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Biden em Angola: depois do adeus

Rumos e prospetivas para as relações Angola-EUA

A viagem

Cumprindo uma agenda com afabilidade e espírito de simpatia para Angola, Joe Biden, Presidente dos EUA em pleno exercício das suas funções até 20 de janeiro de 2025, abandonou o país na tarde de quarta-feira, 4 de Dezembro, depois duma visita a Luanda e a algumas estruturas do Corredor do Lobito.

Não é possível desvalorizar a importância histórica desta viagem que marca um realinhamento estrutural das relações entre Angola e os Estados Unidos. Foi de facto um momento histórico. Contudo, não se deve entender este como um momento singular em que todos os problemas angolanos serão resolvidos. É acima de tudo o culminar de uma fase inicial de um processo de aproximação e o arranque de uma nova fase do mesmo processo. É uma etapa numa marcha. Não é o fim, nem o princípio, mas o fim do princípio de uma aproximação, parafraseando Churchill.

A estratégia e o processo histórico de aproximação

Pode-se dizer que o processo de aproximação efetiva de Angola aos EUA começou com uma viagem de João Lourenço à China em setembro de 2018, um ano depois de tomar posse.[1]Nessa viagem, Lourenço, enquanto se confrontava com os cofres vazios em Luanda[2], percebia que já não podia contar com mais empréstimos avultados da China. A verdade é que a China acabara de emprestar cerca de 10 mil milhões de dólares em 2016, cujo destino em Angola não era claro, e percebera que uma boa parte do seu dinheiro tinha acabado em negócios corruptos, que aliás a levaram a prender Sam Pa, em 2015. Portanto, para a China este era um tempo de reavaliação do envolvimento financeiro com Luanda.

Depois disso, Lourenço adotou aquilo a que se pode chamar a “estratégia Sadat.[3]” Escolheu aproximar-se dos EUA, mesmo que estes estivessem focados noutros assuntos e desinteressados de Angola. Os resultados não foram imediatos. Lourenço foi insistindo e manifestando abertura. Aliás, agora Biden acentuou no seu discurso no Museu Nacional da Escravatura em Luanda, que foi Lourenço o responsável pelo avanço da relação com os EUA[4].

Obviamente, que o momento que alertou os EUA para a importância de Angola, surgiu a partir do esfriamento, iniciado ainda no primeiro mandato de Trump (2017-2012), com a China, em que os EUA perceberam que a China dominava a maior parte das matérias-primas fundamentais para o progresso tecnológico e a transição energética e que estas se encontravam em África. Depois disso, em 2022, o choque da invasão russa da Ucrânia, fez entender aos EUA que quase não tinham aliados em África e que tinham “perdido” o continente a favor da Rússia e da China.

Os EUA estavam à procura de aliados que lhes faltavam e de uma estratégia para África, quando Angola em outubro de 2022 surge na ONU a votar uma moção que condenava a Rússia e a sua invasão ucraniana, ao contrário da China e da maioria dos países africanos, entre os quais Moçambique, que se abstiveram[5]. O passo fundamental para e o realinhamento angolano tornava-se uma realidade. Depois disso, os EUA sentiram que podiam contar com Angola, que efetivamente se tinha descolado da Rússia e da China. Seguiu-se uma miríade de visitas de altos funcionários e a ida de João Lourenço à Casa Branca em novembro de 2023. O processo culmina nesta visita de Joe Biden a Luanda.

Resultados iniciais do processo de aproximação

Do ponto de vista financeiro, entretanto, segundo os dados mais recentes do BNA, o stock da dívida pública de Angola aos EUA teve um salto quantitativo de 755 milhões de dólares, uma insignificância em 2020 para 2.967 milhões de dólares em 2021, portanto, o ano do grande passo em frente de endividamento angolano face aos EUA, estimando-se que em 2024 alcance os 4.353 milhões de dólares. Obviamente, um valor significativamente abaixo da dívida chinesa que se estima em 2024 ser de 15.619 milhões de dólares, contudo, demonstrando uma aceleração da dívida americana[6]. Os dados do BNA não contêm elementos desagregados destes empréstimos que era bom conhecer, designadamente, a finalidade e as condições de pagamento. É importante haver transparência para não se repetirem os erros cometidos com os empréstimos da China.

No seu discurso de boas-vindas a Joe Biden a 3 de dezembro João Lourenço enunciou os principais contributos americanos relativamente a Angola[7].

Mencionou projetos de investimento público em curso com o financiamento do EXIMBANK americano, do CITI Capital e a Corporação Financeira de Desenvolvimento Internacional DFC, com empresas americanas como a SUN África, a Africell, a Mayfair Energy, a Acrow Bridge, e a GATES Air. Portanto, parece que o endividamento acima mencionado será para fazer face a estes projetos em parceria com as empresas americanas. A SUN África[8] dedica-se a painéis solares, a Africell a telecomunicações, a Mayfair Energy[9] é uma consultora de estruturação financeira de soluções para energia, a Acrow Bridge vende pontes modulares permanentes e temporárias para uso em locais de escavação, canteiros de obras, locais de perfuração e muito mais[10]. Finalmente, a GATES Air é uma fabricante americana de produtos eletrónicos que produz, comercializa e faz manutenção de equipamentos de transmissão de rádio e TV terrestre em todo o mundo[11]. Consequentemente, na sua essência temos duas linhas de investimentos americanos suportados por empréstimos, uma linha é a energia solar, outra as telecomunicações.

A projeção do soft-power

O ponto essencial do novo relacionamento entre Angola e Estados Unidos não é económico, embora este aspeto tenha óbvio relevo. Trata-se de algo mais abrangente e com impacto estratégico profundo, que é Angola funcionar como um fator de projeção do soft-power americano na África Central e Austral e também no Golfo da Guiné, garantindo a defesa dos interesses do Ocidente no continente, apartados duma perspetiva neo-colonial. Acima de tudo é isso que está em jogo. Trata-se de garantir o acesso ao hinterland africano, mantendo a sua estabilidade e a segurança das rotas marítimas, e evitando o completo domínio chinês e russo de África.

É por isso que João Lourenço começa o seu discurso de boas-vindas ao Presidente americano, não por aspetos económicos, mas por temas de defesa e segurança. Referiu o Presidente da República de Angola, que gostaria “de ver incrementada a cooperação no sector da Defesa e Segurança, no acesso às escolas e academias militares, no treino militar em Angola, realizar mais exercícios militares conjuntos, cooperar mais nos programas de segurança marítima para a protecção do Golfo da Guiné e do Atlântico Sul, assim como no programa de reequipamento e modernização das Forças Armadas Angolanas”[12].

A verdade é que os Estados Unidos e Angola têm estado a reforçar os seus laços de defesa através de iniciativas estratégicas e programas conjuntos destinados a robustecer a capacidade de Angola de manter a estabilidade dentro das suas fronteiras e contribuir para a paz regional. O país torna-se um parceiro indispensável na promoção da segurança regional e na abordagem dos desafios globais, desde a segurança marítima ao combate ao crime transnacional.

Em concreto, recentemente, em junho de 2024, houve a reunião inaugural do Comité Conjunto Angolano-EUA de Cooperação em Defesa (DEFCOM) que marcou um avanço significativo, com os dois países a assinarem um acordo para troca de bens e serviços logísticos entre os seus militares, colaborando em áreas críticas como a manutenção da paz, a defesa cibernética, a engenharia e o desenvolvimento da nascente guarda costeira de Angola. Em setembro de 2024, Angola aderiu ao Programa de Parceria de Estado (SPP) do Departamento de Defesa dos EUA, integrando ainda mais os seus esforços militares com os dos Estados Unidos. Com o DEFCOM e o SPP, Angola não só está a fortalecer a sua defesa nacional, mas também a tornar-se um modelo de segurança na África Subsaariana. Em termos de liderança regional, a inclusão de Angola na Parceria de Cooperação Atlântica (PCA) liderada pelos EUA destaca o seu papel estratégico na promoção de uma região atlântica segura e próspera.

Este afigura-se, na nossa visão, o ponto essencial desta nova relação. A consagração de Angola como o fator estratégico de estabilidade e acesso a África por parte de um Ocidente não neo-colonizador.

Neste sentido, e em termos práticos, aumenta a força de dissuasão de Angola para levar a paz à RDC. Na verdade, agora pode agir invocando o poder americano como subjacente à sua política de estabelecimento de paz, o que será importante para Paul Kagame, sobretudo, e também para Tshisekedi. O chamado “stick” americano pode ser mencionado por João Lourenço para obrigar à paz. Talvez por isso tenha agora sido marcada uma Cimeira para a Paz no Leste do Congo para o próximo dia 15 de dezembro, com a presença de João Lourenço, mediador designado pela União Africana, e dos chefes de Estado do Ruanda, Paul Kagame, e da RDCongo, Félix Tshisekedi[13].

O Corredor do Lobito: a primeira vitória americana

É possível que muitos discordem da prioridade dada neste texto aos aspetos estratégicos e de projeção de poder e apontem para o relevo que foi dado ao Corredor do Lobito na viagem presidencial americana. Esse relevo é um facto, mas representa um chamariz e a criação de um efeito de imagem.

O Corredor do Lobito é um conceito que assenta no antigo Caminho-de-Ferro de Benguela (CFB) que nos tempos coloniais foi das linhas férreas mais lucrativas do mundo. Depois, foi tornada inoperante durante a guerra civil angolana (1975-2002) e um dos principais projetos de reconstrução nacional apoiados e realizados pela China. A reabilitação do CFB ficou pronta com os comboios a circular entre 2015-2019. Ao mesmo tempo o porto do Lobito também foi remodelado e ficou operacional. Portanto, estamos a falar duma linha de caminho-de-ferro e de um porto que ligam a costa atlântica às zonas mineiras do Congo e da Zâmbia (esta última parte não está feita). Muito foi por estes dias escrito sobre o Corredor do Lobito, pelo que não vamos repetir.

O essencial a reter é o seguinte: originalmente este foi um projeto sustentado pela China, que se viu perante a competição norte-americana e não obteve a concessão do CFB e por isso abandonou o Porto do Lobito, onde já tinha obtido um lugar. Portanto, na prática tratou-se duma ambição chinesa que foi parar a mãos americanas. Este é o significado do Corredor do Lobito. Os EUA conseguiram-se sobrepor à China na exploração de um ativo estratégico.

No entanto, há duas questões a considerar. A primeira é que uma boa parte das minas de onde sairão as matérias-primas a ser transportadas está nas mãos da China. A título de exemplo, refira-se que as empresas chinesas controlam dois terços do cobalto na RDC.[14] Consequentemente, ou os americanos chegam a um qualquer tipo de acordo com as empresas chinesas para usar o Corredor do Lobito para garantir economias de escala ou usam a sua influência para afastar essas empresas e substituí-las por outras ligadas ao Ocidente. É um grande desafio pela frente.

A perspetiva angolana sobre o Corredor do Lobito é mais ampla e não o resume a um comboio e um barco, mas sim a uma via de comunicação que promova ao longo do seu caminho vários polos de desenvolvimento que permitam o escoamento dos produtos agrícolas angolanos, o estabelecimento de zonas de comércio e de centros integrados de desenvolvimento agroindustrial, no fundo um eixo de desenvolvimento. Possivelmente, uma boa parte dos anúncios de verbas americanas e europeias serão para essa lateralização do Corredor, como se parece inferir do anúncio da Casa Branca segundo o qual “iniciativa [Corredor do Lobito] também ajudaria a desenvolver as comunidades em torno da linha férrea, incluindo o fomento da agricultura e dos negócios em geral[15].

Muitos milhares de milhões já foram anunciados para este Corredor. Não é certo o que já efetivamente chegou ao terreno e foi aplicado e onde. Recentemente, foi explicado que a finalização da construção ainda demorará 3 a 5 anos.[16]Não se sabendo exatamente se tal finalização se refere ao ramal para a Zâmbia, ou alguma reabilitação da reabilitação chinesa.

No final de contas, o projeto ainda tem muitas incógnitas, duas delas dependendo da China, uma é o interesse das minas no uso do CFB, outra a existência de alternativas, construídas e exploradas pela China, que podem ser complementares ou excludentes.

Era manifestamente importante que o desenvolvimento do Corredor fosse acompanhado por mecanismos adequados de transparência para evitar erros do passado e que a IGAE criasse um departamento vocacionado para inspecionar todos os trabalhos em que haja intervenção do Estado angolano no Corredor do Lobito para garantir o cumprimento das boas práticas.

Intangíveis: o essencial da relação

Se a projeção de Angola como potência regional estabilizadora é um dos principais benefícios da relação como os EUA, se o Corredor do Lobito é um símbolo importante do retorno dos EUA a África e se ficam abertas oportunidades para investimento americano em Angola, acredita-se que a influência americana poderá ter maiores efeitos estruturantes a um nível essencial modificando a cultura política, empresarial e educacional angolana.

O convívio com as práticas e aproximação americanas bem como a imersão nos seus valores poderá embeber Angola num ambiente desafiante que promova mudanças a três níveis:

-Constitucionalismo e cultura democrática: Os Estados Unidos têm tido um papel fundamental no desenvolvimento do constitucionalismo e na promoção da cultura democrática mundial.  A Constituição dos EUA, adotada em 1787, uma das mais antigas ainda em vigor, serve como um modelo prático para muitos países que procuram equilibrar poderes e garantir direitos fundamentais. O conceito de separação de poderes entre Executivo, Legislativo e Judicial é central para prevenir abusos de poder e garantir um governo equilibrado. Os movimentos históricos nos EUA, como o Movimento dos Direitos Civis na década de 1960, destacam a importância da luta pela igualdade e inspiram movimentos de direitos humanos em todo o mundo. A democracia americana é amplamente estudada e discutida globalmente, e as suas instituições, como o Supremo Tribunal e princípios, como a liberdade de expressão, são referências em debates académicos e políticos internacionais. Embora, com sobressaltos variados, os EUA têm promovido a democracia através de sua política externa, apoiando transições democráticas e eleições livres em diversas regiões do mundo.

Todo este caldo cultural passa a ser estudado e mais vivido em Angola. Forçosamente terá influência no modo de pensar, agir e na exigência popular.

Refira-se como exemplo histórico em Portugal, o papel que os militares, que foram chamados “geração NATO” por terem ido estudar para os EUA a propósito da sua formação para a NATO, tiveram na democratização do país[17].

-Gestão eficiente e competição: Os Estados Unidos são pioneiros na promoção de uma gestão eficaz e de um ambiente competitivo nos negócios. Empresas americanas como General Electric e Apple são conhecidas pelos seus modelos inovadores de gestão que focam na eficiência operacional, inovação e liderança. Métodos como o Six Sigma e o Lean Manufacturing ganharam reconhecimento global. A integração da tecnologia na gestão, como o uso de software de planeamento de recursos empresariais (ERP) e sistemas de inteligência artificial, ajuda a otimizar processos e reduzir custos. Instituições como Harvard Business School e MIT oferecem programas de MBA e cursos de gestão que são considerados referências mundiais e formam líderes empresariais de diversas nações. O ambiente económico dos EUA é caracterizado pela livre concorrência e pela regulação que visa manter mercados justos e impedir monopólios. Silicon Valley é um epicentro de inovação tecnológica e empreendedorismo, onde startups competem e colaboram, criando um ecossistema vibrante que serve de modelo para outras regiões.

Espera-se que este espírito penetre no mundo empresarial angolano e transforme os seus mercados.

-Educação:  Dos Estados Unidos poderão vir respostas às carências no ensino angolano, quer à falta de estruturas no ensino básico, quer à falta de qualidade do ensino superior. Desde logo o incremento de plataformas online e MOOCs (Massive Open Online Courses) que oferecem oportunidades de aprendizagem acessíveis sem necessidade de investimentos impossíveis em edifícios, mas apenas em sistemas digitais. A ideia de escolha curricular, permitindo uma grande flexibilidade na escolha de disciplinas, deixando que os alunos personalizem seu percurso educativo de acordo com seus interesses e objetivos. O Investimento em I&D: As universidades americanas são líderes em investigação, muitas vezes com fundos significativos tanto do setor público quanto do privado. Tal oferece aos alunos oportunidades de participar de projetos inovadores e de ponta. Alguns programas podem ser alargados a Angola. Parcerias com a Indústria: Colaborações com empresas e instituições de pesquisa proporcionam experiência prática e aplicabilidade real das teorias aprendidas. Meritocracia: A competição saudável é incentivada, o que pode levar a altos padrões de desempenho académico e inovação.

Estes são exemplos de aspetos que podem ser explorados e trazidos dos EUA para tornar o sistema de ensino angolano mais eficiente e promissor.

Conclusão

Há um mundo novo que se abre a Angola com esta relação reforçada com os EUA. Agora haverá um certo intervalo até 20 de janeiro com a posse do Presidente Trump. Espera-se que a atitude americana se mantenha e que seja possível uma acomodação realista com a China. Quanto a Angola, o objetivo é que absorva as boas práticas e os bons exemplos e que, desta vez, não perca a oportunidade. Pode ser uma nova fase para Angola. O balanço desta viagem de Joe Biden não pode ser feito hoje, nem amanhã, apenas daqui a vários anos. Aguardemos a resposta do futuro.


[1] https://www.makaangola.org/?s=china%2Bjo%C3%A3o+louren%C3%A7o&tztc=1

[2] https://expresso.pt/politica/2018-11-21-Joao-Lourenco-em-entrevista-ao-Expresso-Sao-conhecidos-os-que-trairam-a-patria-8db1c6de

[3] Hernry Kissinger, Leadership, Allen Lane, 2022.

[4] https://www.facebook.com/PresidedaRepublica

[5] https://www.voaportugues.com/a/angola-vota-resolu%C3%A7%C3%A3o-da-onu-que-condena-r%C3%BAssia-mo%C3%A7ambique-abst%C3%A9m-se-/6787365.html

[6] https://www.bna.ao/#/pt/estatisticas/estatisticas-externas/dados-anuais

[7] https://www.facebook.com/PresidedaRepublica

[8] https://sunafrica.com/pt/

[9] https://www.mayfairenergyadvisory.com/

[10] https://www.eiffeltrading.com/blog/post/what-is-an-acrow-bridge

[11] https://www.gatesair.com/

[12] https://www.facebook.com/PresidedaRepublica

[13] https://observador.pt/2024/12/02/luanda-acolhe-este-mes-nova-cimeira-tripartida-para-solucionar-conflito-na-republica-democratica-do-congo/

[14] https://pontofinal-macau.com/2024/10/29/dominio-chines-no-congo-altera-planos-para-diversificar-acesso-a-minerais-criticos-diz-estudo/

[15] https://angola24horas.com/angola-24-horas-noticias/item/30961-em-angola-biden-prometeu-investir-diferente-da-china

[16] https://www.angonoticias.com/Artigos/item/78775/corredor-do-lobito-demora-no-minimo-5-anos-a-ficar-concluido

[17] Pedro Aires Oliveira e João Viera Borges. Crepúsculo do Império — Portugal e as guerras de descolonização, Bertrand, 2024.

2022 Angolan elections and the United States

Recently, rumors have circulated in Luanda and received echo in generally well-informed portals[1] about a possible increased interest of the United States in the Angolan elections, which would lead the Western power to demand that the elections have impartial international observers to guarantee the electoral truth, as well as the threat of possible sanctions against the João Lourenço government if it did not comply with these American recommendations. Specifically, it is announced that the Biden Administration has been threatening the application of financial sanctions, visa restrictions and travel bans against government officials who undermine elections in their countries[2]. From there it is extrapolated that it will be doing the same in relation to Angola.

This apparent position represents a break with the relative passivity with which the United States of America in the past has faced the general elections in Angola, at least since 2008, it is necessary to try to understand if this change in US policy verifiably exists and in what terms.

Firstly, the sources we consulted state that they are not aware of any reversal of US foreign policy towards Angola, noting that the rumors essentially originate from documents sent by Angolan Non-Governmental Organizations to the State Department, which has always happened and will happen and also in the usual inquiries that the American Embassy in Luanda carried out, but which it has always carried out in the past and will carry out in the future. Therefore, nothing new.

Secondly, and this is the object of our study, it is interesting to investigate whether the structural conditions of US foreign policy imply a more accentuated intervention/concern with the elections and the situation in Angola, which could lead to serious misunderstandings between the Biden Administration. and the executive of João Lourenço.

The Biden Administration’s foreign policy, curiously, in its broad lines follows the policy adopted by Donald Trump, breaking only in specific aspects, such as the weather emergency or some multilateralism. Thus, Biden’s foreign policy is based on a commitment to dealing with the relationship with China, a pragmatism in most relations and a lack of interest in Africa.

The withdrawal, as it took place, from Afghanistan is a typical example of this approach, in which Americans do not want to get involved in “nation building” projects or actively promoting values ​​in other countries. They now prefer a strategy that benefits them commercially, guarantees stability and helps control China.

The idealism of the neoconservatives who embraced George Bush Jr., in his attempt to build democracies and the rule of law in Iraq and Afghanistan, is no longer part of the American foreign policy guide. So don’t expect this idealism to come to Africa. There will be no interventions in Africa to promote any kind of American values, not even muscular interventions of any kind.

What exists on the North American side is a desire for the African continent to be as stable as possible and the supply of essential raw materials ensured in the most adequate way possible.

This October, in the prestigious Foreign Affairs magazine, they wrote “President Joe Biden’s administration has been similarly slow out of the blocks on Africa. Aside from its focused diplomatic response to the horrific civil war in Ethiopia and a few hints about other areas of emphasis, such as trade and investment, Biden has not articulated a strategy for the continent.[3]

Consequently, in terms of the structural lines of American foreign policy, it appears that with the withdrawal from Afghanistan, any wish for “Nation building” or intervention in a third country that does not directly threaten the national interest has been abandoned.

Additionally, the focus was placed on China and its control and more generally on Asia.

The US State Department’s statement from May this year is very clear on the importance of China and the role it plays in the American approach: “Strategic competition is the frame through which the United States views its relationship with the People’s Republic of China (PRC). The United States will address its relationship with the PRC from a position of strength in which we work closely with our allies and partners to defend our interests and values.  We will advance our economic interests, counter Beijing’s aggressive and coercive actions, sustain key military advantages and vital security partnerships, re-engage robustly in the UN system, and stand up to Beijing when PRC authorities are violating human rights and fundamental freedoms. When it is in our interest, the United States will conduct results-oriented diplomacy with China on shared challenges such as climate change and global public health crises[4]”.

If the structuring lines of American foreign policy are those mentioned above, and Africa does not occupy a relevant place, it is worth pointing out, however, what the United States wants or expects from Africa. Essentially, it can be summed up in a colloquial phrase: The US wants Africa not to bother them and provide some economic profits.

Following this strategy, the US has handed over a good part of the anti-terrorist fight to France and counts on African countries to guarantee local stability, pursuing strong alliances with some of them. Only if US national interests and security are affected by Islamic terrorism will the United States intervene strongly. It should be noted that the US also has its trauma here, which occurred in Somalia, and so well portrayed in the beautiful film Black Hawk Down[5], masterfully directed by Ridley Scott. There is no US willingness to get inside any imbroglio in Africa. This idea is reinforced by the donwsizing proposals regarding its Africom (United States Command for Africa).

To this extent, the US has a very practical view of the balance of power and needs for Africa. And in reality its history with Angola demonstrates this. In fact, even when in the 1980s they reportedly supported Jonas Savimbi’s UNITA against José Eduardo dos Santos’ MPLA, they were careful that such support did not disrupt the activities of their oil companies operating in territory dominated by the MPLA government. At the time, Cuba sent an additional 2,000 soldiers to protect Chevron’s oil rigs (in Cabinda). In 1986 Savimbi called Chevron’s presence in Angola, already protected by Cuban troops, as a UNITA “target”. So, we had Savimbi backed by the Americans to invective an American company protected by the Cubans[6]. Later, it was rumored that a company linked to the conservative Dick Cheney, future vice president of George Bush Jr., had a role in the location and death of Jonas Savimbi[7].

This means that the US attitude towards Angola has always been ambivalent, and it will not be now that it will embark on a path of confrontation, when Angola became an important ally for two very realistic reasons.

Firstly, Angola, specially under the leadership of João Lourenço, has played a role of pacification in its area of ​​influence. Remember that Angola helped a peaceful and electoral broadcast in the Democratic Republic of Congo (DRC), tries to establish some peacefulness between the triangle DRC, Uganda and Rwanda, besides having contributed decisively to the recent peace in the Central African Republic (CAR). In fact, in the latter country, President Touadéra highlighted the crucial role played by the Angolan state in achieving peace. Angola is an ally of US peace in Africa and obviously the Americans will not neglect Angola’s diplomatic and military support and collaboration for African tranquility.

It is also a strong bulwark against any penetration of Islamic terrorism.

Secondly, it is clear that Angola is currently pursuing a new foreign policy, intending to “detach itself” from the excessive dependence on China. Now, given its experience with China, which pioneered intervention in Africa and the current attempt to a more Western foreign policy, Angola constitutes an experimental platform par excellence for US policy towards China, where the true implications of this policy will be tested and how far the US effort to counterbalance China will go.

To that extent, an American failure with Angola will be a global failure of its strategic approach to China. Here, as in the Cold War in relation to the Soviet Union, the reality of American action in relation to China will be measured.

Thus, it does not seem that the Biden Administration embarks on any hostility or change in relation to the João Lourenço government, as this does not correspond to American interests in relation to Africa and even in relation to China. All rumors in another sense should be seen as part of the Angolan infighting and not any muscular American positioning.


[1] CLUB-K, 2021,  https://club-k.net/index.php?option=com_content&view=article&id=46062:eua-ameacam-sancoes-contra-regimes-africanos-que-recorrem-a-fraude-eleitoral&catid=11:foco-do-dia&lang=pt&Itemid=1072

[2] idem

[3] Foreign Affairs, 2021, https://www.foreignaffairs.com/articles/africa/2021-10-08/africa-changing-and-usstrategynotkeeping?utm_medium=promo_email&utm_source=lo_flows&utm_campaign=registered_user_welcome&utm_term=email_1&utm_content=20211026

[4] USA State Department, 2021, https://www.state.gov/u-s-relations-with-china/

[5] Black Hawk Down, 2001, https://www.imdb.com/title/tt0265086/

[6] Franklyn, J. (1997), Cuba and the United States: a chronological history

[7] Madsen, W. (2013). National Security Agency surveillance: Reflections and revelations 2001-2013

Eleições angolanas de 2022 e os Estados Unidos da América

Recentemente, têm circulado por Luanda e obtido o devido eco em portais geralmente bem-informados[1]rumores acerca dum possível interesse acrescido dos Estados Unidos nas eleições angolanas, que levariam a potência ocidental a exigir que as eleições tivessem observadores internacionais imparciais que garantissem a verdade eleitoral, bem como a ameaça de possíveis sanções ao governo de João Lourenço se não acatasse essas recomendações americanas. Em concreto, anuncia-se que a Administração Biden tem estado a ameaçar com a aplicação de sanções financeiras, restrições de vistos e proibições de viagens contra governantes que prejudiquem as eleições nos seus países.[2] Daí extrapola-se que estará a fazer o mesmo em relação a Angola.

Representando esta aparente postura uma rutura com a relativa passividade com que os Estados Unidos da América no passado têm encarado as eleições gerais em Angola, pelo menos desde 2008, é mister tentar perceber se existe verificavelmente essa mudança de política dos EUA e em que termos.

Em primeiro lugar, as fontes que consultamos afirmam desconhecer qualquer inversão da política externa norte-americana relativa a Angola, anotando que os rumores têm origem, essencialmente, em documentos enviados por Organizações Não Governamentais angolanas ao Departamento de Estado, o que sempre aconteceu e acontecerá e também nas auscultações habituais que a Embaixada americana em Luanda efetuou, mas que sempre realizou no passado e realizará no futuro. Nada de novo, portanto.

Em segundo lugar, e isto constitui o objeto do nosso estudo, interessa averiguar se as condicionantes estruturais da política externa norte-americana implicam uma intervenção/preocupação mais acentuada com as eleições e a situação em Angola, podendo levar a desentendimentos graves ente a Administração Biden e o executivo de João Lourenço.

A política externa da Administração Biden, curiosamente, nas suas grandes linhas segue a política adotada por Donald Trump, quebrando apenas em aspetos específicos, como a emergência climatérica ou algum multilateralismo. Deste modo, a política externa Biden assenta num empenho no tratamento da relação com a China, um pragmatismo na generalidade das relações e um desinteresse em África.

A retirada, nos termos em que ocorreu, do Afeganistão é um exemplo típico desta abordagem, em que os americanos não se querem envolver em projetos “nation building” ou de promoção ativa de valores noutros países. Preferem agora uma estratégia que os beneficie comercialmente, garanta a estabilidade e ajude a controlar a China.  

O idealismo dos neoconservadores que acolitaram George Bush filho na sua tentativa de construção de democracias e estados de direito no Iraque e Afeganistão, deixou de fazer parte do guião da política externa americana. Portanto, não se espere que esse idealismo venha existir para África. Não vão existir intervenções em África para promover qualquer tipo de valores americanos, nem sequer intervenções musculadas de qualquer tipo.

O que existe da parte norte-americana é um desejo que o continente africano seja o mais estável possível e o fornecimento de matérias-primas essenciais seja assegurado do modo mais adequado possível.

Ainda este mês de outubro, na prestigiada revista Foreign Affairs, escrevia-se “President Joe Biden’s administration has been similarly slow out of the blocks on Africa. Aside from its focused diplomatic response to the horrific civil war in Ethiopia and a few hints about other areas of emphasis, such as trade and investment, Biden has not articulated a strategy for the continent.” (A administração do presidente Joe Biden tem sido igualmente lenta nos bloqueios de África. Além de sua resposta diplomática focada na horrível guerra civil na Etiópia e algumas dicas sobre outras áreas de ênfase, como comércio e investimento, Biden não articulou uma estratégia para o continente.)[3].

Consequentemente, em termos das linhas estruturais da política estrangeira americana verifica-se que com a retirada do Afeganistão foi abandonada qualquer veleidade de “Nation building” ou intervenção em país terceiro que não ameace diretamente o interesse nacional.

Adicionalmente, o foco foi colocado na China e no seu controlo e mais geralmente na Ásia.

A declaração do Departamento de Estado norte-americano de maio deste ano é bem clara sobre a importância da China e o papel que desempenha na abordagem americana: “Strategic competition is the frame through which the United States views its relationship with the People’s Republic of China (PRC).  The United States will address its relationship with the PRC from a position of strength in which we work closely with our allies and partners to defend our interests and values.  We will advance our economic interests, counter Beijing’s aggressive and coercive actions, sustain key military advantages and vital security partnerships, re-engage robustly in the UN system, and stand up to Beijing when PRC authorities are violating human rights and fundamental freedoms.  When it is in our interest, the United States will conduct results-oriented diplomacy with China on shared challenges such as climate change and global public health crises[4].” (“A competição estratégica é a estrutura pela qual os Estados Unidos veem seu relacionamento com a República Popular da China (RPC). Os Estados Unidos abordarão o seu relacionamento com a RPC a partir de uma posição de força na qual trabalhamos em estreita colaboração com nossos aliados e parceiros para defender nossos interesses e valores. Avançaremos os nossos interesses económicos, combateremos as ações agressivas e coercitivas de Pequim, manteremos vantagens militares importantes e parcerias de segurança vitais, voltaremos a colaborar fortemente no sistema da ONU e enfrentaremos Pequim quando as autoridades da RPC estiverem a violar os direitos humanos e as liberdades fundamentais. Quando for de nosso interesse, os Estados Unidos conduzirão uma diplomacia voltada para resultados com a China em desafios compartilhados, como mudanças climáticas e crises globais de saúde pública.”

Se as linhas estruturantes da política externa americana são as referidas, e África não ocupa um lugar relevante, convém assinalar, no entanto, o que os Estados Unidos desejam ou esperam de África. Essencialmente, pode-se resumir numa frase coloquial: Os EUA desejam que África não lhe dê chatices e propicie alguns lucros económicos.

No seguimento dessa estratégia, os EUA têm entregado uma boa parte da luta anti- terrorista a França e contam que os países africanos garantam a estabilidade local, prosseguindo fortes alianças com alguns deles. Só se o interesse e a segurança nacionais norte-americanas forem afetadas pelo terrorismo islâmico, os Estados Unidos intervirão fortemente. De notar, que também aqui os EUA têm o seu trauma, ocorrido na Somália, e tão bem retratado no belo filme Black Hawk Down[5] magistralmente dirigido por Ridley Scott. Não existe qualquer apetência dos EUA em se colocarem por dentro de qualquer imbróglio em África. Esta ideia é reforçada pelas propostas de donwsizing relativamente ao seu Africom (Comando dos Estados Unidos para a África).

Nesta medida, os EUA têm uma perspetiva muito prática dos equilíbrios de forças e necessidades para África. E na realidade a sua história com Angola isso o demonstra. Na verdade, mesmo quando nos anos 1980s apoiavam declaradamente a UNITA de Jonas Savimbi contra o MPLA de José Eduardo dos Santos tinham o cuidado que tal apoio não perturbasse as atividades das suas companhias petrolíferas a operar em território dominado pelo governo do MPLA. Na altura, Cuba enviou 2 mil soldados adicionais para proteger as plataformas de petróleo da Chevron (em Cabinda). Em 1986 Savimbi chamou a presença da Chevron em Angola, já protegida pelas tropas cubanas, como um “alvo” da UNITA. Portanto, tínhamos Savimbi apoiado pelos norte-americanos a invetivar uma companhia norte-americana protegida pelos cubanos.[6] Mais tarde, correram rumores que uma empresa ligada ao conservador Dick Cheney, futuro vice-presidente de George Bush filho, teria tido um papel na localização e morte de Jonas Savimbi[7].

Isto quer dizer, que a atitude dos EUA face a Angola sempre foi ambivalente, e não será agora que irá enveredar por um caminho de confronto, quando Angola se tornou um aliado importante por dois motivos muito reais.

Em primeiro lugar, Angola, sobretudo com a liderança de João Lourenço tem desempenhado um papel de pacificação na sua zona de influência. Relembre-se que Angola ajudou a uma transmissão pacífica e eleitoral na República Democrática do Congo (RDC), tenta estabelecer alguma tranquilidade entre o triângulo RDC, Uganda e Ruanda, além de ter contribuído decisivamente para a recente paz na República Centro-Africana (RCA). Na verdade, neste último país o Presidente Touadéra destacou o papel fulcral desempenhado pelo Estado angolano na obtenção da paz. Angola é um aliado da paz dos EUA em África e obviamente os americanos não vão desleixar o apoio e colaboração diplomática e militar de Angola para a tranquilidade africana.

Também é um forte baluarte contra qualquer penetração do terrorismo islâmico.

Em segundo lugar, é nítido que Angola segue atualmente uma nova política externa, pretendendo “descolar-se” da excessiva dependência da China. Ora, atendendo à sua experiência com a China de quem foi pioneira da intervenção em África e da tentativa atual duma política estrangeira mais ocidental, Angola constitui uma plataforma experimental por excelência para a política dos EUA face à China, onde se testarão as verdadeiras implicações dessa política e até onde irá o empenho americano para contrabalançar a China.

Nessa medida, um falhanço americano com Angola será um falhanço global da sua aproximação estratégica à China. Aqui, tal como na Guerra Fria em relação à União Soviética, se vai medir a realidade da ação americana relativamente à China.

Assim, tudo ponderado não parece que a Administração Biden embarque em qualquer hostilização ou mudança em relação ao governo de João Lourenço, pois isso não corresponde aos interesses americanos face a África e mesmo em relação à China. Todos rumores noutro sentido, devem ser vistos como parte da luta interna angolana e não qualquer posicionamento musculado americano.


[1]CLUB-K, 2021,  https://club-k.net/index.php?option=com_content&view=article&id=46062:eua-ameacam-sancoes-contra-regimes-africanos-que-recorrem-a-fraude-eleitoral&catid=11:foco-do-dia&lang=pt&Itemid=1072

[2] Idem

[3] Foreign Affairs, 2021, https://www.foreignaffairs.com/articles/africa/2021-10-08/africa-changing-and-us-strategy-not-keeping?utm_medium=promo_email&utm_source=lo_flows&utm_campaign=registered_user_welcome&utm_term=email_1&utm_content=20211026

[4] USA State Department, 2021, https://www.state.gov/u-s-relations-with-china/

[5] Black Hawk Down, 2001, https://www.imdb.com/title/tt0265086/

[6] Franklyn, J. (1997), Cuba and the United States: a chronological history

[7] Madsen, W. (2013). National Security Agency surveillance: Reflections and revelations 2001-2013