Artigos

Acelerar o turismo em Angola

1-Enquadramento: as necessidades e os agentes da promoção do turismo em Angola

Angola procura gradualmente diversificar a sua economia escolhendo o turismo como uma das principais prioridades da ação estruturante da política económica. Como é sabido, a reconstrução encetada a partir de 2002, não se concentrou no turismo, mas sim na indústria petrolífera, mineração e construção civil. Esgotado esse modelo, a diversificação tornou-se a palavra-chave do desenvolvimento.

Sendo evidente que Angola tem uma enorme potencialidade turística, a verdade é que a sua concretização implica a remoção de diversos obstáculos e criação de condições adequadas. Referimos dois eixos essenciais para criar essas condições: o primeiro é a criação de condições propícias ao investimento no setor turístico, isto implica a revisão da lei de investimento que já ocorreu, a retirada de barreiras de entrada no mercado e a facilitação de crédito bancário para novos projetos.

O segundo eixo é de natureza infraestrutural e obriga a criar uma rede de transportes, estradas, aviões e barcos adequada, bem como um clima de segurança criminal, além da facilitação de vistos turísticos.

Figura 1:  Os 2 eixos para o desenvolvimento do potencial turístico

Além do mais, o crescimento do turismo não pode estar apenas dependente do Estado, cabe-lhe naturalmente a regulação, fiscalização e a criação de infraestruturas e de condições. No entanto, o papel fundamental é do empresariado privado que deve avançar e estabelecer parcerias para entrar nos circuitos internacionais. E, finalmente, compete também aos dirigentes provinciais, municipais e comunais, incentivarem e potenciarem os seus recursos.

Estado, empresários e dirigentes locais formam a parceria tripartida que se deve unir para lançar o turismo em Angola.

Em 2019, na abertura do Fórum Mundial do Turismo que decorreu em Luanda, o Presidente da República, deixou bem claro aquilo que o executivo almejava para o sector: no quadro da diversificação da economia, o turismo deveria assumir um papel promotor do desenvolvimento e gerador de receitas e de emprego. Para que isso se concretizasse, o governo deveria apostar no curto e médio prazo, na expansão das infraestruturas hoteleiras e na infraestruturação dos pólos turísticos de Cabo Ledo, Calandula e do Projecto Transfronteiriço de Okavango Zambeze, com o propósito de aumentar a oferta e as opções de diversidade de turistas e clientes, em geral[1]

Recentemente debateu-se uma eventual crise no turismo na Europa, admitindo-se que Grécia, Itália, França, Espanha e Portugal sejam afetados pelas sanções à Rússia decorrentes da guerra na Ucrânia (o que em relação, pelo menos a Portugal, é duvidoso, pois o país não estava dependente do turismo russo), o Egito ainda não recuperou totalmente do medo dos atentados bombistas, a Indonésia tem dificuldades em conter o fundamentalismo muçulmano, a Índia debate-se com níveis de poluição crescentes, o Quénia e Senegal podem ser invadidos por agitação islâmica, destinos de eleição como a Turquia, Israel, Tailândia e Dubai estão algo saturados. Este panorama está descrito de forma algo enfática, contudo, abre oportunidades para o turismo em Angola, pois representa uma certa tendência verificável.

O país tem no turismo potencialidades para captar turistas, tal como fizeram Cabo Verde e o Botswana; tem praias paradisíacas, deserto e florestas, rios de grandes caudais, montanhas, fauna e flora exuberantes, e, acima de tudo, um povo acolhedor e uma gastronomia rica e variada.

2-Panorama do turismo angolano

Não existe uma indústria de turismo desenvolvida em Angola. As poucas zonas que são desenvolvidas aproveitaram as belezas naturais do país, rios, cascatas e os 1.650 km de costa atlântica. Como descrevem os folhetos oficiais: “O clima tropical húmido [de Angola] criou uma flora exuberante e fauna rica espalhada por regiões com matas, savanas, serras impressionantes, rios, praias que parecem estender-se sem limites, cascatas, oásis e belas paisagens que parecem prolongar-se até o infinito e são todas imaculadas e intactas. Um verão sem fim de tardes quentes banhadas em brisas quentes para contemplar aventura e descoberta”.

Angola tem uma beleza natural extrema que se revela como um destino turístico promissor. A Ilha do Mussulo e Cabo Ledo são exemplos de locais com uma imensa capacidade de atração de turistas, assim como várias zonas das províncias como Namibe, Benguela, Malanje e Cuanza-Sul. As Cataratas de Calandula em Malanje são particularmente impressionantes.

Contudo, atualmente, a maioria dos viajantes estrangeiros que chegam a Angola não são turistas, mas sim empresários, trabalhadores e consultores. Isso significa que os hotéis estão voltados para negócios e não turismo ou lazer. Como os negócios passaram uma grave crise desde 2015, de que só agora (2022) se está verdadeiramente a sair, quer dizer que nos últimos anos existiu uma taxa de ocupação marcadamente baixa nos hotéis, que passou de 84% em 2014 para 35% em 2017 e 25% em 2018. Esta queda na ocupação refletiu a crise que ofuscou o país, e não a falta de interesse pelo turismo. A queda dos preços do petróleo que se verificou desde 2014 e até ao ano passado levou a uma diminuição da atividade económica em Angola, o que teve como consequência que menos viajantes de negócios ocupassem hotéis.

Os responsáveis reconhecem que presentemente, existem grandes fragilidades no sector turístico, designadamente “carência de medidas concretas de apoio e incentivo, difícil acesso aos lugares, potenciais recursos e atrativos turísticos, falta de valorização dos recursos turísticos, falta de flexibilidade do sistema bancário ao financiamento de projetos turísticos, défice em termos de estabelecimentos de formação hoteleira e turística, dependência excessiva das importações, por força do défice na produção interna, falta de cultura turística, falta de uma maior abertura na concessão dos vistos de entrada nos principais mercados emissores de turistas do mundo e reduzido poder de compra dos angolanos[2]”.

No entanto, esses números e factos pouco animadores não representam nenhuma tendência estrutural. Entre 2009-2014 Angola registara um forte crescimento do sector hoteleiro com receitas superiores a 45 mil milhões de kwanzas (100 milhões de euros ao câmbio da altura), criando cerca de 223 mil postos de trabalho. Assim, há um claro potencial para o negócio do turismo.

3-Localizações turísticas e mercados potenciais

Angola tem inúmeros pontos turísticos, entre os quais podem-se destacar os parques nacionais da Kissama e Iona, Quedas de Calandula, do Ruacaná, Mussulo, Miradouro da Lua ou o Rio Zambeze.

É possível promover o desenvolvimento de hotéis e estâncias balneares turísticas destinadas a veraneantes em algumas das áreas especificamente destinadas ao turismo de sol, mar e areia como Cabo Ledo a 120km de Luanda no concelho da Quiçama, que tem 2.000 hectares de enorme beleza e é um local potencial para o surf mundial, assim que os processos de vistos sejam facilitados.

Outra alternativa voltada para o turismo de natureza é Calandula, Malange que possui as cascatas mais impressionantes de Angola e é o segundo maior da África com 150 metros de altura e 401 metros de largura. Uma área de 1.978 hectares de vegetação infinita e cascatas a perder de vista e que tem um enorme potencial de investimento turístico: alojamento turístico, restauração, animação, golfe e casinos.

Surgiu também a ideia duma rota dos museus. A iniciativa desta rota é despertar e aumentar a cultura de visitas a museus, a fim de se criar identidade patrimonial. Esta rota contempla o Palácio de Ferro, Museu Nacional de História Militar (Fortaleza São Miguel), Museu Nacional de História Natural e o Museu Nacional da Escravatura, passando por várias unidades hoteleiras. Esta rota deverá servir de modelo para implementação em todas as províncias do país.

Os mercados-alvo do turismo angolano deveriam ser a Rússia (após a resolução pacífica da guerra) e a China, que são hoje os países de onde são oriundos mais de 50% dos turistas internacionais, Angola tem tudo para absorver uma fatia substancial desses mercados. Além disso, como se referiu acima, poderia absorver alguma procura europeia, sobretudo na área da aventura e experiências ecológicas novas.

4-Eixos estratégicos e zonas especiais de turismo (ZET)

Como mencionámos acima a estratégia para o turismo deve assentar em dois eixos: o fomento do investimento e a criação de infraestruturas.

Reconhecemos que existe um novo clima favorável ao investimento e também um esforço, sobretudo no âmbito da CPLP, de flexibilização do processo burocrático de emissão de vistos de turismo, ou seja, estão a ser desenvolvidas as condições para uma nova estratégia de captação de turistas.

Segundo um responsável angolano, os documentos necessários para o licenciamento dos empreendimentos turísticos foram reduzidos, passando de 11 documentos antes exigidos para três. Foi alterada a validade dos alvarás de três para cinco anos, está em curso o processo de descentralização do sistema de emissão dos alvarás. Todas essas ações visam a melhoria do ambiente de negócios na área do Turismo. Em relação aos vistos, o mesmo responsável salienta que o processo já foi mais difícil. Fez saber que houve avanços significativos, que precisam de ser melhorados, para atrair mais turistas[3].

Os mesmos responsáveis defendem que em termos de infraestruturas existem lacunas fáceis de resolver; o aeroporto da Catumbela (Benguela) poderá ser dotado de mecanismos para receber voos internacionais diretos, os transportes fazem parte do investimento que cabe aos privados, a linha férrea do Caminho de Ferro de Benguela passa a centenas de metros do aeroporto, liga à Zâmbia e à República Democrática do Congo e vai até à Tanzânia no Índico, o Lobito tem um Porto de grande capacidade, e a própria expansão vai proporcionando investimentos paralelos na saúde, na formação, nos serviços, e na capacidade de produção de mão de obra qualificada e competitiva.

Ao nível do governo, há o reconhecimento do Turismo como sector estratégico no Plano Desenvolvimento Nacional 2018-2022, como garantia de mão-de-obra intensiva, a par da agricultura, das indústrias diversas e das pescas. Constam do Plano de Desenvolvimento Nacional algumas ações pontuais, tais como a melhoria na comunicação com os Polos de desenvolvimento Turísticos, a elaboração de projetos de construção e reabilitação de infraestruturas hoteleiras e turísticas, estatais e mistas, a identificação de zonas de desenvolvimento prioritário, com o intuito de recuperar e desenvolver todo o património da rede hoteleira e turística.

Outro responsável governativo, que, entretanto, cessou funções, sublinhou que além de Angola começar agora a reduzir as restrições e a burocracia, como parte da estratégia para relançar o turismo e promover a atração de investimento para o setor, queria passar a chamar a atenção internacional para o país, contando com a colaboração da supermodelo internacional Maria Borges, que iria ajudar a promover as potencialidades. A estratégia passaria por chamar um nome internacional, Maria Borges, para ajudar a promover a cultura, a história e os principais destinos turísticos do país.[4]

Com a nova estratégia para a promoção do turismo, Angola espera integrar a lista dos principais destinos turísticos em África até 2025[5].

***

No entanto, não se consegue no curto-prazo criar uma infraestrutura nacional completa para o turismo. Há que haver pragmatismo e realismo nas abordagens políticas de promoção do turismo num país em que este tem sido quase inexistente. É nesse sentido que a melhor solução deve ser dupla e com prazos diferentes.

A médio-prazo deve ser desenvolvida uma estratégia nacional de turismo. Contudo, a curto-prazo deve existir uma aposta focada naquilo que denominaremos Zonas Especiais de Turismo (ZET). As ZET seriam cinco áreas do país em que o Estado em parceria com os privados e as autoridades locais se focaria para criar infraestruturas e condições específicas para o turismo. Zonas com fácil acesso, hotéis, restaurantes, segurança garantida e talvez vistos livre-trânsito para se ir visitar essas zonas. Zonas preferenciais eleitas para testar as ZET poderiam ser Malanje, uma área de praia com animação urbana, uma área de praia de estilo paradisíaco, e uma cidade com muita história ou uma zona com interesse ecológico vocacionada para os turistas europeus.

Figura 2: Zonas Especiais de Turismo (ZET)

Estas zonas teriam tratamento fiscal privilegiado e devia-se contemplar a eliminação de vistos para quem fosse para lá até 15 dias. Esta proposta implicaria eliminação de vistos para turistas estrangeiros dos mercado-alvo que se deslocassem para as ZETs por um prazo máximo de 15 dias em turismo. Bastar-lhes-ia apresentar bilhete de avião de volta e comprovativo da reserva em alojamento turístico.

Haveria assim a criação de circunscrições-piloto dedicadas ao turismo, pequenas cápsulas do que poderia ser o turismo global em Angola no futuro.

Conclusões

O turismo pode ser uma das áreas de excelência da diversificação da economia angolana em curso, pois é um sector onde o país tem um enorme potencial. A aposta no turismo deve ser um trabalho tripartido do Estado, empresariado privado e comunidades locais. Os mercados-alvo serão a Ásia e a Rússia (após a solução da Guerra da Ucrânia), bem como os turistas ecológicos ou aventureiros europeus.

Para existir turismo em Angola devem ser proporcionadas condições de investimento (o que está em curso) bem como infraestruturas adequadas em termos físicos e de fácil deslocação.

É aconselhável proceder no curto-prazo à criação de Zonas Especiais de Turismo que funcionem como experiências-piloto da promoção de turismo. Zonas que congregarão hotéis, restaurantes, animação local, segurança e fáceis acessos, e eliminação de vistos para turismo nas ZETs. E depois com os resultados dessas ZET estender a todo o país.


[1] https://e-global.pt/noticias/lusofonia/angola/angola-joao-lourenco-aposta-em-turismo-para-diversificar-economia-do-pais/

[2] https://www.jornaldeangola.ao/ao/noticias/os-resultados-da-estrategia-para-o-turismo-ainda-sao-incipientes/ – entrevista à Angop do diretor geral do Infotur – 31-08-2021

[3] https://www.jornaldeangola.ao/ao/noticias/o-futuro-de-angola-repousa-no-turismo-e-nao-no-petroleo/

[4] https://pt.euronews.com/2021/06/28/as-apostas-de-angola-para-relancar-o-turismo

[5] https://www.jornaldeangola.ao/ao/noticias/o-futuro-de-angola-repousa-no-turismo-e-nao-no-petroleo/