Sucessos macroeconómicos de João Lourenço e o problema do desemprego juvenil: uma proposta de financiamento

Os recentes sucessos macroeconómicos do governo João Lourenço

Depois de anos de crise, recessão e quase desespero económico, que, naturalmente, se traduzirem nos resultados eleitorais do passado Agosto e na constante agitação das redes sociais, o governo angolano apresenta um quadro macroeconómico muito animador.

O crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) projetado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) para 2023, cifra-se nos 3,5%, um número robusto[1], sobretudo, tendo em conta que o país estava em recessão desde 2016, com um pico negativo em 2020 de -5,6%.

As recentes previsões da dívida externa, também do FMI, apontam para um rácio de 63,3% do PIB. Mais uma vez, refira-se que em 2020, esse rácio correspondia a 138,9% do PIB. Existem vários fatores que explicam esta queda, alguns nominais, mas ela é impressiva.

Por sua vez, o Orçamento Geral do Estado para 2023, apresenta um Saldo Fiscal Global Superavitário de 0,9% do PIB, e propõe-se a criar um saldo primário positivo, na ordem dos 4,9% do PIB.

Na inflação, a variação homóloga de março de 2023 é de 10,81%,[2] demonstrando uma queda veloz e consistente.

Fig.º n.º 1-Tendência decrescente da Inflação (Fonte: BNA)

Consequentemente, não há qualquer dúvida que o quadro da economia angolana se modificou desde 2016, e de um país descontrolado e à beira da falência, temos uma situação macroeconómica saudável.

Desemprego juvenil: um problema grave e persistente

Apesar das boas notícias na frente macroeconómica, a população parece ainda alheada do sucesso e o sentimento popular não é correspondente aos números.

Uma explicação para tal fenómeno está na persistência do desemprego elevado, em especial o desemprego juvenil. Segundo o Instituto Nacional de Estatísticas de Angola (INEA) no IV trimestre de 2022, a taxa de desemprego total situava-se nos 29,6%, o que representava uma ligeira queda em relação a anteriores trimestres, mas sem significado.

Em relação à população jovem (entre os 15-24 anos) a taxa de desemprego é de 52,9%[3]

Este número não é aceitável e não há economia que possa ser considerada saudável enquanto tal fenómeno persistir.

As consequências de uma alta taxa de desemprego são conhecidas e apenas se enumeram aqui. Trata-se de um desperdício de recursos, mostrando que a economia não está a funcionar ao seu nível potencial, mas sim de forma pouco eficaz e ineficiente. Naturalmente, que é uma situação que tem o potencial de gerar um aumento da pobreza e igualmente da agitação social. Certamente, uma boa parte da agitação social que hoje se vive em Angola, seja nas ruas, seja nas redes sociais, resulta direta e inapelavelmente do desemprego juvenil. Portanto, as consequências são extremamente e inapelavelmente negativas.

Fig. n.º 2- Consequências da taxa de desemprego juvenil elevada em Angola

Desemprego Juvenil: taxa social de resiliência e instabilidade sistémica perigosa

Do ponto de vista da ordem constitucional e da estabilidade do Estado, há um ponto sistémico relativo ao desemprego juvenil que é preciso ter em conta e sublinhar.

Haverá um limiar em que a taxa de desemprego se torna insuportável e leva as pessoas à ação política com vista a modificar a situação, será uma espécie de gatilho que origina revoluções, subversões, mudanças de regime, etc. Vamos chamar-lhe taxa social de resiliência ao desemprego, como constituindo o limiar de desemprego que uma sociedade suporta sem se revoltar.

Portanto, o ponto que se coloca é que uma taxa de desemprego juvenil acima dos 50%, num país essencialmente jovem e com uma taxa de crescimento demográfico expansiva, é uma taxa explosiva e poderá estar muito próxima da taxa social de resiliência. Quer isto dizer que a presente taxa de desemprego juvenil é, talvez, o maior fator de desestabilização política de Angola e tem a potencialidade de derrubar ordens constitucionais e clamar por elementos de ação extra- legais.

É nesta altura que “que lutar contra o desemprego se torna a prioridade das prioridades. (…) Quando é atingido o limiar da tolerância ao desemprego, é preciso agir depressa e em força. Temporizar não serve de nada, nem serve de nada desenvolver um discurso de desculpas assente nas dificuldades económicas.”[4]

Nunca é demais notar que a ascensão de Hitler ao poder e a sua subsequente popularidade nos anos 30 junto do povo alemão se deveu ao desemprego e à solução que deu ao problema. O desemprego alemão ditou a queda da República de Weimar na Alemanha e a instauração da ditadura nazista. O desemprego é o provocador de extremismos e agitações, superior a qualquer outro.

Por isso, se considera que no presente estado económico angolano, o combate ao desemprego juvenil se tornou a prioridade das prioridades.

Combate ao desemprego juvenil e financiamento: o instrumento financeiro autónomo (IFA)

É evidente que a economia privada angolana não tem a capacidade, neste momento, de criar os empregos necessários para fazer sair a taxa de desemprego do seu limiar de crise. Torna-se óbvio que é necessária uma intervenção maciça do Estado para criar emprego até a um nível social aceitável.

Os programas do Estado têm de ser os tradicionais, assentes na construção massiva de infraestruturas, estradas, portos, e indústria estratégica, bem como na formação técnica especializada e envio de jovens para as várias províncias para tarefas de apoio social na área do saneamento básico, habitação, saúde primária e agricultura.

Não servem os paliativos que as economias de mercado adotam nestas situações: subsídio de desemprego, estágios, formação profissional para conversão, benefícios fiscais. Estas políticas só funcionam perante curtas oscilações das curvas de oferta e procura de emprego, não operam em situações estruturais e permanentes de desemprego.

O combate ao desemprego juvenil tem de ser objeto de um massivo programa nacional com efeitos rápidos e que se traduza na oferta de emprego a vários milhões de jovens.

Os economistas clássicos contraporão que o Estado não tem fundos para tais programas abrangentes e maciços. É nesta altura do raciocínio que entra o combate à corrupção. Segundo números agora apresentados, “Angola recuperou seis mil milhões de dólares e apreendeu outros 21 mil milhões no âmbito do confisco de ativos, metade dos quais no exterior.[5]” Não se sabe exatamente quanto destes valores são meramente apreensões provisórias e quantos já se encontram disponíveis para o Estado. O certo é que são quantias apreciáveis.

O conceito que se propõe para o financiamento dos massivos programas contra o desemprego juvenil é simples: todos os programas de financiamento do emprego juvenil serão financiados por um mecanismo exterior ao crédito clássico, criando-se um veículo excecional assente nos ativos apreendidos.

Alguns dos ativos apreendidos, por exemplo, até a um montante de cinco mil milhões de dólares servirão de capital ou garantia de um instrumento financeiro autónomo (IFA) que lançará os programas de fomento ao emprego. O financiamento desse programa terá como base os ativos apreendidos e será pago através de títulos emitidos pelo IFA.

O IFA ou pagará os programas diretamente com os títulos que emite baseados nos ativos apreendidos ou emite títulos de dívida para levantar fundos para esse pagamento. O certo é que criaria dinheiro fora do sistema clássico e permitiria assim criar uma esperança para os desempregados, fazendo a ligação fundamental entre o combate à corrupção e o combate ao desemprego, ligação que reputamos fundamental.

Fig. n. º3- Esquema simplificado do financiamento dos programas de combate ao desemprego

Conclusões

O desemprego juvenil é a maior ameaça à estabilidade política angolana. Há que encarar o tema e criar mecanismos de intervenção maciça do Estado financiados por um Instrumento Financeiro Autónomo suportado por parte dos ativos apreendidos no combate à corrupção.

O IFA pagaria os programas de emprego com títulos baseados nesses ativos.


[1] https://www.imf.org/en/Countries/AGO (consultado a 19 de abril 2023)

[2] https://www.bna.ao/#/pt (consultado a 19 de abril 2023)

[3] Folha de Informação Rápida _ Inquérito ao Emprego em Angola _ IV Trimestre 2022, (INEA 2023), p.9

[4] Jean-François Bouchard, O Banqueiro de Hitler, 2023, p. 2022.

[5] https://observador.pt/2023/04/18/angola-recuperou-6-mil-milhoes-em-dinheiro-e-apreendeu-mais-21-mil-milhoes-em-ativos/ (consultado a 19 de abril de 2023)