Angola e a Administração Trump: Entre a Trump Organization e a diplomacia do desinteresse

Com o regresso de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, Angola encontra-se perante um dilema estratégico que exige uma abordagem realista e desprovida de ilusões. A relação entre os dois países, que conheceu avanços significativos durante a administração Biden — nomeadamente com o investimento no Corredor do Lobito e o reconhecimento de Angola como parceiro estratégico[1] — está agora sujeita à lógica transacional e imprevisível que caracteriza o estilo político de Trump.
A ausência de uma estratégia americana para África
É fundamental reconhecer que os Estados Unidos, sob Trump, deixaram de ter uma estratégia coerente para África. A política externa americana tornou-se errática, centrada em interesses imediatos e pessoais, sem uma visão de longo prazo para o continente. É expectável que, sob a liderança de Trump, os Estados Unidos privilegiem acordos comerciais pontuais, com especial incidência nos setores da exploração de petróleo e mineração. Esta abordagem revela um desinteresse pelas dinâmicas africanas e uma preferência por relações bilaterais que favoreçam diretamente os interesses empresariais do presidente.
O certo é que a política externa dos Estados Unidos para África, sob a liderança de Donald Trump, revela uma ausência preocupante de estratégia, profundidade e compromisso institucional. Ao contrário de administrações anteriores que, mesmo com limitações, procuravam articular uma visão geopolítica para o continente africano, a atual abordagem caracteriza-se por superficialidade, centralização excessiva e desinteresse sistémico.
Um dos sinais mais evidentes dessa desarticulação é a falta de nomeações diplomáticas relevantes. Até julho de 2025, a administração Trump ainda não havia preenchido cargos-chave relacionados com África, incluindo o Subsecretário de Estado para Assuntos Africanos e o Embaixador junto da União Africana¹. Esta lacuna institucional compromete a capacidade dos EUA de manter diálogo estruturado com os países africanos e de responder a crises regionais com eficácia[2].
Além disso, a estrutura diplomática americana está a ser desmantelada. A administração anunciou o encerramento de várias embaixadas e consulados considerados “não essenciais” na África Subsaariana, com o objetivo de reduzir custos e concentrar recursos em regiões consideradas prioritárias. Esta decisão, aliada à extinção de gabinetes temáticos dedicados a direitos humanos, democracia e alterações climáticas, representa um recuo significativo na presença diplomática americana no continente.
A centralização da política africana no Gabinete do Enviado Especial para Assuntos Africanos, subordinado diretamente ao Conselho de Segurança Nacional, em vez do Departamento de Estado, reforça a lógica de controlo político e enfraquece a diplomacia tradicional[3]. Esta mudança institucional reflete uma abordagem mais securitária e menos cooperativa, onde os interesses estratégicos imediatos se sobrepõem ao desenvolvimento sustentável e à estabilidade regional.
No plano da segurança, a nova doutrina americana para África baseia-se na “partilha de encargos”. O Comando Militar dos EUA em África (AFRICOM) anunciou que os países africanos devem assumir maior responsabilidade pela sua própria segurança, com os EUA a reduzirem a sua presença militar e a focarem-se em operações mais letais e pontuais. Esta reconfiguração implica a retirada de apoio logístico, tecnológico e formativo, afetando diretamente a capacidade dos países africanos de combater o extremismo violento e de manter a paz em zonas instáveis.
A política externa americana tornou-se, assim, transacional e oportunista. Em vez de promover parcerias estruturadas, os EUA, como referido, privilegiam acordos pontuais baseados em recursos estratégicos, como petróleo, gás natural e minerais raros.
Países como Angola podem beneficiar de negociações diretas, mas sem garantias de apoio em áreas humanitárias, educativas ou de saúde pública. Esta lógica de curto prazo compromete a construção de relações duradouras e coloca os países africanos numa posição vulnerável.
As implicações geopolíticas desta ausência estratégica são profundas. O vazio deixado pelos EUA está a ser rapidamente preenchido por potências rivais como a China e a Rússia, que intensificaram os seus investimentos em infraestrutura, segurança e formação militar em África[4].
Em suma, a política americana para África sob Trump carece de visão, continuidade e profundidade. A falta de nomeações, os cortes abruptos em programas essenciais e a abordagem transacional revelam uma postura de desinteresse que contrasta com o dinamismo de outras potências globais. África, portanto, enfrenta o desafio de se posicionar com autonomia, diversificar parcerias e exigir respeito estratégico — sem esperar por um “salvador” externo.
Face a este cenário, o que pode Angola fazer?
Hipótese 1: Manter relações institucionais e esperar: a diplomacia do desinteresse
Uma das opções mais sensatas que Angola pode adotar perante a nova administração Trump não é resistir nem confrontar, mas simplesmente ignorar. Trata-se de manter relações diplomáticas formais e funcionais com os Estados Unidos, sem investir energia política ou capital estratégico numa relação que, neste momento, não promete estabilidade nem reciprocidade. Em vez de tentar agradar ou de se proteger ativamente, Angola pode optar por mergulhar na sua própria agenda de desenvolvimento, diversificação de parcerias e afirmação regional, deixando os EUA à margem enquanto persistirem na sua deriva política.
Durante os anos 1980, Angola enfrentou uma pressão intensa por parte da administração Reagan, que apoiava abertamente a UNITA. Na altura, o país respondeu com resistência ativa, simbolizada pelo slogan “Reagan tira as mãos de Angola!”. Hoje, no entanto, o contexto é diferente: não há uma guerra ideológica, mas sim um vazio estratégico. A ausência de uma política americana coerente para África torna desnecessária qualquer forma de resistência. O que se impõe é o desinteresse calculado.
Ao manter uma postura institucional mínima — sem rupturas, mas também sem entusiasmo — Angola protege-se de envolvimentos que possam comprometer a sua soberania ou reputação internacional. Ignorar, neste caso, é uma forma de inteligência diplomática: não se trata de esperar por melhores dias, mas de não perder tempo com interlocutores que não têm uma proposta clara.
É verdade que esta abordagem pode implicar a perda de oportunidades de investimento imediato, sobretudo em setores como energia ou infraestruturas. Pode também significar uma certa marginalização nas prioridades comerciais dos EUA. No entanto, esses riscos são relativizados pela própria realidade americana: a ausência de uma estratégia para África torna qualquer esforço de aproximação irrelevante. Os Estados Unidos, sob Trump, não parecem interessados em manter relações estruturadas com o continente — e Angola não tem obrigação de preencher esse vazio.
Ao invés de tentar interpretar ou influenciar uma política externa errática, Angola pode concentrar-se em aprofundar relações com parceiros que demonstram compromisso e visão de longo prazo — como a União Europeia, a Índia, os países do Golfo e os blocos africanos. A diplomacia do desinteresse, neste caso, não é passividade: é foco.
Hipótese 2: Agradar aos interesses privados de Trump: pragmatismo comercial
A segunda hipótese é mais pragmática: Angola poderia oferecer oportunidades comerciais à Trump Organization, como forma de garantir atenção e investimento. Esta abordagem já foi adotada por países como o Qatar e o Vietname, com resultados concretos.
O Qatar ofereceu a Trump um Boeing 747 avaliado em 400 milhões de dólares, além de um projeto imobiliário da Trump Organization em Doha, aquando da visita de Trump ao país.
O envolvimento da Trump Organization no Vietname representa outro exemplo claro de como países podem adotar uma abordagem pragmática e comercial para cultivar relações com a administração Trump.
Em maio de 2025, foi lançada oficialmente a construção do Trump International Hung Yen, um megaempreendimento imobiliário e turístico avaliado em 1,5 mil milhões de dólares, localizado na província de Hung Yen, a sul de Hanói.Este projeto, desenvolvido em parceria com a Kinh Bac City Development Holding Corporation, cobre cerca de 990 hectares e inclui dois campos de golfe de padrão internacional, um hotel cinco estrelas, vilas de luxo e uma zona urbana moderna. A Trump Organization receberá 5 milhões de dólares em licenças de marca e assumirá a gestão do complexo após a sua conclusão, prevista para o segundo trimestre de 2029. Durante a cerimónia de lançamento, estiveram presentes Eric Trump, vice-presidente executivo da Trump Organization, e o Primeiro-Ministro vietnamita Pham Minh Chinh, que destacou o projeto como um marco na Parceria Estratégica Abrangente entre os EUA e o Vietname. O projeto foi descrito como um símbolo de excelência e compromisso com o desenvolvimento sustentável, com promessas de criação de empregos, transferência de tecnologia e promoção da imagem internacional do Vietname. Além disso, a Trump Organization está em negociações para desenvolver um arranha-céus em Ho Chi Minh City, na zona de Thu Thiem, o que reforça a intenção de expandir a presença da marca Trump no país[5].
O caso vietnamita mostra como um país pode “agradar” a Trump através de investimentos que envolvem diretamente a sua organização empresarial, garantindo visibilidade e benefícios económicos imediatos.
Para Angola, esta abordagem pode representar uma oportunidade estratégica para atrair investimentos diretos e imediatos em setores-chave como o petróleo, a mineração e o turismo. Ao estabelecer parcerias com a Trump Organization, Angola poderá beneficiar da visibilidade internacional da marca, impulsionar projetos de grande escala e posicionar-se como destino preferencial para investidores americanos. Esta aproximação pode também abrir portas a novas formas de cooperação económica, reforçando a presença angolana em mercados globais e diversificando as suas fontes de financiamento e desenvolvimento.
Considerações finais: entre o pragmatismo e a prudência
Angola deve reconhecer que os Estados Unidos, sob Trump, não têm uma estratégia para África. Como observou um anterior relatório da CEDESA, “há um absentismo americano em África”. Esta ausência de direção exige que Angola adote uma política externa mais calculista, orientada para os seus próprios interesses.
A chave está em equilibrar pragmatismo com prudência.
Num mundo pós-internacional, onde os tratados são ignorados e as alianças são fluidas, Angola deve posicionar-se como um ator soberano, capaz de negociar com firmeza e proteger os seus interesses. A relação com os Estados Unidos sob Trump não deve ser guiada por ilusões, mas por uma estratégia clara, pragmática e orientada para o desenvolvimento sustentável.
[1] Jornal Económico, Joe Biden será o primeiro presidente dos EUA a visitar oficialmente Angola, 2024. https://jornaleconomico.pt/noticias/joe-biden-sera-o-primeiro-presidente-dos-eua-a-visitar-oficialmente-angola-1098433
[2] Horn Review, Realigning Priorities: U.S.–Africa Policy Across Two Trump Presidencies, 2025. https://hornreview.org/us-africa-policy-trump-2025
[3] Idem
[4] African Security Analysis, As America Pulls Back, Russia and China Step In Across Africa, maio de 2025.
[5] The Independent – Vietnam fast-tracks $1.5B Trump golf resort amid tariff threats https://www.independent.co.uk/news/world/americas/us-politics/vietnam-trump-trade-tariffs-golf-course-b2757581.html