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As vantagens da desvalorização do Kwanza, o combate à inflação e o crescimento económico

O facto de a 20 de Agosto passado, no mercado informal, o Kwanza ter tido o seu valor mais baixo face ao Euro tem levantado muitos temores, aliado a previsões de desvalorizações cambiais de 50% até ao final do ano. Aliás, as previsões negativas sucedem-se. O presente estudo pretende desmistificar essa narrativa e explicitar o momento necessário que atravessa a economia angolana.

Na verdade, não há que ter temores, mas sim analisar as situações racionalmente, pois fazem parte duma mudança de modelo económico que é fundamental para Angola retornar ao crescimento económico.

O sistema de câmbio semirrígido que vigorou em Angola ao valorizar a moeda nacional artificialmente, contribuiu para a facilitação das importações e devastação da indústria nacional. A manutenção deste sistema só foi possível devido ao alto preço do petróleo, sendo certo que a partir do momento em que o preço do crude começou a baixar, tornou-se insustentável. Era imperativo liberalizar o câmbio e permitir que a produção nacional se relançasse baseada nas exportações. É este o motivo fundamental da liberalização do câmbio e da virtuosidade da desvalorização da moeda: relançar as exportações e promover a indústria nacional.

A presente desvalorização que ocorre não deve, por isso, suscitar ansiedade, mas ser explicada como um processo normal que tem em conta dois aspetos:

Em primeiro lugar, há que anotar que o mercado informal do Kwanza está a ser movido por fatores específicos diferentes do mercado formal. As oscilações da moeda angolana no mercado informal ligam-se aos efeitos das medidas tomadas a propósito da pandemia Covid-19, designadamente interrupção dos voos internacionais, encerramento de fronteiras e diminuição do pequeno comércio com a China, Turquia e Brasil.

Em segundo lugar, e mais importante, a desvalorização da moeda tem vantagens, e são exatamente essas vantagens que se procuram. Com a desvalorização, as exportações tornam-se mais baratas e mais competitivas para os compradores estrangeiros. Portanto, isso impulsiona a procura interna e pode levar à criação de empregos no sector exportador. O maior nível de exportação deve levar à melhoria do déficit da conta corrente. Isso é importante se o país tem um grande déficit de conta corrente devido à falta de competitividade. Exportações e procura agregada mais altas podem levar a taxas mais elevadas de crescimento económico.

Vê-se assim que através da desvalorização do Kwanza se está a procurar criar um círculo virtuoso que aumente as exportações, dinamize a economia interna, crie mais empregos e empresas, e no final acelere o crescimento económico baseado em exportações.

No fundo, a desvalorização vai trazer crescimento através das exportações. Grosso modo, foi aquilo que os chamados “tigres asiáticos” fizeram.

Os mesmos que acenam com os terrores da desvalorização, afirmam também que a inflação se vai acentuar. Isso não é assim. A partir do momento em que se adota um câmbio flexível, “liberta-se” o banco central da obrigação de manter a taxa de juro para garantir o valor da moeda. Pelo contrário, o banco central pode utilizar a taxa de juro para combater a inflação, bem como outras medidas de política monetária ligadas à circulação monetária. Isto quer dizer que o efeito da liberalização cambial é precisamente o oposto do que se afirma: não implica inflação, dá margem de manobra ao banco central para lutar contra a inflação.

Portanto, depois dos momentos de ajustamento difíceis que ocorrem neste momento em Angola, o que se espera com a presente política de câmbio flexível que deixa o Kwanza desvalorizar, permita que as exportações aumentem e a atividade interna comece a melhorar, ao mesmo tempo que o Banco Nacional de Angola reduz a inflação.

Convém perceber a teoria em que a presente política cambial angolana se estriba. Talvez a melhor explicação se encontre no trabalho do Prémio Nobel da Economia Milton Friedman.[1] As taxas de câmbio flutuantes, argumentava Friedman, ajudariam a isolar a economia doméstica de choques externos e dariam às autoridades de política nacional a capacidade de satisfazer as metas domésticas. Isto quer dizer que uma coisa passaria ser o valor de troca da moeda com o estrangeiro, outra a inflação interna. A partir do momento em que se liberaliza a taxa de câmbio, o banco central pode-se ocupar em criar regras monetárias internas para combater a inflação, deixando de haver uma ligação direta entre os dois fenómenos.

Naturalmente, que uma mudança da magnitude da que se pretende operar na economia angolana, habituada a estar acolchoada pelos valores do petróleo, não se faz sem sacrifício e alguma dor. É essa a fase presente da economia. O importante é perceber os fundamentos subjacentes às políticas económicas e perceber que se forem levados com profissionalismo e determinação augurarão um modelo mais próspero para a economia angolana.

Esta é uma fase de transição para uma economia melhor. Obviamente que obriga a adaptações internas. Um país habituado a importar tudo, tem de começar a produzir para si e para o mercado externo.

Este é o desafio que se coloca a Angola: voltar a ser um país produtor de bens e serviços, como já foi, além do petróleo. Portanto, não há que ter medo e perceber que depois da mudança económica a melhoria do nível de vida será assinalável.

A economia angolana está num momento de tentativa de modificação de um modelo oligárquico rentista e improdutivo, para uma economia moderna e competitiva. É um passo difícil, mas necessário.


[1] Friedman, M. (1953) “The Case for Flexible Exchange Rates.” In Essays in Positive Economics, 157–203. Chicago: University of Chicago Press.

Angola: Fundamentos do mercado cambial continuam sólidos

Informação adaptada e divulgada por CEDESA:

A. FACTOS

1. No dia 20 de agosto de 2020, a taxa do euro no mercado informal esteve em EUR|AOA 853,0, enquanto os bancos comerciais o comercializaram a EUR|AOA 700,2.

2. O diferencial entre o câmbio praticado ao nível do BNA e o câmbio praticado ao nível do Mercado Informal passou de 5,0%, no início de abril, para 23,0%, a 20 de agosto, o que comprova que a depreciação no mercado informal não tem origem no mercado formal.

3. Desde o final de 2018, reduziram-se significativamente os tempos de espera na compra de divisas, eliminaram-se os atrasados registados (backlogs) e adotou-se uma plataforma multilateral de compras e vendas (o BNA hoje responde apenas por 57% das aquisições de divisas dos bancos comerciais).

4. A 20 de agosto as Reservas Internacionais Brutas ascendiam aos USD 14,67 mil milhões, cobrindo onze (11) meses de importações, valor muito acima da média dos países africanos.

5. Com o ajustamento cambial registado entre 2019 e 2020, a taxa de câmbio formal já está muito próximo aos valores de equilíbrio de mercado. Com os níveis de Reservas Internacionais atuais, não faz sentido esperar por uma forte desvalorização da taxa de câmbio formal, nos próximos meses. Com a abertura das fronteiras internacionais, devemos esperar pela normalização da taxa de câmbio do mercado informal e do ritmo de evolução dos preços.

B. O QUE EXPLICA ENTÃO A EVOLUÇÃO RECENTE DO MERCADO INFORMAL?

6. Para responder a esta questão, devemos antes recordar que, o mercado informal de divisas é, essencialmente, um mercado de notas.

7. Desde o mês de março de 2020, com o advento da pandemia da covid-19, três fatores levaram ao registo de uma maior pressão sobre a taxa de câmbio no mercado informal:

• 1º FATOR: na sequência da suspensão dos voos internacionais, o BNA orientou os Bancos Comerciais a suspender a venda de divisas para Efeito de Viagem. Ora, se concordarmos que parte da procura de divisas que era adquirida para efeito de viagem, tinha como objetivo último verdadeiro a proteção contra o risco cambial, a decisão do BNA reorientou parte da procura antes dirigida à banca comercial, para o mercado informal, pressionando a respetiva taxa;

• 2º FATOR: Parte significativa da oferta de notas de dividas provém do comércio (legal e ilegal) feito com os países vizinhos. Com o encerramento das fronteiras, a oferta de notas reduziu subitamente, acelerando o ritmo de depreciação das divisas no mercado informal, sem afetar, no entanto, o funcionamento do mercado formal de divisas;

• 3º FATOR: os pequenos comerciantes que operavam com mercados como o da China, Turquia e Brasil estão com a sua atividade parada. À medida que as respetivas vendas de mercadorias ocorrem, não sendo possível adquirir divisas no mercado bancário para efeitos comerciais, canalizam-nas no mercado informal de divisas, ou na compra de bens duradouros como os automóveis.

C. DEVEMOS ESPERAR EFEITOS NEGATIVOS DA ENTRADA EM VIGOR DA NOVA TABELA DE IRT?

8. A nova tabela de IRT é mais justa do que anterior. Um maior número de indivíduos que auferem rendimentos baixos foram beneficiados, com a passagem do limite máximo de isenção dos 34 mil Kwanzas para os 70 mil Kwanzas.

9. Imagine um indivíduo com salário de 300 mil Kwanzas (IRT efetiva = 17%) e outro que aufere 5 milhões de Kwanzas (IRT efetivo = 24%). Na tabela anterior, os dois indivíduos pagariam a mesma taxa de IRT (17%), não obstante o facto do segundo ganhar 16 vezes mais do que o primeiro.

10. Referir, por fim, que o ajustamento da tabela de IRT deve ser vista de forma combinada com a redução do Imposto Industrial ocorrida para a maior parte dos sectores de atividade, para 25%, sendo que as empresas do sector agrícola terão incidência de apenas 10%. Em geral, uma leitura atenta da política tributária do Executivo, leva a concluir que se pretende obter maior contribuição dos indivíduos e empresas que têm maior capacidade contributiva, ao mesmo tempo que se criam condições para a expansão dos negócios e do emprego.

INFLAÇÃO E DESVALORIZAÇÃO DO KWANZA

Resumo:
A flexibilização do câmbio do Kwanza (que está a implicar a sua desvalorização) é condição fundamental para relançar o tecido produtivo angolano e torná-lo competitivo, depois deste ter sido devastado pela política de valorização artificial da moeda. Ao mesmo tempo, autonomiza a política anti-inflação que se torna um elemento doméstico e não importado do exterior. Neste sentido, deve haver cautela com parangonas e análises internacionais que apenas se focam em números negativos do valor do kwanza e da inflação; e estabelecem correlações não necessariamente existentes.

Algumas análises de prestigiadas consultoras económicas têm, ultimamente, emitido alguns relatórios sobre a economia angolana que apenas reproduzem números e projeções negativas, não tomando em consideração nem os modelos teóricos em que assentam algumas das principais decisões de política económica em Angola, nem a realidade concreta da sua economia.

Um dos casos mais intrigantes é a ligação permanente que se faz entre a subida da inflação e a desvalorização do Kwanza, apresentando os dois fenómenos como causa e efeito ou efeito e causa, bem como atribuindo sempre uma carga negativa à expressão “desvalorização[1]”.

O presente texto, não sendo uma previsão, que neste momento de Covid-19 parece despiciendo fazer, tenta abrir outras pistas alternativas para o significado e para a análise da inflação e desvalorização do kwanza, apontando outras justificações e caminhos.

É evidente que o regime cambial semirrígido ou controlado existente antes da adoção do câmbio flexível no último ano, foi um dos responsáveis pela devastação económica angolana. De facto, ao manter-se a moeda angolana num valor elevado face às condições de mercado e não correspondendo ao que seria o resultado da oferta e da procura, estimularam-se as importações fáceis, o consumismo desenfreado e deixou-se declinar a produção interna, uma vez que os preços internacionais foram tornados mais competitivos artificialmente. É a altura em que Luanda se torna a cidade mais cara do mundo[2], e sinais exteriores de riqueza nas elites angolanas abundavam. Tal situação não correspondia a qualquer produção ou desenvolvimento interno, mas ao gasto excessivo de divisas obtidas com os preços elevados do petróleo para manter o valor desadequado do kwanza. Esta era uma situação impossível.


Obviamente, que a recessão prolongada desde 2014, exigia que se terminasse com a valorização artificial do kwanza e se introduzisse um câmbio flexível. Ainda ocorreram alguns anos até tal acontecer, e obviamente, a liberalização do kwanza tem trazido vários problemas graves económicos e sociais a curto-prazo e até mesmo algumas tensões inflacionistas acrescidas.

No entanto, o modelo subjacente à adoção de câmbios flexíveis tem objetivos opostos que se refletirão após um primeiro momento de desconcertoeconómico. Desde o texto seminal de Milton Friedman em 1953[3], sobre as taxas de câmbio flexíveis que dois argumentos sustentam essa política: primeiro, os movimentos livres das taxas de câmbio são uma maneira eficiente de ajustar os preços relativos internacionais em resposta a choques macroeconómicos; segundo, com taxas de câmbio flexíveis, os formuladores de políticas são livres para escolher e seguir sua própria meta de inflação, em vez de depender da taxa de inflação do exterior. Este último aspeto é fundamental ser sublinhado. Milton Friedman enfatizou que as taxas de câmbio, ajudariam a isolar a economia doméstica de choques externos e dariam às autoridades políticas nacionais a capacidade de satisfazer objetivos domésticos. Taxas de câmbio flexíveis fornecem bastante isolamento à economia doméstica se as fontes do choque recessivo estiverem no exterior.


Quer isto dizer que havendo uma taxa de câmbio flexível é possível que o governo/ banco central prossiga uma política anti-inflacionista autónoma do valor externo da moeda.

Na verdade, a desvalorização do kwanza poderá significar que os preços dos bens internacionais  tornam-se excessivamente caros para Angola, e provocar que, ao contrário do que se passava anteriormente, seja mais barato produzir bens em Angola.

Ficando os bens nacionais mais competitivos e substituindo por concorrência, e não por imposição administrativa ineficiente, os bens similares estrangeiros, tal implica que a produção nacional renasça e possa até se constituir como exportadora.

E desde que simultaneamente, o banco central não emita moeda em excesso, outra preocupação da teoria de Milton Friedman, o que a desvalorização cambial acaba por fomentar é o aumento da produção nacional e a redução da inflação, neste último caso se forem seguidas as políticas internas adequadas.

Temos aqui dois efeitos da flexibilização do câmbio:

  • Desvalorizar ou ter uma moeda com valor fraco não é algo de negativo em termos económicos. Pode ser uma questão de afirmação política, mas não é económica. Duas potências económicas mundiais como o Japão e Itália, alcançaram sucesso no pós Segunda Guerra Mundial adotando uma moeda fraca;
  • A flexibilização permite a diferenciação da política cambial do combate à inflação. O combate à inflação passa a depender do acerto das políticas internas. Não há uma ligação necessária entre uma coisa e outra.

Isto não quer dizer que o caminho de transição de uma economia sustentada artificialmente por um kwanza de valor elevado suportado por preços de petróleo em alta para uma economia competitiva e produtiva seja fácil. Está a haver um momento de crise profunda, mais acentuado pela pandemia Covid-19, além de que há sempre um fator sorte a considerar. E sorte não tem havido para Angola, em termos económicos.

Contudo, a política de flexibilização cambial está certa e não há que ter medo da desvalorização. Esta está a tornar a economia mais competitiva face ao exterior e a obrigar à busca de soluções internas. O sucesso passa a depender mais das políticas do governo. É na definição coerente e consistente da política económica do governo que está agora o segredo.

É por isso que os números que estão a ser lançados sobre desvalorização e inflação assustam superficialmente, mas só terão impacto negativo se forem causadores da implementação de políticas erradas por parte do governo. Caso contrário, não têm, por si mesmo, qualquer relevo. É sabido que o Kwanza estava sobrevalorizado e que tal prejudicou imensamente a economia angolana. É sabido que o combate à inflação, com taxas flexíveis, não depende do exterior, mas das decisões certas do governo.

Há consciência que o momento presente é de crise profunda, mas começam a surgir alguns indicadores reais animadores. Um deles é que “Angola desembolsou, no primeiro trimestre do ano, 495 milhões de dólares (436,5 milhões de euros) na importação de bens alimentares, uma diminuição de 31% comparativamente aos 717 milhões de dólares (632,3 milhões de euros) do último trimestre de 2019.[4]


O governo angolano atribuiu esta evolução a uma melhor organização do mercado cambial e a um aumento da procura de produtos nacionais. Fonte oficial afirmou: “Estamos a verificar estes dois fatores, podemos dizer que estamos no caminho certo, há uma procura da produção nacional, há uma diminuição das importações”. Estes factos parecem confirmar a análise que fazemos. Obviamente, que no final tudo dependerá do acerto das políticas públicas internas.


[1] Usamos indistintamente a expressão desvalorização e depreciação, apesar da existência de correntes que defendem serem conceitos diferentes.

[2] https://www.me.mercer.com/newsroom/2015-cost-of-living-survey-rankings-Mercer-Middle-East.html

[3] Friedman, M. (1953) “The Case for Flexible Exchange Rates.” In Essays in Positive Economics, 157–203. Chicago: University of Chicago Press.

[4] https://www.sapo.pt/noticias/economia/angola-importou-menos-31-de-alimentos-no_5f0f32adb34d505496f5eddd