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Angola: o desafio americano e a reação chinesa

A nova política externa de Angola com João Lourenço (2017)

José Eduardo dos Santos (JES), após o final da Guerra Civil (2002), apostou numa política externa de “baixo perfil” para Angola. À parte da intensificação da relação com a China, que teve, essencialmente, objetivos económicos, e intervenções musculadas em países fronteiriços africanos, geralmente, quando a segurança interna angolana poderia estar em causa, o antigo Presidente da República não desenvolveu uma política ativa no mundo, preferindo que este esquecesse a existência de Angola.

A não-política externa de JES teve duas consequências fundamentais. Tirou Angola do xadrez de preocupações das grandes potências, deixando o país de ser olhado com cobiça no grande palco mundial, e ao fazer isso, permitiu que a “captura de Estado” por interesses privados assumisse contornos impensáveis[1]. Angola tornou-se uma espécie de propriedade privada de alguns, perante a indiferença generalizada do mundo e o contentamento dos aproveitadores sofisticados.

João Lourenço efetivamente mudou a bússola da política externa angolana, promovendo aquilo que chamaremos uma política soberanista de geometria variável a partir de 2017.  Quer isto dizer, que Lourenço quis colocar Angola no radar no mundo e o país assumiu-se como potência regional, com um papel a desempenhar na estabilização pacífica da África Central e Austral; também aberto ao investimento e com empenho nos assuntos globais[2].

Tal perspetiva lourencista implicou uma forte aproximação aos Estados Unidos, aos países árabes do Golfo, mas igualmente, a manutenção de relações com a China e a Rússia, além de que as realidades económicas impõem agora um laço mais forte com a Índia.

Se da parte de Angola, a nova diplomacia ativa presidencial é bem percetível e clara, a grande dúvida coloca-se na reação dos restantes países, designadamente, das grandes potências, como os Estados Unidos, com um historial ambíguo em relação a Angola, bem como da China, habituada a ter um papel determinante em Angola.

Estados Unidos e o Corredor do Lobito

Dá ideia que numa primeira fase, os Estados Unidos não perceberam os movimentos de João Lourenço. Estava-se no final da Administração Trump, que não tinha qualquer interesse em África, ainda havia, embora em degradação, uma ideia de cooperação entre a América e a China, e a Rússia não tinha invadido a Ucrânia. África e Angola, em particular, não interessavam aos americanos, exceto às tradicionais petrolíferas.

No entanto, tudo mudou no início da década de 20. A situação geo-estratégica mundial colocou África, de novo, como campo de conflito de interesses, quer na obtenção de matérias-primas (área em que a China estava avançadíssima, e em que os EUA passaram a ter interesse, para garantir a sua autonomia estratégica), quer na contagem de apoios para a Guerra da Ucrânia e suas sequelas. Nesse sentido, com um novo embaixador dos EUA em Angola, Tulinabo S. Mushingi, e a persistente aproximação de Luanda a Washington, os americanos perceberam que tinham um possível novo e poderoso aliado em Angola.

Daí que Angola aparentaria tornar-se um dos mais fortes aliados dos Estados Unidos em África. Símbolos disso foram a viagem de João Lourenço a Washington para um encontro na Casa Branca com o Presidente Joe Biden (Dezembro de 2023)[3], e as constantes visitas de autoridades americanas a Luanda (Antony Blinken, cinco senadores americanos, Samantha Power, Lloyd Austin, entre outros).

Muitos projetos foram anunciados, destacando-se o famoso Corredor do Lobito, que se tornou a bandeira desta cooperação intensa Angola-EUA.

Não entrando agora numa aprofundada descrição deste projeto, o essencial a reter é que se trata duma via de comunicação ferroviária que liga o interior africano, englobando a República Democrática do Congo, Zâmbia e a própria Angola ao porto do Lobito. Ainda recentemente, foi divulgada a Parceria para Infraestrutura e Investimento Global (PGII) sobre a mobilização até a presente data de 4.9 mil milhões de dólares, apresentada como um passo significativo dos Estados Unidos da América, da União Europeia e dos parceiros privados para reforçar o compromisso com o desenvolvimento sustentável e a integração regional, beneficiando Angola, Zâmbia e a República Democrática do Congo[4]. E na recente cimeira do G-7, em Puglia, Itália, os líderes das economias mais avançadas do Ocidente reafirmaram o apoio a projetos de infraestruturas de vários milhares de milhões de dólares em toda a África, a fim de concretizar o potencial económico e a transformação do continente, especificando o Corredor do Lobito como máxima prioridade[5].

Muitos observadores têm assegurado que se trata duma resposta a um domínio mineiro chinês de África[6]. Dificilmente, será assim, uma vez que uma boa parte dos minérios que se pretende transportar pelo Corredor estão em minas debaixo do controlo chinês. Embora, segundo o Wilson Center, a China controle atualmente apenas cerca de 8 por cento do sector mineiro de África, menos de metade dos seus concorrentes ocidentais, o certo é que tal representa ainda assim um aumento em relação aos 6,7 por cento em 2018. E naquilo que diz respeito aos potenciais beneficiários do Corredor do Lobito, o que preocupa os EUA é o monopólio da China sobre a mineração na cintura de cobre de África (República Democrática do Congo e Zâmbia) e os seus recentes investimentos substanciais na produção de lítio no Zimbabué, que detém as maiores reservas de lítio de África. Estes investimentos permitem à China ditar a cadeia de abastecimento global de baterias renováveis ​​e veículos eléctricos (EV). Na RDC, o país com as maiores reservas mundiais de cobalto e cobre de alta qualidade, a China possui actualmente 72% das minas de cobalto e cobre, incluindo a mina Tenge Fungurume, que sozinha produz cerca de 12% da produção mundial de cobalto. As operações mineiras da China nestes três países conferem a Pequim uma liderança significativa na produção de semicondutores e baterias e, portanto, no domínio das tecnologias de segurança climática. Isto deixa o resto do mundo cada vez mais dependente da inovação e da indústria chinesa para impulsionar as transições energéticas globais e enfrentar as alterações climáticas. Além disso, na RDC, a China possui pelo menos 7 entidades de processamento de cobalto, mas envia principalmente minerais brutos de volta à China para processamento e fabrico, a fim de satisfazer a procura global de minerais críticos e produtos acabados[7].

Naturalmente, estes dados sobre a influência da China da mineração na RDC e Zâmbia, permitem perceber que o Corredor do Lobito nunca será uma alternativa americana ao domínio chinês dos minérios centro-africanos. Na verdade, para ter sucesso comercial, os transportes americanos precisarão do concurso dos mineiros chineses.

Fontes bem colocadas informam-nos que o objetivo é menos o transporte de minérios e mais a criação duma área de desenvolvimento agroindustrial paralela ao corredor, cujos produtos serão escoados pelo mesmo. É neste objetivo, que entra a opção americana pelo Grupo Carrinho. Na recente cimeira do G7, já mencionada, foi anunciado um relevante financiamento ao Grupo Carrinho, considerada empresa angolana líder no setor agroindustrial, para desenvolver o Corredor do Lobito. Aparentemente, o Grupo Carrinho, uma espécie de empresa “querida” dos americanos, tem como função transformar Angola em um hub alimentar regional, com investimentos destinados à construção e aquisição de infraestrutura para armazenamento de produtos alimentares[8]. Torna-se assim, este Grupo Carrinho, uma peça chave da estratégia americana para África.

Mesmo assim, contudo, há que notar que mesmo na estrutura atual do Corredor, há uma empresa chinesa relevante, a Mota-Engil, que embora tenha um nome português, tem como acionista de referência o Estado Chinês. A verdade é que a China Communications Construction Co., Ltd. detém 32,41% do capital social, e o próprio CEO da Mota-Engil, Carlos Mota Santos, já admitiu que a CCCC é detida pelo Estado da República Popular da China[9].

Portanto, no final do dia, o Corredor do Lobito nunca será um projeto norte-americano para contrapor à China, mas seguramente, para ter sucesso, terá de ser um projeto cooperativo sino-americano. Se isso é ou não possível, veremos no futuro.

A atitude chinesa

Durante anos, enquanto, assegurava o seu crescimento económico exponencial, a China adotou uma diplomacia internacional suave e discreta, não confrontando, mas modelando, seguindo os preceitos de Deng Xiao Ping, que preferia uma aproximação internacional conhecida como “taoguang yanghui” que sublinhava a a necessidade de evitar polémicas e o uso de retórica cooperativa. É notório que com Xi Jiping a China entrou numa nova fase, mais assertiva no plano internacional que se denomina do “lobo guerreiro “que não evita o confronto que permita à China ocupar o lugar que reconhece como seu no palco dos assuntos mundiais.

Neste contexto, de assertividade, ao contrário de que seria esperado no passado, a China reagiu à aproximação americana a Angola, rapidamente, sobretudo, reocupando de forma expedita espaços que os americanos ou os aliados Ocidentais não souberam ocupar ou em que foram desleixados.

Do ponto de vista político, a reação chinesa foi visível na mais recente viagem de João Lourenço a Pequim (Março 2024). Embora as afirmações oficiais tenham sido de grande amizade e sucesso, as autoridades chinesas, fizeram saber em determinados círculos razoavelmente públicos o seu desencanto com João Lourenço, contradizendo a narrativa oficial dessa viagem. Foi um jogo discreto, impercetível para muitos, mas que existiu, demonstrando a vontade chinesa de não “entregar os pontos” em Angola.

E a realidade, é que a vontade política chinesa, posteriormente, tem vindo a afirmar-se no terreno de eleição chinês: a economia.

Três anúncios recentes afirmam o renovado vigor chinês em Angola.

Em primeiro lugar, um grupo chinês vai construir a primeira autoestrada de Angola, com cerca de 1.400 quilómetros, a ligar o sul ao norte do país. Será a empresa estatal chinesa China Road and Bridge Corporation (CRBC) que construirá uma autoestrada com cerca de 1.400 quilómetros, que ligará a parte sul de Angola com a vizinha Namíbia, até à parte norte de Angola, com a República Democrática do Congo. Prevê-se o início da construção efetiva da obra no final de 2025 ou em 2026[10].

Este projeto mostra a China a voltar aos projetos infraestruturantes de grande envergadura em Angola, algo que se julgaria ter terminado. Contudo, não é o caso.

Em segundo lugar, temos a manifestação da intenção por parte do governo angolano em rescindir o contrato com a empresa que venceu o concurso de construção da refinaria do Soyo, que tem tido dificuldades para obter financiamento. Trata-se dum consórcio liderado pela Quanten que ganhou, em 2021, um concurso público internacional para a construção da refinaria do Soyo, constituído por quatro empresas, sendo três norte-americanas (a líder do consórcio Quanten LLC, a TGT INC e a Aurum & Sharp LLC) e uma angolana (ATIS Nebest)[11].

Neste caso, temos um falhanço americano em garantir financiamentos, que leva à cessação dum contrato, abrindo as portas para a entrada da China, pois, recorde-se a que China já havia estado com a construção da refinaria do Soyo, nos tempos de José Eduardo dos Santos, e uma empresa chinesa tinha ficado em segundo lugar no concurso internacional que proporcionou a adjudicação à Quanten[12]. Agora, a porta fica aberta para os chineses que ficaram em segundo lugar, o consórcio CMEC de que faz parte a chinesa China Machinery Engineering Corp,[13] ou outros interessados liderados pela China, avançarem para o Soyo.

É evidente que aqui somos confrontados com um problema americano típico dos nossos dias, a excessiva crença na força do marketing e em engenharias financeiras impraticáveis em África. Citando, mais uma vez o CEO da Mota-Engil, Carlos Mota Santos, o problema americano é que “, todo o investimento norte-americano ou europeu, com uma ou duas exceções, é mais oportunístico. São fundos imobiliários e fundos abutres, não os vejo a investir em nenhuma indústria.”[14]

Finalmente, temos um terceiro sinal de desistência ocidental, agora da Siemens, e abertura de mais portas à China numa área em que este país também tem perícia, a dos metros de superfície (lembremo-nos que a recente frota do metro do Porto, Portugal, já foi habilitada com composições chinesas).

Agora é o caso do metro de superfície em Luanda. Os alemães da Siemens Mobility desistiram do projeto assente numa parceria público-privada e o governo angolano pretende assumir ele próprio os custos de construção com base num financiamento proveniente da China[15].

É um grande volte-face, e mais uma vez demonstra a incapacidade ou falta de vontade das empresas ocidentais para investir em Angola. Primeiro, a Quanten falha no Soyo, agora a Siemens no metro de Luanda. Angola volta a estar plenamente aberta e necessitada da China para assegurar o seu desenvolvimento.

Estados Unidos lentos e China energética

O que aparenta, neste momento, é que boas vontades americanas e Ocidentais não chegam. A realidade é simples. Angola precisa de dinheiro, como precisou em 2002 para a reconstrução, e, mais uma vez, a China parece empenhada em tomar a dianteira.

Os Estado Unidos parecem ter vontade de estar com Angola, mas chegando a momentos decisivos não têm soluções práticas e operacionais, perdendo-se em planos, projetos, viagens, engenharias financeiras e anúncios de intenções. Pelo contrário, a China parece ter percebido que se está a abrir uma nova oportunidade em Angola, e aparentemente, está em condições para aproveitar essa nova oportunidade.

O futuro dirá se é assim.


[1] Cfr. Rui Verde, 2021, Angola at the Crossroads: Between Kleptocracy and Development, Londres

[2] Ver o nosso relatório anterior em https://www.cedesa.pt/2021/05/18/os-realinhamentos-da-politica-externa-de-angola/

[3] https://observador.pt/2023/12/06/embaixador-dos-eua-destaca-ano-verdadeiramente-historico-apos-encontro-entre-biden-e-joao-lourenco/

[4] João de Almeida, https://www.facebook.com/dealmeida31

[5] https://www.afdb.org/pt/noticias-e-eventos/comunicados-de-imprensa/lideres-do-g-7-reafirmam-empenho-em-infraestruturas-de-milhares-de-milhoes-de-dolares-para-africa-prometem-mais-apoio-iniciativas-do-banco-africano-de-desenvolvimento-71926

[6] https://www.club-k.net/index.php?option=com_content&view=article&id=52349:o-corredor-do-lobito-a-resposta-de-washington-a-iniciativa-belt-and-road-em-africa&catid=5&lang=pt&Itemid=1070#google_vignette

[7] https://www.wilsoncenter.org/blog-post/addressing-chinas-monopoly-over-africas-renewable-energy-minerals

[8] https://www.club-k.net/index.php?option=com_content&view=article&id=54293:grupo-angolano-carrinho-recebe-financiamento-do-g7-para-impulsionar-infraestrutura-no-corredor-do-lobito&catid=41026:nacional&lang=pt&Itemid=1083

[9] https://eco.sapo.pt/2023/04/20/mota-engil-insiste-numa-decisao-e-diz-que-e-incontornavel-no-projeto-do-novo-aeroporto/

[10] https://www.angonoticias.com/Artigos/item/77289/grupo-chines-vai-construir-primeira-autoestrada-de-angola

[11] https://www.rtp.pt/noticias/economia/angola-admite-rescindir-contrato-com-empresa-que-vai-construir-refinaria-do-soyo_n1578622

[12] https://expansao.co.ao/expansao-mercados/interior/consorcio-euaangola-tem-tres-anos-para-construir-refinaria-101446.html

[13] https://www.noticiasaominuto.com/economia/1710487/consorcio-quantem-vence-concurso-para-a-construcao-da-refinaria-do-soyo

[14] https://eco.sapo.pt/2023/04/20/mota-engil-insiste-numa-decisao-e-diz-que-e-incontornavel-no-projeto-do-novo-aeroporto/

[15] https://www.angonoticias.com/Artigos/item/77319/angola-avanca-com-metro-de-luanda-e-desiste-de-ppp-negociada-com-os-alemaes-da-siemens-mobility

Os realinhamentos da política externa de Angola

1-Introdução. O reposicionamento geopolítico de Angola

No momento, em que terminamos este relatório, o Presidente da República de Angola encontra-se em Paris com o Presidente da República Francesa. Este encontro representa um dos pontos do realinhamento em curso da política externa de Angola. Basta lembrar que nos últimos tempos de José Eduardo dos Santos, os franceses estavam de “castigo” devido ao seu papel no Angolagate.

Angola não é um país indiferente. Tem desempenhado um papel geopoliticamente relevante ao longo da sua curta, mas intensa história após a independência. Primeiramente, foi um dos palcos violentos da Guerra Fria, onde americanos e soviéticos se digladiaram com a virulência que não podiam adotar noutras localizações geográficas. Angola acabou por ser um bastião soviético de grande nomeada, onde estes na realidade ganharam quando em confronto com os Estados Unidos. Depois da fase soviética, Angola foi mais uma vez inovadora e tornou-se o primeiro país africano a receber a nova China que se abria ao mundo e procurou em África um continente para a sua expansão e teste das suas ideias. Angola tornou-se um parceiro por excelência da China.

            Obviamente, sendo uma simplificação, do ponto de vista das grandes tendências a posição geopolítica de Angola começou por estar alinhada com a União Soviética e após a queda desta, com a China. Não se tratando dum país rabidamente antiocidental, muito longe disso, até porque Angola tem uma profunda influência da cultura europeia, o país ancorou-se em outras paragens ao longo do tempo.

Por várias razões, neste momento, Angola ensaia uma diferente aproximação geopolítica que tende a desvalorizar o papel quer da Rússia, quer da China, e a encontrar novas referências e diálogos políticos. Este texto debruçar-se-á sobre essa desvalorização, os novos vetores que influenciam o reposicionamento angolano, os países que agora desempenharão um papel mais relevante nas preocupações externas de Angola, além de uma curta nota sobre Portugal. Não se abordará a influência de Angola na África Austral e o seu papel de estabilização nos Congos.

2-O declínio da relação angolana com a Rússia e a China

O declínio da relação soviética (agora russa) com Angola é fácil de descrever. A aposta da União Soviética em Angola fazia parte de uma estratégia de longo-prazo de envolvimento do Atlântico Norte através dos países do Sul. A incursão em África que foi acelerada pela “perda” da influência no Médio-Oriente nos anos 1970s derivada do corte promovido por Sadat do Egipto e pelo aproveitamento oportuno de Kissinger. De repente, a União Soviética viu-se sem um dos suportes principais que tinha no Médio Oriente e de onde esperava condicionar os americanos. O certo é que essa situação levou a um aprofundamento de várias alternativas entre as quais mais tarde se destacou Angola. Naturalmente, que a queda do Muro de Berlim em 1989 e o final da Guerra Fria, com a consequente desagregação da União Soviética levaram a que o interesse russo em África esmorecesse consideravelmente. A Rússia que emergiu após o colapso de Gorbachev já não estava interessada em qualquer competição mundial com os Estados Unidos, mas na sua sobrevivência e transformação. Rapidamente perdeu o interesse em Angola.

            É certo que atualmente, Putin recuperou alguma da dinâmica imperial e procura alguma influência em África, mas ainda é de curto alcance e tem-se traduzido no envio de mercenários do grupo Wagner, que têm tido pouca eficácia, designadamente em Moçambique. Em Angola, não se nota uma atuação relevante da Rússia, sobretudo como parceiro essencial e determinante. Existem obviamente contactos e relações. Fala-se muito na influência russa em Isabel dos Santos, que será cidadã desse país, mas o certo é que não são visíveis investimentos ou laços russos com Luanda com manifesto relevo. Em 2019, foram anunciados investimentos russos em Angola de 9 mil milhões de euros, mas não se conhece sequência de tal. A isto acresce que a dívida pública externa de Angola à Rússia é zero de acordo com os dados do Banco Nacional de Angola (BNA), tendo sido liquidada na sua totalidade até 2019.

            Mais difícil é concluir pelo declínio da relação com a China. Na verdade, o investimento chinês em Angola tem vindo a crescer, pelo menos até 2020, e a dívida pública externa angolana face à China representava em 2020, 22 mil milhões de dólares, o equivalente a mais de 40% do total. A implantação chinesa em Angola é grande, bastando referir em termos sociológicos a relevância da Cidade da China.

            No entanto, há indícios que a preferência chinesa está a diminuir, ou pelo menos, a ser mitigada. O primeiro indício refere-se às negociações de um novo empréstimo que levou João Lourenço à China no início do seu mandato. As primeiras informações para a imprensa davam conta de montantes avultados a serem disponibilizados pela China, na ordem dos 11 mil milhões de dólares. A realidade é que houve variadas procrastinações nesse empréstimo, que acabou aparentemente para envolver uma quantia reduzida de 2 mil milhões de dólares que terá servido para fazer pagamentos de dívida angolana a empresas chinesas.

O certo é que se analisarmos a evolução da dívida pública externa angolana à China verificaremos que um houve um salto assinalável entre 2015 e 2016, de cerca de 11,7 mil milhões de dólares para 21,6 mil milhões de dólares, que a dívida atingiu o pico em 2017, 23 mil milhões de dólares e que desde aí tem vindo a diminuir com uma cadência significativa. Afigura-se que a China não se quer envolver mais com Angola, preferindo ir gerindo o atual envolvimento.

            Se da parte da China se poderá vislumbrar alguma recalcitrância na relação com Angola, da parte angolana também existem obstáculos. O primeiro deles é a natureza da dívida angolana à China. Muitos alegam que uma boa parte desta dívida é o que se chama “dívida odiosa”, isto é, serviu para beneficiar interesses privados corruptos e não o desenvolvimento do país. Existe a impressão que a opacidade com que se fazem os negócios com a China permitiu a criação de situações de corrupção demasiado evidentes e prejudiciais ao país. Assim, a dívida da China é, em parte, vista como dívida da corrupção. A isto acresce que surgiram problemas de qualidade nalgumas construções chinesas em Angola financiadas por dívida chinesa. Não está claro se essa falta de qualidade se deve a qualquer negligência chinesa ou a comportamentos censuráveis por parte de responsáveis angolanos, mas o certo é que a imagem persiste.

            Isto quer dizer que sendo ainda a China um parceiro fundamental de Angola, está-se, neste momento, numa espécie de fase de reavaliação. Forçosamente há que resolver o problema da dívida do passado ligada à corrupção, do modo de agir contratual demasiado opaco por parte da China e também as questões ligadas à qualidade. É uma tarefa exigente, mas necessária para reativar o interesse comum chinês e angolano.

            Se a relação com a Rússia não tem a relevância do passado e com a China está numa fase de reavaliação e recondicionamento, é evidente que Angola, sobretudo, atendendo às mudanças porque passa, terá que buscar novos parceiros ativamente.

3-Os novos vetores de atuação angolana: objetivos e países

A relação angolana com a Rússia e a China coincidiu com a necessidade de afirmar uma soberania própria e independente de interferências externas, e também da obtenção de fundos para a guerra e reconstrução pós-guerra. A atual política externa de João Lourenço coloca-se num patamar ligeiramente diferenciado, em que é importante congregar o apoio externo para as duas grandes reformas que estão a ser levadas a cabo internamente: a reforma económica e a luta contra a corrupção. Ambas as reformas necessitam de colaboração externa, sem o qual podem não sobreviver.

            A reforma económica assenta no chamado consenso de Washington proposto pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), embora os intelectuais e burocratas internacionais tenham já abandonado esta designação e a recusem. Ainda assim, implica a adoção de políticas de alargamento dos impostos e restrição da despesa com a respetiva consolidação fiscal. Naturalmente que este tipo de políticas é recessivo, aumenta, no curto-prazo, a crise económica em Angola. A grande forma de ultrapassar este efeito é obter investimento externo e muito. Aliás, diz a teoria seguida, que havendo estas reformas disciplinadoras do FMI, os investidores estrangeiros passam a confiar nos governos que as seguem e sentem-se seguros para investir. Em resumo, o investimento estrangeiro é o contrapeso necessário às reformas do FMI e a chave do sucesso destas. Consequentemente, não admira que um dos principais vetores da política externa angolana seja a aproximação a países com capacidade de investimento reprodutor assinalável e com provas dadas.

            Naquilo que diz respeito à luta contra a corrupção, o panorama que se apresenta é que, de uma maneira geral, são os países com potencialidades para investir em Angola, aqueles em que é necessária a colaboração judicial para recuperação de ativos ou traço de movimentos financeiros ilegais. As oligarquias angolanas que desviaram fundos públicos remeteram-nos para os países mais avançados ou com maior potencial financeiro.

Portanto, há um grupo de países que atualmente interessa de sobremaneira a Angola: são aqueles com capacidade de investimento eficiente e com um sistema financeiro por onde passaram muitos dos movimentos ilícitos de fundos angolanos, bem como onde se sedearam ativos comprados, possivelmente, com esses fundos. Neste momento, nem a China, nem a Rússia são países de onde se espere mais investimento, nem foram os locais escolhidos, aparentemente, para parquear bens ou ativos ilícitos. Ou se foram não há qualquer conhecimento do que lá se passa e está acolhido.

            É neste contexto que tem assumido relevância uma série de países. Um primeiro grupo são os países da Europa Ocidental que se têm destacado em visitas e anúncios de investimentos em Angola. No início deste mês de Abril de 2021, o primeiro-ministro de Espanha, Pedro Sanchez, fez uma visita a Angola. Esta visita foi acompanhada de grande empenho espanhol, afirmando Angola como um dos parceiros preferenciais de Espanha em África, e esta como uma grande aposta espanhola. Anunciou-se que Angola era a “proa” duma empreitada de Madrid a que chamou “Foco África 2023.” No ano passado, tinha sido a vez da Chanceler alemã Angela Merkel visitar Angola no âmbito de um Fórum Económico Angola-Alemanha e mais alargadamente de um Plano Marshall alemão para África. Também, o Presidente Macron anunciou uma visita a Angola, que tem sido adiada devido à Covid-19. Por sua vez o Presidente italiano já havia visitado Angola em 2019. Em relação ao Reino Unido não tem havido visitas deste nível tão elevado, mas começa a notar-se algum interesse por Angola devido às imposições do Brexit, que exigem novos mercados para o Reino Unido, embora haja um enorme desconhecimento.

            Às visitas têm sucedido variadas promessas de investimento da Europa Ocidental. A empresa italiana de petróleos (ENI) prevê investir sete mil milhões de dólares (5,9 mil milhões de euros), nos próximos quatro anos, na pesquisa, produção, refinação e energia solar, anunciou no início de abril de 2021. Antes empresários britânicos afirmaram pretender investir em Angola cerca de 20 mil milhões de dólares. Também a Alemanha e a França têm vários projetos em curso.

            Este eixo da Europa Ocidental tornou-se fundamental na política externa angolana, pois estes países necessitam de novos mercados e investimentos, para saírem da excessiva dependência da China, e no caso britânico, também para procurar alternativas pós-Brexit, e sendo mercado maduros, têm de ir ao encontro de onde está a juventude e o futuro, e isso está em África.

Conseguindo João Lourenço passar a imagem que rege um governo competente e com regras macroeconómicas estáveis e viradas para o mercado livre, os investidores espanhóis, franceses, britânicos, italianos ou alemães sentir-se-ão seguros para investir. Ao mesmo tempo, nestes países residem muitas das fortunas saídas de Angola, portanto, haverá oportunidade de criar mecanismos para a sua recuperação ou redirecção.

            Note-se que ao contrário do que se poderia pensar, esta Ocidentalização da política externa de Lourenço não passa por Portugal, mas indica uma abordagem direta entre os países europeus e Angola e vice-versa.

            A este eixo Europeu Ocidental há que adicionar outro, o eixo do Golfo. Os países do Golfo, em que se destacam os Emirados Árabes Unidos e a Arábia Saudita. Estes países, previamente dependentes do petróleo, entraram numa política de diversificação. O Dubai já há alguns anos e com tremendo sucesso. A Arábia Saudita ainda dá os primeiros passos, com a chamada Visão 2030, mas o certo é que querem investir fora do seu âmbito tradicional e encontrar novos mercados. Na verdade, o Dubai já tem vários investimentos em Luanda e uma sua empresa tomou agora conta do Porto de Luanda e na Arábia Saudita, Luanda abriu agora uma Embaixada, o que revela bem o interesse no reino. Por outro lado, como se sabe, o Dubai é um centro financeiro internacional de grande nomeada e por onde passou variada movimentação financeira angolana, bem como foi utilizado nos esquemas de fuga ao fisco no comércio de diamantes. Alegadamente, ao contrário do que tem sido a sua prática, o Dubai estará a colaborar com os pedidos de auxílio judiciário angolanos, representando um exemplo típico do novo eixo geopolítico que estamos a descrever, países com potencial de investimento e de colaboração judicial na luta contra corrupção.

            Sumariamente, concluímos que uma nova aproximação geopolítica angolana se centra nos países da Europa Ocidental e do Golfo Pérsico. Mas não se fica por aqui.

4-O potencial da Índia

            A quantidade de comércio entre a África Subsaariana e a Índia tem crescido de forma consistente, e hoje a Índia é um parceiro comercial fundamental de África. Relativamente a Angola, o país é hoje o terceiro exportador na África subsaariana mais importante para a Índia, quando em 2005 não tinha relevância. Em 2017, o Embaixador da Índia emitiu um comunicado no qual destacou: “O comércio entre Angola e a Índia aumentou 100% para US $ 4,5 biliões em 2017, (…) No final de julho, à margem da 10ª cimeira dos BRICS, em Joanesburgo, o presidente de Angola, João Lourenço, reuniu-se com o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, e os dois reafirmaram a necessidade de aumentar o comércio e a cooperação em áreas como energia, agricultura, alimentos e processamento farmacêutico.”. Há medida que a Índia vai crescendo e se tornando um ator muito importante a nível mundial, é normal que Angola olhe para este país com uma nova visão. Trata-se de um mercado milionário para onde uma imensidão das exportações angolanas pode chegar.

5-Estados Unidos da América. The ultimate prize

            A relação entre Angola e os Estados Unidos tem sido ambígua. Na verdade, mesmo nos tempos em que a administração norte-americana apoiava Jonas Savimbi e a UNITA, havia um relacionamento com Luanda ligado ao petróleo e à proteção das multinacionais americanas a operar em território dominado pelo governo do MPLA.

            Atualmente, os Estados Unidos representam tudo o que Angola deseja, o país do dólar com uma capacidade de investimento e inovação financeira invejável, com uma estrutura jurídica universalizante que permite lançar mão de múltiplos instrumentos legais por todo o mundo para perseguir as fortunas da corrupção. É também dos Estados Unidos que Angola necessita que sejam levantados os vários “sinais vermelhos” que foram sendo erguidos nos tempos de José Eduardo dos Santos e tornaram a vida financeira angolana muito mais difícil. Os Estados Unidos são o país chave para esta nova fase angolana de investimento externo e combate à corrupção, porque daqui pode vir os estímulos definitivos de avanço.

            De certa forma, João Lourenço teve azar em se deparar com Trump, quando necessitava dos EUA. É conhecido que Trump não tinha qualquer interesse em África, que apenas serviu para a sua mulher realizar uma viagem em trajes estilo colonial.  Pior teria sido impossível. Mas a indiferença americana não tem de ser um obstáculo a um maior empenho angolano nas relações com a superpotência. No início dos anos 1970, Anwar Sadat do Egipto também decidiu que se queria aproximar dos Estados Unidos. Estes ocupados com mil e uma crises, entre as quais se destacava o Vietname não deram qualquer atenção a Sadat, que não deixou de seguir a sua linha, expulsando os conselheiros soviéticos e iniciando uma aproximação aos norte-americanos.

Comparações e evoluções históricas à parte-Sadat acabou assassinado por ter assinado um acordo da paz com Israel sobre os auspícios americanos- o que parece mais lógico para Angola nesta fase é acentuar uma aproximação aos Estados Unidos, mesmo que estes não estejam atentos. E não estarão, pois entre a Covid- 19, a China e a Rússia, e múltiplas pequenas crises internas têm muito com que se ocupar. No entanto, o apoio efetivo e real dos EUA à nova política angolana é fundamental para que o país saia do marasmo e deixe de ter os condicionalismos financeiros externos, portanto, uma vigorosa aproximação à administração norte-americana seria aconselhável por parte de Angola, apesar da desconfiança mútua que existe.

6-Portugal é diferente

            A propósito da visita de Pedro Sanchez, primeiro-ministro espanhol, a Angola surgiu algumas críticas ao governo português, acusando-o de inação e de estar a ser ultrapassado por Espanha. Isto é um disparate. Nem Portugal pode pensar ter o monopólio das relações com Angola, nem sequer há qualquer perigo nas relações luso-angolanas. Portugal é sempre um caso à parte, a sua influência vem menos do governo e mais do soft power, da ligação umbilical que se mantém entre os povos de ambos os países. Luanda continua a parar quando o Sporting ganha o campeonato ou o Benfica tem um jogo muito importante, o destino preferido da maior parte dos angolanos é Portugal, as relações pessoais fáceis estabelecem-se entre portugueses e angolanos. Os empresários portugueses olham sempre para Angola como uma possibilidade de expansão dos seus negócios. As relações entre Angola e Portugal têm subjacente um entrosamento entre os povos antes da intervenção dos governos.

            A nível oficial o governo português é geralmente acolhedor em relação a Angola. Em 2005 acolheu os desejos de investimento angolano, atualmente, acedeu aos pedidos de cooperação judicial de Angola relativamente a Isabel dos Santos, como antes acabou por enviar o processo de Manuel Vicente para Angola após grande pressão de Luanda. Digamos que há uma porosidade manifesta da posição portuguesa, adaptando-se com facilidade às posições e necessidades de Luanda. Esta posição aliada ao interesse das elites angolanas em Portugal, tem acabado por consolidar uma boa relação entre os dois países, apesar de um ou outro solavanco. É evidente que após o 25 de Abril de 1974, Portugal desinteressou-se de África, fazendo como sua prioridade número um a adesão à Europa e o tornar-se um país moderno ocidental. Este projeto está um pouco enrodilhado desde 2000, mas não levou Portugal ainda a uma revisão do seu foco europeu, apenas o obrigou a um olhar mais prolongado para África, depois de décadas de desinteresse. Talvez exista um momento em que Portugal queira centrar a sua política externa nos países lusófonos, mas esta não é a altura, como não é para Angola, que quer abraçar outras fonias, como a anglófona e francófona, portanto, o melhor que os governos podem fazer é facilitar o máximo a vida aos seus povos que desejem trabalhar em comum e apoiar mutuamente as solicitações de cada uma das partes, mas pouco mais.

Conclusão

O sumário da nova posição geopolítica angolana é que Angola aposta nos vetores ligados ao investimento externo e combate contra a corrupção, assumindo relevância na política externa parcerias com a Europa Ocidental, Espanha, França, Itália, Alemanha, Reino Unido, com o Golfo Pérsico, Emirados e Dubai, e com a Índia. Ao mesmo tempo, antecipa-se um reforço das relações com os Estados Unidos. Portugal terá sempre um lugar à parte.


Bibliografia utilizada

-Banco Nacional de Angola-Estatísticas- www.bna.ao

-Douglas Wheeler e René Pélissier, História de Angola, 2011

-Ian Taylor, India’s rise in Africa, International Affairs, 2012

-José Milhazes, Angola – O Princípio do Fim da União Soviética, 2009

-Robert Cooper, The Ambassadors: Thinking about Diplomacy from Machiavelli to Modern Times, 2021

-Rui Verde, Angola at the Crossroads. Between Kleptocracy and Development, 2021

-Saudi Vision 2030- https://www.vision2030.gov.sa/en

-Tom Burgis, The Looting Machine. Warlords, Tycoons, Smugglers and the Systematic Theft of Africa’s Wealth, 2015.

-Factos públicos e informativos retirados da Lusa, DW, Jornal de Negócios, Jornal de Angola, Angonotícias e Novo Jornal.