Análise crítica de um Estudo sobre o impacto socio-económico das medidas do Governo angolano para combater a Covid19
1-Introdução
Um consórcio de investigação científica formado pelo Instituto Superior Politécnico Sol Nascente do Huambo (www.ispsn.org) e pela OVILONGWA CONSULTING-Sondagens e Estudo de Opinião em parceria com a TV ZIMBO apresentou um trabalho intitulado ESTUDO DE AVALIAÇÃO DOS IMPACTOS SOCIOECONÓMICOS DAS MEDIDAS DO EXECUTIVO ANGOLANO PARA O COMBATE À COVID19.
Este estudo foi levado a cabo por uma equipa liderada pelos investigadores David Boio do CISN – Centro de Investigação Sol Nascente do Huambo, Carlos Pacatolo e Martinho MBangula da OVILONGWA CONSULTING – Sondagens e Estudos de Opinião Pública[1].
Na verdade, trata-se de uma sondagem seguida de uma curta análise. A sondagem foi realizada a “07, 08 e 09 de Abril de 2020. Foram inquiridos 2291 indivíduos com 18 ou mais anos de idade e residentes em Angola e validados 2271 inquéritos. Para selecção dos inquiridos usou-se a “amostra por conveniência” ou “bola de neve”. Por isso, a amostra não é representativa do conjunto da sociedade angolana.[2]” (bold nosso).
Do universo inquirido destaca-se que 63,5 % frequenta ou frequentou o ensino superior[3] e 60% têm entre 18 e 35 anos de idade.
2-Resultados apresentados
É importante assinalar os principais resultados obtidos pela sondagem:
- 61,3% dos inquiridos declararam que acompanham com muita atenção as informações sobre a doença e apenas cerca 10% declarou acompanhar as informações sobre a doença com pouca atenção;
- 34% dos inquiridos afirmaram ter a percepção de que os seus concidadãos estão a encarar os riscos da doença de forma pouco séria;
- A televisão é o meio de comunicação preferido pelos respondentes e cerca de 70% confiam mais nas notícias veiculadas pela televisão sobre a covid19, seguindo-se a rádio e os familiares, ambos com 55%.
- As redes sociais constituem a fonte de informação sobre a covid19 que os inqueridos menos confiam. 34,6% dos inqueridos afirmaram não ter nenhuma confiança;
- 71% confia ou confia muito no Presidente da República para gerir a crise;
- 74,8% na ministra da Saúde;
- 52,61% no ministro do Interior;
- 53% dos inquiridos não possuem condições de subsistência para continuar em isolamento social;
- Na eventualidade de o período de Estado de Emergência se prolongar por mais um mês, mais de 63,1% dos inquiridos de Luanda afirmou que terá de reduzir o nível de consumo para poder continuar a subsistir;
- As recomendações para evitar lugares de grande aglomeração parecem ter sido acatadas pela maioria dos inquiridos.
- 40,8% dos respondentes ao inquérito afirmaram que, habitualmente, realizam as suas compras no mercado informal;
- Maioria a favor do Estado de Emergência.
3-A análise realizada pelo Estudo
Na apreciação efectuada pelos autores do estudo, ressaltam alguns aspectos. Um facto importante sublinhado é a importância do mercado informal: é fundamental assegurar a sobrevivência das famílias que têm no mercado informal a principal fonte de rendimentos, bem como a sobrevivência das famílias que têm no mercado informal a sua principal fonte de abastecimento alimentar. E assim sendo, “a eficácia das medidas de isolamento social nos mercados informais deve obrigar a mais reflexão e cautela dos decisores públicos”, destacam os autores[4].
Igualmente, com relevo estão as conclusões e recomendações realizadas. Os autores do Estudo consideram que o Governo deve prestar especial atenção aos desempregados, ao sector informal e famílias desfavorecidas, necessitando estas áreas de medidas adicionais de apoio durante o Estado de Emergência, bem como atentar melhor às medidas de redução do tempo de funcionamento dos mercados informais e venda ambulante. Também sugerem uma melhoria da comunicação para os perigos da Covid19.
4-Apreciação crítica do Estudo e visões alternativas
Obviamente que estudos deste tipo são positivos e devem ser acarinhados e promovidos. Contudo, este Estudo em concreto, como os próprios autores reconhecem, não representa, nem pode representar a realidade angolana.
E nessa medida, o Estudo acaba por ser enganador, e pode levar à tomada de medidas erradas e a conclusões desadequadas da realidade.
O Estudo tem como larga maioria dos inquiridos pessoas que frequentam ou já terminaram o Ensino Superior. É óbvio que se trata de uma pequena elite privilegiada em Angola, não representando o grosso da população. É demasiado fantasioso retirar daqui conclusões a não ser aquelas referentes ao que pensam os licenciados angolanos. Não se pode extrapolar para a população qualquer análise ou conclusão.
O quadro que resulta do Estudo é de uma população que apoia o Estado de Emergência, tem confiança no Presidente da República, na ministra da Saúde e no ministro do Interior, utiliza mercados informais, informa-se pela televisão, não confia nas redes sociais e, simultaneamente acha que os outros não levam a doença muito a sério. Também reconhecem que não têm capacidade para aguentar muito tempo em termos económicos o Estado de Emergência.
Este quadro, mesmo apenas considerando o grupo sondado, é ambivalente e permite algumas pistas, enquanto suscita dúvidas e contradições.
As pistas dadas são duas: a doença não é levada muito a sério; um Estado de Emergência efectivo criaria problemas económicos para as famílias, sendo que os mercados informais não podem ser combatidos.
Temos aqui dois temas de fundo para análise.
A Covid 19 em Angola
O primeiro tema é o facto de a doença não ser levada a sério, segundo a sondagem. Apesar da comunicação intensa que está a ser feita, o certo é que as consequências da Covid 19 em Angola, de momento, a não ser para os atingidos, são despiciendas.
Haverá 19 infectados detectados, que foram “importados” e 2 mortos, isto num país de 30 milhões de habitantes, situado numa zona epidémica de malária e de outras doenças.
Quer isto dizer que não há qualquer epidemia registada da Covid 19 em Angola.
Pode vir a haver, pode existir uma deficiência estatística e de controlo, ou pode acontecer que o vírus, como alguns alegam, tenha dificuldade em se disseminar em zonas quentes e húmidas do planeta[5].
Por isso, não descurando a atenção à boa gestão da saúde pública há que não cair em exageros, que acabem por perturbar mais do que resolver.
Estado de Emergência, Economia e Mercados Informais. Necessidade de balanço adequado
A fragilidade da economia angolana, especialmente, das famílias e empresas que suportam uma crise desde 2014 é extremamente sensível, pelo que ao contrário de economias robustas como a dos Estados Unidos ou da Alemanha que podem suportar (embora por pouco tempo) um “encerramento do país”, a economia angola não pode “encerrar”, sem entrar em tremendas dificuldades, pelo que tem de existir um delicado balanço entre um aspecto (Estado de Emergência) e outro (sobrevivência das famílias), e deve ser explorada a possibilidade do perdão da dívida internacional.
Dentro da mesma lógica subscrevemos a preocupação contida no texto sobre os mercados informais no sentido de aligeirar as restrições sobre os mercados informais.
Os enganos do Estudo
Se o Estudo nos permite desenvolver as pistas acima referidas, a verdade é que pode induzir em vários erros de avaliação.
Um primeiro erro de avaliação é o aparente consenso e efeitos positivos do Estado de Emergência. Ao reportar-se apenas a uma população instruída com possível influência portuguesa ou europeia, o Estudo apresenta um cenário de aquiescência ao Estado de Emergência que está longe de se verificar. A realidade em Angola é que o Estado de Emergência tem sido cumprido de forma deficiente e não pode ser imposto na sua efectividade. Se o Estado persistir em o impor enfrentará certamente variada desobediência civil e problemas de agitação social grande. E no fim de contas a população descobrirá que o Estado não tem força para impor as suas regras, podendo criar mais problemas do que resolver. Portanto, é necessário perceber que o Estado de Emergência pode constituir uma demonstração de incapacidade do poder e levar as pessoas a deixar de ter respeito pelas autoridades.
Um segundo erro de avaliação é sobre a popularidade e confiança nas autoridades. Não tendo razões para duvidar que 71,5% da população tenha confiança no Presidente da República para gerir a crise trazida pela Covid 19, não se pode extrapolar o mesmo número para a gestão da economia, onde actualmente se centram as maiores dificuldades, e sobretudo, não é crível aceitar que 52% confia no ministro do Interior relativamente às medidas da Covid 19. É bem sabido que pequenos episódios relativos a este ministro, como o da filha no aeroporto, os dos rebuçados e chocolates, bem ou mal-contados, tornaram o ministro bastante impopular e uma espécie de “saco de pancada” da opinião pública, portanto, não é crível que 52% confiem nele.
Um terceiro erro de avaliação possível surge relativamente à confiança demonstrada nas redes sociais. Cerca de 34% afirma não confiar. Podem afirmar isso, mas a verdade é que quem tem acesso às redes, está lá, permanece lá e vai interiorizando o que lá se escreve. Começa a estar demonstrado o verdadeiro impacto das redes sociais, e não é por se afirmar que não se confia, que não se frequenta e em última análise não se termina por acreditar ou ser influenciado[6].
*
Em
resumo, este Estudo é muito interessante, mas pode induzir em vários erros de avaliação,
pelo que deve ser tomado como um elemento de trabalho, mas nunca um retrato do
pensamento e sentir da população angolana.
[1] BOIO, D., PACATOLO, C., MBANGULA, K, ESTUDO DE AVALIAÇÃO DOS IMPACTOS SOCIO-ECONÓMICOS DAS MEDIDAS DO EXECUTIVO ANGOLANO PARA O COMBATE À COVID19: Relatório Final, (Luanda: 2020).
[2] BOIO et al. cit, p. 4.
[3] Idem, p.6.
[4] Ibidem, p. 16.
[5] WANG, JINGYUAN AND TANG, KE AND FENG, KAI AND LV, WEIFENG, HIGH TEMPERATURE AND HIGH HUMIDITY REDUCE THE TRANSMISSION OF COVID-19 (March 9, 2020). Available at SSRN: https://ssrn.com/abstract=3551767 or http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.3551767
[6] CHRISTAKIS, NICHOLAS, The Hidden Influence of Social Networks, https://www.ted.com/talks/nicholas_christakis_the_hidden_influence_of_social_networks/transcript