Artigos

Análise da Proposta de Orçamento Geral do Estado de Angola para 2023

1-A apresentação oficial do OGE

A proposta do Orçamento Geral do Estado (OGE) de Angola para 2023 já foi entregue na Assembleia Nacional, constando os seus elementos essenciais de uma acessível e pedagógica página digital do Ministério das Finanças.[1]

O ministério das Finanças na sua nota oficial destacou os seguintes aspetos principais acerca do OGE.[2]

Objectivos

Os dois principais objetivos da política orçamental são a “continuação do crescimento económico nacional e o prosseguimento de uma gestão orçamental prudente.”

Saldo orçamental e dívida pública

O saldo orçamental será superavitário no valor 0,9% do PIB, consolidando a evolução de 2021 e 2022. O rácio da dívida pública em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) está a diminuir, sendo que as projeções para 2022 apontam um rácio de 56.1% do PIB, manifestamente inferior aos 128,7% já registados. O governo espera que a tendência conjugada da diminuição da dívida pública e da inflação (que se estima em 11% no final de 2023) leve, finalmente, à diminuição das taxas de juro, promovendo o crescimento económico.

Serão mantidos alguns aligeiramentos fiscais como a redução da taxa do IVA dos produtos da cesta básica, que caíram de 14 para 5%, e na hotelaria e turismo (14 para 7%).

Preço petróleo

A proposta de OGE tem como referência o barril de petróleo a USD 75.00.

Despesa por sectores

Em termos de afetação da despesa, estão orçamentados 23.9 % para o sector social, 10 % para o sector económico, 8,6 % para o defesa, segurança e ordem pública ao passo que os serviços públicos gerais contam com 12,5 %.

Segundo o governo, a Despesa Social representa a maior fatia de despesa no OGE absorvendo 43,5% da despesa fiscal primária e 23,9% da despesa total do orçamento, com um aumento de 33,4% face ao OGE 2022.

Crescimento

Em termos de previsões que substanciam a proposta, o OGE assume que em 2022, o PIB real deverá apresentar uma taxa de crescimento real positivo de 2,7%, acima dos 2,4% inicialmente previstos no OGE 2022, e para o ano de 2023, espera-se um crescimento real de 3,3%[3]

Inflação

O Governo espera para 2022 uma inflação de 14,4%, bem abaixo do objetivo de 18%. Para 2023, antecipa uma taxa de inflação de 11,1%, como acima referido.

2-A questão do petróleo

É evidente que o preço do petróleo ainda ocupa um amplo espaço na economia angolana. Segundo os próprios dados do ministério das Finanças, no OGE de 2022, o sector petrolífero representou aproximadamente 25% do PIB nominal, prevendo-se que para 2023 tal número seja de 22%.[4]

Assente o papel determinante do petróleo na economia e nas contas públicas angolanas, repete-se que o preço indicativo calculado para o OGE 2023 foi de 75,00 USD/Bbl como média para o ano, com uma produção também média de 1 180,0 mil Bbl/dia.

Neste momento (13 de Dezembro 2022) o preço do barril está em USD 79, 03[5]e a tendência nos mercados nos últimos tempos tem sido de queda. No último mês desceu de um patamar superior aos USD 90,00, para um limite inferior aos USD 80.00. Obviamente, que a volatilidade do preço do petróleo é grande e ninguém pode fazer previsões sobre a evolução previsível do preço. A queda atual é atribuída ao desaceleramento da economia chinesa e ao efeito da subida das taxas de juro americanas sobre a commodoties. Poderá ser assim ou não, o preço poderá subir ou descer. Havendo talvez uma expectativa de subida, uma vez que se antecipa que a China comece a recuperar e as taxas de juro norte-americanas não aumentem mais, além dos cortes de produção na OPEP, a verdade é que a margem orçamental não é demasiado grande em termos de preço de petróleo. Rapidamente, oscilações do preço podem colocar em causa os cálculos do OGE.

A isto acresce que a precisão de produção diária é de 1180 mil barris dia, quando a média de 2022 foi de 1 147 em 2022 e 1 124 naquilo que se refere a 2021. Atendendo a uma reconhecida obsolescência em alguns sectores de produção petrolífera emAngola, pode acontecer que esse valor de barril não seja alcançado.

Quer isto dizer que, na nossa opinião, haverá algum otimismo nas projeções petrolíferas no OGE 2023 quer ao nível de preço, quer ao nível de produção. Não se pode dizer que as projeções não se verificarão, tão somente que é necessária alguma reserva de emergência para o caso das projeções não se consumarem.

         Continua a existir uma linha muito fina entre o sucesso e insucesso orçamental, por isso, uma renovada reforma da economia é fundamental.

3-A despesa social

O governo anuncia como grande sucesso da sua proposta o aumento da despesa social em 33,4% face a 2022, ocupando a maior fatia por sector. Concretizando, o Relatório de Fundamentação afirma que a despesa social corresponderá a 43,5% da despesa fiscal primária (sem serviço da dívida), que equivale a 23,9% da despesa total e a um aumento de 33,4 % face ao OGE 2022, como já foi referido. “Neste sector, destacam-se a Educação, Saúde, Habitação e Serviços Comunitários e a Proteção Social, com pesos de 14,1%, 12,1%, 10,1% e 6,2% na despesa fiscal primária, respetivamente.”[6] A verdade é que comparando Educação, Saúde, e Habitação com 2022, em todas estas rubricas há um aumento da despesa superior à inflação.

De anotar a subida exponencial da Saúde e Habitação face ao ano transato, com aumentos de 45,1% e 57,6% respetivamente.

Se repararmos no OGE de 2022, o sector social representava 38,8% da despesa fiscal primária, correspondendo a 19,02% da despesa total e a um aumento de 27,1% face ao OGE 2021.[7] Quer isto dizer que é manifesto que o governo está a dar uma especial atenção e promoção ao sector social que incrementa ano após ano. Os números comprovam essa atenção social da política orçamental.

Contudo, como é sabido é no sector social que muitas vezes se encontram as queixas da população. Existe aqui um problema que não é orçamental, mas de gestão e racionalidade. Tem de se executar efetivamente o OGE e fazer chegar o dinheiro às pessoas. A questão é cada vez mais de boa gestão e boa governação, de competência e deliverance, e não da falta de recursos.

4-A despesa financeira relativa à dívida

A despesa financeira relativa à dívida é de 45,1% da despesa do OGE, diminuindo em 2,6% em relação a 2022.[8] Na prática, temos um pouco menos de metade do OGE destinado a pagar dívidas. Não vamos acenar com o “fantasma” do incumprimento da dívida, que como temos referido aos longo das análises que temos efetuado, não existe. O que nos preocupa é o conteúdo da dívida e o facto do Estado estar a suportar e pagar uma dívida que não é dele.

Como refere um órgão de imprensa angolano especializado em economia e confirmam os dados oficiais, “a China continua a ser o país que Angola mais deve, detendo cerca de 40% do total. A maior parte da dívida à China tem como principal credor o China Development Bank (CDB), como resultado de um financiamento de 15 mil milhões USD, no âmbito de um acordo celebrado em Dezembro de 2015.”[9]

Este empréstimo chinês de 2015/2016 é uma das questões que mais atenção deve merecer e ter uma abordagem específica.

O nosso argumento é que uma parte da dívida pública angolana é aquilo que doutrinariamente se chama “dívida odiosa”. A doutrina legal da “dívida odiosa” defende que a dívida soberana contraída sem o consentimento do povo e que não o beneficia é “odiosa” e não deve ser transferível para um governo sucessor, especialmente se os credores estiverem cientes desses fatos com antecedência.[10] Não pugnamos pelo não pagamento integral desta dívida ou outras à China ou a outro país (também nos oferece muitas dúvidas a dívida inscrita a favor do Reino Unido, mas deixaremos esse tema para outra ocasião)  ou entidade, mas sim, uma renegociação bi-voluntária com o respetivo  haircut (redução) de capital e juros que alivie manifestamente o peso da dívida.

Consequentemente, deverá haver uma profunda auditoria forense a este empréstimo chinês de 2015/2016 cujo destino nunca ficou muito claro, a não ser em vagas afirmações que seria aplicado na Sonangol, numa altura coincidente com a assunção do mandato de gestão da companhia por Isabel dos Santos. Após essa auditoria forense e de acordo com os resultados obtidos deverá haver uma renegociação muito séria da dívida com a China. Em 2015, a China já tinha mais do que elementos suficientes para saber que parte do seu dinheiro emprestado estava a ser mal aplicado. Aliás, este é o ano em que o seu suposto representante, Sam Pa, foi, aparentemente, detido. O país, como grande potência que é, não se pode esconder por detrás de formalismos jurídicos e tem de enfrentar, em conjunto, com Angola o problema da sua dívida que foi desviada por corrupção.

5-Conclusões

Torna-se evidente que há um esforço de política económica no sentido de existir rigor financeiro e controlo orçamental de acordo com as injunções do Fundo Monetário Internacional, credibilizando externamente o país em termos económicos. A par desse rigor financeiro que custou bastante eleitoralmente a João Lourenço em Agosto de 2022, há uma atenção ao sector social, tentando mitigar o pendor financista.

Esta política orçamental está corretamente formulada, a questão a atentar situa-se no âmbito da concretização e execução. É fundamental que a despesa social chegue a quem precisa e às estruturas da linha da frente: médicos, enfermeiros, hospitais, escolas, professores, etc, e não fique em consumos intermédios e atalhos de corrupção que funcionam como sifão da verbas. Dito de outro modo, é imperativo que o dinheiro público orçamentado não seja desviado. E aí torna-se imperativo controlar a afetação e aplicação das verbas. A tarefa de boa gestão e governação é a mais importante no OGE de 2023.

Ao nível dos recursos é relevante enfatizar que nos parece estar a atividade petrolífera (preço e quantidade produzida) otimista, nessa medida, é importante haver uma reserva de contingência para baixas quer do preço, quer da produção.

E em relação à dívida pública face à China (e outras entidades) defendemos ser necessário realizar determinadas auditorias forenses e no caso de se vislumbrar algo semelhante a uma “dívida odiosa”, ativarem-se mecanismos de profunda renegociação. Em última análise, haveria que levar o assunto (“dívida ódios”) à Organização das Nações Unidas nos termos dos artigos 1.º, n.º 3 e 14.º , entre outros da Carta das Nações Unidas para se criar um consenso no direito internacional sobre o tema.


[1] Ministério das Finanças de Angola: https://www.minfin.gov.ao/PortalMinfin/#!/materias-de-realce/orcamento-geral-do-estado/oge2023

[2] Ministério das Finanças de Angola: https://www.minfin.gov.ao/PortalMinfin/#!/sala-de-imprensa/noticias/11811/proposta-de-oge-2023-entregue-a-assembleia-nacional

[3]Relatório Fundamentação OGE 2023 https://www.ucm.minfin.gov.ao/cs/groups/public/documents/document/aw4z/mzg4/~edisp/minfin3388777.pdf

[4] Relatório Fundamentação OGE 2023, p.17

[5] Cotações Brent Crude, 10:33 H, 13-12-22 https://oilprice.com/

[6] Vide nota supra, p. 52.

[7] Relatório Fundamentação OGE 2022, https://www.ucm.minfin.gov.ao/cs/groups/public/documents/document/aw4z/mjk2/~edisp/minfin3296952.pdf ,p.5.

[8] Relatório Fundamentação OGE 2023, cit., p. 53.

[9] Mercado, https://www.angonoticias.com/Artigos/item/72530/angola-deve-quase-52-mil-milhoes-usd-ao-exterior-jornal-mercado

[10] Michael Kremer & Seema Jayachandran, Odious Debt, Finance & Development, IMF, June 2002
Volume 39, Number 2

O sector económico e financeiro na revisão constitucional angolana – Em especial, a consagração da independência do banco central

1-Introdução. Revisão constitucional em Angola

A presente Constituição angolana (CRA) data de 2010 e nunca tinha sido revista. Recentemente, o Presidente João Lourenço anunciou ter tomado a iniciativa de propor uma revisão constitucional.

Um primeiro comentário que esta ação suscita é que o presidente angolano tem uma política corajosa enfrentando os vários desafios que lhe têm sido colocados: combate à corrupção, reforma económica, rapidez na reação à Covid-19. Neste momento, ainda não colhe os frutos desse enfrentamento determinado, e aí reside algum paradoxo, um presidente reformista arrisca-se a ser submerso pelas suas próprias reformas.

A presente proposta de revisão constitucional é minimalista, e assim foi assumido pelo governo. Nesse sentido, arrisca-se a criar expectativas na população que depois não serão satisfeitas. Contudo, representa um passo muito importante na discussão do modelo político angolano e o certo é que a discussão constitucional será mais importante mesmo que as efetivas alterações que no fim serão inseridas na Constituição.

O objetivo do presente texto é destacar e analisar as principais propostas de revisão constitucional na área da economia e finanças.

2-A proposta de lei de revisão constitucional na área económica e financeira

A primeira modificação proposta encontra-se no artigo 14.º da CRA, que diz respeito à propriedade privada. Introduz-se a expressão “promove[1]”, com a significação de ser função do Estado além de garantir e proteger a propriedade privada e livre iniciativa, também a promoção da iniciativa privada. É introduzido um comportamento positivo do Estado, o da promoção da livre iniciativa privada.

Mais à frente, é adicionado ao Artigo 37.º que regula o “Direito e limites da propriedade privada”, um novo número 4. Este número consagra a possibilidade de nacionalização em caso de “ponderosas razões de interesse nacional”. Também introduz o confisco enquanto medida sancionatória, sendo este permitido quando ocorra uma ofensa grave às leis que protegem os interesses económicos do Estado.

Naturalmente, é no Título acerca da Organização Económica, Financeira e Fiscal que são acrescentadas algumas modificações na área económica. O artigo 92.º conterá novos números 2 e 3. A nova redação proposta para o n.º 2, pretende “clarificar o alcance e o sentido do princípio da propriedade comunitária, enquanto tipo de propriedade consagrado no artigo 14.º da Constituição, que define a natureza do sistema económico chamando à regulação do exercício deste tipo de propriedade as normas do direito consuetudinário que não contrariem o sistema económico, o regime social de mercado e os princípios fundamentais da Constituição”. Já o n.º 3 estabelece a existência legal do sector não estruturado da economia, i.e., refere-se à economia informal, apontando para a sua institucionalização progressiva.

Depois temos o artigo 100.º sobre o Banco Nacional de Angola (BNA). No número 1 desse artigo determina-se que o BNA será o “banco central e emissor da República de Angola” e terá como funções primordiais:  garantir a estabilidade de preços de forma a assegurar a preservação do valor da moeda nacional e assegurar a estabilidade do sistema financeiro. Portanto, as funções do BNA são delimitadas ao combate à inflação e à estabilidade do sistema financeiro.

De seguida, no número 2 “consagra-se a nova natureza jurídica do BNA, enquanto entidade administrativa independente, de feição eminentemente reguladora, e sinaliza-se o conteúdo do princípio da independência deste tipo de entidades”. Fica doravante proibida “a transmissão de recomendações ou emissão de directivas aos órgãos dirigentes do BNA sobre a sua actividade, sua estrutura, funcionamento, tomada de decisão” acerca das prioridades a adotar na prossecução das atribuições constitucional e legalmente definidas, por parte do Poder Executivo ou de qualquer outra entidade pública.

Os números subsequentes do mesmo artigo determinam que: “O Governador do Banco Nacional de Angola é nomeado pelo Presidente da República, após audição na Comissão de Trabalho Especializada da Assembleia Nacional.” E estipulam um procedimento detalhado para essa nomeação. Há um dever de audição parlamentar, mas a decisão final é do Presidente da República.

Outra alteração diz respeito ao Orçamento Geral do Estado. No artigo 104.º propõe-se uma alteração “de modo a afastar uma ideia actual de que o orçamento das autarquias locais integra o OGE”. O OGE preverá as transferências a realizar para as autarquias, mas não as receitas e despesas das mesmas.

3-Análise e comentário das alterações propostas à Constituição económica e financeira

Verifica-se que os artigos a alterar são os 14.º, 37.º, 92.º, 100.º e 104.º

ARTIGO 14.º

  • Em relação ao artigo 14.º passará a incumbir ao Estado promover a iniciativa privada. Além do aspeto retórico de tal afirmação, em termos práticos, esta norma permite que o Estado auxilie o sector privado de forma consistente, por exemplo, ampliando as zonas francas e benefícios fiscais para os privados, subsidiando empresas privadas, criando parcerias com o sector privado. O Estado deverá adoptar uma atitude positiva e activa face ao sector privado e não meramente passiva. É um bom sinal para o mercado.

ARTIGO 37.º

  • O artigo 37.º tem um carácter diferente e constitui a única modificação constitucional diretamente relacionada com o combate à corrupção. Face a uma lacuna constitucional, ficarão agora estabelecidos os princípios gerais em que se podem efetuar nacionalizações e confiscos. Esta última parte é fundamental para concretizar a recuperação de ativos que está em curso em que se torna muito difícil perceber o enquadramento legal.

Agora fica claro que o Estado pode confiscar bens quando tenha havido uma ofensa grave às leis que protegem os seus interesses económicos. Em linguagem simples, fica agora bem esclarecido que aqueles que se tenham locupletado à custa dos fundos públicos podem ficar sem esses bens, não havendo necessidade de um processo criminal transitado em julgado, mas apenas a conclusão que realizaram uma ofensa grave às leis que garantem os interesses económicos do Estado. Esta norma é de aplaudir no presente contexto de combate à corrupção.

ARTIGO 92.º

  • Se a promoção da iniciativa privada e a agilização da recuperação de ativos obtidos nas atividades corruptas são medidas que merecem elogio, mais dúvidas levanta a norma do artigo 92.º referente à economia informal. Mais do que “o seu enquadramento progressivo no sistema estruturado de economia” (redação proposta do artigo 92.º, n.º3), que significa essencialmente pagamento de impostos e taxas, o que a Constituição deveria propugnar era a adoção de políticas de apoio ao sector informal da economia, que é um verdadeiro amortecedor da falta de  trabalho e  um incubador de potenciais pequenas e médias empresas de sucesso.[2]  

Já se salientou que na África Austral, o sector económico informal constitui um elemento crucial de sobrevivência, dado que 72% de todo o emprego não agrícola reside no sector informal e a maioria dos novos postos de trabalho aparecem aí. A economia informal fornece rendimento e emprego a todas as pessoas, independentemente da sua escolaridade ou experiência. Em Angola, a maioria das pessoas empregadas está igualmente envolvida na economia informal, pois de outro modo não seria capaz de suportar todas as suas despesas. Nessa medida, há que ser muito cauteloso em estabelecer regras sobre a economia informal pois esta auxilia o governo angolano.[3]

ARTIGO 100.º

  • Em termos de opinião pública o cerne da modificação constitucional em termos económico-financeiros estará no artigo 100.º referente ao BNA. Este artigo contém três grandes linhas:
  • O BNA é o “garante a estabilidade de preços de forma a assegurar a preservação do valor da moeda nacional e assegura a estabilidade do sistema financeiro”. Assim, são determinadas precisamente as funções do BNA ligadas à inflação e sistema financeiro;
  • O BNA torna-se uma autoridade administrativa independente e por isso “independente na prossecução das suas atribuições e no exercício dos poderes públicos”. É a famosa independência do banco central, que atualmente, é defendida pela maior parte da doutrina económica.
  • O Governador do BNA é nomeado pelo Presidente da República, ouvida a Assembleia Nacional. Note-se que a Assembleia Nacional não tem direito de veto, mas de audição.

A consagração da independência do banco central corresponde à moderna tendência dominante na doutrina económica. Os argumentos a favor da independência do banco central resumem-se facilmente. Considera-se que os governos tendem a tomar decisões erradas sobre a política monetária. Em particular, são influenciados por considerações políticas de curto prazo. Antes de uma eleição, a tentação é o governo cortar as taxas de juros, tornando os ciclos económicos de expansão e retração mais prováveis. Assim, se um governo tem um histórico de permitir a inflação, as expectativas de inflação começam a aumentar, tornando-a mais provável.

Um banco central independente pode ter mais credibilidade e inspirar mais confiança. Ter mais confiança no banco central ajuda a reduzir as expectativas inflacionárias. Consequentemente, torna-se mais fácil manter a inflação baixa. Há assim a tentativa de introduzir credibilidade adicional na política monetária e acentuar o combate à inflação. Note-se que a inflação é um mal que perdura na economia angolana há demasiado tempo.

Esta medida está correta e deve ser considerada positiva.

ARTIGO 104.º

  • A última alteração diz respeito à explicitação da diferenciação entre o Orçamento Geral do Estado e as Autarquias, fazendo parte da preparação material para instalação das autarquias.

Conclusão

Minimalista, a proposta revisão constitucional na área da economia e finanças visa reforçar os sinais da economia de mercado e estabilidade macroeconómica, sendo de destacar como elemento essencial desta lei a consagração da independência do banco central e o seu foco no combate à inflação.

*****

Anexo: Nova redação proposta das normas referentes ao sector económico e financeiro

“Artigo 14.º

(Propriedade privada e livre iniciativa)

O Estado respeita, e protege a propriedade privada das pessoas singulares ou colectivas e promove a livre iniciativa económica e empresarial, exercida nos termos da Constituição e da Lei”.

“Artigo 37.º

(Direito e limites da propriedade privada)

1. […].

2. […].

3. […].

4. Lei própria define as condições em que pode ocorrer a nacionalização de bens privados por ponderosas razões de interesse nacional e do confisco por ofensa grave às leis que protegem os interesses económicos do Estado”.

“Artigo 92.º

(Sectores Económicos)

1. […].

2. O Estado reconhece e protege o direito de propriedade comunitária para o uso e fruição de meios de produção pelas comunidades rurais e tradicionais, nos termos da Constituição e da lei.

3. Lei própria estabelece os princípios e regras a que fica sujeito o sector não estruturado da economia, visando o seu enquadramento progressivo no sistema estruturado de economia”.

“Artigo 100.º

(Banco Nacional de Angola)

1. O Banco Nacional de Angola, como banco central e emissor da República de Angola, garante a estabilidade de preços de forma a assegurar a preservação do valor da moeda nacional e assegura a estabilidade do sistema financeiro, nos termos da Constituição e da lei.

2. Enquanto autoridade administrativa independente, o Banco Nacional de Angola é independente na prossecução das suas atribuições e no exercício dos poderes públicos a si acometidos, nos termos da Constituição e da lei.

3. O Governador do Banco Nacional de Angola é nomeado pelo Presidente da República, após audição na Comissão de Trabalho Especializada da Assembleia Nacional, competente em razão da matéria, nos termos da Constituição e da lei, observando-se, para o efeito, o seguinte procedimento:

a) a audição é desencadeada por solicitação do Presidente da República;

b) a audição à entidade proposta termina com a votação do relatório nos termos da lei;

c) Cabe ao Presidente da República a decisão final em relação à nomeação da entidade proposta.

4. O Governador do Banco Nacional de Angola envia ao Presidente da República e à Assembleia Nacional, um relatório sobre a evolução dos indicadores de política monetária, sem prejuízo das regras de sigilo bancário, cujo tratamento, para efeitos de controlo e fiscalização da Assembleia Nacional é assegurado nos termos da Constituição e da lei”.

“Artigo 104.º

(Orçamento Geral do Estado)

1. […].

2. O orçamento Geral do Estado é unitário, estima o nível de receitas a obter e fixa os limites de despesas autorizadas, em cada ano fiscal, para todos os serviços, institutos públicos, fundos autónomos e segurança social e deve ser elaborado de modo a que todas as despesas nele previstas estejam financiadas”.

3. O Orçamento Geral do Estado apresenta o relatório sobre a previsão de verbas a transferir para as autarquias locais, nos termos da lei.

4. A lei define as regras da elaboração, apresentação, adopção, execução, fiscalização e controlo do Orçamento Geral do Estado.

5. A execução do Orçamento Geral do Estado obedece aos princípios da transparência, responsabilização e da boa governação e é fiscalizada pela Assembleia Nacional e pelo Tribunal de Contas, nos termos e condições definidos por lei”.


[1] Todas as citações sem fonte específica mencionada são do Relatório de Fundamentação da Proposta de Lei de Revisão Constitucional 2021 tornada pública pelo Governo.

[2]  Alain de Janvry e Elisabeth Sadoulet, Development Economics, 2016, p. 19

[3]  Moiani Matondo, Em defesa das zungueiras e da economia informal, MakaAngola. https://www.makaangola.org/2020/04/em-defesa-das-zungueiras-e-da-economia-informal/

A revisão do Orçamento Geral e a reforma da economia angolana

Como está a acontecer em vários países, também em Angola foi necessário proceder à revisão do Orçamento Geral do Estado (OGE) para 2020[1]. Dois motivos fundamentais impuseram essa revisão: a instabilidade do preço do petróleo e a pandemia Covid-19.

Pela forma como este Orçamento aparece desenhado, parece poder afirmar-se que existe aqui uma oportunidade de começar, finalmente, a corrigir os erros da política fiscal passada e adotar uma visão realista e saudável para a economia. Acima de tudo, é um Orçamento que confere tempo ao Presidente da República para acelerar a reforma da economia.

O ORÇAMENTO REVISTO

Os pressupostos macroeconómicos básicos da revisão orçamental são a inflação média de 25 por cento, o preço do petróleo bruto de 33 dólares por barril, preço médio de gás de 19 dólares por barril e um crescimento negativo do produto de 3,6 por cento.

Figura n.º 1- Pressupostos macroeconómicos do OGE (revisto). Fonte: Ministério das Finanças de Angola

Na verdade, segundo o Relatório de Fundamentação do OGE Revisto elaborado pelo ministério das Finanças, para 2020, projeta-se a maior contração da economia angolana dos últimos 38 anos, com o PIB a contrair -3,6%. O PIB do sector de hidrocarbonetos (petrolífero + gás) irá contrair em 7,0%, enquanto a taxa de crescimento média projetada para os demais sectores situou-se em -2,1%. Facilmente, se percebe que a grande quebra do PIB é provocada pelo petróleo e que são os outros setores que ainda seguram a queda, o que não deixa de ser uma ironia.

Figura n. º2- Decréscimo do PIB geral e por setores (%). Fonte: Ministério das Finanças de Angola

As projeções fiscais do OGE 2020 Revisto apontam para um défice fiscal equivalente a 4,0% do PIB, um agravamento de 5,2 pontos percentuais (pp) face ao valor previsto no OGE 2020 Inicial. O saldo primário deverá estar em torno dos 2,2% do PIB, um valor inferior ao inicialmente projetado em 4,9 pp[2]. O atual valor do Orçamento reflete uma redução de 15,7% relativamente ao OGE 2020 Inicial (Kz 15 970,6 mil milhões)[3].

Naturalmente, um OGE mais pequeno, reflete uma economia mais pequena.

Sobre estes pressupostos vamo-nos dedicar à análise do impacto e significado do preço do petróleo a 33 dólares por barril. Como se sabe este valor é meramente indicativo, pois muitos dos contratos petrolíferos já estão com preços anteriormente estabelecidos e não dependem de oscilações. No entanto, analisando os números mais recentes sobre o preço do petróleo verifica-se que o Brent Crude desde 7 de Julho passado oscilou entre USD 42,84 nesse dia, USD 41, 38 a 10 de Julho, e USD 42,18 a 14 de Julho[4]. Num prazo maior, apenas a 15 de Junho esteve abaixo dos USD 40,00.

Sendo a previsão da evolução do preço do petróleo um exercício sempre muito difícil, a verdade é que parece existir uma tendência para ter o preço acima dos USD 40,00, ao mesmo tempo que no curto prazo não se vê razão para não começar a existir uma aumento da procura do petróleo ligado à recuperação das economias mundiais. A isto liga-se a instabilidade cada vez mais intensa no Golfo Pérsico e os problemas na Venezuela.

Figura n.º 3-Gap entre o preço do petróleo no OGE-R e o índice efetivo recente

Todos estes fatores poderão contribuir para alguma pressão no sentido da subida do preço do petróleo. No entanto, essa subida não deverá ser tão acentuada que volte a inundar Angola de petrodólares.

Neste sentido, há aqui um momento ótimo para a economia se libertar da dependência do petróleo com alguma margem. Se o OGE revisto prevê um preço de USD 33 por barril e este vai estando acima dos USD 40, podendo subir, quer dizer que existe alguma margem de manobra para o governo. Nessa medida este orçamento cria a oportunidade de Angola sair da dependência excessiva do petróleo.

Um segundo aspeto que merece destaque é o facto de o Estado passar a gastar mais no sector social do que com os juros da dívida pública[5]. Não se trata tanto de ter aumentado as despesas sociais, mas de se ter diminuído o pagamento da dívida pública, resultado da negociação com a China, que, aparentemente, concedeu uma moratória de capital e juros por três anos. Sempre defendemos que naquilo que tange à dívida o fundamental era encarar a questão chinesa[6], pois é este país que detém quase metade dos créditos externos públicos sobre Angola.

A China terá sido sensível aos argumentos angolanos, e sobretudo, não poderia deixar que o seu modelo de intervenção win-win em África se tornasse num fiasco mundial, por isso, rapidamente se chegou a um acordo.

REFORMA DA ECONOMIA

Quer o preço orçamentado para o petróleo, quer a posição da China permitem que Angola, apesar da intensa recessão económica em que se encontra, ainda tenha margem de manobra para definitivamente reformar a sua economia.

Essa reforma assenta em vários pilares sobejamente conhecidos. O primeiro, e mais importante, é a extinção definitiva da grande corrupção ou “captura do Estado”. É fundamental sublinhar que a luta contra a corrupção não é uma mera política criminal com impacto reduzido na vida nacional. Devido à magnitude do fenómeno, tornou-se o principal problema económico do país pois desviou recursos e impede que a economia funcione de forma livre, sem entraves e na sua plenitude. Há sempre uma sombra de um interesse corrupto à espreita que pode desvirtuar toda a racionalidade e eficiência económica.

Enquanto a grande corrupção, clientelismo e a falta de transparência que lhe estão associadas persistirem, não há revisão orçamental ou documento, por muito bem elaborado que esteja, que permita o desenvolvimento do país.

Não foi o preço do petróleo que lançou o país na recessão, foi a profunda corrupção e captura do Estado por interesses privados que determinaram uma política económica rapace que criou um falso modelo económico incapaz de reagir às oscilações do preço do petróleo. Na verdade, utilizando a terminologia da Ciência Política, um “bandido estacionário” (ou vários) apoderaram-se dos recursos do Estado para seu proveito próprio, e todo o modelo económico foi construído para sustentar essa apropriação privada dos recursos públicos. Consequentemente, em termos estruturais o preço do petróleo acaba por ser irrelevante para se resolver o problema económico angolano.

Figura n.º 4- Causa da presente crise económica

Nessa medida, a erradicação da grande corrupção é a base de qualquer reforma económica, e também a condição necessária para o segundo pilar dessa reforma que é a liberalização da economia e abertura ao investimento privado. Ninguém vai investir num país tido como corrupto.

Este OGE revisto concede tempo ao Presidente da República João Lourenço para efetivar as reformas fundamentais na economia: erradicação da grande corrupção, liberalização dos mercados internos, promoção do investimento privado. A isto tem de se somar uma aposta na produção interna e possivelmente a criação de um programa de transferências monetárias diretas para as populações mais desfavorecidas para minimizar os riscos intensos de pobreza. Em rigor, este programa de transferências diretas não deveria ser unilateral, mas estar ligado a aspetos de promoção individual e social ligados à educação ou saneamento, no fundo, seguindo os programas do mesmo estilo introduzidas pelo Presidente Lula no Brasil. Não se trata apenas de transferir fundos para as populações carentes, mas de as incentivar a frequentar escolas, construir saneamento, ou exercer um ofício.  Este é um tema que abordaremos em separado.

CONCLUSÕES

Em resumo, temos uma revisão sensata do OGE que abre espaço para o Presidente da República acelerar as reformas necessárias na economia e que são: erradicação da grande corrupção; liberalização do acesso aos mercados, promoção efetiva do investimento privado, intensificação da produção interna, transferências diretas sujeitas a condição educativa ou de saneamento para as populações mais desfavorecidas.

Figura n.º 5- Medidas estruturais genéricas de reforma económica


[1]http://www.ucm.minfin.gov.ao/cs/groups/public/documents/document/aw4x/mja1/~edisp/minfin1205333.pdf

[2]http://www.ucm.minfin.gov.ao/cs/groups/public/documents/document/aw4x/mja2/~edisp/minfin1206937.pdf, p. 11.

[3] Idem, p.11 e 12.

[4] https://oilprice.com/oil-price-charts/46

[5] http://expansao.co.ao/artigo/133628/estado-volta-a-gastar-mais-com-o-sector-social-do-que-com-juros-da-divida-p-blica?seccao=5

[6] https://www.cedesa.pt/2020/05/05/porque-a-china-deve-reduzir-a-divida-de-angola/