A vitória de Trump e Angola (análise rápida)
As expectativas e imprevisibilidade de Donald Trump
Para qualquer observador da política angolana pareceu haver um certo alinhamento doméstico em termos de simpatias relativamente às eleições americanas. Ou dito mais expressamente, uma esperança dos sectores antagónicos a João Lourenço numa vitória de Donald Trump, na expectativa que este repetisse a política do seu primeiro mandato de desinteresse em África e logo de arrefecimento com Angola.
Agora que a vitória se consumou, é importante tentar perceber o que se poderá ou não passar, uma vez que está em jogo o novo alinhamento estratégico de Angola com os EUA que, de certa forma, equilibrou a balança de poder no continente africano e igualmente, em concreto, relançou o Corredor do Lobito, projecto abraçado intensamente pelo Presidente Joe Biden.
Obviamente, que antes de 20 de janeiro de 2025 tudo será demasiado especulativo, e, sobretudo, tratando-se de Trump, a imprevisibilidade tem um lugar cimeiro.
Mesmo assim, tem havido suficientes sinais que podem indiciar que, afinal, a atitude de Trump em relação a Angola não será assim tão diferente da política de Joe Biden.
A competição e contenção da China
A primeira razão para a permanência da política é a China. Do ponto de vista geoestratégico a situação atual (2024) é extremamente diferente daquela do primeiro mandato de Trump (2017-2021), designadamente naquilo que diz respeito à competição ou contenção da China, que, lembre-se foi iniciada como tendência estrutural da política externa norte-americana, precisamente, por Donald Trump. A coletânea de discursos de Trump sobre a China nesse mandato “TRUMP ON CHINA • PUTTING AMERICA FIRST” é expressa na sua introdução ao afirmar:
“For decades, Donald J. Trump was one of the few prominent Americans to recognize the true nature of the Chinese Communist Party and its threat to America’s economic and political way of life. Now, under President Trump’s leadership, the United States is taking action to protect our nation and its partners from an increasingly assertive China. We are no longer turning a blind eye to the People’s Republic of China’s conduct nor are we hiding our criticism of its Communist Party behind closed doors”.[1]
(Durante décadas, Donald J. Trump foi um dos poucos americanos proeminentes a reconhecer a verdadeira natureza do Partido Comunista Chinês e a sua ameaça ao modo de vida económico e político dos Estados Unidos. Agora, sob a liderança do presidente Trump, os Estados Unidos estão a tomar medidas para proteger a nossa nação e seus parceiros de uma China cada vez mais assertiva. Não estamos mais a fechar os olhos à conduta da República Popular da China nem a esconder as nossas críticas ao seu Partido Comunista a portas fechadas.)
É neste sentido que alguns dos mais destacados colaboradores de Trump se têm pronunciado. Tibor Nagy, ex-secretário assistente de Estado para Assuntos Africanos de Trump e ex-embaixador na Guiné e Etiópia, insiste que Trump foi o primeiro a aumentar a consciencialização sobre a enorme ameaça que a China representa para os interesses dos EUA na África, e afirma expressamente: “Vocês verão novamente um combate agressivo à influência chinesa na África[2]“.
Admite-se que o foco dessa abordagem transacional, típica de Trump, será começar a bloquear as cadeias de suprimentos para minerais essenciais na África usados para baterias de energia verde usadas em veículos elétricos e telefones. Assim declara o embaixador J. Peter Pham, ex-enviado especial dos EUA para a região do Sahel na África sob Trump, “Não há como negar que o acesso aos muitos minerais críticos que a África tem em grande abundância é necessário para a economia americana hoje, bem como para as tecnologias que nos levarão ao futuro” e “Além disso, a monopolização das cadeias de suprimentos para esses recursos estratégicos por qualquer país, muito menos uma potência revisionista como a China, é uma ameaça à segurança dos EUA.”
Este sentido geoestratégico de África em que se enquadra Angola é reforçado pela chamado Projeto 2025, uma espécie de doutrina paralela dos ideólogos Trumpistas, de que este se afastou nalguns aspetos, mas não em relação a África. Escreve Kiron K. Skinner nesse documento que o crescimento populacional explosivo da África, grandes reservas de minerais dependentes da indústria, proximidade com as principais rotas de transporte marítimo e o seu poder diplomático coletivo garantem a importância global do continente[3].
A verdade é que uma área da abordagem Biden-Harris que não foi criticada pelos republicanos é o Corredor de Lobito, o projeto multibilionário de infraestrutura de logística e comunicações que conecta o Porto de Lobito em Angola às minas de minerais essenciais da Zâmbia e da República Democrática do Congo. Observadores americanos de África veem o projeto como um modelo a ser construído ou replicado, principalmente com o objetivo de retomar algum controlo das cadeias de suprimentos de minerais essenciais da China[4].
Portanto, o que resulta duma primeira análise dos pronunciamentos dos aliados de Trump e dos seus próprios interesses e postura em relação à China, é que Angola e o seu Corredor do Lobito ocupam um lugar destacado, e por isso, mantendo-se a atenção de Trump à China, a África e especialmente Angola estarão num nível superior das opções estratégicas EUA, i.e., manter-se-á o interesse norte-americano em Angola.
Oportunidades de negócio
Um segundo aspecto, é o relevo que Trump dá aos números e oportunidades de negócio. É provável, que desta vez, pensando em África e Angola, veja números refletindo o movimento massivo de jovens no continente e de oportunidades para negócios norte-americano. Não é segredo que João Lourenço, ainda que com um sucesso modesto, tem tentado abrir Angola aos negócios mundiais, tornando o país um local apetecível para o investimento externo. É uma longa caminhada. Contudo, Trump poderá ver aqui um mercado para as exportações norte-americanas, como Biden já viu ao nível das telecomunicações e energia solar[5].
Conclusões
Com toda a prudência que a imprevisibilidade de Trump aconselha, bem como o seu desprezo anterior pelo continente africano demonstrou, não se deve antecipar que venha a existir um esfriamento na aproximação entre Angola e os Estados Unidos após 20 de Janeiro de 2025.
Na verdade, o que tem estado em causa da parte dos EUA não é qualquer amizade ou relação pessoal de Joe Biden com João Lourenço, mas o interesse americano estratégico em contrabalançar a China e garantir acesso a minerais fundamentais, bem como a exploração de negócios rentáveis para uma economia madura como a dos EUA.
Nesses termos, os EUA, muito provavelmente manterão um interesse claro em África e Angola, ao contrário do que aconteceu no primeiro mandato de Trump. O que está em causa é uma tendência estrutural da política externa norte-americana, que dependerá menos dos seus atores e mais dos seus interesses.
[1] https://trumpwhitehouse.archives.gov/wp-content/uploads/2020/11/Trump-on-China-Putting-America-First.pdf
[2] https://www.semafor.com/article/11/01/2024/trumps-africa-plans-take-pragmatic-turn-for-election
[3] https://static.project2025.org/2025_MandateForLeadership_CHAPTER-06.pdf
[4] https://www.semafor.com/article/11/01/2024/trumps-africa-plans-take-pragmatic-turn-for-election
[5] https://www.atlanticcouncil.org/blogs/africasource/what-africa-can-expect-under-a-second-trump-administration-a-focus-on-the-numbers/