Artigos

Geração Z em África: Juventude, Mobilização Digital e Transformação Política no Século XXI

Eugénio Costa Almeida*

Investigador Sénior Associado do CEDESA/Angola Research Network

Resumo

A Geração Z, composta por jovens nascidos entre meados da década de 1990 e o início da de 2010, representa hoje a faixa etária mais numerosa do continente africano. Num contexto em que a mediana etária africana ronda os 19 anos, esta geração emerge como força sociopolítica capaz de alterar paradigmas de poder profundamente enraizados. O presente ensaio analisa o impacto da Geração Z na política africana, a forma como está a desafiar estruturas gerontocráticas e a condicionar processos eleitorais, bem como o seu papel crescente em regimes de maioria muçulmana. São abordados casos como Tanzânia e Camarões, onde a juventude digitalmente mobilizada questionou a justiça eleitoral. O texto examina também o uso das redes sociais como instrumento de mobilização e a tensão entre velhas elites políticas e uma geração que exige transparência, inclusão e futuro.

Palavras-chave: Geração Z; África; política; juventude; redes sociais; eleições

Abstract

Generation Z, comprising young people born between the mid-1990s and early 2010s, now represents the largest demographic group in Africa. With a median age of around 19, this generation is emerging as a sociopolitical force capable of reshaping entrenched power structures. This essay examines Generation Z’s impact on African politics, its challenge to gerontocratic regimes, and its influence on electoral processes, particularly in countries with Muslim majorities. Cases such as Tanzania and Cameroon illustrate how a digitally mobilized youth has questioned electoral fairness. The analysis also highlights how social media has become a tool for political engagement and resistance, as well as the tension between aging elites and a generation demanding transparency, inclusion, and opportunity.

Keywords: Generation Z; Africa; politics; youth; social media; elections

1. Introdução

Com mais de 400 milhões de africanos entre os 15 e os 35 anos (African Union, 2024), a juventude representa um dos principais fatores de mudança do continente. A Geração Z, mais educada e conectada que as anteriores, está a transformar o modo de participar na vida pública. A metodologia deste ensaio baseia-se numa análise qualitativa, combinando dados secundários de organismos internacionais, como o World Bank, UNDP, African Union, ou Afrobarometer, e estudos recentes sobre participação juvenil e digitalização política.

Esta abordagem permite observar tendências transversais – do activismo online ao voto de protesto – e compreender como esta geração desafia elites envelhecidas e instituições continentais frágeis, como a União Africana (UA), incapaz de conter uma sucessão de golpes militares e a crescente desconfiança social.

2. A Geração Z africana: perfil e modos de ação

A Geração Z caracteriza-se por uma literacia digital sem precedentes e por uma profunda desconfiança nas estruturas tradicionais de poder (Afrobarometer, 2025 e Sanny, van Wyk-Khosa & Asunka, 2023). A internet móvel – que atinge mais de 66% dos africanos com menos de 30 anos (Galal, 2025) – tornou-se um espaço de formação política e de contestação.

Estes jovens vivem entre a precariedade e a esperança: o desemprego juvenil supera os 30% em vários países, como Nigéria, África do Sul e Tunísia (ILO, 2024). Esta condição gera simultaneamente frustração e criatividade política. Plataformas como Twitter (X), TikTok e Instagram,[1] principalmente, transformaram-se em arenas de mobilização, como se observou nos protestos #EndSARS, na Nigéria (Uwazuruike, 2021), o movimento #ShutItAllDown, na Namíbia (Titus, 2020), ou #WeAreRemovingADictator, no Uganda (Ainomugisha & Mwesigire, 2024)

Para além da militância digital, há uma crescente entrada de jovens em partidos políticos e candidaturas independentes. Em Gana e no Quénia, observam-se tentativas de renovar as elites, no Burkina Faso, as medidas anti-ocidentais de Ibrahim Traoré são aplaudidas e celebradas pela juventude burkinaso e africana que o vêem como o novo “Herói Africano” (Stropasolas, 2025 & Veiga, 2025), enquanto em países autoritários, como Uganda, figuras como Bobi Wine encarnam a resistência da juventude urbana à gerontocracia (BBC News, 2025).

3. A gerontocracia africana e os seus mecanismos de reprodução

A gerontocracia – domínio político exercido por elites envelhecidas – permanece um dos traços mais marcantes da política africana contemporânea. Líderes septuagenários e octogenários, como Paul Biya (Camarões, 91 anos), Teodoro Obiang Nguema (Guiné Equatorial, 82), Yoweri Museveni (Uganda, 80) e Denis Sassou Nguesso (Congo, 81), entre outros,mantêm-se no poder há décadas (Reuters, 2025).

A manutenção destas lideranças é sustentada por redes clientelares, controlo militar e manipulação constitucional. No entanto, a crescente consciência política da juventude mina a legitimidade desses regimes. Pesquisas do Afrobarometer (2023 e 2025) indicam que mais de 70% dos jovens africanos acreditam que “a idade avançada limita a inovação política”.

Assim, a Geração Z não é apenas uma força demográfica; é um desafio cultural e simbólico à ideia de que “a autoridade vem da idade”. A linguagem política muda – #hashtags substituem slogans partidários – e a noção de “respeito pelo líder” cede lugar à exigência de resultados.

4. Eleições, legitimidade e contestação: os casos da Tanzânia e dos Camarões

Nas eleições presidenciais da Tanzânia[2], a juventude foi central na denúncia de irregularidades eleitorais e na mobilização digital. Organizações como Change Tanzania e movimentos universitários usaram as redes para expor censura, manipulação de votos e intimidação (Anyanzwa, 2025 & Global Democracy Coalition, s/d). De forma semelhante, nos Camarões, a juventude urbana, especialmente em Douala e Yaoundé, contestou a vitória de Paul Biya em 2018, acusando o regime de fraude sistemática (Amnesty International, 2019), repetindo nas recentes eleições de 2025. Em ambos os casos, a Geração Z transformou a insatisfação em discurso político, desafiando os limites impostos por regimes de longa duração, mesmo sujeita a confrontos com as autoridades (Murrey, 2025).

Além disso, o uso massivo dos VPN e plataformas cifradas indica a sofisticação tecnológica desta geração, que contorna censuras e cria redes transnacionais de solidariedade. Mesmo em países de maioria muçulmana, como Marrocos ou Tunísia, esta mobilização tem emergido em temas como direitos das mulheres e liberdade de expressão, sem se constituir como oposição religiosa, mas cívica (UNDP, 2024).

5. Mobilização digital e espaço cívico

De acordo dados estatísticos, o número de utilizadores africanos de redes sociais ultrapassou 640 milhões em 2024 (Galal, 2025), sendo 70% jovens. Este espaço virtual ampliou a participação cívica e a capacidade de fiscalização do poder.

Exemplos incluem a campanha #FreeSenegal (Oluwole, 2021), que denunciou repressão política, e o movimento #ZimbabweLivesMatter (Chingono, 2020), que levou à atenção internacional abusos estatais.

A Geração Z utiliza humor, ironia e estética digital para mobilizar através de memes e vídeos que substituem panfletos e discursos longos. Essa estética política, como nota Ndlovu-Gatsheni (Falola, 2023), é ao mesmo tempo lúdica e profundamente subversiva, pois reconfigura o espaço público em tempo real.

6. A União Africana e os limites institucionais

Apesar da retórica de “tolerância zero” a golpes de Estado, a União Africana (UA) tem-se revelado incapaz de travar a sua proliferação. Desde 2019, registaram-se 16 golpes militares ou tentativas, incluindo Mali, Burkina Faso, Níger, Gabão, São Tomé e Príncipe e Sudão (Duzor & Williamson, 2023).

As sanções impostas – suspensão de participação e congelamento de fundos – raramente produzem efeitos concretos. O principal problema reside na ausência de mecanismos coercivos e na dependência de consensos políticos entre Estados-membros, muitos deles liderados por elites igualmente autoritárias.

O atual presidente em exercício da UA, João Lourenço, representa um caso singular: Angola saiu de uma guerra-civil sem ter sofrido um golpe de Estado e tem-se posicionado como mediadora regional. No entanto, a sua capacidade de conter golpes é limitada pela falta de instrumentos jurídicos e pela resistência de regimes militares em transição.

A UA enfrenta ainda um dilema de credibilidade: enquanto condena rupturas constitucionais, permanece silenciosa perante manipulações eleitorais de líderes “eleitos” que governam há 30 ou 40 anos. Esta incoerência reduz a confiança das novas gerações na instituição continental.

7. Conclusão

A Geração Z africana é o espelho de um continente em mutação. Jovens, conectados e desiludidos com elites envelhecidas, estão a redefinir o que significa fazer política em África.

As redes sociais criaram uma arena trans-nacional de mobilização e vigilância cívica. Movimentos juvenis em países como Camarões, Nigéria, Tanzânia, e Tunísia demonstram que esta geração não é apenas demográfica, mas transformadora; ou aglutinadora, como no caso do Burkina Faso.

No entanto, o confronto entre juventude e gerontocracia permanece aberto. Enquanto as instituições continentais, como a União Africana, não adquirirem legitimidade prática e capacidade coerciva, os jovens continuarão a recorrer à mobilização digital como forma de resistência e reinvenção democrática.

Mais do que uma “ameaça”, a Geração Z é a oportunidade para repensar o contrato social africano. O seu impacto já não é potencial, é real, mensurável e irreversível.

Referências

“Africa’s Internet Resilience Shows Promising Growth, New Internet Society Data Reveals Ahead of Key Conference”. Internet Society, 20 January 2025. https://www.internetsociety.org/news/press-releases/2025/africas-internet-resilience-shows-promising-growth-new-internet-society-data-reveals-ahead-of-key-conference/

“African youth lag behind elders in political and civic participation except for protest, new Afrobarometer flagship report reveals“. Afrobarometer, 12 August 2025. https://www.afrobarometer.org/wp-content/uploads/2025/08/News-release-African-youth-trail-elders-in-political-and-civic-participation-Afrobarometer-bh-12aug25.pdf

“Africa’s ageing presidents govern world’s youngest populations”. Reuters, October 24, 2025. https://www.reuters.com/world/africa/africas-ageing-presidents-govern-worlds-youngest-populations-2025-10-24/

“Change Tanzania”. Global Democracy Coalition, s/d. https://globaldemocracycoalition.org/partner/change-tanzania/

“Global employment trends for youth 2024”. International Labour Organization (ILO). 2024. https://www.ilo.org/publications/major-publications/global-employment-trends-youth-2024

“Human Rights in Africa, Review of 2019”. Amnesty International, 2020. https://www.amnistia.pt/wp-content/uploads/2020/04/ReportAfrica2019.pdf

“Social Media Stats Africa: Oct 2024 – Oct 2025”. Global Stats: statcounter, October 2025. https://gs.statcounter.com/social-media-stats/all/africa

“Tanzania elections: President Magufuli in landslide win amid fraud claims”. BBC News, 30 October 2020. https://www.bbc.com/news/world-africa-54748332

“Tanzânia impõe toque de recolher após protestos eleitorais”. DW (português para África), 29/10/2025. https://www.dw.com/pt-002/tanz%C3%A2nia-imp%C3%B5e-toque-de-recolher-ap%C3%B3s-protestos-eleitorais/a-74548397

“Uganda’s Bobi Wine and the politics of youth resistance”. BBC News, 2025. https://www.bbc.com/news/topics/c7z5vlz5dggt

“UNDP Regional Programme for Africa Annual Report 2023” United Nations Development Programme (UNDP), 2024. https://www.undp.org/sites/g/files/zskgke326/files/2024-11/j0498_rsca_digital_annual_report_2023_v9.pdf

“World development indicators: Africa youth profile”. World Bank. (2024). https://www.worldbank.org/ext/en/region/afr

“Youth activism, poll jitters derailing Africa’s budget policies, warns Fitch”. The East African. October 20, 2025. https://www.theeastafrican.co.ke/tea/business-tech/youth-activism-poll-jitters-derailing-africa-s-budget-policies-warns-fitch-5237870

“Youth, peace and security report 2024”: in: Communiqué of the 1243rd Meeting (Open Session) of the Peace and Security Council held on 1st November 2024 on Youth, Peace and Security in Africa. African Union, 11 November 2024. https://www.peaceau.org/en/article/communique-of-the-1243rd-meeting-open-session-of-the-peace-and-security-council-held-on-1st-november-2024-on-youth-peace-and-security-in-africa

Ainomugisha, M. & Mwesigire, Bwesigye Bwa. (2025). “Chapter 24: #WeAreRemovingADictator: the 2021 Uganda election crisis, the possibilities and limits of youth digital activism”. Elgaronline, 20 Feb 2024. https://doi.org/10.4337/9781803923222.00038

Chingono, Nyasha. (2020). “#ZimbabweanLivesMatter: celebrities join campaign against human rights abuses”. The Guardian, 5 Aug 2020. https://www.theguardian.com/global-development/2020/aug/05/zimbabweanlivesmatter-celebrities-join-campaign-against-human-rights-abuses

Duzor, Megan & Williamson, Brian. (2023). Coups in Africa, by the numbers. VOA News, October 3, 2023. https://projects.voanews.com/african-coups/

Falola, T. (2023). “Sabelo Ndlovu-Gatsheni and African Decolonial Studies”. Routledge. 15 September 2023. https://doi.org/10.4324/9781003449775

Galal, Saifaddin. (2025). “Share of internet users in Africa as of February 2025”. Statista, Apr 22, 2025. https://www.statista.com/statistics/1124283/internet-penetration-in-africa-by-country/?srsltid=AfmBOooBwu9pyOtuOOIpEZT99HQ0OP7LfJKmDf9MjIMMY-YBCaZYfpC0#google_vignette

ISS Africa. (2024). Why the AU keeps failing to prevent coups. https://issafrica.org

Mohammed, Khelef (2025). “Tanzânia: Quem teme o poder do voto jovem e feminino?” DW (português para África), 29/10/2025. https://www.dw.com/pt-002/tanz%C3%A2nia-quem-est%C3%A1-a-silenciar-o-poder-do-voto-dos-jovens-e-das-mulheres/a-74533566

Murrey, Amber. (2025). “Political Repression in the Lead Up to Cameroon’s October 2025 Presidential Election”. Pambazuka News, 04.09.2025. https://www.pambazuka.org/Political-Repression-in-Cameroon

Muschketat, Nina (2021). “Oposição tanzaniana diz que Presidente está na Índia com covid-19, Governo nega”. Público, 12 de Março de 2021. https://www.publico.pt/2021/03/12/mundo/noticia/oposicao-tanzaniana-presidente-india-covid19-governo-nega-1954177

Oluwole, Victor. (2021). “#FreeSenegal: What’s happening and why are people demonstrating against the government?”. Business Insider Africa, 05 March 2021. https://africa.businessinsider.com/local/leaders/freesenegal-whats-happening-and-why-are-people-demonstrating-against-the-government/2q8hmmj

Sanny, J. Appiah-Nyamekye, van Wyk-Khosa S., & Asunka J. (2023). “Africa’s youth: More educated, less employed, still unheard in policy and development”. Afrobarometer Dispatch No. 734, 15 November 2023. https://www.afrobarometer.org/articles/african-youth-lag-behind-elders-in-political-and-civic-participation-except-for-protest-new-afrobarometer-flagship-report-reveals/

Siposhegyi, Zoltan (2025). “Protestos na Tanzânia após suspeita de fraude eleitoral causam centenas de mortos”. EuroNews, 01/11/2025. https://pt.euronews.com/2025/11/01/protestos-na-tanzania-apos-suspeita-de-fraude-eleitoral-causam-centenas-de-mortos

Stropasolas, Pedro. (2025). “A revolução de Ibrahim Traoré: o que está acontecendo em Burkina Faso?” Brasil de Fato, 17.ago.2025. https://www.brasildefato.com.br/2025/08/17/a-revolucao-de-ibrahim-traore-o-que-esta-acontecendo-em-burkina-faso/

Titus, Hildegard. (2020). “#ShutItAllDown in Namibia – the fight against gender-based violence”. The Conversation, October 29, 2020. https://theconversation.com/shutitalldown-in-namibia-the-fight-against-gender-based-violence-148809

Uwazuruike, Allwell. (2021). “#EndSARS: An Evaluation of Successes and Failures One Year Later#. Georgetown Journal of International Affairs (GJIA), December 13, 2021. https://gjia.georgetown.edu/2021/12/13/endsars-a-evaluation-of-successes-and-failures-one-year-later/

Veiga, Abel. (2025). “O rugir de África por Ibrahim Traoré”. Téla Nóm, 2 de Maio de 2025. https://www.telanon.info/politica/2025/05/02/48351/o-rugir-de-africa-por-ibrahim-traore/

10.Novembro.2025

*por: Eugénio Costa Almeida1, 2, 3, 4, a, b

1. Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), Lisboa, Portugal.

2. Investigador Colaborador do Centro Estudos Internacionais do ISCTE-IUL (CEI-IUL);

3.Investigador associado do Centro de Investigação Desenvolvimento e Inovação da Academia Militar, Academia Militar, Instituto Universitário Militar, Rua Gomes Freire, 1169-203, Lisboa, Portugal;

4. Doutorado em Ciências Sociais, especialidade de Relações Internacionais, (ISCSP-UTL).

a. ORCID: 0000-0002-1259-5764

b. email: eugenio.luis.almeida@iscte-iul.pt e elcalmeida@gmail.com


[1] Apesar do Facebook, com cerca de 77,27% de utilizadores, ser a plataforma social mais acedida, seguida do YouTube, com 8,51%; Instagram, 7,92%; Twitter/X, 3,44%; Pinterest, 2,2%;e  LinkedIn, 0,38% (Global Stats: statcounter, 2025).

[2] Tanto nas eleições de 28 de Outubro de 2020 (BBC, 2020), como nas mais recentes, de 29 de Outubro de 2025 (Siposhegyi, 2025), em que Samia Suluhu Hassan se legitimou como presidente do país, após ter sido confirmada ao seu antecessor John Magufuli, cuja morte se mantém especulativa (Muschketat, 2021) as contestações foram sempre violentamente reprimidas pelas autoridades.