Desorganização e organização no governo de Angola. Criar uma “cavalaria” presidencial
1-Introdução. A desorganização
Começa-se a vislumbrar que a desorganização é das mais abundantes características que define o funcionamento do governo angolano. A questão não é a falta de normas ou de dinheiro, é a total descoordenação da liderança com a execução dos projectos, do maior ao mais pequeno.
Nos últimos tempos tivemos vários exemplos dessa desorganização, geralmente, misturada com incompetência e por vezes com a corrupção.
- Uma situação aconteceu no Cunene a propósito da seca. O governo central remeteu vários milhões de kwanzas para aliviar o efeito da seca. Solicitado durante uma Inspecção a prestar contas sobre uma boa parte desse dinheiro, o governador de então, não soube esclarecer em que tinha gasto dinheiro, como também, não ficaram claros os circuitos de comando para combate à seca, as obras realizadas e os mecanismos utilizados. Um projecto para minorar as agruras duma população foi transformado numa confusão. Incompetência e corrupção misturaram-se com a incapacidade do poder executivo controlar o destino dos seus dinheiros e programas.
- Uma outra actuação terá sido a do recém demitido ministro da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social. Tendo-lhe sido entregue a orientação do programa de promoção de emprego Plano de Acção para a Promoção da Empregabilidade (PAPE), acompanhado por vários milhões de kwanzas, o ministro passado um ano, não sabia justificar o destino de metade das verbas aplicadas no programa, nem tão pouco apresentar resultados da execução do programa. Um dos principais programas do governo esteve no limbo o tempo todo.
- Ainda mais recentemente, a mesma desorganização verificou-se na coordenação do programa de combate ao COVID-19.
Em todas estas situações pode haver corrupção ou favorecimento. Mas também existe incompetência e incapacidade organizatória. O titular do poder executivo determina que se prossigam determinados objectivos, que se concretizem programas. Muitas vezes esses programas estão bem pensados e estruturados no papel, mas chega-se à fase de execução e nada se passa como devido, sendo geralmente despendido o dinheiro. Uma despesa sem qualquer retorno.
Figura n.º 1- As políticas públicas falham na execução
Estes factos demonstram que a Administração Pública angolana não está capacitada para desempenhar as suas tarefas. Há um problema de execução de políticas, de concretização dos programas. É na prática que todas as teorias falham.
2-Promover a organização
2.1-Médio prazo: Reforma da Administração Pública
Face ao exposto é fundamental criar uma organização que funcione. A organização da Administração Pública angolana seguiu na sua essência o modelo colonial criado por Portugal, que por sua vez assenta numa estrutura burocrática, normativa e pouco flexível, agarrada a procedimentos pesados e pensada pelos próceres do regime salazarista de então, como Marcelo Caetano, que depois foi deixando vários discípulos. É por isso uma administração construída na desconfiança entre Estado e cidadão em que o Estado pretende predominar. Além disso, convoca sistemas excepcionais que dotam os decisores de muitos poderes e poucos controlos. Não é uma administração aberta, deliberativa e igual.
Assim, qualquer movimento no sentido de dotar o sistema público angolano de organização assentará em dois momentos: a médio prazo a reforma da Administração Pública, e a curto prazo a criação imediata de um sistema que permita ao Presidente da República assegurar que a execução das suas políticas se concretiza sem desvios, sejam eles de dinheiro ou de substância.
Uma reforma da Administração Pública é fundamental introduzindo-a a conceitos de gestão e negócios, bem como buscando a sua digitalização e assentando o funcionamento dos seus projectos em regras simples.
O ponto essencial será centrar a Administração no “atendimento ao cidadão”, focando a actividade administrativa nos cidadãos como destinatários dos serviços ou clientes do sector público. A reforma deve experimentar o uso de modelos flexíveis de prestação de serviços, para dar a agências focadas e dinâmicas mais liberdade na maneira como desenvolvem programas ou serviços. Deve-se procurar usar estruturas de quase mercado, para que o sector público compita com o sector privado e se torne mais eficiente. Tal pode acontecer nas áreas de saúde e educação. Ao mesmo tempo devem ser estabelecidos processos que afinem o controlo financeiro, o bom uso do dinheiro, e o aumento da eficiência. Deve-se também proceder à identificação e estabelecimento de metas e monitoramento contínuo do desempenho.
Os funcionários públicos num novo paradigma administrativo operarão dentro dum conceito mais próximo do empresarial, tomando especial importância o papel dos executivos, e tendo maior discrição e liberdade quanto à maneira como alcançam as metas estabelecidas. Esta abordagem contrasta com o modelo tradicional de administração pública, no qual a tomada de decisões institucionais, a formulação de políticas e a prestação de serviços públicos são orientadas por regulamentos, legislação e procedimentos administrativos.
Além desta vertente mais virada para a gestão e menos para a formalização burocrática, o novo paradigma da Administração Pública focar-se-á na governação digital, fortemente centrado na tecnologia de informação, facilitando os serviços e colocando-os em rede, procurando, sempre que possível, soluções digitais.
Figura n.º 2- Novo paradigma para a Administração Pública
2.2-Curto prazo. Criação de equipas presidenciais de gestão e monitorização de programas públicos
Todavia, neste momento, a proposta centra-se em dotar no curto prazo o Executivo de instrumentos para concretizar os seus projectos sem bloqueios. No fundo, ultrapassar o mau funcionamento das administrações. É um tempo de combate em que é necessária a criatividade para circunscrever os obstáculos existentes.
É necessário que os programas aprovados sejam implementados como tal e o dinheiro bem gasto.
A garantia de uma execução adequada tem de se estribar em algumas acções simples: a existência de foco, a instauração de processos simples e fáceis, mas obrigatórios, e a criação de pequenas equipas flexíveis que simultaneamente acompanhem a gestão, verifiquem os processos e controlem os resultados.
Assim, o Presidente da República deveria definir algumas áreas prioritárias da sua intervenção. Por exemplo, o Desemprego e o Combate à Seca, onde se verificaram falhas graves já no seu tempo. Para essas áreas seriam definidos programas com objectivos definidos e quantificados, acompanhados dos processos que seriam seguidos para os executar.
Isso feito, seria constituído um secretariado de gestão e monitorização da presidência que seguiria directamente a execução desses programas e reportaria directamente ao Presidente.
Esse secretariado seria composto por técnicos independentes e capazes com poderes para acompanhar a gestão dos programas, corrigir imediatamente, e controlar a sua execução. Seria um mecanismo paralelo, flexível e com poderes que funcionaria junto do Presidente e iria a todo o país e locais para garantir a execução dos programas sem demoras.
Uma espécie de cavalaria presidencial que acorreria onde fosse necessária.
Figura n.º 3- A “cavalaria” presidencial