a economia angolana saia da recessão, e o crescimento do PIB atinja entre 1,4% e 1,75%.

O nosso modelo aponta para um excedente orçamental entre os 2,3% a 2,75%, dependendo da evolução do preço do petróleo até ao final do ano. E considerando a evolução da cotação do câmbio do Kwanza a nossa previsão é que em 2022, o ratio dívida pública/Produto Interno Bruto (PIB) se situe abaixo dos 100% obtendo uma maior consolidação.

Figura 3 – Modelo CEDESA – Previsões para a Economia Angolana

Consequentemente, prevê-se que o período inicial de forte ajustamento e contração da economia angolana chegue ao fim este ano, não existindo mais choques e controlando-se mundialmente a pandemia Covid-19.

O caso especial do Desemprego

Entendemos que o desemprego é um caso especial que deveria ter um tratamento diferenciado, quer estatisticamente, quer ao nível das políticas públicas. Em termos de estatísticas deve ser apurado melhor quem está ocupado com atividades informais produtivas remuneradas e quem não consegue efetivamente obter qualquer trabalho remunerado querendo. Há que evitar enviesamentos estatísticos que perturbam a adequada compreensão da realidade.

Por outro lado, é evidente que não vai ser o mercado ou a economia privada a resolverem no curto-prazo o problema da falta de emprego, sobretudo jovem. Nessa medida, apela-se às autoridades que desenvolvam um programa de tipo keynesiano de promoção de emprego eventualmente com recurso a capitais disponíveis do combate à corrupção, como temos defendido noutros relatórios. O Estado tem de gastar dinheiro na criação de emprego.


[1] Cfr. https://www.ine.gov.ao/

[2] Cfr. https://www.sapo.pt/noticias/atualidade/representante-do-fmi-em-angola-afirma-que_611bf099d1bccf29fd83b48c

[3] https://mercado.co.ao/grandes-entrevistas/a-desvalorizacao-da-moeda-permitiu-que-a-empresa-tivesse-maior-rentabilidade-com-as-exportacoes-XJ1038347

[4] https://www.angonoticias.com/Artigos/item/68811/prodesi-rende-mais-de-usd-29-milhoes-em-exportacoe

[5] https://www.bna.ao/Conteudos/Artigos/lista_artigos_medias.aspx?idc=15419&idsc=15428&idl=1

[6] https://www.angonoticias.com/Artigos/item/68824/balanca-comercial-regista-superavit-de-usd-83819-milhoes

[7] https://www.rtp.pt/noticias/economia/comercio-entre-china-e-angola-recupera-24-no-1o-semestre-apos-forte-quebra-em-2020_n1343994

[8] https://www.angop.ao/noticias/economia/angola-e-turquia-reforcam-balanca-comercial/

[9] Cfr, os elementos mais recentes sobre a participação setorial no PIB que demonstram o peso imenso e reforçado de setor do petróleo. https://www.bna.ao/Conteudos/Artigos/lista_artigos_medias.aspx?idc=15907&idsc=15909&idl=1