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A oportunidade das Privatizações em Angola. Análise 2020

Introdução

O programa de privatizações correntemente em curso em Angola tem um alcance nunca antes delineado no país e merece atenção redobrada da comunidade de negócios internacional.

Legislação

A fundamentação normativa do programa de privatizações angolano encontra-se na Lei de Bases das Privatizações (Lei n.º 10/19, de 14 de Maio) e no ProPriv (Decreto Presidencial n.º 250/19 de 5 de Agosto). Também tem relevo a Lei do Investimento Privado ((Lei n.º 10/18, de 26 de Junho).

Tabela 1-Normas legais básicas das Privatizações

Lei de Bases das Privatizações Lei n.º 10/19, 14 de Maio
ProPriv Decreto Presidencial n.º 250/19, 5 de Agosto
Lei do Investimento Privado Lei n.º 10/18, 26 de Junho

Termos de referência

Nos termos do ProPriv serão privatizadas 195 entidades públicas durante 4 anos de programa (2019-2022). Essas entidades foram agrupadas em quatro sectores: Empresas de Referência Nacional, Empresas Participadas e activos da Sonangol, Unidades industriais da Zona Económica Especial (ZEE) e Outras Empresas e Activos a Privatizar. Os sectores da actividade a que se referem as privatizações são diversos: recursos minerais e petróleos, telecomunicações e tecnologias da informação, finanças, transportes, economia e planeamento, hotelaria e turismo, indústrias, agricultura, pescas.

Na lista de empresas a privatizar temos as mais importantes do país como a Sonangol (petróleos), a Endiama (diamantes), Unitel (telecomunicações), TAAG (aviação), Banco Económico (ex-Besa, banco), ENSA (companhia de seguros), CUCA (cervejas), e também outro género de entidades mais modestas como o Centro Infantil 1 de Junho, a Fazenda Pungo-Andongo ou a INDUPLAS (indústria de sacos plásticos). É, portanto, um programa vasto e abrangente.

Tabela 2-Elementos fundamentais das Privatizações

Concretização

Até ao momento, o programa de privatizações concentrou-se em pequenas indústrias e entidades. Em 2019, Angola obteve 16 milhões de dólares com a privatização de cinco fábricas, que tinham custado aproximadamente 30 milhões de dólares. Para 2020, foi anunciada a 2.ª fase de privatizações que engloba 13 unidades fabris localizadas na Zona Económica Luanda/Bengo. As fábricas operam na área das embalagens metálicas, betão, carpintaria, sacos plásticos, tintas e vernizes, torres metálicas, tubos em PVC, telhas metálicas, acessórios em PVC, vedações, absorventes e sacos para cimento.

Também, avançada vai a privatização de vários empreendimentos agro-pecuários, bem como alguns activos pertencentes à Sonangol.

Vantagens e oportunidades

Este vasto programa de privatizações afigura-se extremamente atractivo para o investidor estrangeiro devido a vários motivos, nomeadamente:

  • Garantia de Qualidade IFC/Banco Mundial. O programa de privatização está a ser feito com o enquadramento da IFC-International Finance Corporation, entidade pertencente ao Banco Mundial que presta serviços de investimento, consultoria e administração de activos para incentivar o desempenho do sector privado em países menos desenvolvidos. A IFC garante a projecção global do projecto e o selo de garantia do Banco Mundial nos procedimentos seguidos, além de ser um parceiro experiente e conhecedor das regras globais. Deste modo, o processo de privatização angolano surge com uma certificação de qualidade apreciável que poderá tranquilizar os investidores estrangeiros.
  • Reforço institucional e da protecção da propriedade em curso. O presente governo está empenhado na solidificação das instituições, na transparência de processos e na protecção adequada dos direitos de propriedade através da promoção do Estado de Direito. Este não é um processo imediato que permita afastar rapidamente os riscos associados à perda de investimentos em Angola, sobretudo para parceiros locais. Contudo, é uma tendência já em movimento e num sentido de progresso. Neste âmbito é importante realçar a aprovação da nova Lei de Investimento Privado (Lei n.º 10/18, de 26 de Junho) que expressamente confere garantias legais a investidores referentes aos seus direitos, propriedade e também garantias jurisdicionais (artigos 14.º, 15.º e 16.º da referida Lei). Além do mais a mesma norma deixa cair a exigência de parceiro local para qualquer investimento estrangeiro, que como se sabe era a fonte dos maiores abusos e fraudes em relação ao investidor não-nacional. E também o investimento deixou de ser precedido de autorização, bastando o mero registo.
  • Reforma económica de sentido liberalizante. O executivo liderado por João Lourenço, com o apoio dos técnicos do Fundo Monetário Internacional, está a desenvolver um programa económico de liberalização da economia assente no aumento da competição entre empresas e na redução das barreiras à entrada nos mercados. Tal torna-se acentuado na ligação ao combate à corrupção que tem como consequência imediata, em termos económicos, a quebra dos monopólios e oligopólios existentes no país e que limitavam a competição, além de imporem preços mais elevados e terem práticas abusivas do ponto de vista fiscal. Consequentemente, além do reforço jurídico, a componente económica parece mais preparada para uma economia de mercado funcional.
  • Empresas apetecíveis. Para privatizar estão empresas com grande atracção mundial como a Sonangol, a Endiama ou a Unitel. São o que se pode chamar as Blue Chips de Angola que oferecerão um potencial de crescimento muito grande ao investidor uma vez submetidas a uma disciplina de gestão rigorosa, investimento racionalizado e optimização das suas valências. Num momento, em que a economia africana por força de demografia e das complementaridades com a Ásia que actuam como determinantes, tem um potencial de crescimento aumentado, torna-se uma boa aposta investir em empresas de porte ligadas aos recursos naturais e às comunicações em Angola.
  • Pequenas e médias empresas com nichos de mercado atraentes. O interessante do programa é que o universo de empresas a privatizar é vasto e diverso. Nesse âmbito surgem várias pequenas e médias empresas que podem ser base para pequenos investidores que queiram explorar nichos de mercado em Angola ou África Austral a partir de uma plataforma tendente a ser business friendly e em desenvolvimento infra-estrutural. Em África, o potencial das pequenas e médias empresas é muito grande. Alguns inquéritos levados a cabo em províncias específicas da África do Sul, de forma encorajadora, concluem que 94% das pequenas empresas pesquisadas são lucrativas, enquanto, 75% dos proprietários de pequenas empresas acreditam que ganham mais dinheiro administrando os seus próprios negócios do que em qualquer outra alternativa. As áreas abrangidas por estas empresas são muito diversas: viagens, turismo e hotelaria; agro-pecuária; cervejeiras; etc.
  • Os problemas das empresas não são estruturais. As empresas a privatizar sofrem, essencialmente, dois tipos de problemas: gestão incompetente e falta de capital. Qualquer novo investidor que aporte uma gestão profissional e dinheiro fresco para a empresa, poderá explorar as suas potencialidades com sucesso. Os mercados ainda estão por desenvolver e longe de serem maduros, consequentemente, há um caminho muito amplo e estimulante para empresas com capital e gestão profissional.
  • Alta taxa de retorno do investimento. Atendendo às necessidades ainda emergentes do mercado angolano e às possibilidades que a integração na SADC (Comunidade de Desenvolvimento da África Austral) vem trazer, as perspectivas de obtenção de altas taxas de lucro são elevadas. Na verdade, conta-se com mão-de-obra com custos reduzidos, desde que se aposte no desenvolvimento da formação local e com uma extensão de mercado muito grande. Estes dois factores auguram crescimento e retorno do capital estimulante.

Tabela 3 – Motivos de atracção das Privatizações em Angola

•          Garantia de Qualidade IFC/Banco Mundial
•          Reforço institucional e da protecção da propriedade em curso
•          Reforma económica de sentido liberalizante
•          Empresas apetecíveis
•          Pequenas e médias empresas com nichos de mercado atraentes
•          Os problemas das empresas não são estruturais
•          Alta taxa de retorno do investimento

Problemas a resolver

Os problemas que se vislumbram são de três tipos: burocrático-administrativos e avaliação da situação real das empresas. Falta também clareza de propósitos em relação às grandes empresas e bancos.

Sobre a questão burocrática-administrativa há que salientar a multitude das entidades coordenadoras. O Presidente da República surge como o líder e coordenador estratégico, mas depois temos o Ministro de Estado da Coordenação Económica como coordenador geral do programa, a Secretaria de Estado das Finanças e Tesouro no âmbito do Ministério das Finanças como coordenador operacional, cada Ministério de Tutela Sectorial terá funções de partilha de informação e dados das empresas que actuam no sector. O Instituto de Gestão dos Activos e Participações do Estado (IGAPE) como gestor e executor do programa, além de outras instituições com papéis específicos. Talvez por isso, todos os cronogramas têm sido ultrapassados. Até meados de Fevereiro de 2020 estava previsto serem privatizados cerca de 50 empresas. O número como se viu anteriormente é muito mais reduzido. Na verdade, o programa de privatizações não atingiu uma fase de dinâmica entusiasmante, o chamado momentum.

Czar das Privatizações”

É fundamental conferir às privatizações uma dinâmica acelerada. Para tal a melhor solução é nomear aquilo que se pode chamar um “Czar das Privatizações”. Alguém da confiança do Presidente da República que debaixo apenas do seu comando dirija as privatizações com poderes legais para se instruir qualquer ministro ou órgão e se sobrepôr decidindo concentrando as competências e poderes para as privatizações.

Problemas técnicos

Os restantes tipos de problemas são de carácter mais técnico. Em relação a muitas empresas não se tem uma noção exacta dos seus valores ou das eventuais perdas escondidas que existam. Por exemplo, em relação à banca o processo tem encontrado várias situações em que são detectadas imparidades desconhecidas que exigem recapitalização ou níveis de incumprimento de alguns indicadores de equilíbrio financeiro, designadamente excessiva concentração de aplicações em imóveis de baixa rentabilidade.

Não está feito um trabalho de auditoria interna às empresas a privatizar. Tal implica, obviamente, que os investidores corram riscos. A resposta que não se pode dar é que se terá de realizar uma auditoria interna exaustiva a cada uma das 195 empresas. Isso será impossível e obrigaria a um atraso infindável das privatizações.

Assim, haverá que prever eventuais mecanismos de compensação estatal caso se encontrem imparidades a partir de certo nível, imputando a responsabilidade abaixo desse nível aos compradores. Simultaneamente, em casos duvidosos, o Estado terá de vender com um desconto acentuado.  E confiar que uma gestão privada adequada permitirá solucionar a maior parte dos casos.

Na verdade, o ponto essencial do programa de privatizações, mais do que obter receitas para o Estado, é criar uma gestão profissional assente em investimento que contribua para a estruturação de mercados florescentes, pelo que se justifica vender com desconto ou suportar eventuais imparidades não detectadas previamente. É um risco que o Estado deve aceitar para obter o tão almejado objectivo de criar uma economia de mercado livre competitiva.

Finalmente, em relação às grandes empresas deve ser definido e divulgado publicamente o programa total de privatização com referência aos montantes percentuais a ser oferecido ao mercado, as datas e demais condicionantes qualificativas. Ainda há muito desconhecimento nos mercados nacionais e internacionais sobre o modo de privatização destas empresas.

RECOMENDAÇÕES AOS INVESTIDORES:
Para grandes investidores, as Blue Chips angolanas que vão ser submetidas à privatização têm vastas potencialidades de crescimento e racionalização de custos e organização, pelo que podem aportar taxas de retorno de investimento bastante elevadas;
Para pequenos e médios empresários existe uma panóplia de empresas que podem servir de plataforma de lançamento de negócios de porte moderado;
Em geral, atendendo ao clima social shumpeteriano positivo que está a ser criado, há uma forte recomendação de participação e compra no processo de privatizações em Angola.

RECOMENDAÇÕES AO ESTADO ANGOLANO:
Para obviar a atrasos e alguma confusão administrativa e de decisão, deve ser instituído um “Czar das Privatizações” dirigido directamente pelo Presidente da República e com poderes legais delegados que lhe permita executar as privatizações;
Devem existir mecanismos de compensação da falta de auditoria interna das companhias;
Devem ser clarificados os mecanismos de repatriamento de capital para investidores;
É necessária a clarificação com datas, percentagens e condições específicas das privatizações a ocorrer nas grandes companhias de referência (Blue Chips).

Indicadores monetários angolanos indiciam animação da economia

Os dados mais recentes libertados pelo Comité de Política Monetária (CPM-BNA) do Banco Nacional de Angola de 27 de Janeiro de 2020 indiciam uma recuperação sustentada a médio prazo da economia angolana.

INTRODUÇÃO

A análise monetária proveniente dos números destacados pelo CPM-BNA concentra-se num horizonte de longo prazo, que permite uma verificação mais fina que os dados macroeconómicos de curto-prazo, designadamente da evolução esperada entre inflação e crescimento económico. A análise monetária agora realizada resulta da utilização de vários instrumentos e ferramentas proporcionados pelo CPM-BNA que permitem conclusões abrangentes acerca do sentido de vários indicadores.

INFLAÇÃO EM DESACELERAÇÃO

No mês de Dezembro de 2019, o Índice de Preços no Consumidor Nacional (IPCN) divulgado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) apresentou uma variação de 1,91%. A inflação anual manteve a trajectória de desaceleração, tendo-se fixado em 16,9%, atingindo o nível mais baixo desde 2015 (12,09%). Relativamente ao Índice de Preços no Consumidor da província de Luanda, este registou uma inflação acumulada no ano de 17,06%; uma redução de 1,15 p.p. face ao ano anterior (18,21%).

Figura 1-Valores da Inflação em percentagem (IPCN) nos anos 2018 e 2019-Dados BNA

A primeira conclusão é que o aumento dos preços começou a estar controlado e a seguir uma trajectória descendente. Aquilo que se designa como processo desinflacionista está em curso, o que é significativo atendendo ao aumento da tarifa de energia eléctrica, a introdução do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) – 14% (único país da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral onde não vigorava este imposto)  e do Imposto Especial de Consumo (IEC), bem como da depreciação cambial ocorrida particularmente no último trimestre de 2019.

AUMENTO DA MASSA MONETÁRIA EM CIRCULAÇÃO

Em Dezembro de 2019 a Base Monetária em moeda nacional situou-se em Kz 1,59 biliões, registando uma variação anual de 22,21%. O agregado monetário M2 em moeda nacional, que congrega a totalidade dos depósitos bancários em moeda nacional e as notas e moedas em poder do público, registou uma variação nos últimos 12 meses de 14,45%, fixando-se em Kz 4,85 biliões.

Adicionalmente, se verificarmos o agregado M3 (M2+Outros instrumentos equiparáveis a depósitos), e que é a medida utilizada, entre outros, pelo Banco Central Europeu, notaremos que entre Abril de 2019 e Dezembro do mesmo ano houve um aumento deste agregado de Kz 7, 93 biliões para Kz 10,27 biliões. Historicamente, nos anos de 2016, M3 era igual a Kz 6,522 biliões, 2017, Kz 6,521 biliões, e 2018, Kz 7,8 biliões. É no período que medeia entre Abril de 2019 e Dezembro do mesmo ano que o agregado M3 cresce exponencialmente.

Figura 2-Evolução do agregado monetário M3-Dados BNA


REFORÇO DAS RESERVAS

No que concerne às reservas internacionais, registou-se uma acumulação tanto das Reservas Internacionais Brutas (RIB) como das Reservas Internacionais Líquidas (RIL). As RIB situaram-se em USD 17,34 mil milhões em Dezembro de 2019, contra USD 16,17 mil milhões no ano anterior (+7,22%), representando um grau de cobertura de importações de bens e serviços de 8,45 meses.

As Reservas Internacionais Líquidas tiveram o mesmo comportamento, tendo-se situado em USD 11,84 mil milhões, o que representou um aumento de 11,19% face ao ano anterior, cenário de aumento anual de reservas que não ocorria desde 2013.

INFERÊNCIAS & CONCLUSÕES

Estes números têm de ser confrontados com as séries históricas para permitir comparações adequadas e inferências aceitáveis. E o que se verifica, é que a política anterior do banco central foi de redução/ contenção da massa monetária em circulação para controlar a inflação. Apesar dessa política monetária restritiva, a inflação foi sempre subindo.

Actualmente, algo de diferente se está a passar. A massa monetária cresceu, sobretudo M3, aumentou significativamente no segundo semestre de 2019, o que indiciaria uma renovada pressão inflacionista. Contudo, o CPM entendeu não ser necessário subir a taxa de juro para obviar a qualquer efeito-gatilho nos preços. Possivelmente, os agentes económicos já anteciparam os efeitos das subidas de impostos e tarifas, e a oferta de bens e serviços compensou em boa parte a procura.

É na possibilidade da oferta estar a fazer face à procura, que surgem indicadores de optimismo para a economia angolana. Se uma subida acentuada de M3 não faz disparar a inflação, existe razão para optimismo moderado. Há mais dinheiro e mais actividade na economia.

Como se vê na Figura n.º 3 abaixo, uma subida de M3 (linha laranja) não está a gerar uma subida da inflação (linha azul) como se esperaria. Os restantes agregados têm o mesmo comportamento que M3. Pelo contrário, a inflação desce enquanto a moeda em circulação aumenta.

Figura 3-Comparação da evolução da Inflação e do agregado M3

Nos termos da igualdade de Fisher MV=PT, quando um acréscimo de M (massa monetária) já não tem o impacto histórico passado em P(preços) e assumindo que V (velocidade de circulação) é constante, então, é provável que a igualdade esteja a ser concretizada através de um acréscimo de T (volume de transacções de bens e serviços).

Tudo isto indica que a economia real começa a dar sinais de retoma, que permite que mais dinheiro circule sem fazer disparar a inflação.

Isto poderá ser um primeiro indício da recuperação da actividade económica no país.

Quais as razões para a economia estar estagnada e a pobreza continuar?

Poderíamos começar a explicação utilizando um jargão académico, afirmando que estamos perante um ciclo de recessão e estagnação da economia que já vem desde 2014, e que estes ciclos têm explicação difícil e resolução ainda mais complicada, podendo-se prolongar duradouramente no tempo. Também, é possível afirmar algo de básico na economia, que é que as políticas económicas têm uma dilação acentuada, querendo isto dizer que demoram tempo a surtir efeito, pelo que medidas que João Lourenço tenha tomado recentemente, só daqui a um ano ou dois terão resultados práticos.

No entanto, a explicação para os problemas económicos pode ser simplificada e assentará em dois aspectos: um estrutural e outro de política económica actual.

Do ponto de vista estrutural, é sabido que a economia angolana é extremamente dependente do petróleo e que o preço deste está em queda desde 2014. Se olharmos para os números, em 20 de Junho de 2014, o preço do barril/brent situava-se nos U$ 114,81. A partir de Agosto desse ano, o preço inicia a sua descida abrupta, e nunca mais se aproximou dos U$ 100,00. O mais próximo que esteve foi em 3 de Outubro de 2018, nos U$ 86,26, tendo, todavia, descido rapidamente. Actualmente, o preço situa-se próximo dos U$ 60,00, tal significando que está em cerca de metade do que acontecia em 2014.

É assim fácil perceber que um país dependente em excesso do petróleo (ainda segundo os últimos dados do Banco Mundial, 90% das exportações e 33% da produção nacional total derivavam do petróleo) está armadilhado por esta dependência. Dir-se-á que não devia ser assim, que já deveriam estar em cima da mesa alternativas.

A realidade é que este modelo foi o escolhido após 2002. Um crescimento rápido assente no petróleo. O desastre é que os frutos desse crescimento foram apropriados por muito poucas pessoas, e não houve um real efeito na economia, nem a criação de uma economia nacional; apenas foram criadas fortunas nacionais que se apressaram a investir a maior parte dos seus proventos no estrangeiro. Ora, não é em dois anos que se resolve esse problema.

A transformação estrutural de uma economia leva tempo e é dolorosa. Existe sempre uma primeira fase em que a situação piora, as pessoas sofrem mais, os sacrifícios são maiores. Surgem na memória dois exemplos. No final dos anos 1970, o Reino Unido era considerado um país em decadência, cujo tesouro só não faliu devido a uma intervenção do Fundo Monetário Internacional (FMI) em 1976. A Grã-Bretanha inicia, nos anos 1980, um grande esforço de recuperação liderado por Margareth Thatcher. Contudo, a situação antes de melhorar, piorou, o desemprego alcançou números exorbitantes, na casa do milhão, e a economia continuou estagnada. Tal levou 364 dos mais famosos economistas em Inglaterra a escreverem uma carta a Thatcher afirmando que a política económica dela estava totalmente errada…Curiosamente, quando essa carta vem a público, é quando a economia começa a melhorar e a relançar o Reino Unido para um novo patamar de prosperidade. Os economistas enganaram-se, mas a recuperação não se fez sem muito desemprego e falência, sem muito sacrifício. Em termos mais singelos, também o que se passou em Portugal com a última crise de 2011 e a política de Passos Coelho, não foi muito diferente, embora mais concentrado. Portugal também passou por uns tempos amargos, para depois recuperar, embora não se saiba por quanto tempo. Isto quer dizer que qualquer adaptação estrutural da economia é dolorosa e leva tempo.

A questão que se segue é se João Lourenço está a realizar ou não uma reforma estrutural da economia.  Se o Presidente da República não é responsável pelo estado comatoso em que encontrou a economia e as finanças públicas de Angola, já é imperativo que tome as medidas adequadas para sair desse estado e informe a população do seu rumo e da sua política. É aqui que tem havido confusão. Ainda não se viu claramente o plano e o rumo de Lourenço em termos económicos, tem havido um afinamento de equipas, algumas medidas, mas ainda pouca clareza.

Têm de ser enunciadas e explicitadas, por uma equipa coesa e com sentido de direcção, as políticas estruturais que vão trazer progresso e prosperidade a Angola.

A intervenção do Estado na Economia no âmbito da reestruturação

Introdução

O argumento fundamental deste texto é que a decisão política condiciona o modelo económico, portanto, não se pode desligar a actuação do governo do funcionamento da economia. Há seis anos em crise profunda, a economia angolana necessita duma profunda reforma estrutural. Na verdade, o modelo assente no consumo desenfreado e na produção de petróleo terminou, levou o país a um “beco sem saída”. Por isso, desde 2014 que definha sem encontrar soluções de crescimento. Em 2015, o PIB já cresceu apenas 0,9%, em 2016, decresceu -2,58%, 2017,-0,14% e 2018,- 2,1%. É uma longa e penosa recessão. É necessária a intervenção do Estado para promover uma intensa reforma da estrutura da economia, do modelo de desenvolvimento adoptado, pelo menos, desde 2002.

Tabela 1 – Comparação simbólica da evolução do PIB angolano com o preço do petróleo[1]

Se analisarmos o quadro acima exposto, apesar da sua visão esquemática, verificamos que numa primeira fase, existe uma ligação entre o preço do petróleo e o crescimento da economia angolana, embora haja um certo desfasamento, i.e., a baixa do preço do petróleo demora algum tempo a repercutir-se na economia. Isso verifica-se em 2014, que ainda é um ano de crescimento do PIB, apesar de a meio do período o preço do barril sofrer uma queda, da qual nunca recuperou. Durante os anos seguintes, a recessão económica acompanha a diminuição do preço do petróleo. Essa relação razoavelmente directa deixa de se verificar em 2018, altura em que o preço do barril aumenta, passada de 47 USD em Junho de 2017 para 75 USD em Junho de 2018, e a economia afunda-se numa maior recessão. Duas explicações poderão ser adiantadas para tal evento. O primeiro é o desfasamento já referido. O impacto das variações do preço de petróleo demora tempo a surtir efeito na economia real. Todavia é possível uma outra explicação, que resulta do facto de a maioria das políticas seguidas pelo novo Presidente serem de cariz recessivo, pelo que, pelo menos numa primeira fase, aprofundam a recessão. Na verdade, a desvalorização cambial aliada a uma diminuição da massa monetária em circulação para controlar pressões inflacionistas, o corte na despesa e o aumento/criação de impostos tem um efeito recessivo na economia. É por isso, que argumentaremos que a mera adopção de políticas do Fundo Monetário Internacional não chega para sair da crise e lançar um novo modelo de crescimento. É preciso mais.

No modelo proposto não está em causa que a forma de garantir crescimento resulta manifestamente da institucionalização séria de uma economia de mercado liberal. A questão que se coloca é qual o papel do Estado para criar essa economia, assegurar o seu desenvolvimento e manutenção. O mercado não se cria sozinho.

Quer isto dizer que as mais fundamentais decisões económicas são de cariz político e não estritamente técnico. Angola atravessa um momento em que é confrontada com a necessidade de tomar esse tipo de decisão. Numa primeira fase, após a independência, seguiu o modelo de planificação central inspirado na experiência marxista e estalinista, envolvido pelas necessidades da guerra civil. Tal aproximação durou entre 1975 e 1992. Nesta última data, houve a decisão constitucional de introduzir a economia de mercado e abandonar a experiência socialista. A questão é que esta economia de mercado tornou-se numa “economia falsa de mercado” e confirmou o velho dito do pensador radicado na Grã-Bretanha Isaiah Berlin ““Freedom for the wolves has often meant death to the sheep” (A liberdade dos lobos muitas vezes significou a morte das ovelhas). Na verdade, tivemos uma “economia dos lobos” que tudo comeram e mataram. Não foi uma economia de mercado, mas de devastação felina.

A actuação estrutural do Governo para sair da crise

Chegamos a 2014, e à crise profunda e estrutural da economia angolana. Depois de anos de hesitações, em 2017, o novo Presidente da República, João Lourenço, tenta enfrentar a crise clamando por um novo modelo económico. O Presidente parece apostar naquilo que, para simplificar, chamaremos o modelo FMI-mercado. Estando com os instintos certos, a realidade é que este modelo não chega, nem garante a sustentabilidade da economia angolana por si só, podendo tornar-se numa “economia dos lobos II”.

Vejamos dois exemplos práticos e façamos algumas considerações históricas sumárias. Um primeiro exemplo, liga-se à redução/ eliminação dos subsídios aos combustíveis de uso corrente. Tal medida tem sido ampla e veementemente defendida pelo FMI (Fundo Monetário Internacional). O problema desta medida é que não existe um mercado de distribuição de combustíveis. O que neste momento prepondera é uma situação oligopolista em que essencialmente dois actores (Sonangol e Pumangol) dominam o mercado. Assim, têm poder para fixar os preços no nível que entendam. Se o Estado retirar os subsídios, é a população que vai sofrer o embate e os aumentos, mantendo-se as empresas numa situação de domínio, significando isto que passará a ser o povo a subsidiar os preços altos praticados pelo oligopólio e não o Estado. Ora o que se deveria fazer, antes de retirar os subsídios era criar um verdadeiro mercado concorrencial de distribuição de combustíveis em que empresas em concorrência perfeita competissem, remetendo os preços para o seu nível de equilíbrio. Primeiro, há que criar mercados e depois deixá-los funcionar. Não se pode entregar sectores ao mercado, quando este não existe…

Um segundo exemplo, também prático, foi levantado pelo Presidente João Lourenço recentemente, quando disse que não estava a existir novo investimento. Como se vê não basta uma retórica FMI ou anúncios esparsos para se obter investimento. É necessário promover aquilo que o economista austríaco Joseph Schumpeter chamava “clima social”, uma situação em que há um ambiente geralmente favorável ao empresário e ao investimento; isto envolve tribunais independentes e a funcionar, instituições financeiras eficientes e sem compadrios, impostos moderados, liberdade de circulação, instituições consistentes. Em resumo, o investidor tem de ter confiança que traz o seu dinheiro e não fica sem ele. Também há aqui um trabalho de construção de “clima social” que ainda está no início.

Significativamente, as primeiras medidas que o executivo tem de tomar são de criação de mercados e de condições gerais de confiança nas instituições. São, por isso, medidas essencialmente políticas.

Também, há que assinalar que os actuais países que estão na primeira linha das economias de mercado, como os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, tiveram os seus arranques industriais com alguma protecção face ao exterior. Basta lembrar o Navigation Act de 1651 na Grã-Bretanha, e as medidas proteccionistas do século XIX nos Estados Unidos.

Um processo de desenvolvimento tem de apostar num “fine-tuning” (afinação) entre Estado e mercado. Repetindo a ideia, não se pode deixar o mercado funcionar quando não há mercado. A primeira tarefa é política, criar instituições, mercados e ambiente adequado.

Cinco vectores de mudança

Nessa medida, defende-se que o Governo angolano terá pela frente cinco tarefas fundamentais para criar o novo modelo económico:

1-Luta contra a corrupção. Ao contrário do que muitos insignes economistas afirmam, a luta contra a corrupção é um verdadeiro programa económico. A razão é simples. Sendo os recursos de um país escassos e limitados, o dinheiro desviado pela corrupção (entendida em sentido alargado) acaba por não ser aplicado na economia nacional, são recursos desperdiçados. Ora esses recursos têm de voltar à economia. Imaginemos que a economia angolana produz anualmente 100 unidades. Se 80 unidades são desviadas pela corrupção e vão parar ao estrangeiro, a bens de luxo importados ou ficam entesourados, não produzem nada. A economia apenas fica com 20 de onde sairá o investimento. O primeiro papel do Estado é evitar os desvios de recursos da economia nacional. Assim, a luta contra a corrupção, devido à magnitude que assumiu em Angola é tarefa primordial do Governo.

2-Infra-estruturas. O segundo papel do Governo é óbvio e consiste na construção de infra-estrutuas básicas para o desenvolvimento: aeroportos, portos, estradas, redes de telecomunicações, hospitais e escolas.

3-Instituições, clima social e criação de mercado. Esta será das tarefas mais importantes do Governo, que é dotar o país de instituições credíveis, tribunais que funcionem rapidamente e de forma imparcial, repartições públicas que atendam bem e com celeridade e agências de investimento transparentes. No fundo, o referido “clima social”. Além disso, nos sectores onde não existem mercados concorrenciais, criá-los, promover a entrada de novas empresas nesses sectores e levantar as barreiras legais, administrativas e técnicas a esses novos acessos.

4-Kick-Start estratégicos. O próprio Governo há-de reflectir quais são as áreas que reputa essenciais para o desenvolvimento do país e aí deve investir ou promover o investimento em empresas mistas que ocupem espaços não requeridos pelos privados.

5- Proteccionismo deslizante. Finalmente, naquelas actividades que estejam a nascer em Angola, devem ser adoptadas medidas de proteccionismo deslizante, isto é, será necessário acompanhar o crescimento dessas actividades até que elas se sintam fortes para enfrentar a concorrência. Lembremo-nos que o denominado “pai” do liberalismo económico, Adam Smith, defendia a protecção do Estado às “indústrias nascentes”, é este conceito que aqui se aplica.

Tabela 2 – Cinco áreas de intervenção do Governo para reformar a Economia

Luta contra a corrupção
Infra-estruturas
Instituições, clima social e criação de mercado
Kick-start estratégicos
Proteccionismo deslizante

Defendendo um modelo básico liberal para Angola, há que perceber que este é um ponto de chegada e não de partida. O ponto de partida é um conjunto de políticas articuladas que simultaneamente promovam o mercado e criem um Estado ágil e inteligente.


[1] Dados do PIB obtidos no Banco Mundial, IBRD-IBA Data. Preço do Petróleo com referência a Junho de cada ano. Barril/Brent.