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Condições e soluções para a retirada do subsídio aos combustíveis em Angola

Resumo da política proposta

Neste documento apresentam-se condições necessárias e soluções possíveis para a retirada do subsídio aos combustíveis em Angola.

1-As condições necessárias são:

a) Criação de Mecanismo de Transparência de fluxos financeiros orçamentais. O destino das poupanças realizadas com a retirada dos subsídios, enfatizando aspetos sociais;

b) Modificação da estrutura de mercado oligopolista. Promoção de concorrência no mercado da distribuição de combustíveis. Uma hipótese é a cisão da Sonangol Distribuição em três entidades e privatização de duas delas.

2-As soluções possíveis são:

a) Foco no sujeito

aa) Subsídio direto aos mais desfavorecidos e passe social

ab) Subsídio direto às empresas

ac)Benefício fiscal /Imposto negativo a aa) e ab)

b) Foco no objeto

ba) Preços de combustível subsidiado continua para veículos de cilindrada inferior

bb) Preços de combustível subsidiados continuam para empresas de transporte e similares

c) Sistemas compósitos

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Eliminação subsídios aos combustíveis: FMI e Vera Daves

É uma parte integrante de qualquer intervenção do Fundo Monetário Internacional (FMI) mandar retirar subsídios aos combustíveis, onde estes existam. Naturalmente, que a mesma cartilha foi seguida em Angola criando esse ônus ao governo angolano.

Em termos de política fiscal, no recente Staff Report de acordo com o artigo IV o Fundo torna esta a principal medida a tomar ao nível da política fiscal, prescrevendo que: “as autoridades precisam tomar uma ação política para aumentar as receitas fiscais não petrolíferas e eliminar gradualmente os subsídios aos combustíveis, enquanto aumentam o apoio aos vulneráveis. Estas medidas devem ajudar a reduzir a dívida vulnerabilidades, criar espaço fiscal e alcançar seus objetivos fiscais e de dívida de médio prazo”.[1] (sublinhado nosso).

A ministra Vera Daves afina pelo mesmo diapasão, e em entrevista recente afirmou que a retirada dos subsídios aos combustíveis é “o elefante no meio da sala, e com sapatos de bailarina”, afirmando que que a decisão política estaria tomada e só não foi implementada porque falta é encontrar o mecanismo que diminua o impacto nos mais desfavorecidos. E explicou que: “É um subsídio cego, a que toda a gente acede, e com essa receita poderíamos ter uma política mais direcionada em vez de subvencionar quem não precisa”. Adicionando argumentos para a eliminação desta medida como “as fugas de combustível para os países vizinhos, a falta de participação no mercado e a consequente perda de receita fiscal, para além da questão da desigualdade de tratamento. São várias distorções ao mercado, mas temos consciência que o impacto, principalmente por via dos transportes, é considerável”. Reconheceu também o impacto negativo nos municípios, nas indústrias e nas fazendas e no preço dos fretes para transportar comida. E concluiu dizendo: “Temos tudo mapeado, agora o desafio está em tirar o sapato da bailarina pensando em medidas que possam mitigar a remoção” deste subsídio que custa entre 3 a 4 mil milhões de dólares, cerca de 2,8 a 3,7 mil milhões de euros, por ano. “É um valor considerável, tendo em conta que o Programa de Integração e Intervenção nos Municípios (PIIM) tem 2 mil milhões, portanto seriam dois PIIM.[2]

Parece, portanto, que o FMI e Vera Daves estão determinados a eliminar os subsídios aos combustíveis, aparentemente, não sabem ainda é como.

A questão política e o mecanismo de transparência

É evidente que estas eliminações, mesmo fazendo sentido economicamente, e já abordaremos as dúvidas nesse âmbito, têm um impacto político grande e não podem ser encaradas de “ânimo leve”. Desde o Egito, ao Irão ao Sudão, a França, as mudanças nos preços de combustíveis têm impactos na estabilidade política, pelo que a primeira avaliação a fazer é política.

O grande argumento adiantado por Vera Daves é aquele que tecnicamente se denomina crowding out. Ao gastar 2,8 a 3,7 mil milhões de euros, por ano em subsídios aos combustíveis, o governo não os gasta no setor social, em educação e saúde, por exemplo. Na realidade, argumenta, o que é colocado no abaixamento do preço da gasolina é retirado do bem-estar do povo. Aceitando o argumento, há que o sustentar e convencer a população. Nestes termos, a primeira tarefa seria criar um mecanismo de transparência (talvez em forma de site digital) que explicasse à população como seriam canalizados os fundos dos subsídios para os outros setores, clarificando os planos do governo. Mil milhões para escolas, 500 milhões para docentes, etc. Fazendo um esquema simples e divulgando-o, todos perceberiam o destino do dinheiro, e, depois ao longo dos primeiros anos, deveria haver uma apresentação anual pública desse fluxo. Explicava-se com um esquema para onde tinham ido as poupanças com a retirada dos subsídios aos combustíveis. Consequentemente, a população veria que não tinha sido invenção da ministra das Finanças, mas que estava efetivamente a acontecer.

Uma primeira medida preparatória de cariz político é a criação de um Mecanismo de Transparência por todos consultável que explique o percurso do dinheiro, quanto sai dos subsídios aos combustíveis e onde vai parar nos vários setores do orçamento. Assim, a população vê os benefícios.

Fig. n.º 1- Exemplo de Mecanismo de Transparência do fluxo dos fundos retirados do subsídio aos combustíveis, a ser apresentado anualmente à população

O problema da estrutura de mercado

Entrando na área económica há uma questão que se coloca e deveria ser confrontada. É evidente que a cessação do subsídio aos combustíveis fará aumentar os preços destes.

Em 2021, havia em Angola 951 postos de combustíveis, dos quais 432, seriam controlados por pequenos operadores sem marca. A Sonangol distribuidora é a maior do segmento de distribuição com uma quota de mercado (vendas) de 64%, a Pumangol é o segundo maior player com 24% sendo que os restantes 16% estão distribuídos pela Sonangalp e a Tomsa (Total Marketing and Services Angola[3]).

A questão que se coloca é a definição da estrutura deste mercado. Uma primeira análise poderia aparentar estarmos perante um mercado concorrencial, mas o peso da Sonangol e da Pumangol, representando um total de 78% de quota de mercado de vendas indica que estamos perante um mercado de tipo oligopolístico, em que poucas empresas dominam o setor. É sabido da teoria dos preços que os mercados oligopolistas têm preços mais altos do que os mercados em concorrência perfeita, em que ninguém domina o mercado. O preço em oligopólio é fixado pelas empresas acima do nível de preço que prevaleceria em competição e abaixo do nível de preço maximizador de lucros de monopólio. É uma estrutura de mercado que se constitui num caso intermediário, onde há poucas empresas que competem entre si[4]. Consequentemente, retirar o subsídio aos preços de combustíveis numa situação de oligopólio equivaleria a um preço mais alto do que o preço de equilíbrio de mercado e a colocar a população a financiar lucros mais elevados das empresas de distribuição de combustíveis.

É fundamental ao mesmo tempo que se começa a gradual retirada dos preços aumentar o número de operadores relevantes no mercado e colocá-los a concorrer entre si, sem que ninguém domine o mercado.

O mais aconselhável era proceder à cisão da Sonangol Distribuidora em três empresas diferentes e privatizar de imediato duas delas. Assim, teríamos, pelo menos 5 operadores relevantes em concorrência.

Fig. n.º 2- Esquema de cisão da Sonangol Distribuição para garantir concorrência no mercado

Formas de compensação/mitigação da retirada de subsídios

Descrita que foi a necessidade de criação de um Mecanismo de Transparência de Fluxo de Fundos para efeitos de consenso político, bem como a necessidade de reformar a estrutura de mercado do segmento downstream como maneira de evitar a formação de preço em oligopólio, isto é, mas altos do que o normal, é altura de fazer sugestões de compensação da retirada dos subsídios.

O ponto de partida é que não haverá uma poupança da totalidade dos valores apontados como custo, 2,8 a 3,7 mil milhões de euros, por ano, e que há setores e populações que devem ser protegidos. Falamos, naturalmente, das populações com menos rendimentos e as áreas dos transportes e distribuição alimentar e agrícola.

As medidas podem partir de vários focos:

a) Foco no sujeito

aa) Subsídio direto aos mais desfavorecidos e passe social

ab) Subsídio direto às empresas

ac) Benefício fiscal /Imposto negativo a aa) e ab)

b) Foco no objeto

ba) Preços de combustível subsidiado continua para veículos de cilindrada inferior

bb) Preços de combustível subsidiados continuam para empresas de transporte e similares

c) Sistemas compósitos

Explicitando cada um dos itens e possibilidades. Teríamos o seguinte:

a)         Foco no sujeito

aa) Subsídio direto aos mais desfavorecidos e passe social

Uma primeira hipótese seria a concessão de um subsídio de combustível a todos aqueles que tivessem um veículo e/ou utilizassem combustível em determinada atividade e apresentassem um rendimento abaixo de determinado patamar. Queria isto dizer que o cidadão que utilizasse combustível e tivesse rendimentos baixos, receberia um subsídio direto do Estado com vista a minorar os efeitos negativos da subida do preço dos combustíveis.

Além disto poderia ser criado um passe social de valor reduzido, que permitisse a qualquer cidadão utilizar os transportes sem repercussão do valor da subida dos combustíveis

ab) Subsídio direto às empresas

Outra hipótese seria a do subsídio direto às empresas de transportes e distribuição. Para que estas não fizessem repercutir a subida do preço dos combustíveis nos preços cobrados ao público, haveria uma compensação paga pelo Estado que cobriria o diferencial. As empresas receberiam fundos para não aumentar os preços.

ac) Benefício fiscal /Imposto negativo a aa) e ab)

Nesta situação, o instrumento utilizado de compensação seria o sistema fiscal, e não as transferências diretas de subsídios. Permitir-se-ia às pessoas singulares até certo patamar de rendimento e às empresas dos setores afetados apresentaram como dedução fiscal o valor do diferencial pago com a subida dos preços. Por exemplo, se antes pagavam 5 e depois passassem a pagar 10, teriam oportunidade de apresentar um valor de 5 como dedução fiscal, pagando um menor imposto.

Numa situação superficial, tal possibilidade dedutiva apenas se aplicaria a entes que pagassem imposto, ficando de fora os que não pagam ou estão isentos. Nestes casos, dever-se-ia fazer funcionar um imposto negativo, isto é, um sistema através do qual pessoas de baixo rendimento receberiam pagamentos suplementares do governo, em vez de pagar impostos. Esses pagamentos suplementares seriam iguais aos montantes adicionais gastos em combustível por estas pessoas.

b)         Foco no objeto

ba) Preços dos combustíveis subsidiado continua para veículos de cilindrada inferior

Nesta hipótese, o que aconteceria seria o estabelecimento de diferentes níveis de preços para os combustíveis de acordo com a cilindrada dos veículos. Veículos de baixa cilindrada pagariam um preço mais baixo e vice-versa. Seria uma espécie de preço progressivo.

bb) Preços dos combustíveis subsidiados continuam para empresas de transporte e similares

Neste caso, o sistema seria o mesmo que indicado acima, com a diferença que o preço benéfico seria aplicado aos veículos das empresas de transporte e similares

c) Sistema compósito

É evidente que os sistemas acima referidos, podem ser misturados ou complementados uns pelos outros, cabendo ao decisor político encontrar a melhor combinação técnica.

Fig. n.º 3- Possíveis soluções compensatórias para a retirada dos subsídios aos combustíveis

Necessidade de cálculos financeiros

Não se apresentam cálculos financeiros neste trabalho porque os números não são conhecidos. A ministra das Finanças apresenta uma ordem de grandeza de gastos atuais com o subsídio de combustíveis que é entre 2,8 a 3,7 mil milhões de euros, por ano. Facilmente, se verifica que o diferencial é demasiado grande (900 milhões de euros) para se proceder a uma aritmética mais fina da situação.


[1] IMF, STAFF REPORT FOR THE 2022 ARTICLE IV CONSULTATION, February 7, 2023, p. 7.

[2] https://angola24horas.com/component/k2/item/26418-governo-angolano-prepara-fundo-de-investimento-imobiliario-para-gerir-ativos-recuperados

[3] Dados retirados de Expansão: https://expansao.co.ao/expansao-mercados/interior/sao-951-postos-de-combustivel-e-454-de-bandeira-branca-101135.html

[4] Ver por exemplo, George J. Stigler, https://cooperative-individualism.org/stigler-george_a-theory-of-oligopoly-1964-feb.pdf

NACIONALIZAÇÃO: A SOLUÇÃO POLÍTICA PARA OS PROBLEMAS ECONÓMICOS GERADOS PELOS “CONGELAMENTO” DAS EMPRESAS DE ISABEL DOS SANTOS EM ANGOLA E PORTUGAL (EFACEC E CANDANDO)

Nota prévia:  
Este texto é escrito apenas com base da problemática ligada às empresas nele citadas. Não toma, nem tem de tomar, qualquer posição sobre os assuntos eventualmente criminais em causa, adotando as regras da Presunção de Inocência claramente estabelecidas na Declaração Universal dos Direitos do Homem e nas Constituições Angolana e Portuguesa. Também não é um artigo jurídico, por isso, apenas aflora algumas questões jurídicas que têm de ser aprofundadas em sede própria.

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Resumo: Os problemas económicos criados nas empresas detidas por Isabel dos Santos, designadamente, a EFACEC (Portugal) e o CANDANDO (Angola), atendendo à normal morosidade dos procedimentos legais, devem ser rapidamente resolvidos através da nacionalização dessas empresas com uma indemnização sujeita a condição suspensiva.

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Têm sido amplamente divulgados na comunicação social angolana e portuguesa os “congelamentos” de participações sociais de Isabel dos Santos em variadas empresas. Vamos utilizar a expressão “congelamento” que não tem precisão legal, mas traduz em linguagem simples as várias medidas cautelares no âmbito dos processos que correm contra Isabel dos Santos. De facto, em Angola o que sucedeu foi um arresto no âmbito de uma providência cautelar civil e em Portugal parece ser uma apreensão dentro dum processo criminal.

O relevante destas duas medidas é que não se tratam, como muitas vezes é descrito, de um confisco ou perda a favor do Estado angolano. Na verdade, estes (arresto e apreensão) são instrumentos provisórios que só se tornarão definitivos ao fim do trânsito em julgado de qualquer decisão judicial contrária a Isabel dos Santos.

Figura n.º 1- A marcha dos processos legais. As decisões provisórias só são definitivas no final

É sabido que qualquer processo ordinário, seja cível, ou sobretudo criminal, com a complexidade daqueles que ocorrerão, demorará vários anos a ser decidido com trânsito em julgado.

Entretanto, as empresas “congeladas” ficarão numa situação periclitante. Obviamente, que a lei tem mecanismos, e pelo menos em Angola, eles foram usados, para congelar as participações sociais e manter as empresas em funcionamento[1].

Contudo, no caso das duas empresas que nos vamos referir, e possivelmente, noutros casos que ainda não vieram a público, o facto é que a sobrevivência das empresas estava ligada a determinados negócios e articulações financeiras realizados dentro do universo empresarial de Isabel dos Santos.

No caso da EFACEC, é notório que a sua aquisição obedeceu a uma estratégia de integração vertical com a construção de barragens de grande vulto em Angola, cuja adjudicação tinha sido realizada a empresas nas quais Isabel dos Santos participava, mas cuja intervenção da filha do antigo Presidente da República de Angola agora cessou.

Naquilo que diz respeito ao CANDANDO, a verdade é que se trata de um investimento ainda no seu período de arranque, não estando próximo da maturidade,  uma vez que foi inaugurado em 2017, pelo que  estará ainda numa fase muito longínqua do seu break-even point, portanto, necessitará de aportes de capital por parte dos sócios para manter o funcionamento.

Figura n.º 2- Debilidades da EFACEC e CANDANDO

Estes dois pontos implicam que a EFACEC tenha perdido interesse estratégico que estava subjacente à sua compra, e que sendo uma empresa que em 2015 se encontrava em condições financeiras difíceis, malgrado a sua grande capacidade técnica[2], poderá muito facilmente sucumbir, face à impossibilidade de ação da sua acionista maioritária. Muito provavelmente, a EFACEC não terá capacidade financeira para sobreviver a um período prolongado de “congelamento”.

A NACIONALIZAÇÃO DA EFACEC

Comecemos por analisar a situação presente da EFACEC. Desde logo, a análise da sua página corporativa [3]confronta-nos com o facto de não haver Relatório e Contas de 2019. Os últimos números disponíveis são de 2018. Obviamente, desde esse momento muitos factos supervenientes que afetaram a estabilidade da empresa ocorreram, pelo que não é relevante basear uma análise nessas contas. Talvez o melhor índice da situação sejam as declarações recentes do seu CEO Ângelo Ramalho. Este afirmou literalmente: “Não temos nem linhas de financiamento nem a trade finance [as garantias bancárias essenciais na vida de uma empresa de projetos] necessária ao desenvolvimento das nossas operações”, acrescentando que a saída de Isabel dos Santos da Efacec “é uma urgência absoluta” e que a empresa está a ser asfixiada pela banca[4].

Se estas declarações demonstram a situação de emergência na EFACEC, não clarificam o quadro todo.

Na verdade, em 2015, quando Isabel dos Santos surgiu para a compra da EFACEC, foi saudada como salvadora da empresa. Todos reconheciam a capacidade técnica e a história exigente da EFACEC, mas a realidade é que a empresa se encontrava nessa época numa situação difícil face à banca portuguesa.

Isabel dos Santos trazia uma vantagem dupla: resolvia as questões com a banca portuguesa e promoveria novos contratos generosos em Angola na implementação de barragens. De uma só vez, relançava a EFACEC. Essa imagem preponderou sobre outros aspetos controversos ligados à operação de compra e venda da companhia e fez que a banca portuguesa alinhasse com a filha do Presidente da República de Angola.

Hoje chegou-se à conclusão que a entrada de Isabel dos Santos acabou por trazer mais problemas do que resolveu e a EFACEC chegou a um impasse pior do que aquele que estava em 2015.

Portanto, na EFACEC não há apenas o problema de Isabel dos Santos, há o problema de raiz da sua reestruturação para a tornar uma empresa competitiva em qualquer situação.

Do ponto de vista prático, não é possível aguardar pela finalização dos processos judiciais referentes a Isabel dos Santos para resolver a situação acionista da EFACEC. Também não foi exequível chegar a um acordo para comprar as ações desta na empresa e deixá-la seguir o seu caminho, enquanto se assegurava a viabilização da empresa. Na verdade, a solução é complicada atendendo à participação que o Estado Angolano detém indiretamente na companhia, o que parece ser esquecido nalgumas negociações.

Nessa medida, no curto prazo, além de deixar a empresa chegar à insolvência, só há uma solução que é a nacionalização da companhia.

O Estado português deve intervir e nacionalizar a companhia, assegurando a sua reestruturação e financiamento.

Atualmente, no âmbito das várias medidas interventivas na economia que os Estados têm tomado devido à pandemia Covid-19, não se trata de uma operação irrealista, e para a qual provavelmente haverá fundos da União Europeia nos pacotes de negociação em curso.

Do ponto de vista do interesse público, uma nacionalização e reestruturação para posterior venda é a medida menos má, pois assegura a viabilização de uma empresa considerada estratégica em Portugal.

Figura n.º 3- Razões para a nacionalização da EFACEC

Não se vê que a proteção dos direitos de propriedade de Isabel dos Santos, garantidos em termos constitucionais (artigo 62.º da Constituição) seja absoluta[5]. Na verdade, os direitos de propriedade estão em concorrência com outros interesses e direitos quer do Estado, quer dos trabalhadores. Num equilíbrio proporcional é possível estabelecer uma concordância prática entre os vários direitos fundamentais em causa, bem como a relevância do interesse nacional, sendo perfeitamente enquadrável nas normas constitucionais a referida nacionalização[6]. A doutrina e jurisprudência portuguesas são bastante consensuais neste âmbito, admitindo a necessidade de restringir e estabelecer a concordância prática entre direitos fundamentais.

Naturalmente, que a nacionalização impõe, regra geral, uma indemnização ao titular privado das ações[7].

Neste caso, concreto, Isabel dos Santos não foi condenada em nenhum processo judicial, mas por outro lado, a existência dos processos criminais que são públicos e notórios não justifica estar a conceder-lhe de imediato uma indemnização.

Assim, a solução é conceder-lhe uma indemnização sujeita a condição suspensiva[8]. Isto quer dizer que na decisão de nacionalização ficaria arbitrada uma indemnização a Isabel dos Santos, mas esta ficava suspensa e só seria paga caso Isabel dos Santos não fosse condenada nos processos que deram origem ao “congelamento” das participações sociais na EFACEC.

Figura nº 4- Nacionalização e indemnização na EFACEC

Em relação à participação do Estado Angolano na EFACEC, a solução teria de ser do foro diplomático, eventualmente ficando Angola também com um interesse na empresa e voltando a fazer negócios com esta com vista às suas necessidades vastas de equipamento elétrico.

Só as dívidas de Isabel dos Santos aos bancos privados por conta da compra da EFACEC ficariam de fora deste modelo. Este assunto necessariamente tem de ser resolvido apenas e só entre as partes privadas.

A NACIONALIZAÇÃO DO CANDANDO

O CANDANDO é a rede de hipermercados que Isabel dos Santos abriu em Angola a partir de 2017. As participações de Isabel dos Santos que domina o CANDANDO foram “congeladas” pela justiça angolana num arresto decretado em Dezembro de 2019. Neste caso, não se trata de uma empresa antiga com provas dadas, mas de uma nova empresa com impacto económico e social muito grande em Angola.

Contudo, a mesma debilidade encontrada na EFACEC resultante do “congelamento” das ações de Isabel dos Santos está a acontecer. No início de junho, a empresa chegou mesmo a anunciar o despedimento de 1000 trabalhadores e o encerramento de algumas lojas[9]. No final, a administração do CANDANDO aparentemente recuou na decisão depois de uma reunião com o ministro do Comércio e Indústria de Angola, que terá prometido uma injeção de fundos do Estado nos hipermercados.

Esta solução de compromisso acaba por ser um pouco irracional do ponto de vista económico, pois, por um lado arrestam-se bens de Isabel dos Santos, mas por outro lado o mesmo Estado que vai arrestar os bens, vai financiar esses bens. De certa forma, “tira com uma mão e dá com outra”. Percebe-se naturalmente a urgência da intervenção do governo perante a decisão de enviar 1000 pessoas para o desemprego, numa economia com altos índices de desemprego e numa situação recessiva. No entanto, o governo angolano ficou refém duma situação que não controla, tornando-se efetivamente acionista/financiador do CANDANDO.

Figura n.º 5- Razões para nacionalizar o CANDANDO

Face a esta situação a solução é a nacionalização da empresa CANDANDO para posterior privatização. Sendo certo que as considerações jurídicas que se realizaram a propósito de Portugal são as mesmas que se podem realizar a propósito de Angola[10]. Note-se, contudo, que é necessário distinguir uma nacionalização de uma expropriação por utilidade pública, pois no caso desta última, em Angola, só há efeitos produzidos quando é paga a indemnização. Já quanto à nacionalização, que é implicitamente admitida pelo artigo 97.º da Constituição, não se verifica essa condição. Na verdade, a doutrina dominante no direito internacional entende que existe uma distinção material entre nacionalização e expropriação: a nacionalização é um instituto de carácter excecional, que assenta na ideia que uma determinada atividade económica deve pertencer à coletividade e, por isso, ser por ela exercida no interesse público. Daí que se afirme em regra que quanto a ela, não vale o princípio da indemnização integral. Justifica-se que por razões de “soberania”, de “alto interesse nacional”, de “independência” ou de “integridade da pátria”, se paguem indemnizações parciais ou mesmo que, nalgum caso, se nacionalize sem pagamento de indemnização. A expropriação, essa, é um instituto comum ou ordinário, que implica sempre ainda segundo a mesma doutrina – a fixação de uma indemnização total e prévia da transferência da propriedade[11].

Qualquer outra solução, que não a nacionalização, enreda o governo em negociações diretas ou indiretas com Isabel dos Santos, o que, face aos processos que apresentou contra ela, lhe retira toda a credibilidade e margem de manobra. É uma situação impossível para o governo de Angola, por consequência, a única solução é a nacionalização, ficando qualquer indemnização sujeita a condição suspensiva, só sendo paga se no final Isabel dos Santos não for condenada.

CONCLUSÕES

Do ponto de vista técnico não se vislumbra nenhuma outra forma expedita e razoável de salvar e viabilizar as empresas EFACEC e CANDANDO que não seja a sua nacionalização imediata com indemnização sujeita a condição suspensiva.


[1] Tem interesse o Comunicado da Procuradoria Geral Angolana sobre o tema: PGR de Angola diz que eventual falência de empresas de Isabel dos Santos não é responsabilidade sua. Disponível em https://executivedigest.sapo.pt/pgr-de-angola-diz-que-eventual-falencia-de-empresas-de-isabel-dos-santos-nao-e-responsabilidade-sua/

[2]https://expresso.pt/economia/2015-06-07-Com-Isabel-dos-Santos-a-Efacec-aumenta-expressivamente-a-capacidade-de-estar-nos-grandes-projetos-de-Africa

[3] https://www.efacec.pt/

[4] https://observador.pt/especiais/saida-de-isabel-dos-santos-da-efacec-e-uma-urgencia-absoluta-empresa-esta-a-ser-asfixiada-pela-banca/

[5] Artigo 62.º da Constituição Portuguesa: Direito de propriedade privada

1. A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição.

2. A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efetuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização.

Sobre a nacionalização ver também artigo

 162.º l) Reserva relativa de competência [Assembleia da República]

Meios e formas de intervenção, expropriação, nacionalização e privatização dos meios de produção e solos por motivo de interesse público, bem como critérios de fixação, naqueles casos, de indemnizações

[6] Sobre a concorrência e concurso de direitos fundamentais na Constituição ver

Gomes Canotilho, José Joaquim, in “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, Coimbra, Almedina, 6.ª edição, págs. 1247, 1255, 1257 e Gomes Canotilho, J. J. e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa. Anotada.”, Vol. I, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2007, págs. 453 a 457, 463, 464, 467.

[7] Veremos mais abaixo algumas notas sobre a distinção entre expropriação e nacionalização que tem relevo prático em relação a Angola.

[8] Artigo 270.º do Código Civil:

(Noção de condição)

As partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução: no primeiro caso, diz-se suspensiva a condição; no segundo, resolutiva.

[9] https://www.jornaldenegocios.pt/economia/mundo/africa/detalhe/isabel-dos-santos-fecha-metade-dos-hipermercados-candando

[10] Artigo 14.º da Constituição: (Propriedade privada e livre iniciativa)

O Estado respeita e protege a propriedade privada das pessoas singulares ou colectivas e a livre iniciativa económica e empresarial exercida nos termos da Constituição e da lei.

Artigo 37.º da Constituição: (Direito de propriedade, requisição e expropriação)

1. A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão, nos termos da Constituição e da lei.

2. O Estado respeita e protege a propriedade e demais direitos reais das pessoas singulares, colectivas e das comunidades locais, só sendo permitida a requisição civil temporária e a expropriação por utilidade pública, mediante justa e pronta indemnização, nos termos da Constituição e da lei.

3. O pagamento da indemnização a que se refere o número anterior é condição de eficácia da expropriação.

Artigo 97.º da Constituição: (Irreversibilidade das nacionalizações e dos confiscos)

São considerados válidos e irreversíveis todos efeitos jurídicos dos actos de nacionalização e confisco praticados ao abrigo da lei competente, sem prejuízo do disposto em legislação específica sobre reprivatizações.

[11] Gaspar Ariño Ortiz, “La indemnizacion en las nacionalizaciones”, in Revista de Administración Pública, n.os 100-102, 1983, vol. III, pp. 2789 e seguintes.