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O combate estrutural à seca no Sul de Angola: o caso do Cunene

A seca no Cunene

A seca no Sul de Angola é um fenómeno que assola a região vezes sem conta, provocando a fome entre largos estratos da população.

A partir do final de 2020, a região enfrentou a pior seca dos últimos 40 anos. De acordo com o porta-voz do Programa Alimentar Mundial (PAM) Tomson Phiri, “o país atravessa um período de seca desde dezembro passado, com precipitações inferiores à média”[1].

Este cenário, que se tem repetido, e provavelmente piorará devido ao aquecimento global, como alerta o Banco Mundial escrevendo que, “riscos naturais na forma de inundações, erosão, secas e epidemias (…) impedem o desenvolvimento e espera-se que piorem à medida que o clima muda”[2], implica uma intervenção estruturante dos poderes públicos.

O objetivo deste estudo é averiguar as medidas estruturantes que o governo angolano está a desenvolver para apresentar soluções sustentáveis para o problema da seca. Focamo-nos na província do Cunene situada no interior sul de Angola e que tem sido uma das mais fustigadas pela seca.

Aliás, desde que Angola se tornou independente, só recentemente é que o problema da seca tem sido encarado mais seriamente pelas autoridades. Antes destes projetos, a situação era atenuada de alguma maneira com furos de água, contudo o sofrimento da população mantinha-se ou piorava gradualmente. A própria governadora provincial do Cunene, Gerdina Didalelwa, em uma ocasião confessou que “estas perfurações têm sido feitas de forma empírica e só estão a gastar dinheiro”[3]. Ou seja, perfurações até podem ser realizadas, mas apenas quando houver profissionalismo por trás disso; só depois de ter havido um estudo aprofundado por parte de empresas que tenham capacidades técnicas e um conhecimento apurado das águas.

Os projetos estruturantes

Em meados de 2021, o executivo angolano, anunciou o planeamento e execução de vários projetos na província do Cunene, que visam combater estruturalmente seca crónica que aflige o sul do país.

Projeto 1

O primeiro dos projetos que vamos mencionar é a construção do sistema de transferência de água do rio Cunene, a partir da região do Cafu.

Este projeto divide-se em dois lotes, sendo que o primeiro visa a construção da captação no rio Cunene do sistema de bombagem, conduta pressurizada, canal aberto a partir da localidade de Cafu até Cuamato e 10 chimpacas[4].

Relativamente ao segundo lote, a finalidade é a construção de dois canais adutores, a partir de Cuamato, sendo um (condutor oeste) que vai até Ndombondola, com 55 quilómetros e outro (condutor este) até ao município de Namacunde com 53 quilómetros[5].

As obras estão a ser conduzidas pela empresa Sinohydro Angola, num orçamento estimado em mais de 44 mil milhões de kwanzas, se englobarmos os dois lotes.

O início da execução deste projeto já teve lugar e conta com um estudo de pacto ambiental que inclui um protocolo da Southern African Development Community (SADC), bem como a partilha de informação com a Namíbia.

Existe a expectativa que a conclusão do projeto Cafu ocorra já no primeiro trimestre do próximo ano, e que venha a beneficiar aproximadamente 200.000 habitantes e 250.000 cabeças de gado.

Projeto 2

O segundo projeto que merece menção é a construção da barragem do Calucuve, localizada no município do Cuvelai. Esta barragem de terra conta com 19 metros de altura e um volume de armazenamento de 100 milhões m3 de água.

O orçamento do projeto ronda os 177 milhões de dólares, tendo como empreiteiro responsável a empresa Omatapalo-MotaEngil, e o prazo de execução da obra é de 20 meses.

A construção desta obra tem como principal finalidade o abastecimento de água para as populações, estando previsto satisfazer as necessidades de mais de 80.000 pessoas, bem como atender as necessidades de aproximadamente 182.000 cabeças de gado.

Nas outras, vertentes, vai fornecer água que permitirá a irrigação durante todo o ano numa área estimada em 2.600 ha.;

Garantirá a sustentabilidade das atividades económicas e sociais na área do projeto. Vai reduzir o problema de escassez de água sazonal na zona noroeste da bacia do Cuvelai. E por fim, mitigar ou evitar danos causados pelas cheias aos ativos e atividades na economia local nas cidades situadas à jusante da barragem (área do delta do Cuvelai – Evale).

O prazo de execução é de 20 meses.

Projeto 3

Quanto ao terceiro projeto, a construção da barragem do Ndué, é um empreendimento liderado também pela Synohidro Angola, havendo prazo de construção de 30 meses, e um orçamento estimado em cerca de 192 milhões de dólares.

Será uma barragem de terra com 26 m de altura e com volume de armazenamento de 145 milhões de m3 de água, no rio Caúndo à montante do Ndué.

As principais finalidades deste projeto, aspiram satisfazer as necessidades domésticas de aproximadamente 55.000 pessoas, assim como garantir a qualidade de abastecimento de água às populações. Além disso, visa satisfazer as necessidades de aproximadamente 60.000 cabeças de gado.

Destacam-se também outros objetivos, igualmente essenciais, tais como:

Fornecer água para permitir a irrigação durante todo o ano de uma área estimada de 9.200 há e garantir a sustentabilidade das atividades económicas e sociais na área do projeto e reduzir o problema de escassez de água na zona central da bacia do Cuvelai.

Por último, a barragem pode tornar-se numa importante fonte de abastecimento de água para a província do Cunene.

O prazo de execução é de 30 meses.

***

Referência final também para a recuperação de diques e açudes existentes no município do Curoca, que fica a 334 quilómetros da cidade de Ondjiva[6].

Quadro n.º 1- Benefícios gerais quantificáveis das obras contra a seca no Cunene

ProjetosPopulaçãoGadoValor
Projeto 1200.000250.00044 M USD
Projeto 280.000182.000177 M USD
Projeto 355.00060.000192 M USD
TOTAL335.000492.000413 M USD

Verifica-se que além de propiciar irrigação e fornecer possibilidades acrescidas de distribuição de água, estas obras irão beneficiar diretamente 335.000 pessoas e 492.000 cabeças de gado, custando cerca de 400 milhões de dólares.

A participação portuguesa

A participação portuguesa nestas obras de vulto é relevante. A Mota-Engil tem uma participação relevante (50%) no consórcio que constrói a barragem de Calucuve (Projeto 1) tendo ganho o respetivo concurso. Por sua vez a COBA, também sedeada em Portugal, é fiscal da barragem Ndúe (Projeto 3). Existe assim uma intervenção significativa da engenharia portuguesa nestes projetos estruturantes.

Nos últimos dois anos, a Mota-Engil tem passado por uma vigorosa reestruturação que se tem refletido, não só em Portugal, como também em Moçambique e Angola. Recorde-se que em meados de 2020, a empresa estabeleceu uma parceria com a chinesa CCCC, a qual define uma participação desta de mais de 30 % na construtora controlada pela família de António Mota[7].

Pouco tempo depois a Mota-Engil obteve um contrato em parceria de reabilitação e construção rodoviária nas Lundas com a sua subsidiária num valor a rondar os 280 milhões de euros. Nessa ocasião a empresa sublinhou que iria reforçar a sua carteira de encomendas no mercado, procurando maximizar a utilização dos ativos que o grupo dispõe no país.


[1] https://www.rfi.fr/br/%C3%A1frica/20210326-onu-alerta-sobre-fome-causada-pela-pior-seca-em-angola-em-40-anos

[2] https://climateknowledgeportal.worldbank.org/country/angola

[3] https://www.jornaldeangola.ao/ao/noticias/consequencias-da-seca-no-cunene-com-dias-contados/

[4] https://www.angop.ao/noticias/entrevistas/construcao-da-barragem-do-cafu-a-bom-ritmo-manuel-quintino/

[5] Idem

[6] https://www.angop.ao/noticias/sociedade/barragens-de-caluve-e-ndue-vao-beneficiar-136-mil-pessoas/

[7] https://www.jornaldenegocios.pt/empresas/construcao/detalhe/mota-engil-ganha-contrato-de-280-milhoes-em-angola