Artigos

Os novos parceiros estratégicos de Angola e a posição de Portugal

Os novos parceiros estratégicos de Angola: Espanha e Turquia

Duas recentes intensas trocas diplomáticas ao mais alto nível fazem despontar o surgimento de novas parcerias estratégicas para Angola. Já em anterior relatório alertámos para os realinhamentos da política externa angolana.[1] Ora, o que se verifica é que esse realinhamento continua, e a um ritmo intenso. O Presidente da República João Lourenço está claramente a imprimir uma nova dinâmica aos negócios estrangeiros de Angola, que não se vê que esteja a ser afetada por alguma agitação interna que se verifica no caminho para o processo eleitoral de 2022.

Os exemplos mais recentes da atividade diplomática do Presidente são a Espanha e a Turquia. O importante nas relações com estes países não é haver ou não uma visita ao mais alto nível, é haver uma intensidade de visitas de parte a parte e objetivos claros desenhados. Pode-se dizer que na perspetiva mútua, Espanha e Turquia estão a tornar-se parceiros estratégicos de Angola.

Comecemos por Espanha. Em abril último, o primeiro-ministro de Espanha, Pedro Sanchez, que pouco abandonou o país durante a pandemia Covid-19, visitou Angola. A visita foi encarada como marcando uma nova era na cooperação bilateral entre os dois países e originou a assinatura de quatro memorandos sobre Agricultura e Pescas, Transportes, Indústria e Comércio. Teve especial relevância o acordo referente ao desenvolvimento do agro-negócio, para futuramente montar uma indústria que transforme a matéria-prima em produto acabado, contando com a experiência dos empresários espanhóis. Como se sabe, a agropecuária é uma das áreas de aposta do governo angolano para o relançamento e diversificação da economia.[2] Portanto, este acordo dedica-se a um vetor fundamental da política económica angolana.

Mais recentemente, em finais de setembro de 2021, o Presidente da República de Angola visitou Espanha onde foi recebido pelo Rei e pelo primeiro-ministro. Nessa visita, João Lourenço afirmou claramente que estava em Espanha em busca duma “parceria estratégica” que ultrapassasse a esfera meramente económica e empresarial. [3] Por sua vez, as autoridades espanholas consideram Angola como “país prioritário[4]“.

Agora ver-se-á como estas intenções alargadas se concretizarão na prática, mas o certo é que ambos os países estão a apostar manifestamente num incremento das relações quer económicas, quer políticas e as suas declarações e objetivos parecem ter um rumo e um sentido.

O mesmo tipo de relação intensificada se está a estabelecer com a Turquia. Em julho passado, João Lourenço visitou a Turquia, onde foi extremamente bem-recebido. Aí desde logo ficou acordado que companhia aérea Turkish Airlines iria voar duas vezes por semana da Turquia para Luanda. Também foi anunciado que a Turquia abriu uma linha de crédito no seu Exxim Bank impulsionar a relação económica bilateral. Isto quer dizer que o sistema financeiro turco vai financiar os empresários turcos para investir em Angola. Já em outubro de 2021, o Presidente turco Erdogan visitou Angola. Essa visita foi rodeada de toda a pompa e circunstância e manifestou uma excelente relação entre os dois países. Tal como a Espanha a Turquia tem uma estratégia agressiva para África, onde pretende obter espaço para a sua economia e influência política. Os acordos assinados por Erdogan e João Lourenço foram sete, nomeadamente, um acordo de assistência mútua em matéria aduaneira; um acordo de cooperação no domínio da agricultura; um acordo de cooperação no domínio da indústria; uma declaração conjunta para o estabelecimento da comissão económica e comercial conjunta; um memorando de entendimento no domínio do turismo e um protocolo de cooperação entre a Rádio Nacional de Angola e a Corporação de Rádio e Televisão da Turquia[5].

A abordagem com a Turquia, tal como a de Espanha, tem como objetivo imediato e estruturante “que [os Turcos] tragam sobretudo know-how que nos permita diversificar e aumentar com rapidez e eficiência a nossa produção interna de bens e serviços”, usando as palavas de João Lourenço[6].

Nestas duas apostas de João Lourenço há uma determinação óbvia, ou melhor duas.

Em primeiro lugar buscar novas fontes de investimento que amparem a fundamental diversificação da economia angolana. Tal é de extremo relevo, e as economias turca e espanhola são devidamente diversas para puderem corresponder ao modelo pretendido por Angola.

O segundo aspeto da aposta refere-se à necessidade que Lourenço sente de descolar Angola de uma excessiva relação com a China e a Rússia, sem as hostilizar, mas procurando novos parceiros. O peso geopolítico da Guerra Fria e a sequente implementação do modelo chinês em África, com o qual Angola está identificado pesam muito nas avaliações das chancelarias e investidores. Assim, Angola procura novas aberturas e uma “descolagem” dessa marca anterior, até porque a Rússia não tem músculo financeiro para realizar grandes investimentos em Angola, e a China está no meio dum turbilhão económico. Como é público, a “economia chinesa cresceu 4,9% no terceiro trimestre deste ano, a mais baixa taxa num ano, reflectindo não apenas os problemas que está a enfrentar com o endividamento do sector imobiliário, mas também, e já, os efeitos da crise energética.”[7] Isto quer dizer que a China precisa e muito do petróleo angolano, mas não terá disponibilidades financeiras para avultados investimentos em Angola.

Na verdade, as relações entre a China e Angola e a necessidade de uma reavaliação da mesma, sobretudo ao nível do fornecimento de petróleo e da opacidade dos arranjos terá que ser um tema para um relatório autónomo que iremos produzir no futuro próximo.

A posição de Portugal. A desberlinização em curso

Estabelecida que está a relevância da intensificação das relações de Angola com Espanha e a Turquia, coloca-se uma questão óbvia: e Portugal?

Portugal tem tentado ser o parceiro por excelência de Angola, e para isso tem-se acomodado, no passado, aos vários ímpetos da governação angolana.

Atualmente, existem boas relações políticas entre Angola e Portugal. Ainda recentemente, João Lourenço afirmou o seguinte: “Tive a felicidade de durante este meu primeiro mandato termos sabido manter a um nível bastante alto as relações de amizade e cooperação entre os nossos dois países[8].” Acrescentando ainda que as “relações pessoais também ajudam. Portanto, nós soubemos construir ao longo dos anos essa mesma relação com o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa e com o primeiro-ministro António Costa.” Não existem dúvidas que estão estabelecidas relações favoráveis entre Angola e Portugal.  A isso ajuda também que Portugal conta com três laços que se fazem sentir todos os dias; os laços históricos, os laços culturais, sobretudo linguísticos, e os laços emotivos.

Contudo, e apesar do contentamento expresso pelo Presidente angolano naquilo que diz respeito às boas relações entre os dois países, há questões estruturais que lançam sombras no relacionamento e tornam a posição de Portugal menos relevante para Angola do que no passado, gerando alguma cautela da parte angolana em relação a demasiados envolvimentos com Portugal. Efetivamente, há um declínio da posição portuguesa em Angola, face a Espanha ou a Turquia, ou a Alemanha, França ou Reino Unido. Há uma desberlinização em curso da política externa angolana. João Lourenço verá Portugal como aliado na CPLP, mas não como porta de entrada ou plataforma para a Europa. Aí quer relacionar-se diretamente a cada um dos países europeus em concreto. A velha ideia que perpassava nalgumas chancelarias europeias que os assuntos angolanos eram específicos de Portugal e deviam ser tratados a partir, ou pelo menos, com o concurso de Lisboa (que chamamos berlinização), terminou. Cada um dos países europeus lida agora com Angola sem a intermediação portuguesa e vice-versa.

Este facto resulta essencialmente de três fatores. Um de natureza económica, e dois de natureza política.

Em primeiro lugar, Angola procura nesta sua incursão pelo mundo países com potencialidade e capital para investir. Está à procura de capital para desenvolver a sua economia. Ora Portugal, saltando de crise em crise e tendo uma manifesta falta de capital para o seu desenvolvimento, muito menos terá meios para deslocar para Angola. E no famoso Plano de Recuperação e Resiliência português não se encontra nada específico para investimento em África ou Angola em concreto. Consequentemente, não havendo provisões destacadas para Angola no Plano português, bem se percebe que o país africano terá de ir procurar massivos investimentos noutras paragens.

No entanto, acreditamos que este não é a principal causa para o declínio relativo da posição portuguesa nas prioridades da política externa angolana. Existem outras duas razões, aliás interligadas.

Neste sentido, existe um fator que tem causado a inquietação da atual liderança angolana face a Portugal. Este fator reside no facto de no passado próximo, Portugal ter constituído aquilo a que o Financial Times de 19 de outubro[9] qualifica como o local onde a elite rica (e corrupta) de Angola colecionou troféus em ativos, uma espécie de recreio dos filhos do Presidente José Eduardo dos Santos e de outros membros da oligarquia. Ora, a governação angolana, aparentemente, olha com alguma desconfiança para Portugal devido a isso, sobretudo, considerando a intervenção que bancos, advogados, consultores e toda uma panóplia de prestadores de serviços portugueses tiveram no branqueamento e ocultação de ativos adquiridos com dinheiro ilicitamente saído de Angola. Há o perigo de todas estas entidades estarem a desenvolver esforços para prejudicar o famoso combate contra a corrupção encetado por João Lourenço.

O que se verificou durante os anos de crescimento feérico de Angola, entre 2004 e 2014, sensivelmente, é que Portugal funcionou como íman para as poupanças e rendimentos dos angolanos. As elites dirigentes angolanas em vez de investir o dinheiro no seu país foram investi-lo, ou meramente parqueá-lo em Portugal, com consequências desastrosas para Angola, que se viu sem o capital necessário para tornar sustentável o seu crescimento. O raciocínio que se poderá atribuir ao governo angolano é que Portugal deixou que o dinheiro angolano obtido ilicitamente fosse branqueado no seu sistema económico e financeiro com tal profundidade que agora é de recuperação muito difícil. Ana Gomes, sensatamente, sempre alertou sobre isto. Na verdade, se repararmos em relação a ativos recuperados por Angola com grande significado ainda não houve notícia pública que algum deles proviesse de Portugal. Houve os 500 milhões de dólares que vieram de Inglaterra, mas em Portugal, a EFACEC foi nacionalizada pelo governo português- e bem do ponto de vista do interesse nacional de Lisboa- mas percebeu-se que Angola não receberia nada daí, como também não se vê um caminho claro de recebimento de outras situações.

A este fenómeno adiciona-se um segundo que se nota presentemente. Lisboa está a servir como plataforma para a articulação mais ou menos dissimulada de fortes ataques da oposição ao governo angolano. Seja através de consultoras, imprensa ou escritórios de advogados. Neste caso, ao contrário eventualmente, do caso dos investimentos e possíveis branqueamentos, essas atividades decorrerão de acordo com a lei e as proteções adequadas dos direitos fundamentais. No entanto, criará um mal-estar na liderança angolana, que possivelmente verá uma ligação entre os dois fenómenos, isto é, entre o facto de Portugal ter sido um safe heaven para ativos angolanos obtidos ilicitamente, no passado, e agora se tornar um local de encontro e conspiração da oposição, sobretudo, à chamada luta contra a corrupção. Percebe-se que muitos dos movimentos ocorrem em Portugal e as suas elites continuam a ajudar aqueles que foram apelidados por João Lourenço como “marimbondos”, seja em termos judiciais, seja na procura de novos locais para esconderem o seu dinheiro.

Em termos concretos, o episódio da nacionalização EFACEC aliado à recente decisão judicial de “descongelar” as contas de Tchizé dos Santos em Portugal, e à generalização de uma corrente anti João Lourenço em largos espaços da comunicação social portuguesa, embora constituam decisões ou atitudes que se justificam em termos políticos, legais ou éticos em Portugal, são eventos que fazem reforçar alguma desconfiança angolana face à atitude portuguesa, que podem ver a antiga potência colonial numa espécie de jogo de sombras.

Estas situações que se têm alargado nos últimos meses, estão a provocar algum desconforto em Angola, que poderão considerar Portugal como uma espécie de porto seguro para atividades que prejudicam o país. Paulatinamente, as conspirações oriundas de território português abundam, como as reuniões, encontros e demais eventos

São precisamente os motivos acima referidos que nos levam a identificar alguma tentativa de distanciamento político do governo de Angola face a Portugal. Não há respostas fáceis a estas equações, embora a sua enunciação tenha de ser feita para reflexão de todos os intervenientes.


[1] CEDESA, 2021, https://www.cedesa.pt/2021/05/18/os-realinhamentos-da-politica-externa-de-angola/

[2] Ver nosso Relatório CEDESA, 2020, https://www.cedesa.pt/2020/06/15/plano-agro-pecuario-de-angola-diversificar-para-o-novo-petroleo-de-angola/

[3] Deutsche Welle, 2021, https://www.dw.com/pt-002/jo%C3%A3o-louren%C3%A7o-em-espanha-em-busca-de-parceria-estrat%C3%A9gica/a-59344760

[4] Idem nota 3.

[5] Presidência da República de Angola, 2021, https://www.facebook.com/PresidedaRepublica

[6] Idem, nota 5.

[7] Helena Garrido, 2021, https://observador.pt/opiniao/o-choque-energetico-e-o-orcamento-em-duodecimos/

[8] Observador, 2021, https://observador.pt/2021/10/22/pr-de-angola-ve-relacoes-de-amizade-e-cooperacao-com-portugal-em-nivel-bastante-alto/

[9] Financial Times, 2021, https://www.ft.com/content/4652e15a-f7ba-4d21-9788-41db251c5a76

Os realinhamentos da política externa de Angola

1-Introdução. O reposicionamento geopolítico de Angola

No momento, em que terminamos este relatório, o Presidente da República de Angola encontra-se em Paris com o Presidente da República Francesa. Este encontro representa um dos pontos do realinhamento em curso da política externa de Angola. Basta lembrar que nos últimos tempos de José Eduardo dos Santos, os franceses estavam de “castigo” devido ao seu papel no Angolagate.

Angola não é um país indiferente. Tem desempenhado um papel geopoliticamente relevante ao longo da sua curta, mas intensa história após a independência. Primeiramente, foi um dos palcos violentos da Guerra Fria, onde americanos e soviéticos se digladiaram com a virulência que não podiam adotar noutras localizações geográficas. Angola acabou por ser um bastião soviético de grande nomeada, onde estes na realidade ganharam quando em confronto com os Estados Unidos. Depois da fase soviética, Angola foi mais uma vez inovadora e tornou-se o primeiro país africano a receber a nova China que se abria ao mundo e procurou em África um continente para a sua expansão e teste das suas ideias. Angola tornou-se um parceiro por excelência da China.

            Obviamente, sendo uma simplificação, do ponto de vista das grandes tendências a posição geopolítica de Angola começou por estar alinhada com a União Soviética e após a queda desta, com a China. Não se tratando dum país rabidamente antiocidental, muito longe disso, até porque Angola tem uma profunda influência da cultura europeia, o país ancorou-se em outras paragens ao longo do tempo.

Por várias razões, neste momento, Angola ensaia uma diferente aproximação geopolítica que tende a desvalorizar o papel quer da Rússia, quer da China, e a encontrar novas referências e diálogos políticos. Este texto debruçar-se-á sobre essa desvalorização, os novos vetores que influenciam o reposicionamento angolano, os países que agora desempenharão um papel mais relevante nas preocupações externas de Angola, além de uma curta nota sobre Portugal. Não se abordará a influência de Angola na África Austral e o seu papel de estabilização nos Congos.

2-O declínio da relação angolana com a Rússia e a China

O declínio da relação soviética (agora russa) com Angola é fácil de descrever. A aposta da União Soviética em Angola fazia parte de uma estratégia de longo-prazo de envolvimento do Atlântico Norte através dos países do Sul. A incursão em África que foi acelerada pela “perda” da influência no Médio-Oriente nos anos 1970s derivada do corte promovido por Sadat do Egipto e pelo aproveitamento oportuno de Kissinger. De repente, a União Soviética viu-se sem um dos suportes principais que tinha no Médio Oriente e de onde esperava condicionar os americanos. O certo é que essa situação levou a um aprofundamento de várias alternativas entre as quais mais tarde se destacou Angola. Naturalmente, que a queda do Muro de Berlim em 1989 e o final da Guerra Fria, com a consequente desagregação da União Soviética levaram a que o interesse russo em África esmorecesse consideravelmente. A Rússia que emergiu após o colapso de Gorbachev já não estava interessada em qualquer competição mundial com os Estados Unidos, mas na sua sobrevivência e transformação. Rapidamente perdeu o interesse em Angola.

            É certo que atualmente, Putin recuperou alguma da dinâmica imperial e procura alguma influência em África, mas ainda é de curto alcance e tem-se traduzido no envio de mercenários do grupo Wagner, que têm tido pouca eficácia, designadamente em Moçambique. Em Angola, não se nota uma atuação relevante da Rússia, sobretudo como parceiro essencial e determinante. Existem obviamente contactos e relações. Fala-se muito na influência russa em Isabel dos Santos, que será cidadã desse país, mas o certo é que não são visíveis investimentos ou laços russos com Luanda com manifesto relevo. Em 2019, foram anunciados investimentos russos em Angola de 9 mil milhões de euros, mas não se conhece sequência de tal. A isto acresce que a dívida pública externa de Angola à Rússia é zero de acordo com os dados do Banco Nacional de Angola (BNA), tendo sido liquidada na sua totalidade até 2019.

            Mais difícil é concluir pelo declínio da relação com a China. Na verdade, o investimento chinês em Angola tem vindo a crescer, pelo menos até 2020, e a dívida pública externa angolana face à China representava em 2020, 22 mil milhões de dólares, o equivalente a mais de 40% do total. A implantação chinesa em Angola é grande, bastando referir em termos sociológicos a relevância da Cidade da China.

            No entanto, há indícios que a preferência chinesa está a diminuir, ou pelo menos, a ser mitigada. O primeiro indício refere-se às negociações de um novo empréstimo que levou João Lourenço à China no início do seu mandato. As primeiras informações para a imprensa davam conta de montantes avultados a serem disponibilizados pela China, na ordem dos 11 mil milhões de dólares. A realidade é que houve variadas procrastinações nesse empréstimo, que acabou aparentemente para envolver uma quantia reduzida de 2 mil milhões de dólares que terá servido para fazer pagamentos de dívida angolana a empresas chinesas.

O certo é que se analisarmos a evolução da dívida pública externa angolana à China verificaremos que um houve um salto assinalável entre 2015 e 2016, de cerca de 11,7 mil milhões de dólares para 21,6 mil milhões de dólares, que a dívida atingiu o pico em 2017, 23 mil milhões de dólares e que desde aí tem vindo a diminuir com uma cadência significativa. Afigura-se que a China não se quer envolver mais com Angola, preferindo ir gerindo o atual envolvimento.

            Se da parte da China se poderá vislumbrar alguma recalcitrância na relação com Angola, da parte angolana também existem obstáculos. O primeiro deles é a natureza da dívida angolana à China. Muitos alegam que uma boa parte desta dívida é o que se chama “dívida odiosa”, isto é, serviu para beneficiar interesses privados corruptos e não o desenvolvimento do país. Existe a impressão que a opacidade com que se fazem os negócios com a China permitiu a criação de situações de corrupção demasiado evidentes e prejudiciais ao país. Assim, a dívida da China é, em parte, vista como dívida da corrupção. A isto acresce que surgiram problemas de qualidade nalgumas construções chinesas em Angola financiadas por dívida chinesa. Não está claro se essa falta de qualidade se deve a qualquer negligência chinesa ou a comportamentos censuráveis por parte de responsáveis angolanos, mas o certo é que a imagem persiste.

            Isto quer dizer que sendo ainda a China um parceiro fundamental de Angola, está-se, neste momento, numa espécie de fase de reavaliação. Forçosamente há que resolver o problema da dívida do passado ligada à corrupção, do modo de agir contratual demasiado opaco por parte da China e também as questões ligadas à qualidade. É uma tarefa exigente, mas necessária para reativar o interesse comum chinês e angolano.

            Se a relação com a Rússia não tem a relevância do passado e com a China está numa fase de reavaliação e recondicionamento, é evidente que Angola, sobretudo, atendendo às mudanças porque passa, terá que buscar novos parceiros ativamente.

3-Os novos vetores de atuação angolana: objetivos e países

A relação angolana com a Rússia e a China coincidiu com a necessidade de afirmar uma soberania própria e independente de interferências externas, e também da obtenção de fundos para a guerra e reconstrução pós-guerra. A atual política externa de João Lourenço coloca-se num patamar ligeiramente diferenciado, em que é importante congregar o apoio externo para as duas grandes reformas que estão a ser levadas a cabo internamente: a reforma económica e a luta contra a corrupção. Ambas as reformas necessitam de colaboração externa, sem o qual podem não sobreviver.

            A reforma económica assenta no chamado consenso de Washington proposto pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), embora os intelectuais e burocratas internacionais tenham já abandonado esta designação e a recusem. Ainda assim, implica a adoção de políticas de alargamento dos impostos e restrição da despesa com a respetiva consolidação fiscal. Naturalmente que este tipo de políticas é recessivo, aumenta, no curto-prazo, a crise económica em Angola. A grande forma de ultrapassar este efeito é obter investimento externo e muito. Aliás, diz a teoria seguida, que havendo estas reformas disciplinadoras do FMI, os investidores estrangeiros passam a confiar nos governos que as seguem e sentem-se seguros para investir. Em resumo, o investimento estrangeiro é o contrapeso necessário às reformas do FMI e a chave do sucesso destas. Consequentemente, não admira que um dos principais vetores da política externa angolana seja a aproximação a países com capacidade de investimento reprodutor assinalável e com provas dadas.

            Naquilo que diz respeito à luta contra a corrupção, o panorama que se apresenta é que, de uma maneira geral, são os países com potencialidades para investir em Angola, aqueles em que é necessária a colaboração judicial para recuperação de ativos ou traço de movimentos financeiros ilegais. As oligarquias angolanas que desviaram fundos públicos remeteram-nos para os países mais avançados ou com maior potencial financeiro.

Portanto, há um grupo de países que atualmente interessa de sobremaneira a Angola: são aqueles com capacidade de investimento eficiente e com um sistema financeiro por onde passaram muitos dos movimentos ilícitos de fundos angolanos, bem como onde se sedearam ativos comprados, possivelmente, com esses fundos. Neste momento, nem a China, nem a Rússia são países de onde se espere mais investimento, nem foram os locais escolhidos, aparentemente, para parquear bens ou ativos ilícitos. Ou se foram não há qualquer conhecimento do que lá se passa e está acolhido.

            É neste contexto que tem assumido relevância uma série de países. Um primeiro grupo são os países da Europa Ocidental que se têm destacado em visitas e anúncios de investimentos em Angola. No início deste mês de Abril de 2021, o primeiro-ministro de Espanha, Pedro Sanchez, fez uma visita a Angola. Esta visita foi acompanhada de grande empenho espanhol, afirmando Angola como um dos parceiros preferenciais de Espanha em África, e esta como uma grande aposta espanhola. Anunciou-se que Angola era a “proa” duma empreitada de Madrid a que chamou “Foco África 2023.” No ano passado, tinha sido a vez da Chanceler alemã Angela Merkel visitar Angola no âmbito de um Fórum Económico Angola-Alemanha e mais alargadamente de um Plano Marshall alemão para África. Também, o Presidente Macron anunciou uma visita a Angola, que tem sido adiada devido à Covid-19. Por sua vez o Presidente italiano já havia visitado Angola em 2019. Em relação ao Reino Unido não tem havido visitas deste nível tão elevado, mas começa a notar-se algum interesse por Angola devido às imposições do Brexit, que exigem novos mercados para o Reino Unido, embora haja um enorme desconhecimento.

            Às visitas têm sucedido variadas promessas de investimento da Europa Ocidental. A empresa italiana de petróleos (ENI) prevê investir sete mil milhões de dólares (5,9 mil milhões de euros), nos próximos quatro anos, na pesquisa, produção, refinação e energia solar, anunciou no início de abril de 2021. Antes empresários britânicos afirmaram pretender investir em Angola cerca de 20 mil milhões de dólares. Também a Alemanha e a França têm vários projetos em curso.

            Este eixo da Europa Ocidental tornou-se fundamental na política externa angolana, pois estes países necessitam de novos mercados e investimentos, para saírem da excessiva dependência da China, e no caso britânico, também para procurar alternativas pós-Brexit, e sendo mercado maduros, têm de ir ao encontro de onde está a juventude e o futuro, e isso está em África.

Conseguindo João Lourenço passar a imagem que rege um governo competente e com regras macroeconómicas estáveis e viradas para o mercado livre, os investidores espanhóis, franceses, britânicos, italianos ou alemães sentir-se-ão seguros para investir. Ao mesmo tempo, nestes países residem muitas das fortunas saídas de Angola, portanto, haverá oportunidade de criar mecanismos para a sua recuperação ou redirecção.

            Note-se que ao contrário do que se poderia pensar, esta Ocidentalização da política externa de Lourenço não passa por Portugal, mas indica uma abordagem direta entre os países europeus e Angola e vice-versa.

            A este eixo Europeu Ocidental há que adicionar outro, o eixo do Golfo. Os países do Golfo, em que se destacam os Emirados Árabes Unidos e a Arábia Saudita. Estes países, previamente dependentes do petróleo, entraram numa política de diversificação. O Dubai já há alguns anos e com tremendo sucesso. A Arábia Saudita ainda dá os primeiros passos, com a chamada Visão 2030, mas o certo é que querem investir fora do seu âmbito tradicional e encontrar novos mercados. Na verdade, o Dubai já tem vários investimentos em Luanda e uma sua empresa tomou agora conta do Porto de Luanda e na Arábia Saudita, Luanda abriu agora uma Embaixada, o que revela bem o interesse no reino. Por outro lado, como se sabe, o Dubai é um centro financeiro internacional de grande nomeada e por onde passou variada movimentação financeira angolana, bem como foi utilizado nos esquemas de fuga ao fisco no comércio de diamantes. Alegadamente, ao contrário do que tem sido a sua prática, o Dubai estará a colaborar com os pedidos de auxílio judiciário angolanos, representando um exemplo típico do novo eixo geopolítico que estamos a descrever, países com potencial de investimento e de colaboração judicial na luta contra corrupção.

            Sumariamente, concluímos que uma nova aproximação geopolítica angolana se centra nos países da Europa Ocidental e do Golfo Pérsico. Mas não se fica por aqui.

4-O potencial da Índia

            A quantidade de comércio entre a África Subsaariana e a Índia tem crescido de forma consistente, e hoje a Índia é um parceiro comercial fundamental de África. Relativamente a Angola, o país é hoje o terceiro exportador na África subsaariana mais importante para a Índia, quando em 2005 não tinha relevância. Em 2017, o Embaixador da Índia emitiu um comunicado no qual destacou: “O comércio entre Angola e a Índia aumentou 100% para US $ 4,5 biliões em 2017, (…) No final de julho, à margem da 10ª cimeira dos BRICS, em Joanesburgo, o presidente de Angola, João Lourenço, reuniu-se com o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, e os dois reafirmaram a necessidade de aumentar o comércio e a cooperação em áreas como energia, agricultura, alimentos e processamento farmacêutico.”. Há medida que a Índia vai crescendo e se tornando um ator muito importante a nível mundial, é normal que Angola olhe para este país com uma nova visão. Trata-se de um mercado milionário para onde uma imensidão das exportações angolanas pode chegar.

5-Estados Unidos da América. The ultimate prize

            A relação entre Angola e os Estados Unidos tem sido ambígua. Na verdade, mesmo nos tempos em que a administração norte-americana apoiava Jonas Savimbi e a UNITA, havia um relacionamento com Luanda ligado ao petróleo e à proteção das multinacionais americanas a operar em território dominado pelo governo do MPLA.

            Atualmente, os Estados Unidos representam tudo o que Angola deseja, o país do dólar com uma capacidade de investimento e inovação financeira invejável, com uma estrutura jurídica universalizante que permite lançar mão de múltiplos instrumentos legais por todo o mundo para perseguir as fortunas da corrupção. É também dos Estados Unidos que Angola necessita que sejam levantados os vários “sinais vermelhos” que foram sendo erguidos nos tempos de José Eduardo dos Santos e tornaram a vida financeira angolana muito mais difícil. Os Estados Unidos são o país chave para esta nova fase angolana de investimento externo e combate à corrupção, porque daqui pode vir os estímulos definitivos de avanço.

            De certa forma, João Lourenço teve azar em se deparar com Trump, quando necessitava dos EUA. É conhecido que Trump não tinha qualquer interesse em África, que apenas serviu para a sua mulher realizar uma viagem em trajes estilo colonial.  Pior teria sido impossível. Mas a indiferença americana não tem de ser um obstáculo a um maior empenho angolano nas relações com a superpotência. No início dos anos 1970, Anwar Sadat do Egipto também decidiu que se queria aproximar dos Estados Unidos. Estes ocupados com mil e uma crises, entre as quais se destacava o Vietname não deram qualquer atenção a Sadat, que não deixou de seguir a sua linha, expulsando os conselheiros soviéticos e iniciando uma aproximação aos norte-americanos.

Comparações e evoluções históricas à parte-Sadat acabou assassinado por ter assinado um acordo da paz com Israel sobre os auspícios americanos- o que parece mais lógico para Angola nesta fase é acentuar uma aproximação aos Estados Unidos, mesmo que estes não estejam atentos. E não estarão, pois entre a Covid- 19, a China e a Rússia, e múltiplas pequenas crises internas têm muito com que se ocupar. No entanto, o apoio efetivo e real dos EUA à nova política angolana é fundamental para que o país saia do marasmo e deixe de ter os condicionalismos financeiros externos, portanto, uma vigorosa aproximação à administração norte-americana seria aconselhável por parte de Angola, apesar da desconfiança mútua que existe.

6-Portugal é diferente

            A propósito da visita de Pedro Sanchez, primeiro-ministro espanhol, a Angola surgiu algumas críticas ao governo português, acusando-o de inação e de estar a ser ultrapassado por Espanha. Isto é um disparate. Nem Portugal pode pensar ter o monopólio das relações com Angola, nem sequer há qualquer perigo nas relações luso-angolanas. Portugal é sempre um caso à parte, a sua influência vem menos do governo e mais do soft power, da ligação umbilical que se mantém entre os povos de ambos os países. Luanda continua a parar quando o Sporting ganha o campeonato ou o Benfica tem um jogo muito importante, o destino preferido da maior parte dos angolanos é Portugal, as relações pessoais fáceis estabelecem-se entre portugueses e angolanos. Os empresários portugueses olham sempre para Angola como uma possibilidade de expansão dos seus negócios. As relações entre Angola e Portugal têm subjacente um entrosamento entre os povos antes da intervenção dos governos.

            A nível oficial o governo português é geralmente acolhedor em relação a Angola. Em 2005 acolheu os desejos de investimento angolano, atualmente, acedeu aos pedidos de cooperação judicial de Angola relativamente a Isabel dos Santos, como antes acabou por enviar o processo de Manuel Vicente para Angola após grande pressão de Luanda. Digamos que há uma porosidade manifesta da posição portuguesa, adaptando-se com facilidade às posições e necessidades de Luanda. Esta posição aliada ao interesse das elites angolanas em Portugal, tem acabado por consolidar uma boa relação entre os dois países, apesar de um ou outro solavanco. É evidente que após o 25 de Abril de 1974, Portugal desinteressou-se de África, fazendo como sua prioridade número um a adesão à Europa e o tornar-se um país moderno ocidental. Este projeto está um pouco enrodilhado desde 2000, mas não levou Portugal ainda a uma revisão do seu foco europeu, apenas o obrigou a um olhar mais prolongado para África, depois de décadas de desinteresse. Talvez exista um momento em que Portugal queira centrar a sua política externa nos países lusófonos, mas esta não é a altura, como não é para Angola, que quer abraçar outras fonias, como a anglófona e francófona, portanto, o melhor que os governos podem fazer é facilitar o máximo a vida aos seus povos que desejem trabalhar em comum e apoiar mutuamente as solicitações de cada uma das partes, mas pouco mais.

Conclusão

O sumário da nova posição geopolítica angolana é que Angola aposta nos vetores ligados ao investimento externo e combate contra a corrupção, assumindo relevância na política externa parcerias com a Europa Ocidental, Espanha, França, Itália, Alemanha, Reino Unido, com o Golfo Pérsico, Emirados e Dubai, e com a Índia. Ao mesmo tempo, antecipa-se um reforço das relações com os Estados Unidos. Portugal terá sempre um lugar à parte.


Bibliografia utilizada

-Banco Nacional de Angola-Estatísticas- www.bna.ao

-Douglas Wheeler e René Pélissier, História de Angola, 2011

-Ian Taylor, India’s rise in Africa, International Affairs, 2012

-José Milhazes, Angola – O Princípio do Fim da União Soviética, 2009

-Robert Cooper, The Ambassadors: Thinking about Diplomacy from Machiavelli to Modern Times, 2021

-Rui Verde, Angola at the Crossroads. Between Kleptocracy and Development, 2021

-Saudi Vision 2030- https://www.vision2030.gov.sa/en

-Tom Burgis, The Looting Machine. Warlords, Tycoons, Smugglers and the Systematic Theft of Africa’s Wealth, 2015.

-Factos públicos e informativos retirados da Lusa, DW, Jornal de Negócios, Jornal de Angola, Angonotícias e Novo Jornal.

A nova atractividade para o investimento internacional em Angola

Enquadramento

Durante muitos anos, a maior parte dos investimentos internacionais em Angola esbarrava com dois obstáculos praticamente inultrapassáveis, que desencorajavam a aceleração inversora.

Esses dois obstáculos eram a necessidade de se contar com parceiros angolanos para qualquer actividade económica importante em Angola e as dificuldades de repatriar os lucros dos investimentos. Na prática isto queria dizer que o investidor estrangeiro se arriscava a ver a sua parte num negócio em Angola tomada pelo parceiro angolano e/ou não conseguir recuperar o dinheiro que tinha investido, bem como os lucros. Era um quadro desanimador, que só permitia a grandes empresas mundiais com alavancagem suficiente fazer investimentos ou incentivavam acordos obscuros entre angolanos e estrangeiros, que normalmente decorriam à margem da lei.

É evidente que a recuperação da economia angolana terá de assentar em boa parte no investimento reprodutivo estrangeiro. Todavia, para que o investimento estrangeiro em Angola se torne uma realidade, são necessárias medidas de reforço da protecção dos direitos de propriedade e de flexibilização dos movimentos financeiros.

Um esforço nesse sentido está a ser feito pelo presente Governo, o que deve ser reconhecido e incentivado.

Novo quadro para o investimento privado em Angola

Temos defendido que o modelo económico angolano desenhado a partir de 2002, assente na exploração petrolífera e no estímulo extravagante do consumo, não resultou. Os modelos de sucesso geralmente baseiam-se no investimento (público e privado) e nas exportações. É para esta via que deve propender a economia angolana. No entanto, os números mais recentes não têm sido animadores. Os indicadores do investimento directo estrangeiro são desoladores, como se pode ver na tabela abaixo reproduzida.

Figura n.º 1- Investimento directo estrangeiro em Angola. Milhões USD

Face a este cenário de quebra abrupta do investimento que se inicia a partir de 2015, mas acentua-se em 2017, o novo Governo angolano, que tomou posse no final desse ano, tomou várias medidas para estimular o investimento, e sobretudo, remover os obstáculos mencionados: fraca protecção dos direitos de propriedade, obrigatoriedade de parceiro local e dificuldade na transferência de lucros.

As medidas tomadas são de carácter político, legal e administrativo.

  • Do ponto de vista político, o Presidente anunciou uma política efectiva de combate à corrupção e incremento do Estado de Direito e com isso tenta promover a confiança no cumprimento da Constituição e da Lei, como não havia no passado.
  • Em termos legislativos, tem importância fundamental a NOVA LEI DO INVESTIMENTO PRIVADO (Lei n.º 10/18, de 26 de Junho) que deixou de exigir a obrigatoriedade de parcerias com cidadãos angolanos ou empresas de capital angolano. Portanto, já não há o perigo antecedente em que o sócio angolano, a dada altura, ficava com tudo para ele. Ademais, a NOVA LEI DO INVESTIMENTO PRIVADO no seu artigo 14.º garante que o Estado respeita e protege o direito de propriedade dos investidores privados; o artigo 15.º estabelece que o Estado Angolano garante a todos os investidores privados o acesso aos tribunais angolanos para a defesa dos seus interesses, sendo-lhes assegurado o devido processo legal, protecção e segurança.
  • Na mesma senda, a NOVA LEI DO INVESTIMENTO PRIVADO assegura o direito de repatriamento dos dividendos e montantes conexos sem ponderação de critérios objectivos ou limitações temporais. E como vantagem adicional já não está prevista uma taxa suplementar de Imposto sobre a Aplicação de Capitais sobre os dividendos e lucros.
  • Em termos administrativos, há que anotar que em 2018, todas as solicitações para a transferência de dividendos acima dos cinco milhões de dólares (4,3 milhões de euros) foram concedidas a empresas estrangeiras que operam no país.
  • E, mais importante, desde 2020, passaram a estar dispensadas de licenciamento do banco central angolano a importação de capital de investidores estrangeiros que queiram investir no país em empresas ou projectos no sector privado, bem como a exportação dos rendimentos associados a esses investimentos.

Há um esforço visível do governo para criar condições mais atractivas para o investimento estrangeiro, esse esforço reflecte-se na tentativa de criação de um clima social e político mais propício, na nova legislação sobre o investimento privado e numa maior liberalização dos movimentos financeiros. Os perigos de absorção pelo parceiro local ou de impossibilidade de transferir lucros começam a estar minimizados.

Figura n.º 2- Novo quadro de atractividade do Investimento Privado em Angola

Anúncios de novos investimentos estrangeiros. 1.º trimestre de 2020

O secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo, confirmou em Fevereiro de 2020 que várias empresas norte-americanas estão dispostas a investir mais de US $ 2 mil milhões em Angola

A Associação de Desenvolvimento Económico África-Coreia (AKEDA) contribuirá com US $ 2 mil milhões para financiar a construção de uma central termo-eléctrica na província de Benguela, anunciou em Luanda o secretário-geral da instituição, também em Fevereiro de 2020. Siwoo Chung informou que o valor faz parte de uma quantia global de US $ 5 mil milhões que a associação planeia investir em diversos projectos em parceria com o Estado angolano.

A chanceler alemã, numa visita a Angola, também ofereceu amplo apoio no desenvolvimento das infraestruturas do país, em valores não quantificados.

A empresa Webcor, sediada na Suíça, está a expandir a empresa de moagem Grandes Moagens de Angola e planeia investir 250 milhões de dólares, em cinco anos. Entre os investimentos está uma nova fábrica, no porto de Luanda, que transforma 1200 toneladas de trigo em farinha e farelo diariamente. O administrador regional em Angola para o Grupo Webcor, diz que a empresa beneficiou de uma obtenção de vistos mais ágil para investidores e trabalhadores, custos mais baixos e regras mais fáceis para o investimento.

Medidas adicionais necessárias

Verifica-se que existe um foco claro do Governo angolano em criar um quadro mais atractivo para o investimento estrangeiro e que já há alguns sinais positivos. No entanto, não é suficiente e tornam-se exigíveis medidas adicionais, muitas das quais de carácter pragmático.

  • A primeira medida é de comunicação/informação. Há que transmitir à comunidade internacional de negócios, de forma sistemática e assertiva, o novo quadro para o investimento em Angola, sobretudo, as mudanças positivas que este sofreu desde 2018. Este é um ponto fundamental, pois existe um enorme desconhecimento do que se está a passar.
  • Em segundo lugar, há que aperfeiçoar a legislação, nomeadamente, a referente aos direitos de propriedade e a lei das terras, procurando dotar o país de normas claras e efectivas que permitam saber o que pertence a cada um e evitar as constantes disputas sobre propriedade. É necessário também modificar o artigo 19.º da NOVA LEI DO INVESTIMENTO PRIVADO quando estabelece que a transferência de dividendos e lucros para o exterior só pode ser efectuada depois de comprovada a execução completa do projecto de investimento privado pelas autoridades competentes. Deveria passar a bastar uma declaração da entidade privada que cumpriu esses deveres, que será fiscalizada posteriormente. Há o perigo do engano, mas a vantagem da simplificação da transferência, caso contrário existe efectivamente um travão.
  • Finalmente, iniciativas na área da desburocratização e desmaterialização são importantes, bem como a abolição definitiva dos licenciamentos por parte do banco central para transferências referentes ao investimento.

Figura n.º 3- Medidas Adicionais para acelerar o investimento externo

A oportunidade das Privatizações em Angola. Análise 2020

Introdução

O programa de privatizações correntemente em curso em Angola tem um alcance nunca antes delineado no país e merece atenção redobrada da comunidade de negócios internacional.

Legislação

A fundamentação normativa do programa de privatizações angolano encontra-se na Lei de Bases das Privatizações (Lei n.º 10/19, de 14 de Maio) e no ProPriv (Decreto Presidencial n.º 250/19 de 5 de Agosto). Também tem relevo a Lei do Investimento Privado ((Lei n.º 10/18, de 26 de Junho).

Tabela 1-Normas legais básicas das Privatizações

Lei de Bases das Privatizações Lei n.º 10/19, 14 de Maio
ProPriv Decreto Presidencial n.º 250/19, 5 de Agosto
Lei do Investimento Privado Lei n.º 10/18, 26 de Junho

Termos de referência

Nos termos do ProPriv serão privatizadas 195 entidades públicas durante 4 anos de programa (2019-2022). Essas entidades foram agrupadas em quatro sectores: Empresas de Referência Nacional, Empresas Participadas e activos da Sonangol, Unidades industriais da Zona Económica Especial (ZEE) e Outras Empresas e Activos a Privatizar. Os sectores da actividade a que se referem as privatizações são diversos: recursos minerais e petróleos, telecomunicações e tecnologias da informação, finanças, transportes, economia e planeamento, hotelaria e turismo, indústrias, agricultura, pescas.

Na lista de empresas a privatizar temos as mais importantes do país como a Sonangol (petróleos), a Endiama (diamantes), Unitel (telecomunicações), TAAG (aviação), Banco Económico (ex-Besa, banco), ENSA (companhia de seguros), CUCA (cervejas), e também outro género de entidades mais modestas como o Centro Infantil 1 de Junho, a Fazenda Pungo-Andongo ou a INDUPLAS (indústria de sacos plásticos). É, portanto, um programa vasto e abrangente.

Tabela 2-Elementos fundamentais das Privatizações

Concretização

Até ao momento, o programa de privatizações concentrou-se em pequenas indústrias e entidades. Em 2019, Angola obteve 16 milhões de dólares com a privatização de cinco fábricas, que tinham custado aproximadamente 30 milhões de dólares. Para 2020, foi anunciada a 2.ª fase de privatizações que engloba 13 unidades fabris localizadas na Zona Económica Luanda/Bengo. As fábricas operam na área das embalagens metálicas, betão, carpintaria, sacos plásticos, tintas e vernizes, torres metálicas, tubos em PVC, telhas metálicas, acessórios em PVC, vedações, absorventes e sacos para cimento.

Também, avançada vai a privatização de vários empreendimentos agro-pecuários, bem como alguns activos pertencentes à Sonangol.

Vantagens e oportunidades

Este vasto programa de privatizações afigura-se extremamente atractivo para o investidor estrangeiro devido a vários motivos, nomeadamente:

  • Garantia de Qualidade IFC/Banco Mundial. O programa de privatização está a ser feito com o enquadramento da IFC-International Finance Corporation, entidade pertencente ao Banco Mundial que presta serviços de investimento, consultoria e administração de activos para incentivar o desempenho do sector privado em países menos desenvolvidos. A IFC garante a projecção global do projecto e o selo de garantia do Banco Mundial nos procedimentos seguidos, além de ser um parceiro experiente e conhecedor das regras globais. Deste modo, o processo de privatização angolano surge com uma certificação de qualidade apreciável que poderá tranquilizar os investidores estrangeiros.
  • Reforço institucional e da protecção da propriedade em curso. O presente governo está empenhado na solidificação das instituições, na transparência de processos e na protecção adequada dos direitos de propriedade através da promoção do Estado de Direito. Este não é um processo imediato que permita afastar rapidamente os riscos associados à perda de investimentos em Angola, sobretudo para parceiros locais. Contudo, é uma tendência já em movimento e num sentido de progresso. Neste âmbito é importante realçar a aprovação da nova Lei de Investimento Privado (Lei n.º 10/18, de 26 de Junho) que expressamente confere garantias legais a investidores referentes aos seus direitos, propriedade e também garantias jurisdicionais (artigos 14.º, 15.º e 16.º da referida Lei). Além do mais a mesma norma deixa cair a exigência de parceiro local para qualquer investimento estrangeiro, que como se sabe era a fonte dos maiores abusos e fraudes em relação ao investidor não-nacional. E também o investimento deixou de ser precedido de autorização, bastando o mero registo.
  • Reforma económica de sentido liberalizante. O executivo liderado por João Lourenço, com o apoio dos técnicos do Fundo Monetário Internacional, está a desenvolver um programa económico de liberalização da economia assente no aumento da competição entre empresas e na redução das barreiras à entrada nos mercados. Tal torna-se acentuado na ligação ao combate à corrupção que tem como consequência imediata, em termos económicos, a quebra dos monopólios e oligopólios existentes no país e que limitavam a competição, além de imporem preços mais elevados e terem práticas abusivas do ponto de vista fiscal. Consequentemente, além do reforço jurídico, a componente económica parece mais preparada para uma economia de mercado funcional.
  • Empresas apetecíveis. Para privatizar estão empresas com grande atracção mundial como a Sonangol, a Endiama ou a Unitel. São o que se pode chamar as Blue Chips de Angola que oferecerão um potencial de crescimento muito grande ao investidor uma vez submetidas a uma disciplina de gestão rigorosa, investimento racionalizado e optimização das suas valências. Num momento, em que a economia africana por força de demografia e das complementaridades com a Ásia que actuam como determinantes, tem um potencial de crescimento aumentado, torna-se uma boa aposta investir em empresas de porte ligadas aos recursos naturais e às comunicações em Angola.
  • Pequenas e médias empresas com nichos de mercado atraentes. O interessante do programa é que o universo de empresas a privatizar é vasto e diverso. Nesse âmbito surgem várias pequenas e médias empresas que podem ser base para pequenos investidores que queiram explorar nichos de mercado em Angola ou África Austral a partir de uma plataforma tendente a ser business friendly e em desenvolvimento infra-estrutural. Em África, o potencial das pequenas e médias empresas é muito grande. Alguns inquéritos levados a cabo em províncias específicas da África do Sul, de forma encorajadora, concluem que 94% das pequenas empresas pesquisadas são lucrativas, enquanto, 75% dos proprietários de pequenas empresas acreditam que ganham mais dinheiro administrando os seus próprios negócios do que em qualquer outra alternativa. As áreas abrangidas por estas empresas são muito diversas: viagens, turismo e hotelaria; agro-pecuária; cervejeiras; etc.
  • Os problemas das empresas não são estruturais. As empresas a privatizar sofrem, essencialmente, dois tipos de problemas: gestão incompetente e falta de capital. Qualquer novo investidor que aporte uma gestão profissional e dinheiro fresco para a empresa, poderá explorar as suas potencialidades com sucesso. Os mercados ainda estão por desenvolver e longe de serem maduros, consequentemente, há um caminho muito amplo e estimulante para empresas com capital e gestão profissional.
  • Alta taxa de retorno do investimento. Atendendo às necessidades ainda emergentes do mercado angolano e às possibilidades que a integração na SADC (Comunidade de Desenvolvimento da África Austral) vem trazer, as perspectivas de obtenção de altas taxas de lucro são elevadas. Na verdade, conta-se com mão-de-obra com custos reduzidos, desde que se aposte no desenvolvimento da formação local e com uma extensão de mercado muito grande. Estes dois factores auguram crescimento e retorno do capital estimulante.

Tabela 3 – Motivos de atracção das Privatizações em Angola

•          Garantia de Qualidade IFC/Banco Mundial
•          Reforço institucional e da protecção da propriedade em curso
•          Reforma económica de sentido liberalizante
•          Empresas apetecíveis
•          Pequenas e médias empresas com nichos de mercado atraentes
•          Os problemas das empresas não são estruturais
•          Alta taxa de retorno do investimento

Problemas a resolver

Os problemas que se vislumbram são de três tipos: burocrático-administrativos e avaliação da situação real das empresas. Falta também clareza de propósitos em relação às grandes empresas e bancos.

Sobre a questão burocrática-administrativa há que salientar a multitude das entidades coordenadoras. O Presidente da República surge como o líder e coordenador estratégico, mas depois temos o Ministro de Estado da Coordenação Económica como coordenador geral do programa, a Secretaria de Estado das Finanças e Tesouro no âmbito do Ministério das Finanças como coordenador operacional, cada Ministério de Tutela Sectorial terá funções de partilha de informação e dados das empresas que actuam no sector. O Instituto de Gestão dos Activos e Participações do Estado (IGAPE) como gestor e executor do programa, além de outras instituições com papéis específicos. Talvez por isso, todos os cronogramas têm sido ultrapassados. Até meados de Fevereiro de 2020 estava previsto serem privatizados cerca de 50 empresas. O número como se viu anteriormente é muito mais reduzido. Na verdade, o programa de privatizações não atingiu uma fase de dinâmica entusiasmante, o chamado momentum.

Czar das Privatizações”

É fundamental conferir às privatizações uma dinâmica acelerada. Para tal a melhor solução é nomear aquilo que se pode chamar um “Czar das Privatizações”. Alguém da confiança do Presidente da República que debaixo apenas do seu comando dirija as privatizações com poderes legais para se instruir qualquer ministro ou órgão e se sobrepôr decidindo concentrando as competências e poderes para as privatizações.

Problemas técnicos

Os restantes tipos de problemas são de carácter mais técnico. Em relação a muitas empresas não se tem uma noção exacta dos seus valores ou das eventuais perdas escondidas que existam. Por exemplo, em relação à banca o processo tem encontrado várias situações em que são detectadas imparidades desconhecidas que exigem recapitalização ou níveis de incumprimento de alguns indicadores de equilíbrio financeiro, designadamente excessiva concentração de aplicações em imóveis de baixa rentabilidade.

Não está feito um trabalho de auditoria interna às empresas a privatizar. Tal implica, obviamente, que os investidores corram riscos. A resposta que não se pode dar é que se terá de realizar uma auditoria interna exaustiva a cada uma das 195 empresas. Isso será impossível e obrigaria a um atraso infindável das privatizações.

Assim, haverá que prever eventuais mecanismos de compensação estatal caso se encontrem imparidades a partir de certo nível, imputando a responsabilidade abaixo desse nível aos compradores. Simultaneamente, em casos duvidosos, o Estado terá de vender com um desconto acentuado.  E confiar que uma gestão privada adequada permitirá solucionar a maior parte dos casos.

Na verdade, o ponto essencial do programa de privatizações, mais do que obter receitas para o Estado, é criar uma gestão profissional assente em investimento que contribua para a estruturação de mercados florescentes, pelo que se justifica vender com desconto ou suportar eventuais imparidades não detectadas previamente. É um risco que o Estado deve aceitar para obter o tão almejado objectivo de criar uma economia de mercado livre competitiva.

Finalmente, em relação às grandes empresas deve ser definido e divulgado publicamente o programa total de privatização com referência aos montantes percentuais a ser oferecido ao mercado, as datas e demais condicionantes qualificativas. Ainda há muito desconhecimento nos mercados nacionais e internacionais sobre o modo de privatização destas empresas.

RECOMENDAÇÕES AOS INVESTIDORES:
Para grandes investidores, as Blue Chips angolanas que vão ser submetidas à privatização têm vastas potencialidades de crescimento e racionalização de custos e organização, pelo que podem aportar taxas de retorno de investimento bastante elevadas;
Para pequenos e médios empresários existe uma panóplia de empresas que podem servir de plataforma de lançamento de negócios de porte moderado;
Em geral, atendendo ao clima social shumpeteriano positivo que está a ser criado, há uma forte recomendação de participação e compra no processo de privatizações em Angola.

RECOMENDAÇÕES AO ESTADO ANGOLANO:
Para obviar a atrasos e alguma confusão administrativa e de decisão, deve ser instituído um “Czar das Privatizações” dirigido directamente pelo Presidente da República e com poderes legais delegados que lhe permita executar as privatizações;
Devem existir mecanismos de compensação da falta de auditoria interna das companhias;
Devem ser clarificados os mecanismos de repatriamento de capital para investidores;
É necessária a clarificação com datas, percentagens e condições específicas das privatizações a ocorrer nas grandes companhias de referência (Blue Chips).