A EVOLUÇÃO DO PAPEL POLÍTICO DA MULHER ANGOLANA

Por: Tânia de Carvalho

Nota introdutória:         

Angola este ano completa cinquenta anos de soberania nacional, no entanto, a presença das mulheres na liderança e na política continua sendo um tema de debate e transformação, sobretudo por ser um país onde os desafios históricos e culturais moldam o cenário político. Um cenário político que sempre negou à mulher um lugar de protagonista nas diferentes lutas de libertação nacional e alcance da estabilidade política.

A presente legislatura, historicamente, é a legislatura que mais mulheres elegeu. Num universo de duzentos e vinte lugares, noventa mulheres foram eleitas parlamentares. Dos cinco partidos políticos com assento parlamentar, as duas maiores forças políticas praticamente partilham entre si os noventa lugares conquistados pelo género.

O MPLA, elegeu 124 deputados, dentre os quais 75 mulheres e 52 homens, a UNITA, elegeu 90 deputados, dentre os quais 76 homens e apenas 14 mulheres. O Partido Humanista de Angola, elegeu apenas uma mulher, que por sinal, é a Presidente do próprio partido.  O que que estes números podem representar para a sociedade angolana? O que nos quer dizer um partido político histórico, quando a sua lista parlamentar não respeita os desígnios do empoderamento do género ou mesmo quando não caminha para a paridade?

Contexto:

O percurso histórico de Angola é profundamente marcado por longos períodos de violência, resultantes sobretudo, do processo de escravidão, colonização, colonialismo, fascismo e da guerra civil. Estes períodos influenciam a prática quotidiana da cidadania e participação, na medida em que condiciona a génese das dinâmicas e processos sociais que caracterizam a situação política, económica, social e cultural presente.

Os eventos históricos, as dinâmicas políticas que em muitas casos contrariam a moral e a própria Constituição da República, assim como a situação económica e social, contribuíram em grande medida para um afastamento dos angolanos e das angolanas sobre as questões de política, governação e, consequentemente, para um fraco exercício de cidadania e participação pública e política (Domingos:2015). No entanto, vale lembrar que, nas últimas legislaturas (2017-2022), registou-se um forte crescimento da consciência política e cívica assim como aumento qualitativo no debate público. Pelo que, permitimo-nos questionar os mecanismos para o cumprimento dos instrumentos internacionais ratificados para mudar as questões de género em angola, assim como o impacto das reais nomeações e ou indicações de mulheres a cargos de liderança, direcção e chefia na avida de outras mulheres que compõe os 52% da população angolana, como reza o Censo de 2014 (INE:2014).   

Podemos afirmar ser uma preocupação do governo angolano lidar com as questões relativas ao empoderamento e igualdade de género em Angola, atesta veracidade a essa afirmação os diferentes instrumentos internacionais ratificados e implementados ao longo dos 50 anos de independência nacional.

Um ano depois da proclamação da nossa independência, no dia 1 de dezembro de 1976, Angola passou a fazer parte das Nações Unidas, no mesmo ano, foi declarada a década para as mulheres das Nações Unidas, um período que durou entre 1976 a 1985.

INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS RATIFICADOS PELO GOVERNO ANGOLANO

1984 – Angola ratificou a Convenção sobre eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres (CEDAW).

1990 – Enquanto estado membro da União Africana, Angola ratificou a carta africana sobre os direitos humanos e dos povos que reconhecem os instrumentos regionais e internacionais relativos aos direitos humanos e às práticas africanas mormente à protecção dos direitos da mulher;

1995 – Na Quarta Conferência Mundial sobre as Mulheres em Beijing, foram assumidos compromissos nacionais em prol da igualdade entre mulheres e homens e da capacitação das mulheres angolanas,

1997 – Angola subscreveu a Declaração de Género e Desenvolvimento da SADC, segundo a qual os Chefes de Estado e de Governo da SADC se comprometem a: Alcançar a meta de, pelo menos, 30 por cento de mulheres nas estruturas políticas e de tomada de decisão até 2005; promover o pleno acesso e controlo por parte das mulheres, sobre os recursos produtivos para reduzir o nível de pobreza entre as mulheres; revogar e reformar todas as leis, emendar constituições e mudar práticas sociais que ainda sujeitem as mulheres a discriminação; os Estados comprometem-se ainda em tomar medidas urgentes para prevenir e tratar dos níveis crescentes de violência contra as mulheres,

2003 – Angola ratifica à Carta Africana Sobre os Direitos Humanos e dos Povos, comummente conhecida por Protocolo de Maputo, que é um instrumento internacional de direitos humanos que visa proteger e promover os direitos das mulheres em África. É um dos instrumentos mais importantes no âmbito da luta pelos direitos da mulher, 80% dos Estados Membros da União Africana já o ratificaram.  

A nível interno, vários instrumentos foram criados o que sustenta um quadro legal efetivo para materialização de acções que possam garantir um cenário favorável para igualdade de género, por exemplo, a Política Nacional para Igualdade e Equidade de Género de Angola, aprovada em 2013, pelo Decreto Presidencial nº222/13.

A MULHER ANGOLANA, CIDADANIA E PARTICIPAÇÃO

Margarida Paredes (2015), toca a nossa alma quando descreve com emoção os relatos das mulheres que têm experiência de vida militar entrevistadas para a sua pesquisa sobre as mulheres na luta armada em Angola.  Mulheres que também estiveram na linha de frente dos diferentes combates, mas, no entanto, hoje ainda lutam pelo reconhecimento igual aos homens militares e nacionalistas. Em muitos casos, uma ausência de reconhecimento que as impede de serem incluídas na história como protagonistas as mulheres procuram quebrar o silêncio na primeira oportunidade declinando o anonimato e a reclamar acessos aos espaços públicos como sujeitos históricos quebrando a narrativa de vítimas do processo histórico.

“O que o homem pode, a mulher pode” é uma frase que motivou e guiou o sonho de vitória das mulheres que estiveram nas diferentes lutas e viverem a experiência de guerra no feminino independentemente do lado da guerra (Paredes:2015).

O que o homem pode, a mulher pode, é uma frase que ainda ecoa diferente quando o assunto é o reconhecimento das batalhas vencidas no dia a dia das vidas das mulheres angolanas, mas que transmite reconhecimento por parte das mulheres angolanas das suas próprias capacidades e compromisso com a pátria nos mais diferentes lugares que a sociedade angolana as oferece. 

Segundo dados do censo da população angolana, realizado em 2014, as mulheres representam 52% da população. Essa mesma mulher é o rosto da economia informal considerada como a coluna vertebral da economia formal, a mesma mulher que também é o rosto da pobreza em Angola[1].

Segundo a Organização Internacional do Trabalho/OIT, a economia informal  representa cerca de 60% da população mundial economicamente ativa, para o caso de Angola, em particular, as estáticas do género na informalidade, deve reconhecer a economia informal enquanto uma via para o crescimento económico e social do país e a redução da pobreza, concomitantemente ela também deverá ser reconhecida como a manifestação pura dos altos índices de pobreza do género e a negação de determinados direitos, por parte dos órgãos de governação, como é o caso do direito ao acesso ao Bilhete de identidade (Mosaiko:2020).

A MOSAIKO[2], no seu relatório sobre avaliação participativa sobre o acesso à justiça, 2019-2020; conclui que a desigualdade no acesso ao Bilhete de identidade promove desigualdade em todos os outros sectores. 

A situação da Mulher e da Criança, em Angola, apesar dos esforços do Governo e da Sociedade Civil, continua a ser precária em muitos aspectos: acesso a documentos de identificação pessoal, à Saúde, ao emprego no sector formal e à Educação (dados de 2018 do Ministério da Educação apontam que o número de inscritos no ensino primário é equilibrado, em termos de Género, mas as meninas representam maior taxa de abandono escolar e menor número de inscrições no Ensino Superior). O Acesso à Justiça também é mais difícil, para Mulheres e Crianças (embora por razões diferentes), e a desigualdade no acesso a este Direito promove desigualdade em todos os outros sectores.” (MOSAIKO 2020:21)

Inicialmente, podemos afirmar que quem não tem bilhete de identidade não existe. Uma afirmação que traduz o drama real dos indivíduos com essa dificuldade, quem não tem bilhete de idade não contribui, pois, não tem o número de identificação fiscal, quem não tem bilhete de identidade não conta nas estatísticas nacionais, o que agudiza a dificuldade das mulheres para verem os seus filhos registados.

“O Registo de uma criança exige a apresentação dos documentos dos seus progenitores. Para famílias em que ninguém tem documentos, esta situação provoca uma impossibilidade de romper o ciclo de falta de documentos. Há também situações em que o avô da criança é o único a ter documentos, mas o seu Bilhete de Identidade “é daqueles, dos antigos” e, segundo os relatos, os funcionários do Posto de Registo não aceitam documentação que não está actualizada, inviabilizando o Registo dos descendentes”

 “Tenho uma vizinha, mãe de gémeos, não tem documentos. O avô dos gémeos tem aquele bilhete amarelo, com esse bilhete antigo, a filha não tem documentos” (Mulheres, Mbanza Congo, Zaire). Segundo um informantechave, “há previsão de realização de Registo Civil em massa, nas escolas, mas o facto de os pais não terem bilhete, isso vai continuar a atrapalhar. Vai ser a mesma coisa, poucos serão registados” (representante da delegação da Educação, Mbanza Congo, Zaire)”

(MOSAIKO 2020: 43)

A ausência do bilhete de identidade, inicialmente, condiciona a possibilidade do exercício de um dos direitos mais alto a nível da nossa soberania, que é o direito ao voto, pelo que, a realidade para o registo eleitoral comparativamente ao acesso ao bilhete de identidade é completamente diferente.

O dever cívico de registo eleitoral está salvaguardado pela mesma instituição que a todos os níveis, devia facilitar a emissão do bilhete de identidade, no entanto, é a mesma instituição que se reservou ao direito de criar mecanismos para o registo eleitoral, ainda que na ausência do Bilhete de identidade, desacelerando, deste modo, todos os exercícios para facilitar o acesso ao Bilhete de identidade.   

A professora Cesaltina Abreu, define cidadania como um conjunto dos direitos e deveres de um indivíduo que lhe permitem intervir na direcção dos assuntos públicos do Estado, participando de modo directo ou indirecto na formação do governo e na sua administração: ao votar (directo) ou ao concorrer a um cargo público (indirecto) (MOSAIKO:2020).

A   ativação da cidadania, mesmo   nas   sociedades   democráticas contemporâneas, está condicionada ao paradoxo entre liberdade e igualdade. Efectivamente, se no plano formal as pessoas são livres nas suas escolhas e opções, no   plano   material   esta   liberdade   fica   aprisionada   às   diferentes condições de existência de cada indivíduo.  (Ferreira 2010).

Garantir a liberdade e cidadania das mulheres angolanas, é um imperativo que deve começar por definição, desenho e implementação de políticas públicas que sejam inclusivas, abrangentes e realistas para as jovens, raparigas e mulheres rural periurbana e urbana. Lembrar que, políticas públicas, quer como discurso quer como prática, é um conceito que vem ganhando cada vez mais importância nos domínios públicos e administrativos dos Estados. Dois factores podem ser apontados como responsáveis por isso: por um lado, o aumento da consciência social sobre os usos dos recursos de exercício da cidadania, às várias demandas populares sobre a gestão dos seus interesses públicos — o que tem contribuído para uma maior pressão sobre o aumento da qualidade da construção do processo democrático; e, por outro lado, como já referimos acima, o compromisso com o cumprimento dos vários acordos e convenções que o país tem ratificado. Como exemplo, a agenda mundial governamental dos últimos anos: os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas.

A mulher é a principal vítima de violência doméstica. Em termos de privação, é o individuo com menos acesso a recursos, direitos e oportunidades, consequentemente, também está excluída dos mais recentes processos de transição verde e transformação digital. Os principais dados apontam para uma estratificação regional e de género da pobreza em Angola (INE, 2020). As populações nas áreas rurais, são as que mais sofrem com a pobreza multidimensional, e dentro deste grupo, as mulheres estão ainda mais abaixo (GOV, 2017, 2022; INE:2020). A proporção de mulheres no sector agrícola é maior em comparação aos homens. Elas constituem mais de 70% da mão-de-obra neste sector, sendo também as principais responsáveis pela gestão do lar, pelas actividades domésticas e pela produção agrícola para a sobrevivência do agregado familiar (Telo:2024)

A MULHER RURAL EM ANGOLA

Os constragimentos relacionados com a Mulher Rural em Angola datam desde a era colonial, por causa do conflito armado que o país viveu, grande parte dos campos que eram utilizados para o cultivo e a produção dos principais produtos de subsistência acabaram por ser minados. Como consequência a pobreza extrema e desigualdades sociais é um dos grandes desafios para a sociedade angolana. O perfil sociocultural do meio rural em angola é o barómetro fiel do nível das desigualdades sociais económicas e políticas que o país vive.

No meio rural as dificuldades são mais acentuadas, pelo que, a mulher rural enfrenta dificuldades de acesso aos direitos sociais básicos, como saúde, educação, emprego, acesso ao bilhete de identidade e consequenteme, acesso a posse de terra e a recursos naturais. “No caso das mulheres, a titularidade, além da posse de terra, pode ser considerada como requisito indispensável para as situar nos processos de produção que concorrem para o empoderamento económico, a sustentabilidade da sua actividade agrícola virada para o auto-sustento e empresariado (Telo:2024).

O relatório temático sobre o género produzido pelo INE – Instituto Nacional de Estatística entre 2017 a 2019 mostra-nos que os agregados familiares liderados por mulheres representam um terço e os liderados por homens dois terços, a maior proporção dos agregados familiares vive nas áreas urbanas, representando 59,5% dos mesmos. O mesmo relatório conclui que cerca de 19% das mulheres chefes de agregados familiares, não possui nenhum nível de escolaridade ao contrário de 24,4% para os homens chefes dos agregados familiares. Entretanto, 20,1% dos homens chefes de agregados familiares possuem o nível secundário ou o superior ao contrário das mulheres, que ficam em apenas 3,5% (INE:2022)

Por Despacho Presidencial N.º 14/18 de 19 de fevereiro, foi criado o Programa “MINHA TERRA” assim como a comissão interministerial sobre coordenação do Ministro de Estado e Chefe da Casa Civil do Presidente da República de Angola. O programa consiste em atribuir títulos de concessao de terra às famílias camponesas para garantir segurança, inibir a usurpação de terrenos, combater a pobreza e assegurar o desenvolvimento económico.

Dois anos depois da sua criação, a comissão interministerial cuja uma das atribuições era Promover a atribuição de direitos fundiários aos detentores de parcelas de terrenos que reúnam os requisitos legais, produziu um relatório onde deixa claro que um dos constrangimentos era a “Ausência de um Quadro Normativo para a Atribuição de Direitos Fundiários no Âmbito do Programa Minha Terra, em forma de Decreto” (PMT- 2020).

Se no cômputo geral a realidade angolana nos mostra a mulher como a primeira vítima da pobreza, a mulher rural é o rosto mais carcaterístico da pobreza em Angola. É interessante ver como a história da mulher rural é descrita pelos dados estatísticos descritos socioculturalmente pelo sociólogo Eugénio Silva, que nos apresenta um quadro desfavorável que não só torna difícil a vida das mulheres do meio rural, como também as remete para condições pouco dignas de existência.

Numa sociedade onde apenas 22,8% da poppulação tem acesso a água potável, e apenas 31,1% tem acesso a saneamento básico, a mulher e crianças são logo as primeiras vítimas, fazendo estatísticas nos índices de mortalidade materno infantil, assim como também no aumento do volume de trabalho de cuidados, a mulher tem que peercorrer longas distâncias para acarretar água apara o consumo de toda a família, por socialização, acredita-se, ser a mulher a resposanvel pelos trabalhos de cuidados.  Numa sociedade onde a taxa de analfabestimos sugere 66% para as mulheres no seio rural é imperioso questionarmos o impacto real das políticas públicas de alfabetização no seio rural.

A Constituição da República de Angola estabelece o princípio da igualdade de género, proibindo qualquer discriminação em função do sexo (art. 21º, alínea h, e 23º nº 2 da CRA). O relatório do Projecto Matuning sugere que, na prática, as disparidades são evidentes, incluindo o acesso à terra para a prática agrícola.

No âmbito do projecto MA TUNINGI[3], constatou-se que a posse de terra é, em regra, masculina, apesar de a maioria informar ser um bem do casal. Pelas práticas locais, a mulher, quando se separa do marido, perde a posse da terra porque “não estava mais na casa dele”. Igualmente, constataram-se casos de aquisição por herança materna ou paterna. Nos últimos anos tem havido mais casos de venda de terra, mas nem sempre há consenso entre a família, pois já houve situações em que o pai vendeu a terra e os filhos não aceitaram, por não concordarem com o valor cobrado. Neste caso, não foi mencionada a posição da mãe/esposa neste processo. (Telo:2024)

MULHER ANGOLANA NA SOCIEDADE CIVIL

Âurea Mouzinho e Sizaltina Cutaia, são duas mulheres incontornáveis no histórico das mulheres angolanas na sociedade civíl. Ambas são co-fundadoras de um dos movimentos mais pró-activos em prol dos direitos das mulheres, que é o movimento Ondjango feminista. Ambas também são autoras de um artigo escrito em 2017, onde emitem as suas opiniões sobre as organizações femininas em Angola.  (https://www.ondjangofeminista.com/ondjango/2021/10/31/reflexes-sobre-as-organizaes-feministas-em-angola-1 )

Concordamos com as autoras quando afirmam que a história das organizações femininas em a Angola confunde-se com a história da Organização da Mulher Angolana (OMA)[4], no entanto, na sociedade angolana, também é unânime o reconhecimento deste órgão na luta contra a violência doméstica. A OMA vem actuando como um Centro de reconciliação de famílias, no entanto, sem poder jurídico, o que não retira o seu mérito no trabalho e contributo para as causas da família e da mulher realizado junto ao MASFAMU[5], com o contributo da mesma organização e também da sociedade civil, hoje o país tem a Lei nº 25/11 de 14 de julho de 2011 que estabelece o regime jurídico de prevenção da Violência doméstica, de proteção e assistência as vítimas.

… “A OMA relizou actividades importantes que sustentaram a resistência do MPLA durante a luta de libertação. Trabalhando como educadoras, professoras, secretárias, correspondente, activista, camponesas e cuidadoras, as suas membras també fizeram programas de rádio com informações sobre a luta, distribuiram panfletos e angariaram fundos para o movimento de libertação” … “As mulheres da OMA também estiveram activamente envolvidas na linha de frente a lutar lado a lado com os homens, enfrentando os mesmos desafios e a sofrerem as mesmas consequências, as mulheres do esquadrão KAMY foram notáveis a este respeito, incluindo Deolinda Rodrigues que é uma figura de liderança importante para as feministas”… (Ondjango Feminista)

Em Angola, apesar de que o cenrário social, económico e financeiro, não estar ainda a seu favor, as mulheres, têm conseguido conquistar algum espaço de participação, quer através de organizações, associações e movimentos sociais, algumas até de modo individual. Por intermédio de vérios mecanimos (relatórios, estudos de caso, manifestações, workshops, seminários e outros), elas procuram influênciar a elaboração de políticas a seu favor.  As mulheres da sociedade civil têm desempenahdo um papel incomensuravel na luta pela emancipação das mulheres, promovendo deste modo, a igualdade de género. 

Ao longo dos anos, surgiram inúmeras organizações e movimentos que acolhem mulheres dos diferentes seguimentos sociais que trabalham nas diferentes perspectivas sobre as questões de género e ou fazem militância em prol da emancipação da mulher em Angola, a destacar[6];

Associação de Apoio a Mulher Polícia de Angola (AAMPA) – Fundada no dia 15 de dezembro de 1995, é uma associação de apoio à Mulher Polícia de Angola (AAMPA) que actua em parceria com a Rede Mulher Polícia de Angola (RMPA) e a REMPA,

Associação de Mulheres Empresarias de Luanda (ASSOMEL) – Fundada em 1991, é uma associação sem fins lucrativos em que um dos principais objectivos é assegurar a representação das mulheres empresárias, face aos poderes públicos, organizações públicas nacionais ou estrangeiras, ou qualquer outra pessoa singular ou colectiva, em todas as questões relacionadas com a dupla qualidade de Mulher Empresária (Serra: 2007),

Comité das Mulheres Sindicalizadas – Fundado a 28 de abril de 1998,

Federação de Mulheres Empresárias de Angola (FMEA) – Criada em 2001 tem o propósito de fomentar o diálogo entre as diversas entidades de actividades económicas, sendo porta-voz das associaçoes empresariais e empreendedoras femininas das instituições do estado,     

Fórum de Mulheres Jornalistas para Igualdade de Género (FMJIG)- Em outubro de 2009 nasce o fórum como resultado do primeiro encontro internacional de mulheres em Angola sobre a a participação política das mulheres na resolução das questões relacionada à violência de género, o Forúm que hoje é uma organização que reúne jornalistas de entidades públicas e privadas para desenvolver projectos que visem alcançar a igualdade de género bem como a advocacia através dos meios de comunicação social.  

Associação Angolana de Mulheres de Carreira Jurídica – Criada no dia 15 de março de 1995, segundo os seus estatutos tem como maior atribuição a elaboração de estudos sobre matérias que no domínio do direito, sejam relevantes para a efectivação de direitos e oportunidades legalmente consagradas, assim como fomentar a troca de experiências e de conhecimento a nível nacional e internacional.

Rede Mulher – fundada no dia 04 de agosto de 1998, é um fórum de organizações não governamentais, organizações comunitárias de base que defendem interesses de género, de carácter voluntário, apartidário e sem fins lucrativos sobre o ponto de vista administrativo e financeiro.

Rede Mwenho – Fundada no dia 04 de agosto de 2004, por um grupo de mulheres seropositivas, sobre a iniciativa da Rede Mulher Angola e Acção humana não governamental, filantrópica e sem fins lucrativos, um do seus maiores objectivos é trabalhar para melhorar a qualidade de vida das mulheres e crianças seropositivas a nivel nacional.

Ondjango Feminista – Em junho de 2016, oito mulheres fundaram, esta que é a primeira organização feminista em Angola. O colectivo Ondjago Feminista, um movimento autónomo que advoga por uma agenda feminista transformadora a partir da perspectiva de justica social, solidariedade e liberdade.

Unidas Somos Mais Fortes (USMF)– Fundado no dia onze de novembro de 2019, com a finalidade de promoção da igualdade de género e a defesa dos direitos das mulheres e meninas, através da realização de acções e iniciativas que contribuam para a eliminação das desigualdades para o empoderamento das mulheres em todas as esferas da sociedade.

Hoje podemos dizer que existem muitas outras organizações fóruns e movimentos sociais que convergem na luta pela inclusão das mulheres nas diferentes dimensões. Não podemos ignorar os passos dados ainda durante a luta anti-colonial, com a criação das organizações de mulheres (ala feminina) no seio dos movimentos de libertação nacional (Domingo et al.: 2023).

A EVOLUÇÃO DO PAPEL POLÍTICO DA MULHER ANGOLANA EM ANGOLA

A segunda metade do sec. XX registou os verdadeiros picos de descolonização em África (1950, 1960, 1975). Em angola, a revolta dos camponeses da Baixa de cassanje, que ocorreu no dia 4 de janeiro de 1961 é o marco histórico de ínicio da luta pela libertação de Angola. Entre 1960 e 1975, a participação da mulher na luta de libertação nacional foi árdua e sofrida. A mulher sempre esteve presente em diferentes eventos, no entanto, o lugar que a ela sempre foi reservado, me faz questionar a qualidade e quantidade dos lugares de mando e chefia ocupado pelas mulheres nos diferentes processos que compõe a história política de Angola, desde a luta de libertação nacional aos acordos de Luena.  Um questionamento válido diante dos números ínfimos que ela representa nos poderes decisórios e governativos em Angola.

Dentre os três movimentos de libertação Nacional, O MPLA foi o primeiro movimento a criar o braço feminino do seu partido, no dia 2 de março de 1962. Segundo os seus estatutos iniciais, no seu artigo primeiro, a organização denomina-se Organização da Mulher de Angola (OMA)[7], cujo um dos seus objectivos determinou a sua agenda de trabalho ao longo do tempo.

“A integraçãpo da Mulher de Angola em plena igualdade de direitos com outros membros da sociedade, na futura nação angolana”. (Estatutos da OMA – 1962)

O artigo terceiro dos Estatutos em referência, diz que, “A Organização da Mulher Angola (OMA) é uma organização social constituída pelas Africanas nascidas em Angola sem descriminação de raça, crença religiosa, ideais políticos, lugar de domicílio e estado civil” (Estatutos da OMA:1962). Pelo que, a sua definição estatutária e âmbito de actuação, faz com que o seu histórico seja sempre confundido com o histórico das organizações da sociedade civil em Angola.  

A FNLA – Quando nos referimos a actuação marcante das mulheres como combatentes nas lutas de libertação nacional, referimo-nos às mulheres que ingressaram nas fileiras da luta anticolonial nos três movimentos de libertação nacional, no entanto, devemos concordar com Margarida Paredes, quando afirma que há um silêncio mórbido relativamente à história de vida e ao papel que as mulheres desempenharam nas fileiras da UPA/FNLA (Paredes:2022)             

Segundo o site oficial da FNLA, a AMA foi criado a partir de uma consciência nacionalista presente na década de 50. No histórico de guerrilha, é enfatizado o papel da mulher no transporte de informações e mantimentos aos guerrilheiros, Margarida Paredes (2015), faz menções à participação da AMA nas operaçoes do ELNA – Exército Nacional de Libertação de Angola.   

A UNITA, por sua vez, criou o seu braço feminino na década de 70, muito perto da independência do país, sobre orientaçao baixada em conferência em 1970, somente em 1972[8], foi efectivamente criada a Liga da Mulher Angola (LIMA). A politóloga Yasmim Côrrea, sugere que, o apego à tradição gerava no seio da UNITA um desconforto quando o assunto era o género, o que potencialmente influenciou para o tardio reconhecimento da importância de uma organização de mulheres (Côrrea: 2025)

Acredito que por força da formatação cultural, os discursos dos movimentos de libertação nacional em Angola, enfatizam, reiteradamente, e sempre de forma romantizada o papel da mulher, a ela reservado por socialização, nas funções de cuidado.

 A FNLA, dá ênfase ao papel de mãe, irmã e esposa (Côrrea:2025), o MPLA, enfatiza a educadora que trabalhou na área de alfabetização, a secretária correspondente, a camponesa, ativista e cuidadora (Mouzinho & Cutaia:2017), A UNITA, por sua, vez também enfatiza o lugar de cuidado das mulheres para o atendimento das necessidades básicas das tropas na linha de frente dos combates (unita-angola.co.ao/lima).  

Nos sites oficiais dos três movimentos, não se reconhece um discurso que coloque a mulher no pé de igualdade ou lugar de destaque na guerra. As narrativas oficiais contribuem para a sua minimização (Côrreia:2025).   

MULHERES NAS MESAS DE NEGOCIAÇÃO DESDES OS ACORDOS DE ALVOR (1975) AOS ACORDOS DE LUENA (2002)

A conquista da paz em Angola exigiu esforços de vários atores que atuaram num contexto político completamente hostil e marcado por interesses económicos profundos. A estabilidade política militar resultou de vários processos duros, difíceis e demorados desde 1975. Angola, somente conheceu a estabilidade consistente no dia 4 de abril de 2002.

A luta de libertação Nacional teve como protagonista três movimentos históricos como citados acima, todos eles contaram com um braço feminino criado em anos diferentes no processo de luta de libertação, no entanto, não é notória a presença de mulheres nas mesas de negociações mais importantes ao longo da história nacional, começando inclusive, com o encontro que anteveio a todos os outros processos estruturantes.

No dia 3 de janeiro de 1975, Agostinho Neto, Holden Roberto e Jonas Savimbi estiveram reunidos com o então presidente da República do Quénia, Jomo Kenyatta. No contexto histórico da independência de Angola, este encontro foi um marco importante nas negociações entre as forças independentes e o governo português. No entanto, apesar de que, aquando da realização do referido encontro os três movimentos já tinham criado os respectivos braços, não há registos da participação direta de alguma mulher durante a referida reunião.       

Chegar ao entendimento pleno, para dirigir o país libertado do jugo colonial e para ultrapassar os resquícios do conflito armado, exigiu dos angolanos a realização de quatro fóruns de concertação político-diplomática, marcados por avanços e recuos. Christine Messiant, socióloga e estudiosa de assuntos africanos, analisou os diferentes encontros marcantes e decisivos no histórico de processo de paz em Angola, sugerindo que pode ser dividida em três períodos de grandes combates – 1975-1991, 1992-1994 e 1998-2002. Entre 1975 e 2002 (Messiant:2004), os protagonistas da libertação nacional e da guerra civil sentaram-se à mesa sob os auspícios da comunidade internacional e rubricaram quatro instrumentos jurídicos, entre acordos, protocolos e memorandos, para “precipitar” o calar das armas. No entanto, ao visitarmos o histórico dos encontros citados, não se regista a presença de mulheres nas mesas de negociação. O que torna imperativo o trabalho conjunto entre todos os órgãos de Estado para a materialização da resolução 1325

A MULHER NO GOVERNO DE (NA LEGISLATURA) / 2022-2027

O género na história da política angolana, também é destacado pela liderança de Anália de Vitória Pereira no Partido Liberal Democrático (PLD). Popularmente apelidada por “mamã Coragem”, na qualidade de primeira e única mulher na corrida eleitoral, conseguiu representação parlamentar nas primeiras eleições em Angola, realizadas em setembro de 1992 (site da Assembleia Nacional)

Sobre o lema “Humanizar Angola”, o Partido Humanista de Angola, foi reconhecido no dia 27 de maio de 2022. Um partido fundado por Florbela Malaquias, concorreu as eleições de agosto de 2022 e conseguiu eleger dois deputados.

Florbela Malaquias, é jurista, já militou no partido UNITA, foi combatente nas FALA, foi jornalista na rádio vorgan sediada na Jamba e também foi jornalista na Rádio Nacional de Angola, é autora do livro polémico intitulado “Heroinas da Dignidade”. Um livro bastante polémico, mas que eventualmente, as repercussões a tenham inspirado sufcientemente para criar o Partido Humanista de Angola.

“…Florbela faz narração de alguns acontecimentos que vivenciou, até meados da década de 1980, na Jamba, “capital da revolução no sul de Angola” (p. 65), traçando um breve retrato daquilo que foi o seu cotidiano familiar e atividade de militante do partido, do qual se destaca o fato de ter sido a autora quem “aperfeiçoou o emblema da primeira guerra e escreveu o hino da LIMA” (p. 46). Narrativa que, podemos caracterizar como enigmática, na medida em que respostas a questões como, quando e em que condições saiu da Jamba e chegou a Luanda e como reconstruiu a sua vida ĕ cam a aguardar resposta, quiçá para o próximo volume” … (Liberato 2020: 107-108)

Florbela Malaquias, conseguiu chamar a atenção da sociedade, preenchendo directamente um vazio à muito identificado. Falta mulheres nas lideranças partidárias. A ausência de representaçoes directas de partidos que tenham como prioridade nas suas agendas as questões relacionadas ao género, sobretudo a condição de vítima directa das atrocidades narradas no seu livro, podem ter contribuido para a popularidade rapidamente conquistada.

…“Ao identificar algumas das mulheres que pereceram durante esse período – queimadas, fuziladas, acusadas de bruxaria ou traição – a autora defende que estas foram as principais sacrificadas: “vítimas nos campos da guerra fratricida, vítimas do sadismo do líder libertador do campo em que se encontravam; vítimas do parceiro íntimo, machista e assustado com a guerra” (p. 186), na medida em que padeceram de todo o tipo de violência – física, emocional, psicológica, sexual, patrimonial, moral, institucional – perpetrada por um sistema agressivo, assente nos princípios patriarcais e tradicionais, encabeçado por um líder que a própria classiĕ ca como um “predador social cruel, vazio de sentimento de remorsos e de culpa… como todo o psicopata” (p. 40)”… ( Liberato 2020: 107-108)

A eleição de Florbela Malaquias, também trouxe uma série de questionamentos cuja ausência de respostas pode causar mais dificuldades ao caminho efectivo para o empoderamento das mulheres em Angola. Uma das questões é; como é que mulheres que ascendem e conquistam lugares de destaque, como é o caso de Florbela Malaquias, podem impactar as outras para trilharem caminhos de competências e afirmação, quando os lugares são disputados directamentes com aqueles que culturalmente sempre foram os privilegiados? Por exemplo, na lista do Partido Humanista de Angola, para as eleições de 2022, nos 100 primeiros lugares apenas vemos 25 mulheres. A questão de paridade tem que ser vista já a partir do momento em que são elaboradas as listas dos partidos políticos e Florbela Malaquias tem a obrigação de advogar pelo género.

É preciso fazer surgir lideranças capazes de manter a prática aliada ao discurso, mantermos acções que instam as lideranças angolanas para o cumprimento efectivo das cotas previstas nos vários instrumentos internacionais ratificados pelo Governo angolano, deste modo, poderemos ter mais mulheres participando nas tomadas de decisões.

Outra questão interessante, é o facto dos lugares pilares de governação da presente legislatura serem ocupados por mulheres, no entanto, salvaguardando a questão dos resultados que possam incentivar novas nomeações a favor do género, se mantem a questão de nomeação nominal ou qualitativa. Reparem que, desde 2019, a função de Ministro de Estado para área social vem sendo ocupada por mulheres. Em 2022, Carolina Cerqueira que foi ocupar a Presidência da Assembleia Nacional foi substituída por Dalva Ringote, está por sua vez, em 2024 é substituída por Maria S. Brangança, que vem do Ensino Superior Ciência e Tecnologia. Se as indicações feitas, foram apenas na base do cumprimento de quotas, que resultados substanciais foram registados no sector social durante o pelouro das figuras mencionadas?

O Decreto Presidencial 9/22 de 16 de Setembro, Aprova o Regime de Organização e o Funcionamento dos Órgãos Auxiliares do Presidente da República, o seu artigo 37º diz que, os Ministros de Estado e os Ministros, titulares dos Órgãos da Administração Directa e Central são Auxiliares do Presidente da República, enquanto Titular do Poder Executivo, e dirigem os Departamentos Ministeriais, através da orientação, coordenação e controlo dos órgãos subordinados ou vinculados aos Departamentos Ministeriais e assumem a responsabilidade inerente ao exercício da direção (Decreto Presidencial 09/22), no entanto, desde 2019 ao presente momento, a nível do Orçamento Geral do Estado, registou-se um volume considerável de descontinuidade de inúmeros programas em favor da mulher rural, mesmo tendo mulheres no sector com a obrigação de advogar pelas causas do género, um facto que nos oferece um paradoxo amargo que nos faz questionar o comprometimento real das mulheres guiadas por orientação partidária com as causas do género.

Em meu entender, a realidade angolana nos mostra que a figura feminina num Ministério de Estado para área social, não é necessariamente sinal de comprometimento com a melhoria dos maiores indicadores de pobreza e questões de género.  O comprometimento esperado está na adopção de políticas que permitam a elaboração e aprovação de um Orçamento Geral de Estado que seja sensivel ao género, sendo capaz de transformar questões como; acesso ao registo civil; acesso à justiça; acesso à educação; saúde materna; participação e percepções sobre o Orçamento Geral do Estado; acesso aos recursos produtivos e fontes de renda e relações de produção no sistema agropecuário, para garantia efectiva de igualdade entre homens e mulheres.

REPRESENTATIVIDADE DO GÉNERO NA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA AO LONGO DAS CINCO LEGISLATURAS

Em novembro de 2024, aquando da realização do encontro da 10ª cúpula parlamentar do G20, foi analisada a questão da ampliação da representatividade política das mulheres nos lugares de decisão, uma das recomendações, foi que os governos percebessem as lutas para ampliação das mulheres na política e lugares de decisão como uma questão que vai para além das questões de igualdade, mas também de democracia e avanços sociais. Ainda no referido encontro, Fabiana Martin, Presidente do parlamento MERCOSUL, reforçou a ideia de que os Parlamentos com muita presença feminina costumam ter leis que melhoram a qualidade de vida das pessoas e melhoram a sociedade como um todo, focando no exemplo da Argentina que já implementou a paridade no parlamento (TvSENADO:2024).    

De modo geral, apesar dos desafios, os Estados foram receptivos as questões relacionadas ao aumento das mulheres nos parlamentos, entre 1995 e 2015, a proporção média das mulheres nos Parlamentos nacionais quase duplicou, passando de 11,3% para 22,1% (Vetten:2016).

Ainda entre 1995 e 2015, o progresso na África subsaariana foi considerável, com a representação das mulheres a crescer de 9,8% para 22,3% durante o mesmo período. Até 2015, 12 países da região tinham eleito 30% ou mais de mulheres para as suas câmaras únicas ou baixas do parlamento. O Ruanda liderou em 63,8%, não apenas o continente, mas o mundo com a sua proporção de mulheres deputadas. Seguiu-se as Seychelles, com 43,8%, o Senegal com 42,7% de mulheres parlamentares, e a África do Sul com 41,8% (União Interparlamentar:2015).

No entanto, dados mais recentes da União Interparlamentar (2022), mostram que a África Lusófona não está mal em comparação à média mundial que é de 26% “Alguns estão abaixo daquilo que se deseja, que é de pelo menos 30%, por exemplo: São Tomé e Príncipe conta com 14% de mulheres no Parlamento e Guiné-Bissau com apenas 13%, ocupando a posição 149 no ranking da União Interparlamentar.

Pela primeira vez na história, Angola tem uma mulher na Presidência do Parlamento. Um parlamento elogiado pela representatividade do género em comparação com muitos países da região. Angola hoje tem 37,7% parlamentares mulheres. No entanto, ainda há muito a ser feito, até que se consiga alcançar efetivamente, a tão desejada paridade parlamentar, para que os fundamentos da Política Nacional para equidade e igualdade do Género seja de facto uma realidade na vida das mulheres angolanas, para que a aprovação de um Orçamento Sensível ao Género tenha impacto na condição social das famílias angolanas, para compreendermos a jornada desafiante da mulher angolana em termos de representatividade parlamentar, olhemos para o número de mulheres eleitas parlamentares ao longo das diferentes legislaturas;

I Legislatura (1992-2008)

No dia 26 de novembro de 1992 foi realizada a 1.ª Reunião Constitutiva da I Legislatura, durante a qual os Deputados presentes e eleitos prestaram juramento. Uma legislatura que integrou 220 Deputados dos 223 previstos pela Lei Constitucional de 1992, dos quais apenas, 48 MULHERES foram eleitas. 

II Legislatura (2008-2012)

Na II Legislatura, a Assembleia Nacional teve, tal como na anterior, 220 Deputados (130 do Círculo Eleitoral Nacional e 90 dos Círculos Eleitorais Provinciais), 85 MULHERES foram eleitas deputadas.

III Legislatura (2012 -2017)

Na III Legislatura, os 220 Deputados à Assembleia Nacional, dos quais 81 MULHERES foram eleitas.

  • MPLA com 175 (106 Homens e 69 Mulheres);
  • UNITA com 32 Deputados (23 Homens e 9 Mulheres);
  • CASA-CE com 8 Deputados (6 Homens e 2 Mulheres);
  • O PRS 3 Deputados (Homens);
  • A FNLA 2 Deputados (Homens)

IV Legislatura (2017 -2022)

Na IV Legislatura, os 220 Deputados à Assembleia Nacional das quais 68 MULHERES estavam assim distribuídos, em termos de composição política:

  • Grupo Parlamentar do MPLA com 150 (99 Homens e 51 Mulheres);
  • Grupo Parlamentar da UNITA com 51 Deputados (38 Homens e 13 Mulheres);
  • Grupo Parlamentar CASA-CE com 16 Deputados (13 Homens e 3 Mulheres);
  • Representação PRS 2 Deputados (Homens);
  • Representação FNLA 1 Deputado (Homem).

V Legislatura da (2022/2027)

A V Legislatura, elegeu 90 MULHERES distribuição de assentos parlamentares:

  • Grupo Parlamentar/MPLA – 124 Deputados, sendo 52 Homens e 72 Mulheres
  • Grupo Parlamentar/UNITA – 90 Deputados, sendo 76 Homens e 14 Mulheres
  • Representação Parlamentar/ PRS 2 Deputados
  • Representação Parlamentar/ FNLA 2 Deputados
  • Representação Parlamentar/ PHA 2 Deputados, sendo 1 Mulher e 1 Homem.

Lembrar que, outro facto histórico chama a nossa atenção, o MPLA, partido do governo desde 1975, pela primeira vez em cinco legislaturas, na sua bancada parlamentar, o número de mulheres supera o número de homens.

A MULHER NO GOVERNO DE (NA LEGISLATURA) DE 2017-2022

A expectativa era alta, pois no período de campanha, o MPLA defendeu um maior equilíbrio de género nas esferas de decisão e maior atenção às questões que afetam as mulheres.

O programa de governo do MPLA para o período de 2017-2022, assumiu nove políticas estratégicas de desenvolvimento. Dentre elas, duas estão intrinsecamente ligadas às questões de género, o que eventualmente, serviria para a aprovação de vários orçamentos sensíveis ao género.

“PROMOVER O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E DIVERSIFICADO, COM A INCLUSÃO ECONÓMICA E SOCIAL E REDUÇÃO DAS DESIGUALDADES.

 PROMOVER O DESENVOLVIMENTO HUMANO E BEM ESTAR SOCIAL DOS ANGOLANOS, COM INCLUSAO ECONÓMICA E SOCIAL.” (MPLA : 2017)

As acções apresentadas para a materialização dos objetivos em referência, passavam sobretudo, pela renovação e reforço da política de género e de apoio à mulher angolana, cujas acções, estavam alinhadas à política nacional para a igualde e equidade de género (Decreto Presidencial 222/13).   Entretanto, no dia 30 de setembro de 2017, tomou posse o novo governo composto por trinta e um ministros, dos quais, doze departamentos ministeriais foram ocupados por mulheres, nomeadamente; saúde, educação, Ensino superior, indústria, cultura, pescas e mar, Ordenamento do Território e Habitação, Hotelaria e Turismo, Ação Social Família e Promoção da mulher, juventude e desporto, Ambiente. A secretaria para o Conselho de Ministros também foi ocupada por uma mulher. 

No dia 13 de outubro de 2017, 50 Secretários de Estado foram empossados, dos quais, apenas oito eram mulheres. As referidas mulheres estavam nos seguintes ministérios;

  • Ministério das Finanças – Aia Eza N. G. da Silva e Vera E. S. Daves
  • Ministério da Administração do Território e Reforma do Estado- Laurinda J. P. M. Cardoso
  • Ministério da Justiça e Direitos Humanos – Ana Celeste C. Januário 
  • Ministério do Ordenamento do Território e da Habitação – Ângela C.B.L.R.Mingas 
  • Ministério da Cultura – Maria da Piedade de Jesus
  • Ministério da Acção Social Social Família e Promoção da Mulher – Ruth M. Mixinge
  • Ministério da Juventude e dos Desportos – Guilhermina Fundanga M. Alcaim  

No primeiro governo de João Lourenço, até ao final das primeiras movimentações em 2017, nenhuma mulher ocupava o cargo de Governadora provincial. No entanto, após a realização do VI Congresso extraordinário do partido MPLA, no dia oito de setembro de 2018, do qual, João Lourenço foi eleito líder do partido. No dia doze do mesmo mês, aconteceram as primeiras movimentações a nível dos Governadores províncias, onde seis Governadores foram exonerados, alguns dos quais governadores históricos ao longo dos trinta e nove anos de Liderança de José Eduardo dos Santos. Nesta senda, conhecemos a primeira mulher indicada a Governadora provincial no governo de João Lourenço. Joana Lina Ramos Baptista Cândido, foi então indicada Governadora do Huambo e Exalgina Gambôa na Direção do Tribunal de contas.

Em 2019, pela primeira vez em 44 anos de independência, o Ministério das Finanças é liderado por uma mulher, Vera Esperança dos Santos Daves de Sousa, é nomeada Ministra das Finanças.

Em 2020, Gerdina Didalelwa é indicada a Governadora do Cunene, Mara Quiosa, Governadora do Bengo, Joana Lina é nomeada Governadora de Luanda, sendo substituída por Lotti Nolika no Huambo, no Conselho da República, Rosa Cruz e Silva como porta voz, nas finanças Vera Daves

Pela primeira vez na história do país, vimos mulheres a ocuparem funções estratégicas no Governo de Angola. Um dos pontos principais na aposta das mulheres foi, por exemplo, no dia oito de setembro de 2018, no seio do MPLA, uma mulher ter chegado a Vice-Presidência, Luísa Damião, uma mulher que tinha sido Directora da agência de notícias angolana, Angola. A UNITA por sua vez, em 2019, no quadro da realização do seu XIII Congresso, elege Adalberto Costa Júnior, na sequência de renovação de mandatos, que trazia consigo dois vice-presidentes, sendo a primeira Vice-Presidente, Arlete Leona Chimbinda.

Conclusão:

É bem visível o peso do percurso histórico e político no fraco exercício de cidadania, participação pública e política das mulheres em Angola. A adoção de vários instrumentos internacionais que visam o empoderamento da mulher, mais do que ser um sinal de comprometido e ou vontade política para mudança de quadro a favor da mulher, são passos significativos para desenhar e implementar as acções que visem a efetiva luta pelos direitos da mulher, salvaguardados no Protocolo de Maputo.  No entanto, ainda é difícil mensurar o papel da mulher no cenário político quando de forma progressiva os Orçamentos Gerais de Estado aprovados ignoram a real necessidade de efetivação dos programas de igualdade de género proporcionando a ausência de empoderamento real das mulheres angolanas.

Os dados de género apresentados pelas estatísticas oficiais são importantes não apenas porque fornecem informação, mas sobretudo, porque “contam” as histórias das mulheres e dos homens, permitindo ao público em geral, obter informações que lhe permitam fazer análises e leituras objetivas.

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[1] Segundo o Programa de Reconversão da economia informal 88,5% das mulheres representam o emprego informal. 

[2] MOSAIKO- Instituto para a Cidadania, tem como Missão a promoção e defesa dos Direitos Humanos em Angola. Fundada pelos Missionários Dominicanos, assume-se como uma organização da sociedade civil, que, desde 1997, prioriza a sua actuação através da parceria com Grupos Locais de Direitos Humanos, respeitando a sua autonomia e trabalhando em colaboração. O presente relatório, sobre a Avaliação Participativa sobre o Acesso à Justiça 2019/20 (APAJ), inscrevese no trabalho de pesquisa social e produção de conhecimento, parte integrante da actividade do Mosaiko, desde a sua fundação

[3] Ma Tuning, é um projecto de cooperativas financiado pela União Europeia, FAO e o PNUD, que tem como objetivo contribuir para redução da fome, pobreza vulnerabilidade à insegurança alimentar e nutricional, das comunidades afetadas pelas alterações climáticas na província do Namibe, através do fortalecimento sustentável da agricultura familiar, conservação e uso sustentável dos solos e pastos.

[4] Braço Feminino do partido Político MPLA

[5] MASFAMU- Ministério da Acção Social, Familia e Promoção da Mulher.

[6] As informações apresentadas sobre as associaçoes destacadas, foram colectadas nas informações disponiveis nos sites e estatutos, nem todas têm os estatutos publicados, pelo que omitimos por um aquestão de uniformidade.

[7] Fundação Tchiweka –

[8] Discurso do presidente do partido no V congresso da Liga da Mulher Angolana /LIMA