Um projeto de industrialização para Angola

I-Introdução. O renascimento do interesse na industrialização

A industrialização de Angola tornou-se um dos objetivos do atual governo debaixo da liderança do Presidente da República João Lourenço. De facto, quer na Cimeira Internacional sobre Desenvolvimento Sustentável “O Futuro de África” realizada em Abu Dhabi em 2019, quer na terceira edição da Global Summit on Manufacturing and Industrialization, promovida pela Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (ONUDI) em 2020, Lourenço enfatizou sempre que a industrialização era uma necessidade premente com vista a criar riqueza e bem-estar para os cidadãos e emprego como principal fonte para todas as oportunidades.

Na verdade, não dispondo Angola de quadros e competências com suficiente massa crítica ao nível dos serviços, e tendo-se verificado recentemente as fragilidades estratégicas das economias demasiado assentes em serviços, é normal que qualquer arranque económico do país assente também na indústria.

A industrialização de Angola deve ser pensada com base em três pressupostos.

O primeiro é que se baseará numa agricultura forte. Não se trata de substituir a agricultura pela indústria, mas de simultaneamente desenvolver a agropecuária como fundamento de um renovado arranque industrial.

O segundo pressuposto é que aquilo que se denomina industrialização atualmente será diferente do que se considerava no início do século XX em que tal movimento estava ligado às dita indústrias pesadas: aço, cimento, etc. Além do mais, industrialização não é manufatura apenas, mas um conjunto de processos transformativos.

Finalmente, os vetores de industrialização em Angola terão de estar ligados aos aspetos específicos que tragam valor acrescentado para a economia ou em que esta tenha vantagens competitivas. Não se tratando por isso de realizar meras cópias de modelos industriais, mas de perceber onde Angola tem benefícios em se industrializar.

II- A indústria na economia angolana

Como escrevem Nuno Valério e Maria Paula Fontoura “em 1975, [quando] Angola se tornou um Estado independente, (…) a economia apresentava-se próspera, quer devido à existência de exportações consideráveis de produtos agrícolas (café, algodão, açúcar, sisal e outros provenientes de plantações; milho proveniente de explorações tradicionais) e minerais (diamantes, ferro e petróleo) e mesmo de serviços (particularmente através de trânsito para o Shaba, antigo Catanga, pelo caminho de ferro de Benguela), quer devido ao início de um processo de industrialização. “[1]

O arranque industrial angolano começou nos anos 1960, ainda debaixo do domínio colonial. Na realidade, a partir dessa época, enquadrada nas medidas gerais de liberalização e pró-europeias que Portugal tomou, na criação de uma zona de comércio livre lusitana e na expansão do mercado interno por via das tropas e famílias deslocadas com a guerra ultramarina “entre 1960 e 1970, o valor bruto da produção da indústria transformadora cresceu à taxa média anual de 17,8 % e o PIB 10% em termos nominais.[2]

Na verdade, nas vésperas da independência (1973) a indústria angolana (excluindo a construção civil) representava 41% do PIB. As indústrias importantes eram a indústria de alimentação, com 36% do valor bruto da produção do sector transformador; seguia-se a indústria têxtil, com 32%, bebidas, com 11%, química, produtos minerais não metálicos e tabaco, com 5%, derivados de petróleo e produtos metálicos, com 4%, pasta de papel, papel e derivados, com 3%[3].

Fig. n.º 1- Principais indústrias de Angola em 1973 (% valor bruto produção sector transformador)

Alimentação36%
Têxtil32%
Bebidas11%
Química, produtos minerais não metálicos e tabaco 5%
Derivados do petróleo e produtos metálicos 4%
Pasta de papel, papel e derivados  3%

Fonte: Nuno Valério e Maria Paula Fontoura,op.cit.

Note-se, contudo, que por esta época, o “mal” da economia angolana já estava presente, i.e., a excessiva dependência das matérias-primas para exportação. Na realidade, a indústria transformadora apenas contribuía para cerca de 20% das exportações angolanas, sendo que os principais produtos exportados em 1973 eram: petróleo (30%), café (27%), diamantes (10%).

Fig. n.º 2- Principais exportações de Angola em 1973 (%)

Petróleo30%
Café27%
Diamantes10%

Fonte: idem Fig. n.º 1

Este arranque liberalizador da indústria angolana foi objeto de algumas críticas, e nos anos 1970, o governo de Lisboa começou a impor uma perspetiva protecionista ao desenvolvimento industrial angolano. Tal não afetou o crescimento saudável da indústria. De facto, como anotam Nuno Valério e Maria Paula Fontoura: “o VBP da indústria transformadora cresceu à taxa média anual de 21% entre 1970 e 1973.”[4]

É sabido que a situação de prosperidade foi interrompida pela guerra civil e apenas após 2002 se assistiu a um forte relançamento da economia. Contudo, esse re-arranque foi baseado na exploração bruta do petróleo e não em qualquer processo de industrialização sustentado. Mesmo naquilo que se refere ao petróleo não houve a preocupação de o integrar num processo de industrialização e fazer com que Angola fosse um país que apostasse na transformação da sua matéria prima em vez de a exportar bruta. Isso significava investir na refinação, na petroquímica, na produção de fertilizantes o que não aconteceu.[5]

Chegados à segunda década do século XXI, a situação da economia torna-se preocupante quando a exploração do petróleo já não satisfaz devido à baixa do seu preço. Neste quadro, começa-se a falar de diversificação da economia e a olhar para a indústria, mas o cenário não é animador em termos da força da indústria no âmbito do Produto Interno Bruto (PIB) angolano, pelo que é fundamental gizar e fomentar ativamente um projeto de lançamento da atividade industrial.

Os dados mais recentes referentes ao peso da indústria transformadora (exceto refinação de petróleo bruto) datados do segundo trimestre de 2020 apontam para uma contribuição de 4,8% para o PIB. Essa contribuição era de 3,69% em 2002, e 4% em 2017 e 2018. Nessa mesma data a variação homóloga da indústria transformadora tinha sido negativa em 4%. O Valor Acrescentado Bruto também era despiciendo[6].

Fig.n.º 3-Peso da indústria transformadora em Angola (II trimestre de 2020)

Contribuição para o PIB (%)4,8
Variação homóloga (%)-4

            Fonte: Banco Nacional de Angola. Contas Nacionais (bna.ao)

III. Projeto de relançamento da indústria em Angola

Qualquer projeto de relançamento da indústria tem de começar por ter o contexto adequado. Esse contexto é de uma economia livre com um clima social propício ao investimento. O clima social assenta em seis pressupostos necessários:

  1. Inexistência de corrupção massiva. A corrupção distorce as regras da competição económica e inviabiliza o livre acesso aos mercados, condições fundamentais para o desenvolvimento industrial;
  2. Os empresários devem ter liberdade para obter os seus fatores de produção e se instalar a produzir;
  3. Sistema de Justiça funcional. O sistema de Justiça não deve ser visto como corrupto, lento e incompetente, mas como aplicando as regras, punindo quem não cumpre contratos e havendo formas legais e normais de cobrança de dívidas;
  4. Impostos razoáveis. Os impostos devem ser tendencialmente moderados e não sufocar a atividade produtiva;
  5. Desburocratização. A administração pública deve ser pró-negócios e não criar entraves burocráticos administrativos à instalação e laboração de empresas.
  6. Estado pró-negócios. O Estado deve ter um papel fomentador e pró-ativo na industrialização, apontando e enquadrando caminhos, construindo infraestruturas, qualificando a mão de obra e estabelecendo parcerias.

Fig .n.º 4- Contexto para o relançamento industrial

Visto o contexto necessário, o importante é apontar os eixos pelos quais se deviam canalizar os esforços de recrudescimento industrial.

Vislumbramos quatro eixos de industrialização de Angola. Estes eixos são escolhidos tendo em conta a histórica económica de Angola, as suas riquezas e potencialidades, as experiências de industrialização globais e as possíveis tendências dos mercados nas próximas décadas.

Assim, propomos um desenvolvimento industrial de acordo com os seguintes pontos que podem ser interconectados ou complementares:

1-Agropecuária;

2-Indústrias de necessidades básicas;

3-Indústrias de desenvolvimento de riquezas naturais;

4-Futuro: energias renováveis e digitalização.

Fig. n. º5. Eixos do Projeto de relançamento industrial

1-Agropecuária

A indústria agropecuária representa o desenvolvimento natural das potencialidades angolanas já em exploração e que já foi objeto de nosso relatório anterior.[7]

Basta suscitar um pequeno exemplo para se aferir das potencialidades. Recentemente, foi comunicado que Angola é o principal produtor de bananas de África há seis anos consecutivos. Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), Angola é o maior produtor africano de banana e sétimo no mundo com uma oferta de 4,4 milhões de toneladas.[8]

Facilmente se entenderá que será fácil e possível criar uma fileira industrial baseada na banana: sumos de frutos (indústria de bebidas), exploração medicinal da banana/potássio (indústria química/farmacêutica), etc, são algumas das possibilidades na indústria de refrigeração ou farmacêutica relativamente à banana.

O mesmo tipo de raciocínio se poderá aplicar a produtos e recursos naturais que Angola tenha ou explore em abundância. Ao transformar internamente os seus recursos e produtos naturais o país acrescenta-lhes valor deixando de estar dependente da mera evolução do preço mundial das matérias primas.

2-Indústrias de necessidades básicas

Entende-se como necessidades básicas a alimentação, o vestuário e a habitação. Este eixo industrial representa uma indústria em que não se exige uma sofisticação específica e se torna possível fazer uma substituição de importações sem especiais perdas de competitividade, além de poder ser possível criar mercados exportadores em países congéneres. A isto acresce que Angola já teve uma indústria poderosa na área da alimentação, bebidas e têxteis. Com um mercado de 30 milhões de pessoas que facilmente poderá ser alargado a muitos milhões mais com os desenvolvimentos da Comunidade da África Austral (SADC) e da Zona de Comércio Livre do Continente Africano, Angola tem suficiente procura potencial para produtos de primeira necessidade: roupa, calçado, casas(obviamente), produtos alimentares básicos desde iogurtes a cervejas. Não há razão nenhuma para não criar indústria própria com marcas próprias, imitando em muitos casos o que se fez em países com sucesso nestas áreas como o Bangladesh e o Vietnam.

3-Indústrias de desenvolvimento de riquezas naturais

Outro eixo industrial, que no fundo replica de forma mais abrangente aquilo que se mencionou no primeiro eixo, foca-se nas riquezas nacionais, agora não agropecuárias, mas as restantes. Tem toda a lógica e racionalidade económica utilizar e transformar o que existe em Angola acrescentando-lhe valor em lugar de exportar em bruto deixando que as mais-valias sejam apropriadas por outros. Aqui temos o exemplo mais óbvio que é o do petróleo. O que tem sentido é desenvolver a indústria a jusante do petróleo: refinação, petroquímica, plásticos, fertilizantes, etc. Como referiu o perito das Nações Unidas Carlos Lopes “A questão é clara: não é virar as costas a uma riqueza, como o petróleo, mas integrá-lo na transformação e fazer com que Angola seja um país que aposta na transformação da sua matéria prima em vez de a exportar bruta. Isso significa investir, além na refinação, na petroquímica, na produção de fertilizantes, etc”[9]

4-Futuro: energias renováveis e digitais

O eixo final liga-se às energias renováveis e à transição digital. É hoje um dado assente que existe uma procura da substituição do petróleo por energias limpas e renováveis. No Reino Unido, anunciou-se o objetivo de em 10 anos se terminar com a circulação de automóveis a gasolina ou gasóleo. A eletricidade gerada por energias renováveis parece ser o futuro. Grandes empresas petrolíferas como a BP ou Aramco transformam-se ou abraçam estas áreas. Ora Angola dispõe de excelentes condições naturais para essa aposta em energias renováveis. Desde logo energia solar. Um nicho industrial à volta da energia solar e da produção de eletricidade seria uma aposta a considerar de forma muito séria.

Do ponto de vista da transição digital, Angola poderá efetuar um salto qualitativo importante utilizando as técnicas digitais para o desenvolvimento de aplicações para a massificação da educação básica e secundária, para a saúde básica e na área financeira. Aqui temos uma indústria de aplicações digitais para ensino, saúde e banca que poderia ser desenvolvida em Angola por angolanos conjugando imediatamente uma sinergia entre a aposta na saúde e educação a par da industrialização digital.

IV-Coordenação do projeto de relançamento industrial

Por parte do Estado deve haver um empenho neste projeto que essencialmente competirá ao setor privado.

Mas o Estado deverá fazer o enquadramento jurídico e institucional, preparar estímulos financeiros e fiscais, construir infraestruturas, promover a formação de agentes capazes da mudança e estabelecer parcerias.

Para a tarefa de coordenação das atividades do Estado com vista ao relançamento industrial deveria existir um coordenador dependente diretamente do Presidente da República: um Czar do Projeto Industrial.

Fig. n.º 6. Papel do Estado no relançamento da indústria


[1] Nuno Valério e Maria Paula Fontoura, A evolução económica de Angola durante o segundo período colonial — uma tentativa de síntese, Análise Social, Quarta Série, Vol. 29, No. 129 (1994), pp. 1193-1208, p.1193.

[2] Idem, p. 1203.

[3] Ibidem.

[4] Op.cit. p.1207.

[5] Carlos Lopes, Petróleo deve ser utilizado na industrialização de Angola in https://www.dn.pt/lusa/petroleo-deve-ser-utilizado-na-industrializacao-de-angola—economista-carlos-lopes–10905179.html

[6] Dados do Banco Nacional de Angola in https://www.bna.ao/Conteudos/Temas/lista_temas.aspx?idc=841&idsc=15907&idl=1

[7] https://www.cedesa.pt/2020/06/15/plano-agro-pecuario-de-angola-diversificar-para-o-novo-petroleo-de-angola/

[8] https://www.angonoticias.com/Artigos/item/66803/angola-e-o-maior-produtor-de-banana-em-africa-ha-seis-anos

[9] Carlos Lopes, vide nota 5

A Zona de Comércio Livre Africana aumenta o crescimento económico de Angola

1-Introdução: A Zona de Comércio Livre e Angola

Angola depositou a ratificação da adesão à Zona de Comércio Livre Continental Africana (ZCLCA) no passado dia 4 de Novembro de 2020, depois da Assembleia Nacional ter aprovado para ratificação a 28 de Abril do presente ano, e do Presidente da República ter assinado Carta de Ratificação, a 6 de Outubro.

A entrada em vigor do acordo está agendada para o próximo dia 1 de Janeiro de 2021.

A ZCLCA foi ratificada até agora por 30 países e, numa primeira fase, levará à eliminação das tarifas sobre 90% dos produtos. Além disso, o acordo compromete os países a liberalizar progressivamente o comércio de serviços e a lidar com uma série de outras barreiras não tarifárias, como os longos atrasos nas fronteiras nacionais que dificultam o comércio entre os países africanos. Eventualmente, no futuro a livre circulação de pessoas e um mercado único de transporte aéreo africano poderão surgir dentro da área de livre comércio recém-criada.

O objetivo deste acordo é criar a maior zona de livre comércio deste género no mundo, com um mercado gigantesco do Cairo à Cidade do Cabo. A ZCLCA reúne 1,3 mil milhões de pessoas e um produto interno bruto (PIB) combinado de mais de US $ 2 triliões.

Essencialmente, objetivos comerciais do acordo são:

-Criar um mercado único, aprofundando a integração económica do continente;

-Auxiliar a movimentação de capitais e pessoas, facilitando o investimento;

-Avançar para o estabelecimento de uma futura união aduaneira continental.

Como referido, o acordo inicialmente requer que os membros removam as tarifas de 90% dos bens, permitindo o livre acesso a mercadorias, bens e serviços em todo o continente.

Quadro nº 1 – Objectivos da ZCLCA

2-O impacto da ZCL no comércio externo de Angola

Uma modelagem recente da Comissão Económica das Nações Unidas para a África (UNECA) projeta que o valor do comércio intra-africano seja entre 15% e 25% mais alto em 2040 devido à ZCLCA. A análise também mostra que se espera que os países menos desenvolvidos experimentem o maior crescimento no comércio intra-africano de produtos industriais até 35%1.

Não havendo dúvidas que a inserção numa zona de comércio livre aumenta o comércio externo dum país, tal deverá acontecer em Angola, apontando-se, face aos dados das Nações Unidas, para um reforço em pelo menos 25% do comércio externo com a restante África até 2031.

Esta percentagem surge da ponderação da modelagem da UNECA acima referida com fatores específicos em curso em Angola2 como a aposta política na liberalização e diversificação da economia, a operacionalização de algumas estruturas de transportes internacionais como a finalização do Aeroporto Internacional de Luanda, a entrada em funcionamento do porto de águas profundas do Caio, bem como o funcionamento do Corredor do Lobito; um corredor ferroviário para tráfego internacional de mercadorias com início no Porto do Lobito (Benguela) e que integra três países — Angola, República Democrática do Congo e Zâmbia — sendo desejo do governo que seja um dos principais eixos de circulação de matérias-primas e mercadorias nos territórios que atravessa.

Há uma conjugação tripartida que potencia o crescimento a médio prazo de Angola:

  1. a liberalização e diversificação da economia angolana com o fabrico de novos produtos (alguns em que Angola se havia especializado no tempo colonial e depois abandonado) e serviços,
  2. a adesão à zona de comércio livre africana, e
  3. a construção de infraestruturas logísticas de transportes.

Esta interação é fundamental para que a adesão a uma zona de comércio livre tenha sucesso. A zona de comércio livre será o propulsor de crescimento que por sua vez é acelerado pela combinação da diversificação económica e novas estruturas logísticas. As reduções tarifárias podem desempenhar um papel significativo no desenvolvimento do comércio intrarregional, mas devem ser complementadas por políticas de redução dos estrangulamentos não tarifários (por ex. logística).

3- Aumento do comércio externo e crescimento económico em Angola

A previsão é que o resultado desta interação seja um aumento do comércio internacional que acarretará um crescimento mais acelerado do Produto Interno Bruto (PIB).

Em princípio um aumento do comércio internacional leva a um crescimento do PIB3.

Nos últimos dois séculos, a economia mundial experimentou um crescimento económico positivo sustentado e, no mesmo período, esse processo de crescimento económico foi acompanhado por um crescimento ainda mais rápido do comércio global. De forma semelhante, descobrimos que também há uma correlação entre o crescimento económico e o comércio: países com maiores taxas de crescimento do PIB também tendem a ter maiores taxas de crescimento no comércio.

Entre os potenciais fatores de crescimento que podem advir de uma maior integração económica global estão: Concorrência (as empresas que não adotam novas tecnologias e não cortam custos têm maior probabilidade de fracassar e serem substituídas por empresas mais dinâmicas); Economias de escala (as empresas que podem exportar para o mundo enfrentam maior procura e, nas condições certas, podem operar em escalas maiores onde o preço por unidade de produto é menor); Aprendizagem e inovação (as empresas ganham mais experiência e exposição para desenvolver e adotar tecnologias e padrões da indústria de concorrentes estrangeiros).4

No geral, a evidência disponível sugere que a liberalização do comércio melhora a eficiência económica. Essa evidência provém de diferentes contextos políticos e económicos e inclui medidas micro e macro de eficiência. Esse resultado é importante, pois mostra que há ganhos com o comércio que implicam aumento do PIB.

É difícil calcular o impacto no PIB de um incremento de 25% até 2031 do comércio entre Angola e o resto de África. Na verdade, o comércio de Angola com os restantes países de África representava em 2019 apenas 3% do total do comércio externo do país5. Admitimos que a ZCLCA faça aumentar esse número em 25%, provocando um incremento no comércio total angolano entre 0,75% a 1% face ao peso relativo mencionado.

Nesse sentido, uma perspetiva conservadora baseada em dados históricos de relação entre aumento de comércio e crescimento do PIB de outros países com muitas diferenças entre si aponta como possível uma relação de 1:1. (Ver quadro abaixo que permite estabelecer essa correlação com alguma segurança).

Quadro nº 2 – Crescimento PIB e Comércio em vários países (fontes: as referidas no Quadro)

Nesse caso, o incremento do comércio externo até 2031 implicaria um acréscimo médio do PIB anual ao crescimento do PIB entre 0,75% a 1% entre 2021 e 2031 em Angola derivado do funcionamento da ZCLCA. Se por exemplo, para 2022 existisse uma previsão de crescimento do PIB de 2% sem ZCLCA, com ZCLCA essa previsão poderia alcançar os 2,75% a 3% e assim sucessivamente

Note-se que esse resultado só é possível se os seguintes condicionantes se verificarem:

-Efetivo funcionamento da zona de comercio livre;

-Liberalização e diversificação da economia angolana;

-Concretização e operacionalização de projetos logísticos de transportes (aeroporto, porto de águas profundas, e caminho-de-ferro internacional).

O enquadramento político que o governo angolano quer dar à economia de incremento das reformas estruturais e concorrência vai de encontro às vantagens que podem surgir do incremento das trocas comerciais com o resto de África.

Além do mais as políticas públicas devem abordar os custos de ajustamento da integração comercial:

  • Fomentar a produtividade agrícola em economias menos diversificadas;
  • Em alguns países, mobilizar a receita fiscal interna para compensar as perdas;
  • Usar programas sociais e de formação direcionados para facilitar a mobilidade dos trabalhadores entre indústrias para mitigar os efeitos adversos na distribuição de rendimentos.

3-Conclusões

Em conclusão:

É possível antever um crescimento do comércio externo de Angola com África em 25% até 2031 se a Zona de Comércio Livre Africana for realmente implementada e as políticas internas forem as adequadas.

Esse crescimento poderá originar um crescimento médio anual da economia nesses anos de 0,75 % a 1%.

São boas notícias para Angola.

Quadro nº 3 – Previsões Crescimento % PIB do FMI adaptadas6

1 Vera Songwe,  Mamadou Biteye, African  Trade  Agreement: Catalyst  for Growth, UNECA, https://www.uneca.org/stories/african-trade-agreement-catalyst-growth

2 A modelação que adotamos atribui um peso de 60% às previsões da UNECA (que funcionam como mecanismo propulsor) e de 40% aos fatores internos em desenvolvimento domesticamente mencionados (mecanismo acelerador), acreditando que é da combinação virtuosa entre os dois que será possível exponenciar o crescimento do comércio.

3 Frankel, J. A., & Romer, D. H. (1999). Does trade cause growth? American economic review, 89(3), 379-399.

4 Esteban Ortiz-Ospina (2018), Does trade cause growth? https://ourworldindata.org/trade-and-econ-growth

5 Cfr. http://www.expansao.co.ao/artigo/134739/trocas-comerciais-de-angola-com-africa-representam-so-3-do-total-do- comercio-com-o-mundo?seccao=exp_merc

6 https://www.imf.org/en/Countries/AGO / Outubro de 2020. As projeções com ZCL são da nossa exclusiva responsabilidade, embora baseadas nas previsões do FMI de Outubro de 2020 e implicam a verificação de todas as condições prescritas no texto.

Primeira análise do impacto da Covid-19 em Angola e países vizinhos. Boas notícias

A pandemia trazida pelo coronavírus tem tido um impacto brutal por todo o mundo. Os vários países tomaram medidas, umas mais drásticas que outras, e um facto é que, neste momento, o impacto do vírus é assimétrico. Há países extremamente atingidos, como Espanha que atingiu uma cifra desconcertante de 474 mortos por milhão de habitantes e noutros locais como Gibraltar, que como se sabe se situa envolvido por Espanha não existe qualquer morto[1].

O objectivo deste texto é analisar o impacto da pandemia, até ao momento, em Angola e nos países vizinhos de Angola.

A fonte de onde são retirados os números é o Worldometer. O Worldometer analisa manualmente, valida e agrega dados de milhares de fontes em tempo real e fornece estatísticas globais ao vivo do COVID-19. As fontes utilizadas pelo Worldmeter incluem sites oficiais de ministérios da saúde ou outras instituições governamentais e contas de media social de autoridades governamentais[2].

Os países analisados são Angola e os países com que faz fronteira: República do Congo, República Democrática do Congo, Zâmbia e Namíbia. Também se inclui o Botswana, que embora não tendo fronteira directa com Angola, apenas tem a estreita faixa de Caprivi com cerca de 30 quilómetros de largura a separá-la do país, pelo que facilmente um vírus se disseminaria através desse espaço, pelo que se reporta também o Botswana.

A situação no dia 24 de Abril de 2020 é como se reporta no quadro abaixo.

Figura n.º 1- Casos de Covid-19 em Angola e Países vizinhos

País Total de Casos Covid-19 detectados Total de casos detectados por Milhão de Habitantes Mortes Mortes por Milhão de Habitantes
Namíbia 16 6 0 0
Angola 25 0,8 2 0,06
Zâmbia 76 4 3 0,2
Botswana 22 9 1 0,4
R. Democrática Congo 394 4 25 0,3
R. Congo 186 34 6 1

Uma primeira conclusão óbvia é que o número de casos detectados é bastante reduzido e o número de mortes ainda mais, apenas no caso da República Democrática do Congo atinge os dois dígitos. Os índices não se comparam com os atingidos na Europa e nos Estados Unidos. Por exemplo, no Reino Unido as mortes por Milhão de habitantes são 276, enquanto na Alemanha que é considerado um caso de sucesso situam-se nos 67. O país mais afectado no grupo que estudamos é a República do Congo com 1 morto por Milhão de habitantes.

Neste momento, e não entrando em qualquer modelação para a qual não somos aptos, o certo é que a pandemia não atingiu em força estes países. É o facto presente.

E dentro do quadro menos pesado, é evidente que em termos de mortes Angola é o segundo país mais poupado a seguir à Namíbia e aquele que tem menos casos detectados. A sitação angolana parece, dentro das circunstâncias, bastante positiva, mesmo fazendo uma comparação regional. A Covid-19 não está a afectar a saúde da população de forma desmesurada.

Várias razões podem explicar este comportamento positivo de Angola.

A primeira razão é de ordem natural. Pode-se considerar que na sua viagem mortífera o vírus ainda não chegou a Angola, havendo o perigo de tal acontecer no futuro. Não existe base científica, neste momento, para aceitar ou contestar esta conclusão.

A segunda razão pode conter a explicação para o vírus não ter chegado a Angola e assenta na reacção rápida do Governo a fechar fronteiras e declarar o Estado de Emergência limitando as possibilidades de actuação do vírus. Não há dúvida que o executivo de João Lourenço foi rápido a agir e a tomar medidas numa altura em que as manifestações da Covid-19 eram quase inexistentes em Angola. Esta capacidade de decisão imediata pode ter tido efeitos benéficos na saúde pública.

A terceira razão tem a ver com as características climatéricas de Angola, designadamente o tempo quente. Embora não exista ainda um consenso na comunidade científica sobre o tema, têm surgido alguns estudos a demonstrar ou indicar que o tempo quente e/ou a exposição ao sol limitam a disseminação do vírus[3].

Finalmente, há que considerar que a população angolana é extremamente jovem. Na verdade, cerca de 66% da população tem menos de 25 anos. Sabendo-se que na sua maioria a doença ataca os grupos mais seniores, facilmente se percebe que Angola tem uma imunidade natural ao vírus devido à juventude da sua população.

Acreditamos, portanto, que o sucesso-até ao momento- do combate ao Covid-19 em Angola resulta de uma combinação essencial de pelo menos dois factores: a juventude da população angolana aliada à rápida reacção do governo. Eventualmente, e isso merecia um estudo mais aprofundado, as condições climatéricas, sol e calor, também poderão ajudar.

Figura n.º 2. Razões para a fraca penetração presente da Covid-19 em Angola


[1] Dados retirados de Worldmeter. COVID-19 CORONAVIRUS PANDEMIC referentes a 24 de Abril 2020, 7:32 h (GMT). Disponível online https://www.worldometers.info/coronavirus/

[2] Worldmeter. COVID-19 CORONAVIRUS PANDEMIC. Disponível online https://www.worldometers.info/coronavirus/

[3] O National Biodefense Analysis and Countermeasures Center dos Estados Unidos parece estar a chegar a essa conclusão, embora ainda não exista um reporte público. Ver o já publicado WANG, JINGYUAN AND TANG, KE AND FENG, KAI AND LV, WEIFENG, HIGH TEMPERATURE AND HIGH HUMIDITY REDUCE THE TRANSMISSION OF COVID-19 (March 9, 2020). Available at SSRN: https://ssrn.com/abstract=3551767 or http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.3551767

Desorganização e organização no governo de Angola. Criar uma “cavalaria” presidencial

1-Introdução. A desorganização

Começa-se a vislumbrar que a desorganização é das mais abundantes características que define o funcionamento do governo angolano. A questão não é a falta de normas ou de dinheiro, é a total descoordenação da liderança com a execução dos projectos, do maior ao mais pequeno.

Nos últimos tempos tivemos vários exemplos dessa desorganização, geralmente, misturada com incompetência e por vezes com a corrupção.

  • Uma situação aconteceu no Cunene a propósito da seca. O governo central remeteu vários milhões de kwanzas para aliviar o efeito da seca. Solicitado durante uma Inspecção a prestar contas sobre uma boa parte desse dinheiro, o governador de então, não soube esclarecer em que tinha gasto dinheiro, como também, não ficaram claros os circuitos de comando para combate à seca, as obras realizadas e os mecanismos utilizados. Um projecto para minorar as agruras duma população foi transformado numa confusão. Incompetência e corrupção misturaram-se com a incapacidade do poder executivo controlar o destino dos seus dinheiros e programas.
  • Uma outra actuação terá sido a do recém demitido ministro da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social. Tendo-lhe sido entregue a orientação do programa de promoção de emprego Plano de Acção para a Promoção da Empregabilidade (PAPE), acompanhado por vários milhões de kwanzas, o ministro passado um ano, não sabia justificar o destino de metade das verbas aplicadas no programa, nem tão pouco apresentar resultados da execução do programa. Um dos principais programas do governo esteve no limbo o tempo todo.
  • Ainda mais recentemente, a mesma desorganização verificou-se na coordenação do programa de combate ao COVID-19.

Em todas estas situações pode haver corrupção ou favorecimento. Mas também existe incompetência e incapacidade organizatória. O titular do poder executivo determina que se prossigam determinados objectivos, que se concretizem programas. Muitas vezes esses programas estão bem pensados e estruturados no papel, mas chega-se à fase de execução e nada se passa como devido, sendo geralmente despendido o dinheiro. Uma despesa sem qualquer retorno.

Figura n.º 1- As políticas públicas falham na execução


Estes factos demonstram que a Administração Pública angolana não está capacitada para desempenhar as suas tarefas. Há um problema de execução de políticas, de concretização dos programas. É na prática que todas as teorias falham.

2-Promover a organização

2.1-Médio prazo: Reforma da Administração Pública

Face ao exposto é fundamental criar uma organização que funcione. A organização da Administração Pública angolana seguiu na sua essência o modelo colonial criado por Portugal, que por sua vez assenta numa estrutura burocrática, normativa e pouco flexível, agarrada a procedimentos pesados e pensada pelos próceres do regime salazarista de então, como Marcelo Caetano, que depois foi deixando vários discípulos. É por isso uma administração construída na desconfiança entre Estado e cidadão em que o Estado pretende predominar. Além disso, convoca sistemas excepcionais que dotam os decisores de muitos poderes e poucos controlos. Não é uma administração aberta, deliberativa e igual.

Assim, qualquer movimento no sentido de dotar o sistema público angolano de organização assentará em dois momentos: a médio prazo a reforma da Administração Pública, e a curto prazo a criação imediata de um sistema que permita ao Presidente da República assegurar que a execução das suas políticas se concretiza sem desvios, sejam eles de dinheiro ou de substância.

Uma reforma da Administração Pública é fundamental introduzindo-a a conceitos de gestão e negócios, bem como buscando a sua digitalização e assentando o funcionamento dos seus projectos em regras simples.

O ponto essencial será centrar a Administração no “atendimento ao cidadão”, focando a actividade administrativa nos cidadãos como destinatários dos serviços ou clientes do sector público.  A reforma deve experimentar o uso de modelos flexíveis de prestação de serviços, para dar a agências focadas e dinâmicas mais liberdade na maneira como desenvolvem programas ou serviços. Deve-se procurar usar estruturas de quase mercado, para que o sector público compita com o sector privado e se torne mais eficiente. Tal pode acontecer nas áreas de saúde e educação. Ao mesmo tempo devem ser estabelecidos processos que afinem o controlo financeiro, o bom uso do dinheiro, e o aumento da eficiência. Deve-se também proceder à identificação e estabelecimento de metas e monitoramento contínuo do desempenho.

Os funcionários públicos num novo paradigma administrativo operarão dentro dum conceito mais próximo do empresarial, tomando especial importância o papel dos executivos, e tendo maior discrição e liberdade quanto à maneira como alcançam as metas estabelecidas. Esta abordagem contrasta com o modelo tradicional de administração pública, no qual a tomada de decisões institucionais, a formulação de políticas e a prestação de serviços públicos são orientadas por regulamentos, legislação e procedimentos administrativos.

Além desta vertente mais virada para a gestão e menos para a formalização burocrática, o novo paradigma da Administração Pública focar-se-á na governação digital, fortemente centrado na tecnologia de informação, facilitando os serviços e colocando-os em rede, procurando, sempre que possível, soluções digitais.

Figura n.º 2- Novo paradigma para a Administração Pública


2.2-Curto prazo. Criação de equipas presidenciais de gestão e monitorização de programas públicos

Todavia, neste momento, a proposta centra-se em dotar no curto prazo o Executivo de instrumentos para concretizar os seus projectos sem bloqueios. No fundo, ultrapassar o mau funcionamento das administrações. É um tempo de combate em que é necessária a criatividade para circunscrever os obstáculos existentes.

É necessário que os programas aprovados sejam implementados como tal e o dinheiro bem gasto.

A garantia de uma execução adequada tem de se estribar em algumas acções simples: a existência de foco, a instauração de processos simples e fáceis, mas obrigatórios, e a criação de pequenas equipas flexíveis que simultaneamente acompanhem a gestão, verifiquem os processos e controlem os resultados.

Assim, o Presidente da República deveria definir algumas áreas prioritárias da sua intervenção. Por exemplo, o Desemprego e o Combate à Seca, onde se verificaram falhas graves já no seu tempo. Para essas áreas seriam definidos programas com objectivos definidos e quantificados, acompanhados dos processos que seriam seguidos para os executar.

Isso feito, seria constituído um secretariado de gestão e monitorização da presidência que seguiria directamente a execução desses programas e reportaria directamente ao Presidente.

Esse secretariado seria composto por técnicos independentes e capazes com poderes para acompanhar a gestão dos programas, corrigir imediatamente, e controlar a sua execução. Seria um mecanismo paralelo, flexível e com poderes que funcionaria junto do Presidente e iria a todo o país e locais para garantir a execução dos programas sem demoras.

Uma espécie de cavalaria presidencial que acorreria onde fosse necessária.

Figura n.º 3- A “cavalaria” presidencial

Um plano para combater o desemprego

A situação do desemprego em Angola

Em Setembro de 2019, o Instituto Nacional de Estatística angolano situava a taxa de desemprego nos 29%[i].  Decompondo esses números, verifica-se que a realidade subjacente é ainda mais preocupante, pois o desemprego nas zonas urbanas atinge os 39,3 %, e entre os 15-24 anos de idade está estimada em 53,8%. Não há como ignorar que estes números, mesmo considerando a imprecisão das estatísticas em Angola, são terríficos e necessitam de uma especial atenção dos poderes públicos.

Figura n.º 1-Taxas de Desemprego em Angola/Setembro 2019 (Fonte:INE)

Taxa de desemprego global 29%
Taxa de desemprego urbana 39,3%
Taxa de desemprego jovem (15-24) 53,8%

Aos números desanimadores junta-se um valor de inflação elevado, com números homólogos para Dezembro de 2019 situados nos 16,9%[ii], e uma recessão em termos de produto. O valor do PIB no terceiro trimestre de 2019 desceu 0,85 em termos homólogos.

As características do mercado de trabalho e a política governamental

A política governamental parece ser de apostar em medidas conjunturais recomendadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) de consolidação fiscal, controlo da dívida e estabilização macroeconómica, deixando a resolução dos problemas para a actuação do mercado. Sendo certo que estas políticas têm razão de ser, numa situação como a angolana não serão suficientes, tornando-se necessária uma visão simultaneamente mais abrangente e focada, em que as actividades do Estado e do sector privado sejam complementares e não mutuamente excludentes.

O mercado de trabalho não obedece na sua plenitude às leis puras da oferta e da procura, contendo variados elementos de rigidez ou das denominadas falhas de mercado, que tornam necessária a sua correcção. Basta lembrar que descer salários é extremamente difícil ou realizar despedimentos obedece a uma série de constrangimentos legais. Na verdade, no mundo real os mercados de trabalho raramente são perfeitamente competitivos. Isso ocorre porque os trabalhadores ou empresas, geralmente têm o poder de definir e influenciar salários e, portanto, os salários podem atingir níveis diferentes dos previstos pela teoria clássica. As imperfeições no mercado de trabalho fazem com que os salários difiram de um equilíbrio competitivo. Como exemplo dessas imperfeições temos várias situações como o monopsónio, o papel dos sindicatos, a discriminação, a dificuldade de medir a produtividade, a existência de empresas ineficientes, imobilizações geográficas ou ocupacionais e má informação.

Assim, torna-se óbvio que o aumento de emprego não é, nem pode ser o resultado do mero funcionamento do mercado, embora, por outro lado, sem um mercado a funcionar e uma economia vibrante não haverá uma diminuição do desemprego, por muito esforço que o Estado faça.

Há assim um equilíbrio entre Estado e empresas privadas que deve ser alcançado na promoção de trabalho para todos.

O plano para combater o desemprego[iii]

Um plano para combater o desemprego, sobretudo atendendo aos números acentuados existentes em Angola, tem de ser um plano compreensivo contendo vários aspectos de colaboração entre Estado e sector privado. Acreditando que só uma economia em crescimento propulsionada por empresas competitivas será o garante de emprego, a verdade é que o Estado tem de ter um papel essencial de kick-start (pontapé de saída) na promoção do emprego.

Vislumbramos um Plano assente em três vectores, nos quais o Estado tem sempre um papel, embora diferenciado:

  • O primeiro plano é da reforma do próprio Estado. A velha máquina pesada deve ser desmontada e recalibrada, criando-se um Estado ágil, terminando com as acumulações de salários que se sucedem e com os funcionários fantasmas. O término destes abusos permitirá admitir uma série nova de jovens que renovarão os quadros do Estado com novas perspectivas. De facto, a resolução do problema do desemprego começa pela reforma/reestruturação do próprio Estado e a admissão de quadros não contaminados pelos vícios do passado. É necessário um programa de reforma e contratação de jovens no Estado.
  • O segundo plano é de características puramente Keynesianas. Como se sabe John Keynes foi o economista inglês que nos anos 1930 salvou o capitalismo da derrocada, ao explicar que em certas circunstâncias, tecnicamente chamadas de equilíbrio em sub-emprego, era necessário um empurrão do Estado para resolver aquilo que o mercado não estava a conseguir solucionar. É evidente que esse empurrão é necessário aqui e agora em Angola. Keynes até defendia que em último caso se poderia contratar pessoas para abrir e tapar buracos de seguida. Em Angola não é necessário tal, uma vez que já há muitos buracos abertos, basta contratar alguém para os tapar. Em rigor, é necessário um programa de obras públicas, construção de infra-estruturas e melhoria das condições de vida da população que necessite obrigatoriamente de contratar mão-de-obra nacional.

Consequentemente, além da reforma do Estado e da contratação de novos quadros é fundamental criar um plano geral de actividades do Estado que necessite de mão-de-obra adicional a ser contratada.

  • É no terceiro ponto que entra uma acentuada parceria entre o Estado e o sector privado. O Estado deve fomentar o empreendedorismo, criando condições para surgirem empresários. Na verdade, é no papel do empresário e na sua capacidade de inovação, como assinalou Schumpeter, que reside o fundamental do desenvolvimento económico. Mas para aparecerem empresários é necessário, pelo menos, o acesso ao crédito e um sistema bancário a funcionar, bem como formação profissional dos jovens. Nestes aspectos também o Estado tem um papel a desenvolver.

Em nosso entender, as condições para combater o desemprego e fomentar o empresariado são as três que acabámos de expôr e que exigem muito mais do Governo do que aquilo que está a ser afirmado.


Figura n.º 2- Três pontos do Plano de Combate ao Desemprego

O financiamento do Plano

A principal objecção que se poderá colocar em relação a este Plano é a do financiamento. Onde irá buscar o Estado meios para fazer face à despesa que um Plano destes implicaria?

 A resposta não é fácil, mas existe. E também aqui deve ser dividida pelos três pontos apresentados.

  • Em relação ao primeiro ponto, socorremo-nos do recente anúncio do Ministério das Finanças, segundo o qual, até final de Junho de 2019, vários gestores públicos tinham cometido mais de 1600 irregularidades na execução de despesa pública, entre as quais se encontram falta de comprovativo de despesas (facturas), contratos irregulares e funcionários fantasmas, contratos consigo mesmo e subsídio de deslocações irregulares. O montante apurado de despesa irregular é de 236 mil milhões de Kwanzas, cerca de 9% do Orçamento dos órgãos verificados[iv]. Ora, facilmente se depreende que a batalha contra estas irregularidades poderá trazer poupanças acentuadas que poderão ser canalizadas para a contratação de novos funcionários. Trata-se, pois, de eliminar o desperdício e o desvio de fundos no Estado e aplicar parte das poupanças na contratação de novos quadros jovens e qualificados para o Estado.
  • O segundo ponto do plano, aquele que prevê um programa de obas públicas e tarefas vocacionadas para a construção de infra-estruturas e melhoria das condições de vida da população deveria ter uma fonte clara de financiamento sob a forma de constituição de um Fundo de Desenvolvimento do Emprego que chamaríamos simplificadamente, por causa da origem dos montantes, “Fundo dos Marimbondos”. Tendo em conta que muitos daqueles antigos dirigentes e/ou familiares que se encontram debaixo de inquérito judicial ou temem poder vir a estar já manifestaram disponibilidade para devolver alguns dos activos ou criar Fundos a favor do país, uma boa oportunidade seria criar um Fundo autónomo que recebesse esses activos e os transformasse em investimento para erguer programas de investimento para promover o emprego. Assim, dinheiro retirado no passado da economia retornaria a esta para fomentar trabalho para as novas gerações.
  • Finalmente, em relação ao terceiro ponto haveria que através da persuasão moral do Governador do Banco Nacional de Angola (BNA) que convencer os bancos a emprestar às empresas, sobretudo, pequenas e médias em vez de colocar a sua liquidez apenas em títulos da dívida pública. O multiplicador monetário é uma das formas mais céleres de colocar dinheiro na economia e cada ciclo de desenvolvimento começa por ser um ciclo de abertura de crédito. Ora é esse novo ciclo de abertura de crédito que é fundamental. Tem de se inverter a tendência da banca em apenas favorecer o financiamento aos governos e a grandes empresas, passando a conceder empréstimos a empresas e empresários[v].

Figura n.º 3- Financiamento do Plano de Combate ao Desemprego


[i] Cfr. https://www.ine.gov.ao/biblioteca-e-media/destaques/709-taxa-de-desemprego-no-pais-iea-ii-trimestre-2019

[ii] https://www.ine.gov.ao/images/inflacaoIPCN.pdf

[iii] Segue-se de perto o esquema delineado em https://www.makaangola.org/2020/03/vera-daves-e-o-desemprego-um-equivoco-a-desfazer/

[iv] https://club-k.net/index.php?option=com_content&view=article&id=39682:mais-de-1600-violacoes-na-execucao-da-despesa-publica&catid=41026:nacional&lang=pt&Itemid=1083

[v] http://www.expansao.co.ao/artigo/128157/bancos-preferem-financiar-governos-e-recusam-credito-a-pme-com-excesso-de-garantias?seccao=2




Um modelo de privatização da Sonangol

Introdução

Apesar da emergência climática e da necessidade de “energias verdes”, apesar dos apelos à diversificação da economia angolana, a verdade é que, nos próximos tempos, a Sonangol continuará a ser o coração e motor do desenvolvimento de Angola.

Sendo a principal empresa e fonte de receitas do país, a Sonangol tem estado cheia de problemas. Em 2016, quando Isabel dos Santos assumiu a presidência da empresa foi dito que se encontrava tecnicamente falida e que era preciso reestruturá ‑la e acabar com os gastos descontrolados. Saiu Isabel dos Santos no final de 2017, e continua ‑se a repetir que é preciso reestruturar a empresa e acabar com os gastos descontrolados. 

No PROPRIV (Programa de Privatizações para o Período de 2019-2020), aprovado pelo Decreto Presidencial n.º 250/19, de 5 de Agosto, a Sonangol está identificada como empresa de referência nacional que será objecto de privatização. Todavia, não se sabe em que termos será feita essa privatização e quando.

Riscos da Privatização Total

A integral privatização da Sonangol não se afigura a melhor opção, atendendo à dependência umbilical da República relativamente à empresa. No final, tal privatização total, poderia condenar a viabilidade do Estado angolano ou criar uma nova classe de oligarcas ainda mais poderosos que os passados. De momento, a Sonangol ainda é um instrumento de soberania e afirmação estratégica do Estado em Angola.

Problemas da Sonangol

As dificuldades da Sonangol são acima de tudo estruturais e não conjunturais. Na realidade, a Sonangol padece de três males.

Em primeiro lugar, uma grande falta de foco, quis fazer de tudo e acabou por não fazer quase nada. Em relação à falta de foco, o facto de a Sonangol ter sido a responsável pelas concessões e licitações do petróleo em Angola retirou ‑lhe estímulo para ser uma empresa eficiente, porque à partida a companhia não tinha um incentivo para se organizar com regras eficazes e fazer face à concorrência, porque contava com receitas garantidas. Uma empresa com receitas garantidas torna -se preguiçosa, lenta e pouco inovadora.

Afortunadamente, neste aspecto, já se estão a tomar algumas medidas importantes como o estabelecimento da Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis, instituída pelo Decreto Presidencial nº 49/19 de 6 de Fevereiro, e a decisão de alienação de património e empresas não ligadas à essência da actividade da Sonangol.

Em segundo lugar, a Sonangol possui uma estrutura organizativa e burocrática muito complexa e com muitos escalões de gestão, o que lhe retira flexibilidade e capacidade de adaptação. Neste âmbito, toma especial relevo o recurso sistemático a consultores externos, o que tem duas consequências negativas: é caro e não forma e especializa os recursos humanos próprios. A Sonangol foi deixando de ser uma “escola” de excelência, para ser um vaso receptor de relatórios externos mal-amanhados. A aposta numa estrutura de gestão simples e assente no pessoal doméstico é fundamental.

O terceiro mal, e talvez o mais relevante é a falta de dinheiro para investimento.  Tem-se assistido nos últimos tempos que a uma subida do preço do petróleo não se segue uma subida directamente proporcional as receitas da empresa, porque a sua produção efectiva baixa.  Significa isto, que a empresa não está com capacidade para aproveitar a bonança de mercado. Por exemplo, em 2018, a produção de barris de petróleo desceu 9% em relação a 2017. De acordo, com a própria administração da companhia, tal desempenho explica-se por vários motivos, designadamente:” “maturidade dos reservatórios, entrada de novos projetos de desenvolvimento com baixo desempenho e à degradação das instalações de produção devido a não realização de trabalhos de intervenção nos poços, bem como a falta de perfuração de novos poços por falta de unidades de perfuração nos blocos.” Facilmente, se conclui que a maior parte destas razões se liga à falta de investimento ou uso eficiente dos recursos.

Tabela 1 – Os três problemas da Sonangol

Modelo de Privatização

Consequentemente, a principal medida a tomar é a privatização da Sonangol, pois além de trazer receitas para o Estado, proporcionará os investimentos e a capacidade de gestão adicionais que são fundamentais para a sobrevivência da companhia. Como referido, não se defende a privatização de 100% da empresa, mas sim a privatização de 33% do seu capital de forma a trazer investimento internacional, envolvimento do capital angolano e motivação dos seus trabalhadores.

Estes três objectivos seriam atingidos através do seguinte modelo de privatização parcial:

Dos 33% de capital social a ser privatizado, 15% seriam para investidores estrangeiros e seriam objecto de uma OPV (Oferta Pública de Venda) numa Bolsa Internacional de referência mundial com liquidez abundante. 

Os outros 10% seriam para investidores nacionais e seriam objecto de OPV em Luanda.

E finalmente, os restantes 8% seriam destinados aos trabalhadores da Sonangol, que se tornariam também donos da empresa pela propriedade das suas acções.

Tabela 2 – Modelo de Privatização Parcial de 33% da Sonangol

Oferta Pública de Venda em Bolsa Internacional 15%
Oferta Pública de Venda Nacional 10%
Parte reservada aos Trabalhadores   8%

Através deste modelo, a Sonangol entraria nos mercados internacionais mais líquidos para obter dinheiro e investidores experientes, e estimularia o mercado financeiro em Luanda. E no fim das contas, 2/3 (dois terços) da empresa continuariam a pertencer ao Estado.

Bem estudada e montada de molde a evitar as entropias habituais nestas situações, esta privatização faseada tinha a grande vantagem de abrir de novo Angola ao mundo financeiro e ao dinheiro internacional, lançando a empresa numa senda de progresso, novamente. Estar numa capital mundial global obriga à eficiência, transparência e boas práticas de gestão. Estar em Luanda e pertencer, em parte, aos trabalhadores, renova o compromisso da empresa com o Estado e o Povo angolano e demonstra que apesar da privatização parcial, o povo é o dono do petróleo.

Nos tempos turbulentos que se vivem, as empresas têm de se modernizar e investir. Para isso precisam de uma gestão competente e de obter fundos, esse tem de ser o destino da Sonangol e não ser uma coutada de uns poucos. Por isso, se defende que o processo de privatizações tem de começar pela privatização parcial e faseada da Sonangol através de um procedimento internacional, transparente e competitivo. Por algum tempo, o futuro de Angola ainda continuará ligado à Sonangol, nessa medida, a mudança começa por esta empresa.

A intervenção do Estado na Economia no âmbito da reestruturação

Introdução

O argumento fundamental deste texto é que a decisão política condiciona o modelo económico, portanto, não se pode desligar a actuação do governo do funcionamento da economia. Há seis anos em crise profunda, a economia angolana necessita duma profunda reforma estrutural. Na verdade, o modelo assente no consumo desenfreado e na produção de petróleo terminou, levou o país a um “beco sem saída”. Por isso, desde 2014 que definha sem encontrar soluções de crescimento. Em 2015, o PIB já cresceu apenas 0,9%, em 2016, decresceu -2,58%, 2017,-0,14% e 2018,- 2,1%. É uma longa e penosa recessão. É necessária a intervenção do Estado para promover uma intensa reforma da estrutura da economia, do modelo de desenvolvimento adoptado, pelo menos, desde 2002.

Tabela 1 – Comparação simbólica da evolução do PIB angolano com o preço do petróleo[1]

Se analisarmos o quadro acima exposto, apesar da sua visão esquemática, verificamos que numa primeira fase, existe uma ligação entre o preço do petróleo e o crescimento da economia angolana, embora haja um certo desfasamento, i.e., a baixa do preço do petróleo demora algum tempo a repercutir-se na economia. Isso verifica-se em 2014, que ainda é um ano de crescimento do PIB, apesar de a meio do período o preço do barril sofrer uma queda, da qual nunca recuperou. Durante os anos seguintes, a recessão económica acompanha a diminuição do preço do petróleo. Essa relação razoavelmente directa deixa de se verificar em 2018, altura em que o preço do barril aumenta, passada de 47 USD em Junho de 2017 para 75 USD em Junho de 2018, e a economia afunda-se numa maior recessão. Duas explicações poderão ser adiantadas para tal evento. O primeiro é o desfasamento já referido. O impacto das variações do preço de petróleo demora tempo a surtir efeito na economia real. Todavia é possível uma outra explicação, que resulta do facto de a maioria das políticas seguidas pelo novo Presidente serem de cariz recessivo, pelo que, pelo menos numa primeira fase, aprofundam a recessão. Na verdade, a desvalorização cambial aliada a uma diminuição da massa monetária em circulação para controlar pressões inflacionistas, o corte na despesa e o aumento/criação de impostos tem um efeito recessivo na economia. É por isso, que argumentaremos que a mera adopção de políticas do Fundo Monetário Internacional não chega para sair da crise e lançar um novo modelo de crescimento. É preciso mais.

No modelo proposto não está em causa que a forma de garantir crescimento resulta manifestamente da institucionalização séria de uma economia de mercado liberal. A questão que se coloca é qual o papel do Estado para criar essa economia, assegurar o seu desenvolvimento e manutenção. O mercado não se cria sozinho.

Quer isto dizer que as mais fundamentais decisões económicas são de cariz político e não estritamente técnico. Angola atravessa um momento em que é confrontada com a necessidade de tomar esse tipo de decisão. Numa primeira fase, após a independência, seguiu o modelo de planificação central inspirado na experiência marxista e estalinista, envolvido pelas necessidades da guerra civil. Tal aproximação durou entre 1975 e 1992. Nesta última data, houve a decisão constitucional de introduzir a economia de mercado e abandonar a experiência socialista. A questão é que esta economia de mercado tornou-se numa “economia falsa de mercado” e confirmou o velho dito do pensador radicado na Grã-Bretanha Isaiah Berlin ““Freedom for the wolves has often meant death to the sheep” (A liberdade dos lobos muitas vezes significou a morte das ovelhas). Na verdade, tivemos uma “economia dos lobos” que tudo comeram e mataram. Não foi uma economia de mercado, mas de devastação felina.

A actuação estrutural do Governo para sair da crise

Chegamos a 2014, e à crise profunda e estrutural da economia angolana. Depois de anos de hesitações, em 2017, o novo Presidente da República, João Lourenço, tenta enfrentar a crise clamando por um novo modelo económico. O Presidente parece apostar naquilo que, para simplificar, chamaremos o modelo FMI-mercado. Estando com os instintos certos, a realidade é que este modelo não chega, nem garante a sustentabilidade da economia angolana por si só, podendo tornar-se numa “economia dos lobos II”.

Vejamos dois exemplos práticos e façamos algumas considerações históricas sumárias. Um primeiro exemplo, liga-se à redução/ eliminação dos subsídios aos combustíveis de uso corrente. Tal medida tem sido ampla e veementemente defendida pelo FMI (Fundo Monetário Internacional). O problema desta medida é que não existe um mercado de distribuição de combustíveis. O que neste momento prepondera é uma situação oligopolista em que essencialmente dois actores (Sonangol e Pumangol) dominam o mercado. Assim, têm poder para fixar os preços no nível que entendam. Se o Estado retirar os subsídios, é a população que vai sofrer o embate e os aumentos, mantendo-se as empresas numa situação de domínio, significando isto que passará a ser o povo a subsidiar os preços altos praticados pelo oligopólio e não o Estado. Ora o que se deveria fazer, antes de retirar os subsídios era criar um verdadeiro mercado concorrencial de distribuição de combustíveis em que empresas em concorrência perfeita competissem, remetendo os preços para o seu nível de equilíbrio. Primeiro, há que criar mercados e depois deixá-los funcionar. Não se pode entregar sectores ao mercado, quando este não existe…

Um segundo exemplo, também prático, foi levantado pelo Presidente João Lourenço recentemente, quando disse que não estava a existir novo investimento. Como se vê não basta uma retórica FMI ou anúncios esparsos para se obter investimento. É necessário promover aquilo que o economista austríaco Joseph Schumpeter chamava “clima social”, uma situação em que há um ambiente geralmente favorável ao empresário e ao investimento; isto envolve tribunais independentes e a funcionar, instituições financeiras eficientes e sem compadrios, impostos moderados, liberdade de circulação, instituições consistentes. Em resumo, o investidor tem de ter confiança que traz o seu dinheiro e não fica sem ele. Também há aqui um trabalho de construção de “clima social” que ainda está no início.

Significativamente, as primeiras medidas que o executivo tem de tomar são de criação de mercados e de condições gerais de confiança nas instituições. São, por isso, medidas essencialmente políticas.

Também, há que assinalar que os actuais países que estão na primeira linha das economias de mercado, como os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, tiveram os seus arranques industriais com alguma protecção face ao exterior. Basta lembrar o Navigation Act de 1651 na Grã-Bretanha, e as medidas proteccionistas do século XIX nos Estados Unidos.

Um processo de desenvolvimento tem de apostar num “fine-tuning” (afinação) entre Estado e mercado. Repetindo a ideia, não se pode deixar o mercado funcionar quando não há mercado. A primeira tarefa é política, criar instituições, mercados e ambiente adequado.

Cinco vectores de mudança

Nessa medida, defende-se que o Governo angolano terá pela frente cinco tarefas fundamentais para criar o novo modelo económico:

1-Luta contra a corrupção. Ao contrário do que muitos insignes economistas afirmam, a luta contra a corrupção é um verdadeiro programa económico. A razão é simples. Sendo os recursos de um país escassos e limitados, o dinheiro desviado pela corrupção (entendida em sentido alargado) acaba por não ser aplicado na economia nacional, são recursos desperdiçados. Ora esses recursos têm de voltar à economia. Imaginemos que a economia angolana produz anualmente 100 unidades. Se 80 unidades são desviadas pela corrupção e vão parar ao estrangeiro, a bens de luxo importados ou ficam entesourados, não produzem nada. A economia apenas fica com 20 de onde sairá o investimento. O primeiro papel do Estado é evitar os desvios de recursos da economia nacional. Assim, a luta contra a corrupção, devido à magnitude que assumiu em Angola é tarefa primordial do Governo.

2-Infra-estruturas. O segundo papel do Governo é óbvio e consiste na construção de infra-estrutuas básicas para o desenvolvimento: aeroportos, portos, estradas, redes de telecomunicações, hospitais e escolas.

3-Instituições, clima social e criação de mercado. Esta será das tarefas mais importantes do Governo, que é dotar o país de instituições credíveis, tribunais que funcionem rapidamente e de forma imparcial, repartições públicas que atendam bem e com celeridade e agências de investimento transparentes. No fundo, o referido “clima social”. Além disso, nos sectores onde não existem mercados concorrenciais, criá-los, promover a entrada de novas empresas nesses sectores e levantar as barreiras legais, administrativas e técnicas a esses novos acessos.

4-Kick-Start estratégicos. O próprio Governo há-de reflectir quais são as áreas que reputa essenciais para o desenvolvimento do país e aí deve investir ou promover o investimento em empresas mistas que ocupem espaços não requeridos pelos privados.

5- Proteccionismo deslizante. Finalmente, naquelas actividades que estejam a nascer em Angola, devem ser adoptadas medidas de proteccionismo deslizante, isto é, será necessário acompanhar o crescimento dessas actividades até que elas se sintam fortes para enfrentar a concorrência. Lembremo-nos que o denominado “pai” do liberalismo económico, Adam Smith, defendia a protecção do Estado às “indústrias nascentes”, é este conceito que aqui se aplica.

Tabela 2 – Cinco áreas de intervenção do Governo para reformar a Economia

Luta contra a corrupção
Infra-estruturas
Instituições, clima social e criação de mercado
Kick-start estratégicos
Proteccionismo deslizante

Defendendo um modelo básico liberal para Angola, há que perceber que este é um ponto de chegada e não de partida. O ponto de partida é um conjunto de políticas articuladas que simultaneamente promovam o mercado e criem um Estado ágil e inteligente.


[1] Dados do PIB obtidos no Banco Mundial, IBRD-IBA Data. Preço do Petróleo com referência a Junho de cada ano. Barril/Brent.

A optimização da estrutura do Executivo

Introdução

A estrutura de um governo é definidora dos objectivos e receios da liderança e contribui para o sucesso da governação.

De uma forma geral, governos com uma composição alargada não são eficientes e surgem devido à necessidade que o chefe do Governo tem em distribuir prebendas por vários aliados ou potenciais rivais, bem como como forma de evitar conspirações contra o seu poder, fazendo uma equipa alargada de ministros entrar em competição. Outras vezes, mesmo com equipas pequenas, a máquina administrativa do Estado é demasiado pesada e burocrática e não executa as decisões políticas, na prática, sabotando qualquer desejo reformista. Acontece ainda que a opção por governos pequenos acaba por criar super-ministérios ingovernáveis, perdendo-se os ganhos de eficácia desejados.

O primeiro dos casos, equipas alargadas e estruturas complexas como forma de dividir benefícios e colocar dignatários em concorrência foi a solução desenvolvida por Hitler na Alemanha Nazi e adoptada por ditadores por esse mundo fora. A segunda situação, de embate entre a vontade política de um governo reformista e uma burocracia imobilista aconteceu na Grã-Bretanha com Margareth Thatcher nos anos 1980. O estabelecimento de super-ministérios ingovernáveis foi um erro do primeiro governo de Pedro Passos Coelho em Portugal em 2011. O regime de Hitler desmoronou-se com a derrota na Segunda Guerra Mundial (1945) e só tarde, o ditador nazi percebeu as vantagens da eficiência e concentração de poder ao entregar a produção militar a um único ministro, Albert Speer, que com a sua aproximação tecnocrata prolongou a resistência germânica até ao limite. Na Grã-Bretanha, Thatcher viu-se obrigada a criar equipas específicas para ultrapassar as resistências da administração pública e ter sucesso nas suas reformas. Em Portugal, Pedro Passos Coelho viu-se obrigado a remodelar o governo a alargá-lo um pouco.

Não havendo uma solução permanente para a estrutura de um executivo, algumas notas resultam de um breve sumário histórico. Os governos devem ter um tamanho médio, nem exageradamente grande, nem pequeno. Um dos principais problemas com que se deparam é a articulação com a administração pública e burocracia.

A actual estrutura governativa em Angola

Assim sendo, o objecto deste texto é procurar a solução óptima para a estrutura do executivo em Angola. Neste momento, é claro que a estrutura do governo de Angola é excessiva. Não contabilizando, obviamente, o Presidente da República e o Vice-Presidente, temos 33 ministros. São eles:

Ministro e Director do Gabinete do Presidente

Ministro de Estado para a Coordenação Económica

Ministro de Estado para a área Social

Ministro de Estado e Chefe da Casa de Segurança

Ministro de Estado e Chefe da Casa Civil

Ministro da Construção e Obras Públicas

Ministro da Acção Social, Família e Promoção da Mulher

Ministro da Administração do Território e Reforma do Estado

Ministro da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social

Ministro da Agricultura e Florestas

Ministro da Comunicação Social

Ministro da Cultura

Ministro da Defesa Nacional

Ministro da Economia e Planeamento

Ministro da Educação

Ministro da Energia e Águas

Ministro da Indústria

Ministro da Justiça e Direitos Humanos

Ministro da Juventude e Desportos

Ministro da Saúde

Ministro das Finanças

Ministro das Pescas e do Mar

Ministro das Relações Exteriores

Ministro das Telecomunicações e Tecnologias de Informação

Ministro do Ambiente

Ministro do Comércio

Ministro do Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação

Ministro do Interior

Ministro do Ordenamento do Território e Habitação

Ministro do Turismo

Ministro dos Antigos Combatentes e Veteranos da Pátria

Ministro dos Recursos Minerais e Petróleos

Ministro dos Transportes

Uma análise perfunctória desta estrutura, rapidamente, demonstra que há excesso de Ministros e muito provavelmente atropelo de competências.

Vejamos, em primeiro lugar, ao nível do apoio ao Presidente da República. Temos três ministros: Ministro e Director do Gabinete, Ministro de Estado e Chefe da Casa de Segurança, Ministro de Estado e Chefe da Casa Civil. Justificar-se-ia reduzir esta estrutura a um Ministro da Presidência. As funções da Casa de Segurança seriam entregues aos respectivos Ministros do Interior e da Defesa, e o Director de Gabinete seria um auxiliar administrativo e não alguém com categoria ministerial. Isto não quer dizer que o Presidente não criasse equipas especiais dinâmicas para o auxiliar, mas este será um assunto tratado mais à frente.

Em relação aos Ministérios. A área da economia está inflacionada com Ministros a mais que certamente se atropelam e confundem: Ministro de Estado para a Coordenação Económica, Ministro da Economia e Planeamento, Ministro da Indústria, Ministro do Comércio. Em primeiro lugar, nesta fase o Presidente da República não deveria delegar a coordenação económica. A responsabilidade pelo desempenho económico ser-lhe-á sempre atribuída. Assim, o Ministério de Estado para a Coordenação Económica seria extinto. Os restantes Ministérios mencionados deveriam ser agrupados num único Ministério da Economia. Depois, há dois Ministérios na área das Obras e Urbanismo que se multiplicam: Ministério do Ordenamento do Território e Habitação e Ministério da Construção e Obras Públicas. Estes dois deviam ser unificados num único Ministério das Obras Públicas, a que seria adicionado o Ministério dos Transportes. Na área social, também era necessário um emagrecimento, fundindo as estruturas existentes em dois Ministérios: Ministério da Saúde e Ministério da Acção e Segurança Social. O Ministério da Administração do Território e da Reforma do Estado veria adicionado a Administração Pública. Autonomizando-se um Ministério do Trabalho. O Ensino Superior voltaria ao Ministério da Educação. O Ministério da Cultura abarcaria também a Ciência e Inovação. Neste momento, o projecto educativo em Angola ainda é básico, i.e., construir escolas e universidades, e formar professores. Isto deve estar concentrado num Ministro. A parte mais imaterial ficaria numa Ministério mais abrangente. O Ministério da Comunicação Social deveria ser integrado com o Desporto e Juventude.

Estrutura proposta para o Governo

Deste modo, a nova estrutura do Governo em Angola seria mais ágil e eficiente e seria composta pelos seguintes Ministérios:

Ministro da Presidência

Ministro das Obras Públicas e Transportes

Ministro da Acção e Segurança Social

Ministro da Administração do Território, Administração Pública e Reforma do Estado

Ministro do Trabalho

Ministro da Agricultura e Florestas

Ministro da Comunicação Social, Juventude e Desportos

Ministro da Cultura, Inovação e Ciência

Ministro da Defesa Nacional

Ministro da Economia

Ministro da Educação

Ministro da Energia e Águas

Ministro da Justiça e Direitos Humanos

Ministro da Saúde

Ministro das Finanças

Ministro do Mar

Ministro das Relações Exteriores

Ministro das Telecomunicações e Tecnologias de Informação

Ministro do Ambiente e Transição Energética

Ministro do Interior

Ministro do Turismo

Ministro dos Antigos Combatentes e Veteranos da Pátria

Ministro dos Recursos Minerais e Petróleos

De 33 ministros passar-se-ia para 23 ministros. Ainda é uma estrutura robusta que permite alguma satisfação de ambições variadas e distribuição de compensações, mas mais leve, e tem duas vantagens, aligeira o sufoco ministerial que rodeia o Presidente da República, o que tem parecido contribuir para a chegada habitual de informação errada e falsa, sem a devida responsabilização, e evitaria a sobreposição de competências que acontece na actual estrutura, o que leva à paralisação de muitos serviços.

Tabela 1 – Tabela comparativa das estruturas ministeriais

Actual estrutura 33 ministros
Estrutura proposta 23 ministros

Note-se que pelo mundo fora, existe uma certa tendência a situar o número de ministros na ordem dos 20, consequentemente esta proposta estaria em linha com as modernas tendências.

Tabela 2 – Quadro comparativo do número de ministros em países diferentes[1]

Portugal 19 ministros
Estados Unidos da América 21 ministros
Reino Unido 22 ministros
África do Sul 28 ministros
Botswana 19 ministros

Equipas Especiais da Presidência

Todavia, entendemos que este “emagrecimento” do governo não é suficiente para garantir uma governação eficaz. O Presidente da República tem de garantir que obtém informação certa e que as suas determinações são executadas e cumpridas. Tem de estar rodeado de um grupo tecnocrático de apoio. Consequentemente, ao nível da Presidência devem ser criadas equipas com um funcionamento focado. Em rigor, seriam estabelecidos pequenos grupos operacionais para actuar em áreas-chave do Estado, dependentes directamente do Presidente da República, sem intermediários políticos e administrativos. Esses pequenos grupos seriam compostos por pessoas não comprometidas com assuntos passados, que tivessem competência e acreditassem na política encetada pelo Presidente, ajudando-o a concretizá-la. Simultaneamente, proporiam políticas, implementavam-nas e monitorizavam a sua eficácia. Legalmente, estas equipas não estariam incorporadas na Administração Pública; seriam nomeações políticas dotadas de flexibilidade.

Tabela 3 – Esquema de funcionamento das Equipas Especiais da Presidência

Com estas duas medidas: racionalização da estrutura ministerial e criação de equipas focadas dependentes do Presidente seria assegurado um governo eficiente e tecnicamente ágil.


[1] Não inclui os Chefes de Governo (Presidente, Primeiro-Ministro, etc) e apenas contabiliza os que se sentam no Conselho de Ministros ou Gabinete.