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Proposta de uma política transversal de juventude em Angola

Muitos países não necessitam de uma política robusta de juventude, ou porque a população jovem não é significativa, situando-se a maior parte dos problemas socioeconómicos nas faixas mais idosas, ou porque têm economias e sociedades saudáveis que estimulam e incorporam facilmente os jovens.

Não é o caso de Angola. Os números sobre a juventude angolana exigem uma especial atenção por parte do poder político a esta faixa etária. Com referência a julho de 2021, estima-se que 47.83% da população angolana tenha entre 0-14 anos e 18.64% entre 15-24 anos; logo 66,47% da população tem até 24 anos, ou dito de outro modo, cerca da 2/3 da população angolana é jovem. É uma massa imensa e impressionante de bebés, adolescentes e jovens adultos que constituem a imensidão do povo angolano.[1]

Fig. n.º 1- Pirâmide populacional de Angola (2021)

A esta demografia impressiva juntam-se os números do desemprego. De acordo, com os dados disponíveis mais recentes, o desemprego afeta 59,2% da população jovem (aqui considerada dos 15-24 anos) no terceiro trimestre de 2021, estando a haver um acréscimo anual homólogo desta situação em 2,8%.[2] É evidente que este número não reflete aqueles que de alguma forma foram absorvidos pela economia informal, no entanto, a sua magnitude será sempre assinalável.

Aliás, do ponto de vista sociopolítico tem-se verificado que as manifestações contra a política governamental em Angola, e o ativismo nas redes sociais é levado a cabo, em larga expressão, por jovens.

A juventude é, portanto, uma força enorme na economia e sociedades angolanas, que está em ebulição.

São estes vários fatores: número extremamente relevante de jovens no total da população, desemprego juvenil e descontentamento sociopolítico que obrigam à consideração de uma política transversal e englobante de juventude para Angola.

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A política de juventude define-se como o compromisso e prática do governo para garantir boas condições de vida e oportunidades para a população jovem de um país.[3] A política de juventude corresponde a uma estratégia implementada pelas autoridades públicas para proporcionar aos jovens oportunidades e experiências que apoiem a sua integração bem-sucedida na sociedade e que lhes permita ser membros ativos e responsáveis ​​da sociedade e agentes de mudança.[4]

Nestes termos, uma política de juventude procura criar oportunidades para os jovens, promover a sua participação, inclusão, autonomia, solidariedade, além do bem-estar, aprendizagem, lazer, emprego.

O papel do governo será lançar políticas com estes objetivos em relação à juventude e trabalhar em conjunto com os vários atores envolvidos na informação, desenvolvimento e implementação de políticas de juventude, tais como: conselhos de jovens, ONGs de juventude, grupos de interesse, grupos de jovens, trabalhadores jovens, investigadores, escolas, professores, empregadores, pessoal médico, assistentes sociais, grupos religiosos, comunicação social[5].

O modelo que desenvolvemos atribui às políticas de juventude três eixos:

  1. O eixo do emprego;
  2. O eixo do desporto e tempos livres;
  3. O eixo da cultura e formação.

Entendemos que uma política de juventude se deve traduzir em medidas nestes três eixos de modo a proporcionar aos jovens um desenvolvimento pessoal integral e completo.

Em Angola existe um Ministério da Juventude e Desportos (Minjud) cuja principal função é auxiliar o Presidente da República na elaboração e execução da política juvenil do Estado (artigo 2.º do Estatuto Orgânico do Ministério da Juventude e Desportos, Decreto-presidencial n.º 228/20, de 7 de setembro).

Contudo, para além de anúncios ou programas com valor retórico, não se vislumbra uma política de juventude transversal e atuante como a que é necessária em Angola. E tal política é fundamental. As notícias com relevo que se anotam sobre a atividade do Minjud debruçam-se essencialmente sobre futebol e estádios de futebol.

Torna-se por isso urgente ir mais além e lançar uma política de juventude que forçosamente abrangerá vários ministérios e terá de ser coerente e consistente. Como referimos essa política de juventude desdobrar-se-ia por três eixos, prestando atenção ao emprego, desporto e cultura.

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Propõe-se a adoção de uma política de juventude para Angola descrita nos termos seguintes.

A política de juventude seria transversal aos vários ministérios, não dependente apenas dum ministério, e por isso forçosamente coordenada diretamente pelo Presidente da República. Como mencionado teria três eixos que se complementariam.

  • No primeiro eixo referente ao emprego seria lançado um programa de garantia de pleno emprego para todos aqueles que tivessem entre 22 e 23 anos e terminassem uma licenciatura. O Estado assumiria a responsabilidade de lhes dar emprego na sua estrutura ou de subsidiar durante um período de tempo não inferior a 2 anos um local de trabalho no setor privado.[6] Portanto, o Estado ou asseguraria emprego nas suas diversas administrações, institutos ou empresas públicas, ou subsidiaria as empresas privadas para a criação e contratação de postos de trabalho para jovens. Todos os jovens recém-licenciados com 22-23 anos, além de receber formação e assistência para conseguir trabalho, teriam garantido o trabalho remunerado, devendo o Estado pagar 100% do salário numa empresa privada ou empregar participantes no setor público ou ainda apoiar a criação de uma microempresa. Todos os participantes receberiam pelo menos um salário mínimo fixado de acordo com o Decreto Presidencial que regula a matéria adequado a uma vida com dignidade[7]. Numa segunda fase, estudar-se-ia também a garantia de emprego para todos os jovens de 22-23 independentemente da sua habilitação, embora, aqueles sem habilitações formais devessem frequentar uma formação de aquisição de alguma capacidade em arte ou ofício.
  • No segundo eixo referente ao desporto, promover-se-ia um projeto integrado de desporto na escola e na comunidade. Neste âmbito não se deveria desenvolver uma proposta de fazer tudo em todo o lado, ou como se referia a propósito de um anterior plano “envolver modalidades de andebol, atletismo, basquetebol, futebol, voleibol, ginástica e xadrez” em todas as escolas[8].

O plano apontaria para a utilização racional de meios escassos e com a procura de especialização. Assim, exigir-se-ia que cada escola se dedicasse a um desporto apenas e o desenvolvesse livremente no seu seio. Não se apontariam para campeonatos nacionais, nem grandes estruturas, mas apostar-se-ia no foco e na especialização. Cada escola com o seu desporto. Apenas um, mas aberto a todos os jovens. Ao mesmo tempo e em concorrência com as escolas, cada município também promoveria um desporto aberto a todos os jovens. Teríamos assim um projeto de desporto para todos com uma especialização de cada instituição e sem outra ambição inicial que não fosse colocar os jovens no desporto.

  • Finalmente, o terceiro eixo dedicado à cultura, teria também que assentar na especialização. Aqui procurar-se-ia concentrar recursos na promoção da leitura por parte dos jovens. Começar-se-ia por adotar um projeto lançado pela Fundação Gulbenkian em Portugal em meados do século passado e já por vezes esporadicamente adotado em Angola em iniciativas provinciais, como é o caso do “Giro do Saber” promovido pela Biblioteca Provincial de Malanje.[9]

A leitura para a juventude assente em bibliotecas itinerantes e leituras de rua seria um projeto destinado a incentivar o gosto e os hábitos de leitura por parte da juventude. As bibliotecas itinerantes serão constituídas por carrinhas que se deslocariam pelo país fora com voluntários e livros oferecidos e parariam em cada localidade permitindo a leitura desses livros e explicando alguns deles. Ao mesmo tempo esses voluntários realizariam leituras de rua de livros apelativos para a juventude num espetáculo misto de leitura e música, atraindo assim os públicos-alvo.

Procurar-se-ia que este projeto de leitura fosse financiado pelo sistema penal. Isto é, originasse uma modificação da lei que permitisse que todas as penas de prisão até dois anos em crimes económico-financeiros fossem trocadas por doações de carrinhas, livros e suporte ao voluntariado.

Fig. n.º 2- Descrição de uma política de juventude transversal

Com estas várias medidas, no âmbito do emprego, do desporto e da cultura estaria lançada uma política de juventude que tão necessária é para Angola.

Nada como aproveitar os presentes Congressos partidários para a promoção e discussão destas propostas.


[1] Cfr. https://www.cia.gov/the-world-factbook/countries/angola/#people-and-society

[2] https://mercado.co.ao/economia/desemprego-afecta-592-dos-jovens-em-angola-YX1077607

[3] Finn Denstad, Youth Policy Manual, 2009

[4] Conselho da Europa CM / Rec (2015) 3

[5] https://www.coe.int/en/web/youth/about-youth-policy

[6] Temos desenvolvido as propostas para estes programas de pleno-emprego noutros relatórios CEDESA. Ver por exemplo, https://www.cedesa.pt/2020/11/16/proposta-de-um-esquema-piloto-de-garantia-de-emprego-em-angola/

[7] Ver estudo referido na nota anterior

[8] https://www.angop.ao/noticias/desporto/polidesportivo-desporto-escolar-carece-de-continuidade/

[9] https://www.angop.ao/noticias/lazer-cultura/biblioteca-itinerante-chega-ao-municipio-de-cacuso/