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Estratégia Angola 2050-uma análise (I)

Angola 2050

Angola 2050[1] é o nome do plano estratégico apresentado recentemente pelo governo de Angola contendo a visão para o país no longo-prazo.

De um modo geral, surpreendentemente, a receção ao documento foi morna, não suscitou especial entusiasmo ou foi rapidamente descartado por ser pouco rigoroso, não ter uma metodologia adequada, ou não passar de um trabalho de consultores académicos.[2]

Na nossa opinião, trata-se de um documento demasiado importante para o futuro de Angola, para ser aceleradamente colocado de parte, sobretudo, atendendo ao facto que foi colocado em consulta pública, o que se aplaude.

Nessa medida, fomos ler e analisar o documento. Trata-se dum trabalho com 432 páginas e 11 capítulos, elaborado de modo profissional e sistemático. Entendemos que mesmo criticando, a primeira atitude correta é estudar e refletir sobre o documento, além de o dar conhecer. Só conhecendo o documento se pode criticar ou apresentar alternativas.

A função da sociedade civil, dos académicos e opinião pública em geral tem de deixar de ser a mera desconstrução e passar a ser de exigência e crítica atenta. Só sabendo do que se fala poderemos convocar os dirigentes a cumprir ou a apresentar outras soluções.

É nosso objetivo apresentar dois trabalhos sobre o documento, o primeiro dos quais é este que versa sobre a metodologia, os diagnósticos e os cenários de referência (p.7 a p.19). O segundo será sobre o conteúdo programático do plano.

Metodologia e princípios

A estratégia apresentada pelo governo afirma ser um “plano bifocal, com uma visão clara do que se pretende para o País no futuro, mas articulando de forma clara e decisiva as iniciativas de curto prazo que assegurem a direcção certa” (p.7).

Parece ser a melhor metodologia, uma vez que não adianta criarem-se expetativas para daqui a 30 anos, sem concretizar os passos para lá chegar, e nessa medida, a inserção de medidas de curto-prazo é positiva, tendo a vantagem de, desde logo, se poder sindicar a evolução do caminho traçado pelo plano. Facilmente, olhando ao curto-prazo e ao preconizado para aí, se concluirá se existe a necessidade de correção ou não.

Na verdade, não vale a pena realizar planos de longo prazo sem fazer uma avaliação e correção constante, tem de existir um planeamento deslizante.

Esta foi uma das principais falhas metodológicas do anterior plano, o Angola 2025[3]. Não se verificou a sua concretização, e agora (como se verá abaixo) vem-se dizer que, no essencial, falhou.

Também para evitar as falhas do anterior plano, o governo afirma propor um plano realista, baseado em factos. Informa-nos ainda que o plano é aspiracional, tendo resultado de consultas alargadas, que incluíram a sociedade civil, a academia, e o sector privado. Como princípio, é evidente que esta abrangência é desejável e favorável à construção dum plano adequado.

Contudo, tendo em conta a reação de  Heitor Carvalho, economista e coordenador do Centro de Estudos e investigação da Universidade Lusíada de Angola ou a ausência de conhecimento de debate sobre o tema no Conselho Económico e Social criado pelo Presidente da República, e também o desconhecimento público de  colaboração de economistas de relevo como Yuri Quixina ou Carlos Rosado de Carvalho ou mesmo o facto de nós, que desde 2020 publicamos um volume sobre Economia e Política de Angola que esgota sempre, não termos sido chamados a emitir uma opinião, todos estes factos levantam interrogações sobre os setores não estatais que foram ouvidos. A auscultação deveria ter sido mais abrangente.

Como veremos, uma das principais críticas que este plano faz ao anterior é a excessiva estatização. Ora a desestatização deve começar na génese destes trabalhos procurando o maior número de contributos, até para criar consensos do maior número de atores da sociedade civil e da academia.

Finalmente, o documento garante que procurou a sustentabilidade, seguindo uma abordagem holística, que “integra as soluções para os diversos sectores, e reconhece a interdependência do desenvolvimento económico, da inclusão social e da sustentabilidade ambiental” (p. 8), apostando na exequibilidade de forma que as iniciativas propostas sejam alcançadas.

O falhanço do Angola 2025

Um dos aspetos mais interessantes da parte inicial do documento é a assunção corajosa do falhanço do anterior plano Angola 2025, tanto mais corajosa quanto alguns dos responsáveis de então serão os mesmos atualmente.

Refere o governo que em relação à Estratégia de Longo Prazo 2025 (“Angola 2025”)” uma parte importante das metas económicas e sociais ficaram aquém do esperado, sendo que a estratégia anterior promoveu inadvertidamente políticas que tiveram impactos negativos no nosso desenvolvimento.” (p.9).

Portanto, o atual governo além de admitir as falhas do anterior plano, reconhece adicionalmente, que algumas das políticas implementadas foram prejudiciais ao país.

Esta assunção de responsabilidades e culpa é importante, pois deverá permitir que os mesmos erros não se repitam.

Essencialmente, o governo assinala que um dos principais erros do passado foi a promoção do Estado “enquanto o principal agente económico, dominando a maioria dos sectores da economia e deixando um papel menor para o sector privado.” (p.9).

Além do mais, o “Estado desincentivou de forma não intencional por vezes o investimento de longo prazo e de alta qualidade” (p.9).  Quem está familiarizado com as dificuldades de investimento em Angola no passado, desde a necessidade de sócios locais, às dificuldades de expatriação de capitais entende bem estas afirmações. Na verdade, parecia que Angola não queria investimento externo. Aliás o próprio documento reconhece isso, quando se escreve “[o] O Investimento Directo Estrangeiro, que fora do sector petrolífero foi na sua maioria incipiente, foi por vezes visto como uma ameaça aos investidores nacionais, em vez de um impulso para o tecido económico.” (p.9).

Obviamente, o risco de corrupção também afastou muitos investidores. Não havendo dúvidas sobre o novo discurso presidencial sobre o combate à corrupção, a dúvida que persiste é sobre a eficácia dos mecanismos adotados. É um ponto fundamental para o futuro.

Outro aspeto focado, foi que na maioria dos setores da economia, “a concorrência foi prejudicada, com preços mais elevados e bens ou serviços de menor qualidade a serem frequentemente fornecidos aos nossos cidadãos, tornando o País demasiado dependente do sector petrolífero, nas exportações e para o acesso a moeda estrangeira.”

Ora este é outro ponto a que tem de se prestar especial atenção atualmente. Muitos observadores, falam de novos atores económicos a tomar a posição de velhos atores, mas apenas substituindo-os, não estando a ser fomentada uma verdadeira concorrência. O que é fundamental é abolir as barreiras de mercado e promover uma verdadeira concorrência interna (sobre a livre concorrência exterior temos uma posição reservada para outro trabalho).

O resumo do plano anterior é que mais de 60% dos indicadores fixados para 2015 não foram alcançados. Isto diz tudo.

Desenvolvimento humano, capital e produtividade

A parte inicial foca alguns temas que reputamos importantes. O primeiro dos quais é o desenvolvimento humano. Embora salientando algum progresso reconhece que o “Desenvolvimento Humano encontra-se muito dependente da dimensão do Rendimento e penalizado pelo grau de desigualdade económico-social, reflectindo-se num Índice de Capital Humano dos mais baixos do mundo (Angola encontra-se no 4º quartil, com um valor abaixo da África Subsariana e da SADC)” (p.10). Como temos vindo a referir e é importante enfatizar, o diagnóstico realizado pelas autoridades é corajoso e objetivo, não “adoçando” a realidade. Pode ser que o reconhecimento do fracasso seja o primeiro passo para uma política de sucesso.

Ao mesmo tempo, também se verifica que a produtividade do trabalho decresceu, em boa parte devido à reduzida contribuição da “acumulação de capital”. Por sua vez esta falta de capital esteve “em grande medida relacionada com o facto de o Capital Privado ter sido alocado a fins, em média, pouco produtivos e de o Capital Público ter sido responsável por um nível de investimento em infraestrutura muito considerável, mas que não teve o retorno económico esperado”. (p. 14).

Mais uma vez temos objetividade na análise. A política de “acumulação primitiva de capital” de José Eduardo dos Santos foi um fiasco, porque aqueles que acumularam capital não o aplicaram em Angola. Como se sabe, a fuga de capital para a Europa e offshores variadas foi a regra, sabotando assim aquelas que poderiam ter sido as melhores intenções. É por isso que a luta contra a corrupção tem um forte impacto económico. Há que repatriar o capital e garantir o seu investimento em Angola, quer de capital obtido no passado, quer no presente.

Por sua vez, o investimento público tem de deixar de obedecer a interesses obscuros e ser visto numa ótica custo-benefício.

Desafios

Face ao exposto, o governo identifica três temas fundamentais a ter em conta (p.15):

“Em primeiro lugar, um conjunto de desincentivos implícitos e explícitos ao investimento privado (p.ex. sobredimensionamento da presença do Estado na economia; difícil acesso ao crédito; fraca qualidade das infra-estruturas; falta de qualidade do capital humano) que justificam o reduzido contributo desta rubrica na economia do País (excluindo o sector petrolífero) e explicam o facto do peso do investimento directo estrangeiro em Angola ser dos mais baixos entre os pares.” Não poderíamos estar mais de acordo.

“Em segundo lugar, um modelo de desenvolvimento económico a duas velocidades, em que existe um conjunto urbano de sectores de serviços produtivos e desenvolvidos e / ou de concorrência limitada que empregam cerca de 20% da população, que contrastam com sectores informais e / pouco produtivos que empregam 80% da população”.

Temos muitas dúvidas sobre esta asserção, sobretudo acerca das chamadas políticas de “formalização” da economia. E, também, não nos revemos num modelo de crescimento equilibrado da economia. Parece-nos mais adequado seguir uma via de desenvolvimento desequilibrado, uma vez que o desenvolvimento se manifesta em pontos específicos ou polos de crescimento, para depois se espalhar por toda a economia (cfr. por exemplo Albert Hirschman[4])

“Em terceiro lugar, um sub-investimento no capital humano, com o “factor qualidade” (representativo do potencial de produtividade) a comparar-se de forma particularmente negativa com os países de renda semelhante, colocando Angola como um dos países com pior desempenho do Índice de Capital Humano do Banco Mundial.”

É verdade que o capital humano é fundamental, mas acima de tudo, há que obter capital. É um erro pensar que basta a qualificação para um país crescer. Não está estabelecida uma ligação direta entre educação e economia. “A relação directa e simples que delicia comentadores e políticos – despesa entre educação e crescimento económico   – simplesmente não existe”[5].  A questão coloca-se mais ao nível da formação prática. A população tem de ter níveis de formação prática e profissional adequados não se devendo confundir graus educativos com qualidade do capital humano.

Educação

Afirma o relatório que “a maior brecha social – que poderá constringir significativamente a produtividade futura – reside na Educação, sobretudo na componente da qualidade (onde Angola tem dos piores desempenhos do mundo, abaixo da média da SADC ou da África Subsariana)” (p.12). Nesse sentido aponta o foco para a “melhoria profunda da qualidade do sistema educacional, que se apresenta hoje como um dos constrangimentos mais graves ao crescimento do país (Angola está hoje no 4º quartil nesta dimensão – classificação do Banco Mundial, tendo dos resultados mais baixos do mundo)” (p.16).

Esta é uma verdade, que, contudo, não deve levar a políticas erradas. Políticas erradas podem ser exemplificadas com acreditar que basta licenciar pessoas em massa na universidade para se obter crescimento económico. Não há qualquer relação entre um facto e o outro. O tema é mais profundo e implica uma revisão completa do atual sistema educativo angolano, desde métodos de ensino a graus e preferência pelas áreas sociais e humanas, além da falta de rigor e empenho em muitas universidades. É todo um programa.

Conclusões

Estamos perante um relatório corajoso no diagnóstico e erros passados de política económica cometidos, bem como falta de avanço significativo de Angola em muitas áreas essenciais ao desenvolvimento humano e à acumulação de capital.

Feito o diagnóstico a questão que se coloca é se estão a ser escolhidas as políticas adequadas e sobretudo se há vontade política para as implementar.


[1] MEP, (2023), Angola 2050, https://www.mep.gov.ao/angola-2050

[2] Cfr. VOA, (2023) Estratégia “Angola 2050” ante dúvidas sobre sua elaboração e resultados esperados, https://www.voaportugues.com/a/estrat%C3%A9gia-angola-2050-ante-d%C3%BAvidas-sobre-sua-elabora%C3%A7%C3%A3o-e-resultados-esperados/7103882.html

[3] MP (2007), ANGOLA 2025. Angola um país com futuro. S u s t e n t a b i l i d a d e, e q u i d a d e, m o d e r n i- d a d e.  http://www.ucm.minfin.gov.ao/cs/groups/public/documents/document/zmlu/mdmz/~edisp/minfin033818.pdf

[4] HIRSCHMAN, A. O. The strategy of economic development. New Haven: Yale University Press, 1958 e também PERROUX, F. Note sur la notion de Pôle de Croissance. Économie Appliquée, v. 7, p. 307-320, 1955.

[5] WOLF, A. (2002), Does Education Matter?: Myths About Education and Economic Growth. London, Penguin.

Acelerar o turismo em Angola

1-Enquadramento: as necessidades e os agentes da promoção do turismo em Angola

Angola procura gradualmente diversificar a sua economia escolhendo o turismo como uma das principais prioridades da ação estruturante da política económica. Como é sabido, a reconstrução encetada a partir de 2002, não se concentrou no turismo, mas sim na indústria petrolífera, mineração e construção civil. Esgotado esse modelo, a diversificação tornou-se a palavra-chave do desenvolvimento.

Sendo evidente que Angola tem uma enorme potencialidade turística, a verdade é que a sua concretização implica a remoção de diversos obstáculos e criação de condições adequadas. Referimos dois eixos essenciais para criar essas condições: o primeiro é a criação de condições propícias ao investimento no setor turístico, isto implica a revisão da lei de investimento que já ocorreu, a retirada de barreiras de entrada no mercado e a facilitação de crédito bancário para novos projetos.

O segundo eixo é de natureza infraestrutural e obriga a criar uma rede de transportes, estradas, aviões e barcos adequada, bem como um clima de segurança criminal, além da facilitação de vistos turísticos.

Figura 1:  Os 2 eixos para o desenvolvimento do potencial turístico

Além do mais, o crescimento do turismo não pode estar apenas dependente do Estado, cabe-lhe naturalmente a regulação, fiscalização e a criação de infraestruturas e de condições. No entanto, o papel fundamental é do empresariado privado que deve avançar e estabelecer parcerias para entrar nos circuitos internacionais. E, finalmente, compete também aos dirigentes provinciais, municipais e comunais, incentivarem e potenciarem os seus recursos.

Estado, empresários e dirigentes locais formam a parceria tripartida que se deve unir para lançar o turismo em Angola.

Em 2019, na abertura do Fórum Mundial do Turismo que decorreu em Luanda, o Presidente da República, deixou bem claro aquilo que o executivo almejava para o sector: no quadro da diversificação da economia, o turismo deveria assumir um papel promotor do desenvolvimento e gerador de receitas e de emprego. Para que isso se concretizasse, o governo deveria apostar no curto e médio prazo, na expansão das infraestruturas hoteleiras e na infraestruturação dos pólos turísticos de Cabo Ledo, Calandula e do Projecto Transfronteiriço de Okavango Zambeze, com o propósito de aumentar a oferta e as opções de diversidade de turistas e clientes, em geral[1]

Recentemente debateu-se uma eventual crise no turismo na Europa, admitindo-se que Grécia, Itália, França, Espanha e Portugal sejam afetados pelas sanções à Rússia decorrentes da guerra na Ucrânia (o que em relação, pelo menos a Portugal, é duvidoso, pois o país não estava dependente do turismo russo), o Egito ainda não recuperou totalmente do medo dos atentados bombistas, a Indonésia tem dificuldades em conter o fundamentalismo muçulmano, a Índia debate-se com níveis de poluição crescentes, o Quénia e Senegal podem ser invadidos por agitação islâmica, destinos de eleição como a Turquia, Israel, Tailândia e Dubai estão algo saturados. Este panorama está descrito de forma algo enfática, contudo, abre oportunidades para o turismo em Angola, pois representa uma certa tendência verificável.

O país tem no turismo potencialidades para captar turistas, tal como fizeram Cabo Verde e o Botswana; tem praias paradisíacas, deserto e florestas, rios de grandes caudais, montanhas, fauna e flora exuberantes, e, acima de tudo, um povo acolhedor e uma gastronomia rica e variada.

2-Panorama do turismo angolano

Não existe uma indústria de turismo desenvolvida em Angola. As poucas zonas que são desenvolvidas aproveitaram as belezas naturais do país, rios, cascatas e os 1.650 km de costa atlântica. Como descrevem os folhetos oficiais: “O clima tropical húmido [de Angola] criou uma flora exuberante e fauna rica espalhada por regiões com matas, savanas, serras impressionantes, rios, praias que parecem estender-se sem limites, cascatas, oásis e belas paisagens que parecem prolongar-se até o infinito e são todas imaculadas e intactas. Um verão sem fim de tardes quentes banhadas em brisas quentes para contemplar aventura e descoberta”.

Angola tem uma beleza natural extrema que se revela como um destino turístico promissor. A Ilha do Mussulo e Cabo Ledo são exemplos de locais com uma imensa capacidade de atração de turistas, assim como várias zonas das províncias como Namibe, Benguela, Malanje e Cuanza-Sul. As Cataratas de Calandula em Malanje são particularmente impressionantes.

Contudo, atualmente, a maioria dos viajantes estrangeiros que chegam a Angola não são turistas, mas sim empresários, trabalhadores e consultores. Isso significa que os hotéis estão voltados para negócios e não turismo ou lazer. Como os negócios passaram uma grave crise desde 2015, de que só agora (2022) se está verdadeiramente a sair, quer dizer que nos últimos anos existiu uma taxa de ocupação marcadamente baixa nos hotéis, que passou de 84% em 2014 para 35% em 2017 e 25% em 2018. Esta queda na ocupação refletiu a crise que ofuscou o país, e não a falta de interesse pelo turismo. A queda dos preços do petróleo que se verificou desde 2014 e até ao ano passado levou a uma diminuição da atividade económica em Angola, o que teve como consequência que menos viajantes de negócios ocupassem hotéis.

Os responsáveis reconhecem que presentemente, existem grandes fragilidades no sector turístico, designadamente “carência de medidas concretas de apoio e incentivo, difícil acesso aos lugares, potenciais recursos e atrativos turísticos, falta de valorização dos recursos turísticos, falta de flexibilidade do sistema bancário ao financiamento de projetos turísticos, défice em termos de estabelecimentos de formação hoteleira e turística, dependência excessiva das importações, por força do défice na produção interna, falta de cultura turística, falta de uma maior abertura na concessão dos vistos de entrada nos principais mercados emissores de turistas do mundo e reduzido poder de compra dos angolanos[2]”.

No entanto, esses números e factos pouco animadores não representam nenhuma tendência estrutural. Entre 2009-2014 Angola registara um forte crescimento do sector hoteleiro com receitas superiores a 45 mil milhões de kwanzas (100 milhões de euros ao câmbio da altura), criando cerca de 223 mil postos de trabalho. Assim, há um claro potencial para o negócio do turismo.

3-Localizações turísticas e mercados potenciais

Angola tem inúmeros pontos turísticos, entre os quais podem-se destacar os parques nacionais da Kissama e Iona, Quedas de Calandula, do Ruacaná, Mussulo, Miradouro da Lua ou o Rio Zambeze.

É possível promover o desenvolvimento de hotéis e estâncias balneares turísticas destinadas a veraneantes em algumas das áreas especificamente destinadas ao turismo de sol, mar e areia como Cabo Ledo a 120km de Luanda no concelho da Quiçama, que tem 2.000 hectares de enorme beleza e é um local potencial para o surf mundial, assim que os processos de vistos sejam facilitados.

Outra alternativa voltada para o turismo de natureza é Calandula, Malange que possui as cascatas mais impressionantes de Angola e é o segundo maior da África com 150 metros de altura e 401 metros de largura. Uma área de 1.978 hectares de vegetação infinita e cascatas a perder de vista e que tem um enorme potencial de investimento turístico: alojamento turístico, restauração, animação, golfe e casinos.

Surgiu também a ideia duma rota dos museus. A iniciativa desta rota é despertar e aumentar a cultura de visitas a museus, a fim de se criar identidade patrimonial. Esta rota contempla o Palácio de Ferro, Museu Nacional de História Militar (Fortaleza São Miguel), Museu Nacional de História Natural e o Museu Nacional da Escravatura, passando por várias unidades hoteleiras. Esta rota deverá servir de modelo para implementação em todas as províncias do país.

Os mercados-alvo do turismo angolano deveriam ser a Rússia (após a resolução pacífica da guerra) e a China, que são hoje os países de onde são oriundos mais de 50% dos turistas internacionais, Angola tem tudo para absorver uma fatia substancial desses mercados. Além disso, como se referiu acima, poderia absorver alguma procura europeia, sobretudo na área da aventura e experiências ecológicas novas.

4-Eixos estratégicos e zonas especiais de turismo (ZET)

Como mencionámos acima a estratégia para o turismo deve assentar em dois eixos: o fomento do investimento e a criação de infraestruturas.

Reconhecemos que existe um novo clima favorável ao investimento e também um esforço, sobretudo no âmbito da CPLP, de flexibilização do processo burocrático de emissão de vistos de turismo, ou seja, estão a ser desenvolvidas as condições para uma nova estratégia de captação de turistas.

Segundo um responsável angolano, os documentos necessários para o licenciamento dos empreendimentos turísticos foram reduzidos, passando de 11 documentos antes exigidos para três. Foi alterada a validade dos alvarás de três para cinco anos, está em curso o processo de descentralização do sistema de emissão dos alvarás. Todas essas ações visam a melhoria do ambiente de negócios na área do Turismo. Em relação aos vistos, o mesmo responsável salienta que o processo já foi mais difícil. Fez saber que houve avanços significativos, que precisam de ser melhorados, para atrair mais turistas[3].

Os mesmos responsáveis defendem que em termos de infraestruturas existem lacunas fáceis de resolver; o aeroporto da Catumbela (Benguela) poderá ser dotado de mecanismos para receber voos internacionais diretos, os transportes fazem parte do investimento que cabe aos privados, a linha férrea do Caminho de Ferro de Benguela passa a centenas de metros do aeroporto, liga à Zâmbia e à República Democrática do Congo e vai até à Tanzânia no Índico, o Lobito tem um Porto de grande capacidade, e a própria expansão vai proporcionando investimentos paralelos na saúde, na formação, nos serviços, e na capacidade de produção de mão de obra qualificada e competitiva.

Ao nível do governo, há o reconhecimento do Turismo como sector estratégico no Plano Desenvolvimento Nacional 2018-2022, como garantia de mão-de-obra intensiva, a par da agricultura, das indústrias diversas e das pescas. Constam do Plano de Desenvolvimento Nacional algumas ações pontuais, tais como a melhoria na comunicação com os Polos de desenvolvimento Turísticos, a elaboração de projetos de construção e reabilitação de infraestruturas hoteleiras e turísticas, estatais e mistas, a identificação de zonas de desenvolvimento prioritário, com o intuito de recuperar e desenvolver todo o património da rede hoteleira e turística.

Outro responsável governativo, que, entretanto, cessou funções, sublinhou que além de Angola começar agora a reduzir as restrições e a burocracia, como parte da estratégia para relançar o turismo e promover a atração de investimento para o setor, queria passar a chamar a atenção internacional para o país, contando com a colaboração da supermodelo internacional Maria Borges, que iria ajudar a promover as potencialidades. A estratégia passaria por chamar um nome internacional, Maria Borges, para ajudar a promover a cultura, a história e os principais destinos turísticos do país.[4]

Com a nova estratégia para a promoção do turismo, Angola espera integrar a lista dos principais destinos turísticos em África até 2025[5].

***

No entanto, não se consegue no curto-prazo criar uma infraestrutura nacional completa para o turismo. Há que haver pragmatismo e realismo nas abordagens políticas de promoção do turismo num país em que este tem sido quase inexistente. É nesse sentido que a melhor solução deve ser dupla e com prazos diferentes.

A médio-prazo deve ser desenvolvida uma estratégia nacional de turismo. Contudo, a curto-prazo deve existir uma aposta focada naquilo que denominaremos Zonas Especiais de Turismo (ZET). As ZET seriam cinco áreas do país em que o Estado em parceria com os privados e as autoridades locais se focaria para criar infraestruturas e condições específicas para o turismo. Zonas com fácil acesso, hotéis, restaurantes, segurança garantida e talvez vistos livre-trânsito para se ir visitar essas zonas. Zonas preferenciais eleitas para testar as ZET poderiam ser Malanje, uma área de praia com animação urbana, uma área de praia de estilo paradisíaco, e uma cidade com muita história ou uma zona com interesse ecológico vocacionada para os turistas europeus.

Figura 2: Zonas Especiais de Turismo (ZET)

Estas zonas teriam tratamento fiscal privilegiado e devia-se contemplar a eliminação de vistos para quem fosse para lá até 15 dias. Esta proposta implicaria eliminação de vistos para turistas estrangeiros dos mercado-alvo que se deslocassem para as ZETs por um prazo máximo de 15 dias em turismo. Bastar-lhes-ia apresentar bilhete de avião de volta e comprovativo da reserva em alojamento turístico.

Haveria assim a criação de circunscrições-piloto dedicadas ao turismo, pequenas cápsulas do que poderia ser o turismo global em Angola no futuro.

Conclusões

O turismo pode ser uma das áreas de excelência da diversificação da economia angolana em curso, pois é um sector onde o país tem um enorme potencial. A aposta no turismo deve ser um trabalho tripartido do Estado, empresariado privado e comunidades locais. Os mercados-alvo serão a Ásia e a Rússia (após a solução da Guerra da Ucrânia), bem como os turistas ecológicos ou aventureiros europeus.

Para existir turismo em Angola devem ser proporcionadas condições de investimento (o que está em curso) bem como infraestruturas adequadas em termos físicos e de fácil deslocação.

É aconselhável proceder no curto-prazo à criação de Zonas Especiais de Turismo que funcionem como experiências-piloto da promoção de turismo. Zonas que congregarão hotéis, restaurantes, animação local, segurança e fáceis acessos, e eliminação de vistos para turismo nas ZETs. E depois com os resultados dessas ZET estender a todo o país.


[1] https://e-global.pt/noticias/lusofonia/angola/angola-joao-lourenco-aposta-em-turismo-para-diversificar-economia-do-pais/

[2] https://www.jornaldeangola.ao/ao/noticias/os-resultados-da-estrategia-para-o-turismo-ainda-sao-incipientes/ – entrevista à Angop do diretor geral do Infotur – 31-08-2021

[3] https://www.jornaldeangola.ao/ao/noticias/o-futuro-de-angola-repousa-no-turismo-e-nao-no-petroleo/

[4] https://pt.euronews.com/2021/06/28/as-apostas-de-angola-para-relancar-o-turismo

[5] https://www.jornaldeangola.ao/ao/noticias/o-futuro-de-angola-repousa-no-turismo-e-nao-no-petroleo/

Nota CEDESA nº2

A iniciativa Global Gateway da União Europeia e Angola: aproveitar já a oportunidade

A União Europeia (UE) revelou, recentemente, o seu projeto Global Gateway, encarado como uma alternativa europeia para Belt and Road Initiative (BRI) da China.

O Global Gateway é um plano de 300 mil milhões de euros de despesas em infraestruturas que pretende incrementar as cadeias de abastecimento da UE e o comércio em todo o mundo.

A diferença que a UE pretende sublinhar face ao modelo chinês da BRI, é que do lado europeu não se vai conceder empréstimos, mas promover investimentos públicos e privados, apresentando aquilo que considera um financiamento transparente e mais favorável, especialmente para os países em desenvolvimento.

O Global Gateway quer ser uma versão mais moderna do BRI, com foco em investimentos em projetos voltados para o futuro e ambientalmente responsáveis ​​nos setores digital, saúde, educação, investigação científica, energias renováveis e outros.

É evidente que África, e nesta, entre outros, Angola é o alvo lógico desta iniciativa da UE, pois é também onde se verifica uma boa parte da influência chinesa através do BRI. A Comissão Europeia não cita o mercado africano como objetivo prioritário, mas é lógico que o seja, pois foi a chegada de financiamentos chineses que mais prejudicou as empresas europeias, que muitas vezes perderam quota de mercado. E Angola serviu de modelo para a intervenção de China em África, através do estabelecimento do chamado “modelo Angolano”

As autoridades angolanas terão todo o interesse em se colocar em contacto com os responsáveis por este programa da União Europeia para serem as primeiras a desenvolver uma parceria sólida que promova investimentos em três áreas fundamentais para Angola: as energias renováveis, a educação e a saúde.

Eventualmente, o grande salto qualitativo que se quer dar na educação angolana poderia ser a primeira aposta deste projeto europeu. A UE poderia ser a grande financiadora da qualificação das universidades e da investigação científica em Angola, uma vez que é uma adepta do soft power, e seria uma área em que tem uma vantagem competitiva extremamente favorável fácil à alegada concorrência chinesa.

Por outro lado, uma abordagem imediata de Angola para implementação do programa permitirá aferir da seriedade e empenho da União Europeia neste programa, verificando que não se trata de um mero anúncio para efeitos propagandísticos, como muitos alegam.

Em conclusão, recomenda-se vivamente a ação imediata angolana para beneficiar do Global Gateway na área da educação.

Nota CEDESA nº1

Convite aos investidores: os metais necessários para a transição energética existem em Angola

A transição para a energia limpa necessária para evitar os piores efeitos da mudança climática pode desencadear uma procura de metais sem precedentes nas próximas décadas, exigindo até 3 mil milhões de toneladas.

Uma bateria típica de um veículo elétrico, por exemplo, precisa de cerca de 8 quilogramas de lítio, 35 quilogramas de níquel, 20 quilogramas de manganês e 14 quilogramas de cobalto, enquanto as estações de carregamento requerem quantidades substanciais de cobre. Para a energia verde, os painéis solares usam grandes quantidades de cobre, silício, prata e zinco, enquanto as turbinas eólicas requerem minério de ferro, cobre e alumínio[1].

Os preços dos metais já tiveram grandes aumentos com a reabertura das economias, destacando uma necessidade crítica de analisar sobre o que pode restringir a produção e atrasar as respostas de fornecimento.

As análises sobre a presente produção de metais a nível mundial parecem indicar um gap de 30 a 40% da oferta face à procura querendo isto dizer que será preciso aumentar a produção mundial.

É aqui que Angola pode ter uma nova oportunidade económica ao relançar a exploração, que estará essencialmente adormecida, de metais. Se repararmos, o país tem uma imensidão de metais. O primeiro deles é o ferro, que no passado foi muito exportado. Sensivelmente, desde a segunda metade da década de 1950 a 1975, o minério de ferro foi extraído nas províncias de Malanje, Bié, Huambo e Huíla, e vários milhões de toneladas produzidas. A guerra civil naturalmente perturbou essa atividade e depois a quebra dos preços mundiais. Mas tudo indica que atualmente, o contexto é outro e poderá ser aproveitado pelas autoridades angolanas para promover mais investimentos na mineração ferrosa.

Em relação aos restantes metais fulcrais para a transição energética, há que referir que Angola tem potencial para o manganês, cobre, ouro, chumbo, zinco, tungstênio, estanho, entre outros.

O cobalto também parece abundar em Angola. Um recente estudo concluiu que a região com cobre e cobalto da Zâmbia e da República Democrática do Congo estende-se até ao território angolano em pelo menos 116 mil quilómetros quadrados. Aparentemente, as anomalias magnéticas detetadas pelo estudo evidenciam sinais favoráveis de prospeção de minerais metálicos e não-metálicos tais como ferro, diamantes, cobre, manganês, titânio, zinco, chumbo, bauxite e ainda minerais radioativos e fosfatos[2].

Daqui resulta uma conclusão óbvia. Angola está muito bem situada para aproveitar a exploração de metais necessários para a transição energética. Agora têm de surgir os investimentos.


[1] Nico Valckx, Martin Stuermer, Dulani Seneviratne and Ananthakrishnan Prasad, Metals Demand From Energy Transition May Top Current Global Supply, FMI, 2021, https://blogs.imf.org/2021/12/08/metals-demand-from-energy-transition-may-top-current-global-supply/?utm_medium=email&utm_source=govdelivery

[2] Cfr. http://www.sigame-cplp.com/noticias/angola-tem-grandes-depositos-de-cobre-e-cobalto.html