A iniciativa Global Gateway da União Europeia e Angola: aproveitar já a oportunidade
A União Europeia (UE) revelou, recentemente, o seu projeto Global Gateway, encarado como uma alternativa europeia para Belt and Road Initiative (BRI) da China.
O Global Gateway é um plano de 300 mil milhões de euros de despesas em infraestruturas que pretende incrementar as cadeias de abastecimento da UE e o comércio em todo o mundo.
A diferença que a UE pretende sublinhar face ao modelo chinês da BRI, é que do lado europeu não se vai conceder empréstimos, mas promover investimentos públicos e privados, apresentando aquilo que considera um financiamento transparente e mais favorável, especialmente para os países em desenvolvimento.
O Global Gateway quer ser uma versão mais moderna do BRI, com foco em investimentos em projetos voltados para o futuro e ambientalmente responsáveis nos setores digital, saúde, educação, investigação científica, energias renováveis e outros.
É evidente que África, e nesta, entre outros, Angola é o alvo lógico desta iniciativa da UE, pois é também onde se verifica uma boa parte da influência chinesa através do BRI. A Comissão Europeia não cita o mercado africano como objetivo prioritário, mas é lógico que o seja, pois foi a chegada de financiamentos chineses que mais prejudicou as empresas europeias, que muitas vezes perderam quota de mercado. E Angola serviu de modelo para a intervenção de China em África, através do estabelecimento do chamado “modelo Angolano”
As autoridades angolanas terão todo o interesse em se colocar em contacto com os responsáveis por este programa da União Europeia para serem as primeiras a desenvolver uma parceria sólida que promova investimentos em três áreas fundamentais para Angola: as energias renováveis, a educação e a saúde.
Eventualmente, o grande salto qualitativo que se quer dar na educação angolana poderia ser a primeira aposta deste projeto europeu. A UE poderia ser a grande financiadora da qualificação das universidades e da investigação científica em Angola, uma vez que é uma adepta do soft power, e seria uma área em que tem uma vantagem competitiva extremamente favorável fácil à alegada concorrência chinesa.
Por outro lado, uma abordagem imediata de Angola para implementação do programa permitirá aferir da seriedade e empenho da União Europeia neste programa, verificando que não se trata de um mero anúncio para efeitos propagandísticos, como muitos alegam.
Em conclusão, recomenda-se vivamente a ação imediata angolana para beneficiar do Global Gateway na área da educação.
Muitos países não necessitam de uma política robusta de juventude, ou porque a população jovem não é significativa, situando-se a maior parte dos problemas socioeconómicos nas faixas mais idosas, ou porque têm economias e sociedades saudáveis que estimulam e incorporam facilmente os jovens.
Não é o caso de Angola. Os números sobre a juventude angolana exigem uma especial atenção por parte do poder político a esta faixa etária. Com referência a julho de 2021, estima-se que 47.83% da população angolana tenha entre 0-14 anos e 18.64% entre 15-24 anos; logo 66,47% da população tem até 24 anos, ou dito de outro modo, cerca da 2/3 da população angolana é jovem. É uma massa imensa e impressionante de bebés, adolescentes e jovens adultos que constituem a imensidão do povo angolano.[1]
Fig. n.º 1- Pirâmide populacional de Angola (2021)
A esta demografia impressiva juntam-se os números do desemprego. De acordo, com os dados disponíveis mais recentes, o desemprego afeta 59,2% da população jovem (aqui considerada dos 15-24 anos) no terceiro trimestre de 2021, estando a haver um acréscimo anual homólogo desta situação em 2,8%.[2] É evidente que este número não reflete aqueles que de alguma forma foram absorvidos pela economia informal, no entanto, a sua magnitude será sempre assinalável.
Aliás, do ponto de vista sociopolítico tem-se verificado que as manifestações contra a política governamental em Angola, e o ativismo nas redes sociais é levado a cabo, em larga expressão, por jovens.
A juventude é, portanto, uma força enorme na economia e sociedades angolanas, que está em ebulição.
São estes vários fatores: número extremamente relevante de jovens no total da população, desemprego juvenil e descontentamento sociopolítico que obrigam à consideração de uma política transversal e englobante de juventude para Angola.
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A política de juventude define-se como o compromisso e prática do governo para garantir boas condições de vida e oportunidades para a população jovem de um país.[3] A política de juventude corresponde a uma estratégia implementada pelas autoridades públicas para proporcionar aos jovens oportunidades e experiências que apoiem a sua integração bem-sucedida na sociedade e que lhes permita ser membros ativos e responsáveis da sociedade e agentes de mudança.[4]
Nestes termos, uma política de juventude procura criar oportunidades para os jovens, promover a sua participação, inclusão, autonomia, solidariedade, além do bem-estar, aprendizagem, lazer, emprego.
O papel do governo será lançar políticas com estes objetivos em relação à juventude e trabalhar em conjunto com os vários atores envolvidos na informação, desenvolvimento e implementação de políticas de juventude, tais como: conselhos de jovens, ONGs de juventude, grupos de interesse, grupos de jovens, trabalhadores jovens, investigadores, escolas, professores, empregadores, pessoal médico, assistentes sociais, grupos religiosos, comunicação social[5].
O modelo que desenvolvemos atribui às políticas de juventude três eixos:
O eixo do emprego;
O eixo do desporto e tempos livres;
O eixo da cultura e formação.
Entendemos que uma política de juventude se deve traduzir em medidas nestes três eixos de modo a proporcionar aos jovens um desenvolvimento pessoal integral e completo.
Em Angola existe um Ministério da Juventude e Desportos (Minjud) cuja principal função é auxiliar o Presidente da República na elaboração e execução da política juvenil do Estado (artigo 2.º do Estatuto Orgânico do Ministério da Juventude e Desportos, Decreto-presidencial n.º 228/20, de 7 de setembro).
Contudo, para além de anúncios ou programas com valor retórico, não se vislumbra uma política de juventude transversal e atuante como a que é necessária em Angola. E tal política é fundamental. As notícias com relevo que se anotam sobre a atividade do Minjud debruçam-se essencialmente sobre futebol e estádios de futebol.
Torna-se por isso urgente ir mais além e lançar uma política de juventude que forçosamente abrangerá vários ministérios e terá de ser coerente e consistente. Como referimos essa política de juventude desdobrar-se-ia por três eixos, prestando atenção ao emprego, desporto e cultura.
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Propõe-se a adoção de uma política de juventude para Angola descrita nos termos seguintes.
A política de juventude seria transversal aos vários ministérios, não dependente apenas dum ministério, e por isso forçosamente coordenada diretamente pelo Presidente da República. Como mencionado teria três eixos que se complementariam.
No primeiro eixo referente ao emprego seria lançado um programa de garantia de pleno emprego para todos aqueles que tivessem entre 22 e 23 anos e terminassem uma licenciatura. O Estado assumiria a responsabilidade de lhes dar emprego na sua estrutura ou de subsidiar durante um período de tempo não inferior a 2 anos um local de trabalho no setor privado.[6] Portanto, o Estado ou asseguraria emprego nas suas diversas administrações, institutos ou empresas públicas, ou subsidiaria as empresas privadas para a criação e contratação de postos de trabalho para jovens. Todos os jovens recém-licenciados com 22-23 anos, além de receber formação e assistência para conseguir trabalho, teriam garantido o trabalho remunerado, devendo o Estado pagar 100% do salário numa empresa privada ou empregar participantes no setor público ou ainda apoiar a criação de uma microempresa. Todos os participantes receberiam pelo menos um salário mínimo fixado de acordo com o Decreto Presidencial que regula a matéria adequado a uma vida com dignidade[7]. Numa segunda fase, estudar-se-ia também a garantia de emprego para todos os jovens de 22-23 independentemente da sua habilitação, embora, aqueles sem habilitações formais devessem frequentar uma formação de aquisição de alguma capacidade em arte ou ofício.
No segundo eixo referente ao desporto, promover-se-ia um projeto integrado de desporto na escola e na comunidade. Neste âmbito não se deveria desenvolver uma proposta de fazer tudo em todo o lado, ou como se referia a propósito de um anterior plano “envolver modalidades de andebol, atletismo, basquetebol, futebol, voleibol, ginástica e xadrez” em todas as escolas[8].
O plano apontaria para a utilização racional de meios escassos e com a procura de especialização. Assim, exigir-se-ia que cada escola se dedicasse a um desporto apenas e o desenvolvesse livremente no seu seio. Não se apontariam para campeonatos nacionais, nem grandes estruturas, mas apostar-se-ia no foco e na especialização. Cada escola com o seu desporto. Apenas um, mas aberto a todos os jovens. Ao mesmo tempo e em concorrência com as escolas, cada município também promoveria um desporto aberto a todos os jovens. Teríamos assim um projeto de desporto para todos com uma especialização de cada instituição e sem outra ambição inicial que não fosse colocar os jovens no desporto.
Finalmente, o terceiro eixo dedicado à cultura, teria também que assentar na especialização. Aqui procurar-se-ia concentrar recursos na promoção da leitura por parte dos jovens. Começar-se-ia por adotar um projeto lançado pela Fundação Gulbenkian em Portugal em meados do século passado e já por vezes esporadicamente adotado em Angola em iniciativas provinciais, como é o caso do “Giro do Saber” promovido pela Biblioteca Provincial de Malanje.[9]
A leitura para a juventude assente em bibliotecas itinerantes e leituras de rua seria um projeto destinado a incentivar o gosto e os hábitos de leitura por parte da juventude. As bibliotecas itinerantes serão constituídas por carrinhas que se deslocariam pelo país fora com voluntários e livros oferecidos e parariam em cada localidade permitindo a leitura desses livros e explicando alguns deles. Ao mesmo tempo esses voluntários realizariam leituras de rua de livros apelativos para a juventude num espetáculo misto de leitura e música, atraindo assim os públicos-alvo.
Procurar-se-ia que este projeto de leitura fosse financiado pelo sistema penal. Isto é, originasse uma modificação da lei que permitisse que todas as penas de prisão até dois anos em crimes económico-financeiros fossem trocadas por doações de carrinhas, livros e suporte ao voluntariado.
Fig. n.º 2- Descrição de uma política de juventude transversal
Com estas várias medidas, no âmbito do emprego, do desporto e da cultura estaria lançada uma política de juventude que tão necessária é para Angola.
Nada como aproveitar os presentes Congressos partidários para a promoção e discussão destas propostas.
https://www.cedesa.pt/wp-content/uploads/2021/12/juventude-angolana.jpg6081080CEDESA-Editorhttps://www.cedesa.pt/wp-content/uploads/2020/01/logo-CEDESA-completo-W-curvas.svgCEDESA-Editor2021-12-08 09:05:002021-12-01 18:56:04Proposta de uma política transversal de juventude em Angola
Os novos parceiros estratégicos de Angola: Espanha e Turquia
Duas recentes intensas trocas diplomáticas ao mais alto nível fazem despontar o surgimento de novas parcerias estratégicas para Angola. Já em anterior relatório alertámos para os realinhamentos da política externa angolana.[1] Ora, o que se verifica é que esse realinhamento continua, e a um ritmo intenso. O Presidente da República João Lourenço está claramente a imprimir uma nova dinâmica aos negócios estrangeiros de Angola, que não se vê que esteja a ser afetada por alguma agitação interna que se verifica no caminho para o processo eleitoral de 2022.
Os exemplos mais recentes da atividade diplomática do Presidente são a Espanha e a Turquia. O importante nas relações com estes países não é haver ou não uma visita ao mais alto nível, é haver uma intensidade de visitas de parte a parte e objetivos claros desenhados. Pode-se dizer que na perspetiva mútua, Espanha e Turquia estão a tornar-se parceiros estratégicos de Angola.
Comecemos por Espanha. Em abril último, o primeiro-ministro de Espanha, Pedro Sanchez, que pouco abandonou o país durante a pandemia Covid-19, visitou Angola. A visita foi encarada como marcando uma nova era na cooperação bilateral entre os dois países e originou a assinatura de quatro memorandos sobre Agricultura e Pescas, Transportes, Indústria e Comércio. Teve especial relevância o acordo referente ao desenvolvimento do agro-negócio, para futuramente montar uma indústria que transforme a matéria-prima em produto acabado, contando com a experiência dos empresários espanhóis. Como se sabe, a agropecuária é uma das áreas de aposta do governo angolano para o relançamento e diversificação da economia.[2] Portanto, este acordo dedica-se a um vetor fundamental da política económica angolana.
Mais recentemente, em finais de setembro de 2021, o Presidente da República de Angola visitou Espanha onde foi recebido pelo Rei e pelo primeiro-ministro. Nessa visita, João Lourenço afirmou claramente que estava em Espanha em busca duma “parceria estratégica” que ultrapassasse a esfera meramente económica e empresarial. [3] Por sua vez, as autoridades espanholas consideram Angola como “país prioritário[4]“.
Agora ver-se-á como estas intenções alargadas se concretizarão na prática, mas o certo é que ambos os países estão a apostar manifestamente num incremento das relações quer económicas, quer políticas e as suas declarações e objetivos parecem ter um rumo e um sentido.
O mesmo tipo de relação intensificada se está a estabelecer com a Turquia. Em julho passado, João Lourenço visitou a Turquia, onde foi extremamente bem-recebido. Aí desde logo ficou acordado que companhia aérea Turkish Airlines iria voar duas vezes por semana da Turquia para Luanda. Também foi anunciado que a Turquia abriu uma linha de crédito no seu Exxim Bank impulsionar a relação económica bilateral. Isto quer dizer que o sistema financeiro turco vai financiar os empresários turcos para investir em Angola. Já em outubro de 2021, o Presidente turco Erdogan visitou Angola. Essa visita foi rodeada de toda a pompa e circunstância e manifestou uma excelente relação entre os dois países. Tal como a Espanha a Turquia tem uma estratégia agressiva para África, onde pretende obter espaço para a sua economia e influência política. Os acordos assinados por Erdogan e João Lourenço foram sete, nomeadamente, um acordo de assistência mútua em matéria aduaneira; um acordo de cooperação no domínio da agricultura; um acordo de cooperação no domínio da indústria; uma declaração conjunta para o estabelecimento da comissão económica e comercial conjunta; um memorando de entendimento no domínio do turismo e um protocolo de cooperação entre a Rádio Nacional de Angola e a Corporação de Rádio e Televisão da Turquia[5].
A abordagem com a Turquia, tal como a de Espanha, tem como objetivo imediato e estruturante “que [os Turcos] tragam sobretudo know-how que nos permita diversificar e aumentar com rapidez e eficiência a nossa produção interna de bens e serviços”, usando as palavas de João Lourenço[6].
Nestas duas apostas de João Lourenço há uma determinação óbvia, ou melhor duas.
Em primeiro lugar buscar novas fontes de investimento que amparem a fundamental diversificação da economia angolana. Tal é de extremo relevo, e as economias turca e espanhola são devidamente diversas para puderem corresponder ao modelo pretendido por Angola.
O segundo aspeto da aposta refere-se à necessidade que Lourenço sente de descolar Angola de uma excessiva relação com a China e a Rússia, sem as hostilizar, mas procurando novos parceiros. O peso geopolítico da Guerra Fria e a sequente implementação do modelo chinês em África, com o qual Angola está identificado pesam muito nas avaliações das chancelarias e investidores. Assim, Angola procura novas aberturas e uma “descolagem” dessa marca anterior, até porque a Rússia não tem músculo financeiro para realizar grandes investimentos em Angola, e a China está no meio dum turbilhão económico. Como é público, a “economia chinesa cresceu 4,9% no terceiro trimestre deste ano, a mais baixa taxa num ano, reflectindo não apenas os problemas que está a enfrentar com o endividamento do sector imobiliário, mas também, e já, os efeitos da crise energética.”[7] Isto quer dizer que a China precisa e muito do petróleo angolano, mas não terá disponibilidades financeiras para avultados investimentos em Angola.
Na verdade, as relações entre a China e Angola e a necessidade de uma reavaliação da mesma, sobretudo ao nível do fornecimento de petróleo e da opacidade dos arranjos terá que ser um tema para um relatório autónomo que iremos produzir no futuro próximo.
A posição de Portugal. A desberlinização em curso
Estabelecida que está a relevância da intensificação das relações de Angola com Espanha e a Turquia, coloca-se uma questão óbvia: e Portugal?
Portugal tem tentado ser o parceiro por excelência de Angola, e para isso tem-se acomodado, no passado, aos vários ímpetos da governação angolana.
Atualmente, existem boas relações políticas entre Angola e Portugal. Ainda recentemente, João Lourenço afirmou o seguinte: “Tive a felicidade de durante este meu primeiro mandato termos sabido manter a um nível bastante alto as relações de amizade e cooperação entre os nossos dois países[8].” Acrescentando ainda que as “relações pessoais também ajudam. Portanto, nós soubemos construir ao longo dos anos essa mesma relação com o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa e com o primeiro-ministro António Costa.” Não existem dúvidas que estão estabelecidas relações favoráveis entre Angola e Portugal. A isso ajuda também que Portugal conta com três laços que se fazem sentir todos os dias; os laços históricos, os laços culturais, sobretudo linguísticos, e os laços emotivos.
Contudo, e apesar do contentamento expresso pelo Presidente angolano naquilo que diz respeito às boas relações entre os dois países, há questões estruturais que lançam sombras no relacionamento e tornam a posição de Portugal menos relevante para Angola do que no passado, gerando alguma cautela da parte angolana em relação a demasiados envolvimentos com Portugal. Efetivamente, há um declínio da posição portuguesa em Angola, face a Espanha ou a Turquia, ou a Alemanha, França ou Reino Unido. Há uma desberlinização em curso da política externa angolana. João Lourenço verá Portugal como aliado na CPLP, mas não como porta de entrada ou plataforma para a Europa. Aí quer relacionar-se diretamente a cada um dos países europeus em concreto. A velha ideia que perpassava nalgumas chancelarias europeias que os assuntos angolanos eram específicos de Portugal e deviam ser tratados a partir, ou pelo menos, com o concurso de Lisboa (que chamamos berlinização), terminou. Cada um dos países europeus lida agora com Angola sem a intermediação portuguesa e vice-versa.
Este facto resulta essencialmente de três fatores. Um de natureza económica, e dois de natureza política.
Em primeiro lugar, Angola procura nesta sua incursão pelo mundo países com potencialidade e capital para investir. Está à procura de capital para desenvolver a sua economia. Ora Portugal, saltando de crise em crise e tendo uma manifesta falta de capital para o seu desenvolvimento, muito menos terá meios para deslocar para Angola. E no famoso Plano de Recuperação e Resiliência português não se encontra nada específico para investimento em África ou Angola em concreto. Consequentemente, não havendo provisões destacadas para Angola no Plano português, bem se percebe que o país africano terá de ir procurar massivos investimentos noutras paragens.
No entanto, acreditamos que este não é a principal causa para o declínio relativo da posição portuguesa nas prioridades da política externa angolana. Existem outras duas razões, aliás interligadas.
Neste sentido, existe um fator que tem causado a inquietação da atual liderança angolana face a Portugal. Este fator reside no facto de no passado próximo, Portugal ter constituído aquilo a que o Financial Times de 19 de outubro[9] qualifica como o local onde a elite rica (e corrupta) de Angola colecionou troféus em ativos, uma espécie de recreio dos filhos do Presidente José Eduardo dos Santos e de outros membros da oligarquia. Ora, a governação angolana, aparentemente, olha com alguma desconfiança para Portugal devido a isso, sobretudo, considerando a intervenção que bancos, advogados, consultores e toda uma panóplia de prestadores de serviços portugueses tiveram no branqueamento e ocultação de ativos adquiridos com dinheiro ilicitamente saído de Angola. Há o perigo de todas estas entidades estarem a desenvolver esforços para prejudicar o famoso combate contra a corrupção encetado por João Lourenço.
O que se verificou durante os anos de crescimento feérico de Angola, entre 2004 e 2014, sensivelmente, é que Portugal funcionou como íman para as poupanças e rendimentos dos angolanos. As elites dirigentes angolanas em vez de investir o dinheiro no seu país foram investi-lo, ou meramente parqueá-lo em Portugal, com consequências desastrosas para Angola, que se viu sem o capital necessário para tornar sustentável o seu crescimento. O raciocínio que se poderá atribuir ao governo angolano é que Portugal deixou que o dinheiro angolano obtido ilicitamente fosse branqueado no seu sistema económico e financeiro com tal profundidade que agora é de recuperação muito difícil. Ana Gomes, sensatamente, sempre alertou sobre isto. Na verdade, se repararmos em relação a ativos recuperados por Angola com grande significado ainda não houve notícia pública que algum deles proviesse de Portugal. Houve os 500 milhões de dólares que vieram de Inglaterra, mas em Portugal, a EFACEC foi nacionalizada pelo governo português- e bem do ponto de vista do interesse nacional de Lisboa- mas percebeu-se que Angola não receberia nada daí, como também não se vê um caminho claro de recebimento de outras situações.
A este fenómeno adiciona-se um segundo que se nota presentemente. Lisboa está a servir como plataforma para a articulação mais ou menos dissimulada de fortes ataques da oposição ao governo angolano. Seja através de consultoras, imprensa ou escritórios de advogados. Neste caso, ao contrário eventualmente, do caso dos investimentos e possíveis branqueamentos, essas atividades decorrerão de acordo com a lei e as proteções adequadas dos direitos fundamentais. No entanto, criará um mal-estar na liderança angolana, que possivelmente verá uma ligação entre os dois fenómenos, isto é, entre o facto de Portugal ter sido um safe heaven para ativos angolanos obtidos ilicitamente, no passado, e agora se tornar um local de encontro e conspiração da oposição, sobretudo, à chamada luta contra a corrupção. Percebe-se que muitos dos movimentos ocorrem em Portugal e as suas elites continuam a ajudar aqueles que foram apelidados por João Lourenço como “marimbondos”, seja em termos judiciais, seja na procura de novos locais para esconderem o seu dinheiro.
Em termos concretos, o episódio da nacionalização EFACEC aliado à recente decisão judicial de “descongelar” as contas de Tchizé dos Santos em Portugal, e à generalização de uma corrente anti João Lourenço em largos espaços da comunicação social portuguesa, embora constituam decisões ou atitudes que se justificam em termos políticos, legais ou éticos em Portugal, são eventos que fazem reforçar alguma desconfiança angolana face à atitude portuguesa, que podem ver a antiga potência colonial numa espécie de jogo de sombras.
Estas situações que se têm alargado nos últimos meses, estão a provocar algum desconforto em Angola, que poderão considerar Portugal como uma espécie de porto seguro para atividades que prejudicam o país. Paulatinamente, as conspirações oriundas de território português abundam, como as reuniões, encontros e demais eventos
São precisamente os motivos acima referidos que nos levam a identificar alguma tentativa de distanciamento político do governo de Angola face a Portugal. Não há respostas fáceis a estas equações, embora a sua enunciação tenha de ser feita para reflexão de todos os intervenientes.
https://www.cedesa.pt/wp-content/uploads/2021/10/parceiros-angola.jpg497921CEDESA-Editorhttps://www.cedesa.pt/wp-content/uploads/2020/01/logo-CEDESA-completo-W-curvas.svgCEDESA-Editor2021-10-29 09:19:002021-10-26 11:37:57Os novos parceiros estratégicos de Angola e a posição de Portugal
Recentemente, têm circulado por Luanda e obtido o devido eco em portais geralmente bem-informados[1]rumores acerca dum possível interesse acrescido dos Estados Unidos nas eleições angolanas, que levariam a potência ocidental a exigir que as eleições tivessem observadores internacionais imparciais que garantissem a verdade eleitoral, bem como a ameaça de possíveis sanções ao governo de João Lourenço se não acatasse essas recomendações americanas. Em concreto, anuncia-se que a Administração Biden tem estado a ameaçar com a aplicação de sanções financeiras, restrições de vistos e proibições de viagens contra governantes que prejudiquem as eleições nos seus países.[2] Daí extrapola-se que estará a fazer o mesmo em relação a Angola.
Representando esta aparente postura uma rutura com a relativa passividade com que os Estados Unidos da América no passado têm encarado as eleições gerais em Angola, pelo menos desde 2008, é mister tentar perceber se existe verificavelmente essa mudança de política dos EUA e em que termos.
Em primeiro lugar, as fontes que consultamos afirmam desconhecer qualquer inversão da política externa norte-americana relativa a Angola, anotando que os rumores têm origem, essencialmente, em documentos enviados por Organizações Não Governamentais angolanas ao Departamento de Estado, o que sempre aconteceu e acontecerá e também nas auscultações habituais que a Embaixada americana em Luanda efetuou, mas que sempre realizou no passado e realizará no futuro. Nada de novo, portanto.
Em segundo lugar, e isto constitui o objeto do nosso estudo, interessa averiguar se as condicionantes estruturais da política externa norte-americana implicam uma intervenção/preocupação mais acentuada com as eleições e a situação em Angola, podendo levar a desentendimentos graves ente a Administração Biden e o executivo de João Lourenço.
A política externa da Administração Biden, curiosamente, nas suas grandes linhas segue a política adotada por Donald Trump, quebrando apenas em aspetos específicos, como a emergência climatérica ou algum multilateralismo. Deste modo, a política externa Biden assenta num empenho no tratamento da relação com a China, um pragmatismo na generalidade das relações e um desinteresse em África.
A retirada, nos termos em que ocorreu, do Afeganistão é um exemplo típico desta abordagem, em que os americanos não se querem envolver em projetos “nation building” ou de promoção ativa de valores noutros países. Preferem agora uma estratégia que os beneficie comercialmente, garanta a estabilidade e ajude a controlar a China.
O idealismo dos neoconservadores que acolitaram George Bush filho na sua tentativa de construção de democracias e estados de direito no Iraque e Afeganistão, deixou de fazer parte do guião da política externa americana. Portanto, não se espere que esse idealismo venha existir para África. Não vão existir intervenções em África para promover qualquer tipo de valores americanos, nem sequer intervenções musculadas de qualquer tipo.
O que existe da parte norte-americana é um desejo que o continente africano seja o mais estável possível e o fornecimento de matérias-primas essenciais seja assegurado do modo mais adequado possível.
Ainda este mês de outubro, na prestigiada revista Foreign Affairs, escrevia-se “President Joe Biden’s administration has been similarly slow out of the blocks on Africa. Aside from its focused diplomatic response to the horrific civil war in Ethiopia and a few hints about other areas of emphasis, such as trade and investment, Biden has not articulated a strategy for the continent.” (A administração do presidente Joe Biden tem sido igualmente lenta nos bloqueios de África. Além de sua resposta diplomática focada na horrível guerra civil na Etiópia e algumas dicas sobre outras áreas de ênfase, como comércio e investimento, Biden não articulou uma estratégia para o continente.)[3].
Consequentemente, em termos das linhas estruturais da política estrangeira americana verifica-se que com a retirada do Afeganistão foi abandonada qualquer veleidade de “Nation building” ou intervenção em país terceiro que não ameace diretamente o interesse nacional.
Adicionalmente, o foco foi colocado na China e no seu controlo e mais geralmente na Ásia.
A declaração do Departamento de Estado norte-americano de maio deste ano é bem clara sobre a importância da China e o papel que desempenha na abordagem americana: “Strategic competition is the frame through which the United States views its relationship with the People’s Republic of China (PRC). The United States will address its relationship with the PRC from a position of strength in which we work closely with our allies and partners to defend our interests and values. We will advance our economic interests, counter Beijing’s aggressive and coercive actions, sustain key military advantages and vital security partnerships, re-engage robustly in the UN system, and stand up to Beijing when PRC authorities are violating human rights and fundamental freedoms. When it is in our interest, the United States will conduct results-oriented diplomacy with China on shared challenges such as climate change and global public health crises[4].” (“A competição estratégica é a estrutura pela qual os Estados Unidos veem seu relacionamento com a República Popular da China (RPC). Os Estados Unidos abordarão o seu relacionamento com a RPC a partir de uma posição de força na qual trabalhamos em estreita colaboração com nossos aliados e parceiros para defender nossos interesses e valores. Avançaremos os nossos interesses económicos, combateremos as ações agressivas e coercitivas de Pequim, manteremos vantagens militares importantes e parcerias de segurança vitais, voltaremos a colaborar fortemente no sistema da ONU e enfrentaremos Pequim quando as autoridades da RPC estiverem a violar os direitos humanos e as liberdades fundamentais. Quando for de nosso interesse, os Estados Unidos conduzirão uma diplomacia voltada para resultados com a China em desafios compartilhados, como mudanças climáticas e crises globais de saúde pública.”
Se as linhas estruturantes da política externa americana são as referidas, e África não ocupa um lugar relevante, convém assinalar, no entanto, o que os Estados Unidos desejam ou esperam de África. Essencialmente, pode-se resumir numa frase coloquial: Os EUA desejam que África não lhe dê chatices e propicie alguns lucros económicos.
No seguimento dessa estratégia, os EUA têm entregado uma boa parte da luta anti- terrorista a França e contam que os países africanos garantam a estabilidade local, prosseguindo fortes alianças com alguns deles. Só se o interesse e a segurança nacionais norte-americanas forem afetadas pelo terrorismo islâmico, os Estados Unidos intervirão fortemente. De notar, que também aqui os EUA têm o seu trauma, ocorrido na Somália, e tão bem retratado no belo filme Black Hawk Down[5] magistralmente dirigido por Ridley Scott. Não existe qualquer apetência dos EUA em se colocarem por dentro de qualquer imbróglio em África. Esta ideia é reforçada pelas propostas de donwsizing relativamente ao seu Africom (Comando dos Estados Unidos para a África).
Nesta medida, os EUA têm uma perspetiva muito prática dos equilíbrios de forças e necessidades para África. E na realidade a sua história com Angola isso o demonstra. Na verdade, mesmo quando nos anos 1980s apoiavam declaradamente a UNITA de Jonas Savimbi contra o MPLA de José Eduardo dos Santos tinham o cuidado que tal apoio não perturbasse as atividades das suas companhias petrolíferas a operar em território dominado pelo governo do MPLA. Na altura, Cuba enviou 2 mil soldados adicionais para proteger as plataformas de petróleo da Chevron (em Cabinda). Em 1986 Savimbi chamou a presença da Chevron em Angola, já protegida pelas tropas cubanas, como um “alvo” da UNITA. Portanto, tínhamos Savimbi apoiado pelos norte-americanos a invetivar uma companhia norte-americana protegida pelos cubanos.[6] Mais tarde, correram rumores que uma empresa ligada ao conservador Dick Cheney, futuro vice-presidente de George Bush filho, teria tido um papel na localização e morte de Jonas Savimbi[7].
Isto quer dizer, que a atitude dos EUA face a Angola sempre foi ambivalente, e não será agora que irá enveredar por um caminho de confronto, quando Angola se tornou um aliado importante por dois motivos muito reais.
Em primeiro lugar, Angola, sobretudo com a liderança de João Lourenço tem desempenhado um papel de pacificação na sua zona de influência. Relembre-se que Angola ajudou a uma transmissão pacífica e eleitoral na República Democrática do Congo (RDC), tenta estabelecer alguma tranquilidade entre o triângulo RDC, Uganda e Ruanda, além de ter contribuído decisivamente para a recente paz na República Centro-Africana (RCA). Na verdade, neste último país o Presidente Touadéra destacou o papel fulcral desempenhado pelo Estado angolano na obtenção da paz. Angola é um aliado da paz dos EUA em África e obviamente os americanos não vão desleixar o apoio e colaboração diplomática e militar de Angola para a tranquilidade africana.
Também é um forte baluarte contra qualquer penetração do terrorismo islâmico.
Em segundo lugar, é nítido que Angola segue atualmente uma nova política externa, pretendendo “descolar-se” da excessiva dependência da China. Ora, atendendo à sua experiência com a China de quem foi pioneira da intervenção em África e da tentativa atual duma política estrangeira mais ocidental, Angola constitui uma plataforma experimental por excelência para a política dos EUA face à China, onde se testarão as verdadeiras implicações dessa política e até onde irá o empenho americano para contrabalançar a China.
Nessa medida, um falhanço americano com Angola será um falhanço global da sua aproximação estratégica à China. Aqui, tal como na Guerra Fria em relação à União Soviética, se vai medir a realidade da ação americana relativamente à China.
Assim, tudo ponderado não parece que a Administração Biden embarque em qualquer hostilização ou mudança em relação ao governo de João Lourenço, pois isso não corresponde aos interesses americanos face a África e mesmo em relação à China. Todos rumores noutro sentido, devem ser vistos como parte da luta interna angolana e não qualquer posicionamento musculado americano.
[6] Franklyn, J. (1997), Cuba and the United States: a chronological history
[7] Madsen, W. (2013). National Security Agency surveillance: Reflections and revelations 2001-2013
https://www.cedesa.pt/wp-content/uploads/2021/10/angola-eua.png380750CEDESA-Editorhttps://www.cedesa.pt/wp-content/uploads/2020/01/logo-CEDESA-completo-W-curvas.svgCEDESA-Editor2021-10-27 10:01:002021-10-26 19:01:36Eleições angolanas de 2022 e os Estados Unidos da América
Os recentes acontecimentos resultantes da manifestação promovida pelo partido UNITA no passado sábado, nos quais elementos de televisões foram alegadamente impedidos de realizar o seu trabalho e agredidos, devem ser encarados duma perspetiva institucional e com bom-senso, distinguindo os vários planos.
Do ponto de vista da responsabilidade pessoal e criminal, compete às eventuais vítimas e seus empregadores acionarem os mecanismos legais ao dispor com vista ao ressarcimento dos danos e eventuais punições. Essa responsabilização realiza-se através do Ministério Público e dos Tribunais e aí deve ter lugar.
Plano diferente é o institucional. Neste âmbito deve funcionar o bom-senso.
Por um lado, o partido organizador da manifestação, confirmando o ocorrido, deve apresentar as suas desculpas às vítimas e aos seus empregadores, garantindo que no futuro assegurará o livre exercício de liberdade de imprensa nas suas atividades.
Por outro lado, as televisões, designadamente, TPA e TV Zimbo devem reafirmar o seu comprometimento com a liberdade de imprensa e o pluralismo, abstendo-se de comportamentos violadores destes princípios constitucionais, deixando eventuais queixas e aflições para os Tribunais, não exercendo justiça privada sob a forma de retaliação. Deve predominar o bom-senso e a razoabilidade.
Lisboa, 14 de setembro de 2021
https://www.cedesa.pt/wp-content/uploads/2021/09/bom-senso-liberdade.jpg281493CEDESA-Editorhttps://www.cedesa.pt/wp-content/uploads/2020/01/logo-CEDESA-completo-W-curvas.svgCEDESA-Editor2021-09-15 14:30:002021-09-14 20:32:49Liberdade de imprensa, direito e bom-senso
A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), cuja presidência rotativa será assumida por Angola até 2023, tem sido até agora um misto de despedida imperial, tal como a sua congénere britânica Commonwealth, e de clube de simpatias a oportunidades fotográficas, não demonstrando ser uma estrutura capaz de alavancar o progresso político ou económico dos seus membros.
Ora, a intenção de Angola e da presidência que agora começa parece ser mudar essa aparente letargia e dotar a CPLP de instrumentos, ou pelo menos objetivos concretos e práticos, que promovam o interesse e prosperidade dos países que lhe pertencem.
Nesse sentido, há uma clara aposta em tornar a CPLP uma organização económica que promova a colaboração económica e financeira entre os seus vários membros, possivelmente, criando no futuro um mercado integrado ou pelo menos uma zona de comércio livre sem taxas entre os membros.
Essa vertente (zona de comércio livre) será provavelmente adicionada com alguns fundos estruturantes que permitam aos países mais ricos da CPLP apoiar o desenvolvimento ou criar parcerias estratégicas com os países mais pobres da comunidade. É preciso não esquecer que dentro da CPLP há potências petrolíferas como o Brasil, Angola, a Guiné Equatorial e mesmo Timor-Leste, há um membro da União Europeia, como Portugal, e há um potencial populacional e de recursos naturais enorme. Por isso, é normal que seja promovida e reforçada a vertente de integração económica e cooperação financeira estratégica entre os vários países da CPLP.
Assim, Angola apostará, certamente, na enfatização da vertente económica da CPLP, apontando objetivos ligados a um mercado livre com reforço da coesão económica e parceria estratégica entre os seus membros.
Um segundo ponto liga-se à livre mobilidade de pessoas. Ultrapassada a Covid- 19 tem todo o sentido começar a aprofundar na prática um projeto de livre circulação das pessoas residentes na CPLP. Obviamente que este projeto tem de ser compaginado com a livre circulação que já existe em Portugal em relação à União Europeia, aliás tal como a maior integração económica, e também afastar medos de pressões demográficas intercontinentais. No entanto, será o exemplo mais prático e palpável que a CPLP é uma organização com futuro e que diz algo às populações.
Não tenhamos dúvidas que um tempo em que os povos anseiam pela melhoria das condições de vida, qualquer organização só tem futuro se abraçar esses desideratos, que se traduzem nos objetivos que enunciámos:
i) mercado livre na CPLP,
ii) cooperação para a coesão económica e
iii) mobilidade da população.
Serão estes os esteios que permitirão o desenvolvimento da CPLP para além da sua imaginação põs-imperial e que parecem nortear a política angolana para a sua presidência da CPLP, tal como resulta da leitura que fazemos das notas divulgadas por Angola a propósito da XIII Conferência que Luanda vai albergar sob o lema “Construir e fortalecer um Futuro Comum e Sustentável”, tendo significativamente agendado para 15 de Julho, uma Mesa Redonda sobre a Cooperação Económica e Empresarial, em formato híbrido (presencial e virtual).
Angola parece apostar numa CPLP que ultrapasse o saudosismo pós-imperial e que se erga como motor de crescimento económico e melhoria da qualidade de vida das populações pertencentes à Comunidade.
https://www.cedesa.pt/wp-content/uploads/2021/07/CPLP.jpg427640CEDESA-Editorhttps://www.cedesa.pt/wp-content/uploads/2020/01/logo-CEDESA-completo-W-curvas.svgCEDESA-Editor2021-07-15 15:33:382021-07-15 15:42:58Angola quer novo rumo para a CPLP
1-Introdução. O reposicionamento geopolítico de Angola
No momento, em que terminamos este relatório, o Presidente da República de Angola encontra-se em Paris com o Presidente da República Francesa. Este encontro representa um dos pontos do realinhamento em curso da política externa de Angola. Basta lembrar que nos últimos tempos de José Eduardo dos Santos, os franceses estavam de “castigo” devido ao seu papel no Angolagate.
Angola não é um país indiferente. Tem desempenhado um papel geopoliticamente relevante ao longo da sua curta, mas intensa história após a independência. Primeiramente, foi um dos palcos violentos da Guerra Fria, onde americanos e soviéticos se digladiaram com a virulência que não podiam adotar noutras localizações geográficas. Angola acabou por ser um bastião soviético de grande nomeada, onde estes na realidade ganharam quando em confronto com os Estados Unidos. Depois da fase soviética, Angola foi mais uma vez inovadora e tornou-se o primeiro país africano a receber a nova China que se abria ao mundo e procurou em África um continente para a sua expansão e teste das suas ideias. Angola tornou-se um parceiro por excelência da China.
Obviamente, sendo uma simplificação, do ponto de vista das grandes tendências a posição geopolítica de Angola começou por estar alinhada com a União Soviética e após a queda desta, com a China. Não se tratando dum país rabidamente antiocidental, muito longe disso, até porque Angola tem uma profunda influência da cultura europeia, o país ancorou-se em outras paragens ao longo do tempo.
Por várias razões, neste momento, Angola ensaia uma diferente aproximação geopolítica que tende a desvalorizar o papel quer da Rússia, quer da China, e a encontrar novas referências e diálogos políticos. Este texto debruçar-se-á sobre essa desvalorização, os novos vetores que influenciam o reposicionamento angolano, os países que agora desempenharão um papel mais relevante nas preocupações externas de Angola, além de uma curta nota sobre Portugal. Não se abordará a influência de Angola na África Austral e o seu papel de estabilização nos Congos.
2-O declínio da relação angolana com a Rússia e a China
O declínio da relação soviética (agora russa) com Angola é fácil de descrever. A aposta da União Soviética em Angola fazia parte de uma estratégia de longo-prazo de envolvimento do Atlântico Norte através dos países do Sul. A incursão em África que foi acelerada pela “perda” da influência no Médio-Oriente nos anos 1970s derivada do corte promovido por Sadat do Egipto e pelo aproveitamento oportuno de Kissinger. De repente, a União Soviética viu-se sem um dos suportes principais que tinha no Médio Oriente e de onde esperava condicionar os americanos. O certo é que essa situação levou a um aprofundamento de várias alternativas entre as quais mais tarde se destacou Angola. Naturalmente, que a queda do Muro de Berlim em 1989 e o final da Guerra Fria, com a consequente desagregação da União Soviética levaram a que o interesse russo em África esmorecesse consideravelmente. A Rússia que emergiu após o colapso de Gorbachev já não estava interessada em qualquer competição mundial com os Estados Unidos, mas na sua sobrevivência e transformação. Rapidamente perdeu o interesse em Angola.
É certo que atualmente, Putin recuperou alguma da dinâmica imperial e procura alguma influência em África, mas ainda é de curto alcance e tem-se traduzido no envio de mercenários do grupo Wagner, que têm tido pouca eficácia, designadamente em Moçambique. Em Angola, não se nota uma atuação relevante da Rússia, sobretudo como parceiro essencial e determinante. Existem obviamente contactos e relações. Fala-se muito na influência russa em Isabel dos Santos, que será cidadã desse país, mas o certo é que não são visíveis investimentos ou laços russos com Luanda com manifesto relevo. Em 2019, foram anunciados investimentos russos em Angola de 9 mil milhões de euros, mas não se conhece sequência de tal. A isto acresce que a dívida pública externa de Angola à Rússia é zero de acordo com os dados do Banco Nacional de Angola (BNA), tendo sido liquidada na sua totalidade até 2019.
Mais difícil é concluir pelo declínio da relação com a China. Na verdade, o investimento chinês em Angola tem vindo a crescer, pelo menos até 2020, e a dívida pública externa angolana face à China representava em 2020, 22 mil milhões de dólares, o equivalente a mais de 40% do total. A implantação chinesa em Angola é grande, bastando referir em termos sociológicos a relevância da Cidade da China.
No entanto, há indícios que a preferência chinesa está a diminuir, ou pelo menos, a ser mitigada. O primeiro indício refere-se às negociações de um novo empréstimo que levou João Lourenço à China no início do seu mandato. As primeiras informações para a imprensa davam conta de montantes avultados a serem disponibilizados pela China, na ordem dos 11 mil milhões de dólares. A realidade é que houve variadas procrastinações nesse empréstimo, que acabou aparentemente para envolver uma quantia reduzida de 2 mil milhões de dólares que terá servido para fazer pagamentos de dívida angolana a empresas chinesas.
O certo é que se analisarmos a evolução da dívida pública externa angolana à China verificaremos que um houve um salto assinalável entre 2015 e 2016, de cerca de 11,7 mil milhões de dólares para 21,6 mil milhões de dólares, que a dívida atingiu o pico em 2017, 23 mil milhões de dólares e que desde aí tem vindo a diminuir com uma cadência significativa. Afigura-se que a China não se quer envolver mais com Angola, preferindo ir gerindo o atual envolvimento.
Se da parte da China se poderá vislumbrar alguma recalcitrância na relação com Angola, da parte angolana também existem obstáculos. O primeiro deles é a natureza da dívida angolana à China. Muitos alegam que uma boa parte desta dívida é o que se chama “dívida odiosa”, isto é, serviu para beneficiar interesses privados corruptos e não o desenvolvimento do país. Existe a impressão que a opacidade com que se fazem os negócios com a China permitiu a criação de situações de corrupção demasiado evidentes e prejudiciais ao país. Assim, a dívida da China é, em parte, vista como dívida da corrupção. A isto acresce que surgiram problemas de qualidade nalgumas construções chinesas em Angola financiadas por dívida chinesa. Não está claro se essa falta de qualidade se deve a qualquer negligência chinesa ou a comportamentos censuráveis por parte de responsáveis angolanos, mas o certo é que a imagem persiste.
Isto quer dizer que sendo ainda a China um parceiro fundamental de Angola, está-se, neste momento, numa espécie de fase de reavaliação. Forçosamente há que resolver o problema da dívida do passado ligada à corrupção, do modo de agir contratual demasiado opaco por parte da China e também as questões ligadas à qualidade. É uma tarefa exigente, mas necessária para reativar o interesse comum chinês e angolano.
Se a relação com a Rússia não tem a relevância do passado e com a China está numa fase de reavaliação e recondicionamento, é evidente que Angola, sobretudo, atendendo às mudanças porque passa, terá que buscar novos parceiros ativamente.
3-Os novos vetores de atuação angolana: objetivos e países
A relação angolana com a Rússia e a China coincidiu com a necessidade de afirmar uma soberania própria e independente de interferências externas, e também da obtenção de fundos para a guerra e reconstrução pós-guerra. A atual política externa de João Lourenço coloca-se num patamar ligeiramente diferenciado, em que é importante congregar o apoio externo para as duas grandes reformas que estão a ser levadas a cabo internamente: a reforma económica e a luta contra a corrupção. Ambas as reformas necessitam de colaboração externa, sem o qual podem não sobreviver.
A reforma económica assenta no chamado consenso de Washington proposto pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), embora os intelectuais e burocratas internacionais tenham já abandonado esta designação e a recusem. Ainda assim, implica a adoção de políticas de alargamento dos impostos e restrição da despesa com a respetiva consolidação fiscal. Naturalmente que este tipo de políticas é recessivo, aumenta, no curto-prazo, a crise económica em Angola. A grande forma de ultrapassar este efeito é obter investimento externo e muito. Aliás, diz a teoria seguida, que havendo estas reformas disciplinadoras do FMI, os investidores estrangeiros passam a confiar nos governos que as seguem e sentem-se seguros para investir. Em resumo, o investimento estrangeiro é o contrapeso necessário às reformas do FMI e a chave do sucesso destas. Consequentemente, não admira que um dos principais vetores da política externa angolana seja a aproximação a países com capacidade de investimento reprodutor assinalável e com provas dadas.
Naquilo que diz respeito à luta contra a corrupção, o panorama que se apresenta é que, de uma maneira geral, são os países com potencialidades para investir em Angola, aqueles em que é necessária a colaboração judicial para recuperação de ativos ou traço de movimentos financeiros ilegais. As oligarquias angolanas que desviaram fundos públicos remeteram-nos para os países mais avançados ou com maior potencial financeiro.
Portanto, há um grupo de países que atualmente interessa de sobremaneira a Angola: são aqueles com capacidade de investimento eficiente e com um sistema financeiro por onde passaram muitos dos movimentos ilícitos de fundos angolanos, bem como onde se sedearam ativos comprados, possivelmente, com esses fundos. Neste momento, nem a China, nem a Rússia são países de onde se espere mais investimento, nem foram os locais escolhidos, aparentemente, para parquear bens ou ativos ilícitos. Ou se foram não há qualquer conhecimento do que lá se passa e está acolhido.
É neste contexto que tem assumido relevância uma série de países. Um primeiro grupo são os países da Europa Ocidental que se têm destacado em visitas e anúncios de investimentos em Angola. No início deste mês de Abril de 2021, o primeiro-ministro de Espanha, Pedro Sanchez, fez uma visita a Angola. Esta visita foi acompanhada de grande empenho espanhol, afirmando Angola como um dos parceiros preferenciais de Espanha em África, e esta como uma grande aposta espanhola. Anunciou-se que Angola era a “proa” duma empreitada de Madrid a que chamou “Foco África 2023.” No ano passado, tinha sido a vez da Chanceler alemã Angela Merkel visitar Angola no âmbito de um Fórum Económico Angola-Alemanha e mais alargadamente de um Plano Marshall alemão para África. Também, o Presidente Macron anunciou uma visita a Angola, que tem sido adiada devido à Covid-19. Por sua vez o Presidente italiano já havia visitado Angola em 2019. Em relação ao Reino Unido não tem havido visitas deste nível tão elevado, mas começa a notar-se algum interesse por Angola devido às imposições do Brexit, que exigem novos mercados para o Reino Unido, embora haja um enorme desconhecimento.
Às visitas têm sucedido variadas promessas de investimento da Europa Ocidental. A empresa italiana de petróleos (ENI) prevê investir sete mil milhões de dólares (5,9 mil milhões de euros), nos próximos quatro anos, na pesquisa, produção, refinação e energia solar, anunciou no início de abril de 2021. Antes empresários britânicos afirmaram pretender investir em Angola cerca de 20 mil milhões de dólares. Também a Alemanha e a França têm vários projetos em curso.
Este eixo da Europa Ocidental tornou-se fundamental na política externa angolana, pois estes países necessitam de novos mercados e investimentos, para saírem da excessiva dependência da China, e no caso britânico, também para procurar alternativas pós-Brexit, e sendo mercado maduros, têm de ir ao encontro de onde está a juventude e o futuro, e isso está em África.
Conseguindo João Lourenço passar a imagem que rege um governo competente e com regras macroeconómicas estáveis e viradas para o mercado livre, os investidores espanhóis, franceses, britânicos, italianos ou alemães sentir-se-ão seguros para investir. Ao mesmo tempo, nestes países residem muitas das fortunas saídas de Angola, portanto, haverá oportunidade de criar mecanismos para a sua recuperação ou redirecção.
Note-se que ao contrário do que se poderia pensar, esta Ocidentalização da política externa de Lourenço não passa por Portugal, mas indica uma abordagem direta entre os países europeus e Angola e vice-versa.
A este eixo Europeu Ocidental há que adicionar outro, o eixo do Golfo. Os países do Golfo, em que se destacam os Emirados Árabes Unidos e a Arábia Saudita. Estes países, previamente dependentes do petróleo, entraram numa política de diversificação. O Dubai já há alguns anos e com tremendo sucesso. A Arábia Saudita ainda dá os primeiros passos, com a chamada Visão 2030, mas o certo é que querem investir fora do seu âmbito tradicional e encontrar novos mercados. Na verdade, o Dubai já tem vários investimentos em Luanda e uma sua empresa tomou agora conta do Porto de Luanda e na Arábia Saudita, Luanda abriu agora uma Embaixada, o que revela bem o interesse no reino. Por outro lado, como se sabe, o Dubai é um centro financeiro internacional de grande nomeada e por onde passou variada movimentação financeira angolana, bem como foi utilizado nos esquemas de fuga ao fisco no comércio de diamantes. Alegadamente, ao contrário do que tem sido a sua prática, o Dubai estará a colaborar com os pedidos de auxílio judiciário angolanos, representando um exemplo típico do novo eixo geopolítico que estamos a descrever, países com potencial de investimento e de colaboração judicial na luta contra corrupção.
Sumariamente, concluímos que uma nova aproximação geopolítica angolana se centra nos países da Europa Ocidental e do Golfo Pérsico. Mas não se fica por aqui.
4-O potencial da Índia
A quantidade de comércio entre a África Subsaariana e a Índia tem crescido de forma consistente, e hoje a Índia é um parceiro comercial fundamental de África. Relativamente a Angola, o país é hoje o terceiro exportador na África subsaariana mais importante para a Índia, quando em 2005 não tinha relevância. Em 2017, o Embaixador da Índia emitiu um comunicado no qual destacou: “O comércio entre Angola e a Índia aumentou 100% para US $ 4,5 biliões em 2017, (…) No final de julho, à margem da 10ª cimeira dos BRICS, em Joanesburgo, o presidente de Angola, João Lourenço, reuniu-se com o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, e os dois reafirmaram a necessidade de aumentar o comércio e a cooperação em áreas como energia, agricultura, alimentos e processamento farmacêutico.”. Há medida que a Índia vai crescendo e se tornando um ator muito importante a nível mundial, é normal que Angola olhe para este país com uma nova visão. Trata-se de um mercado milionário para onde uma imensidão das exportações angolanas pode chegar.
5-Estados Unidos da América. The ultimate prize
A relação entre Angola e os Estados Unidos tem sido ambígua. Na verdade, mesmo nos tempos em que a administração norte-americana apoiava Jonas Savimbi e a UNITA, havia um relacionamento com Luanda ligado ao petróleo e à proteção das multinacionais americanas a operar em território dominado pelo governo do MPLA.
Atualmente, os Estados Unidos representam tudo o que Angola deseja, o país do dólar com uma capacidade de investimento e inovação financeira invejável, com uma estrutura jurídica universalizante que permite lançar mão de múltiplos instrumentos legais por todo o mundo para perseguir as fortunas da corrupção. É também dos Estados Unidos que Angola necessita que sejam levantados os vários “sinais vermelhos” que foram sendo erguidos nos tempos de José Eduardo dos Santos e tornaram a vida financeira angolana muito mais difícil. Os Estados Unidos são o país chave para esta nova fase angolana de investimento externo e combate à corrupção, porque daqui pode vir os estímulos definitivos de avanço.
De certa forma, João Lourenço teve azar em se deparar com Trump, quando necessitava dos EUA. É conhecido que Trump não tinha qualquer interesse em África, que apenas serviu para a sua mulher realizar uma viagem em trajes estilo colonial. Pior teria sido impossível. Mas a indiferença americana não tem de ser um obstáculo a um maior empenho angolano nas relações com a superpotência. No início dos anos 1970, Anwar Sadat do Egipto também decidiu que se queria aproximar dos Estados Unidos. Estes ocupados com mil e uma crises, entre as quais se destacava o Vietname não deram qualquer atenção a Sadat, que não deixou de seguir a sua linha, expulsando os conselheiros soviéticos e iniciando uma aproximação aos norte-americanos.
Comparações e evoluções históricas à parte-Sadat acabou assassinado por ter assinado um acordo da paz com Israel sobre os auspícios americanos- o que parece mais lógico para Angola nesta fase é acentuar uma aproximação aos Estados Unidos, mesmo que estes não estejam atentos. E não estarão, pois entre a Covid- 19, a China e a Rússia, e múltiplas pequenas crises internas têm muito com que se ocupar. No entanto, o apoio efetivo e real dos EUA à nova política angolana é fundamental para que o país saia do marasmo e deixe de ter os condicionalismos financeiros externos, portanto, uma vigorosa aproximação à administração norte-americana seria aconselhável por parte de Angola, apesar da desconfiança mútua que existe.
6-Portugal é diferente
A propósito da visita de Pedro Sanchez, primeiro-ministro espanhol, a Angola surgiu algumas críticas ao governo português, acusando-o de inação e de estar a ser ultrapassado por Espanha. Isto é um disparate. Nem Portugal pode pensar ter o monopólio das relações com Angola, nem sequer há qualquer perigo nas relações luso-angolanas. Portugal é sempre um caso à parte, a sua influência vem menos do governo e mais do soft power, da ligação umbilical que se mantém entre os povos de ambos os países. Luanda continua a parar quando o Sporting ganha o campeonato ou o Benfica tem um jogo muito importante, o destino preferido da maior parte dos angolanos é Portugal, as relações pessoais fáceis estabelecem-se entre portugueses e angolanos. Os empresários portugueses olham sempre para Angola como uma possibilidade de expansão dos seus negócios. As relações entre Angola e Portugal têm subjacente um entrosamento entre os povos antes da intervenção dos governos.
A nível oficial o governo português é geralmente acolhedor em relação a Angola. Em 2005 acolheu os desejos de investimento angolano, atualmente, acedeu aos pedidos de cooperação judicial de Angola relativamente a Isabel dos Santos, como antes acabou por enviar o processo de Manuel Vicente para Angola após grande pressão de Luanda. Digamos que há uma porosidade manifesta da posição portuguesa, adaptando-se com facilidade às posições e necessidades de Luanda. Esta posição aliada ao interesse das elites angolanas em Portugal, tem acabado por consolidar uma boa relação entre os dois países, apesar de um ou outro solavanco. É evidente que após o 25 de Abril de 1974, Portugal desinteressou-se de África, fazendo como sua prioridade número um a adesão à Europa e o tornar-se um país moderno ocidental. Este projeto está um pouco enrodilhado desde 2000, mas não levou Portugal ainda a uma revisão do seu foco europeu, apenas o obrigou a um olhar mais prolongado para África, depois de décadas de desinteresse. Talvez exista um momento em que Portugal queira centrar a sua política externa nos países lusófonos, mas esta não é a altura, como não é para Angola, que quer abraçar outras fonias, como a anglófona e francófona, portanto, o melhor que os governos podem fazer é facilitar o máximo a vida aos seus povos que desejem trabalhar em comum e apoiar mutuamente as solicitações de cada uma das partes, mas pouco mais.
Conclusão
O sumário da nova posição geopolítica angolana é que Angola aposta nos vetores ligados ao investimento externo e combate contra a corrupção, assumindo relevância na política externa parcerias com a Europa Ocidental, Espanha, França, Itália, Alemanha, Reino Unido, com o Golfo Pérsico, Emirados e Dubai, e com a Índia. Ao mesmo tempo, antecipa-se um reforço das relações com os Estados Unidos. Portugal terá sempre um lugar à parte.
Bibliografia utilizada
-Banco Nacional de Angola-Estatísticas- www.bna.ao
-Douglas Wheeler e René Pélissier, História de Angola, 2011
-Ian Taylor, India’s rise in Africa, International Affairs, 2012
-José Milhazes, Angola – O Princípio do Fim da União Soviética, 2009
-Robert Cooper, The Ambassadors: Thinking about Diplomacy from Machiavelli to Modern Times, 2021
-Rui Verde, Angola at the Crossroads. Between Kleptocracy and Development, 2021
-Tom Burgis, The Looting Machine. Warlords, Tycoons, Smugglers and the Systematic Theft of Africa’s Wealth, 2015.
-Factos públicos e informativos retirados da Lusa, DW, Jornal de Negócios, Jornal de Angola, Angonotícias e Novo Jornal.
https://www.cedesa.pt/wp-content/uploads/2021/05/jlourenco-pol-externa.jpg440780CEDESA-Editorhttps://www.cedesa.pt/wp-content/uploads/2020/01/logo-CEDESA-completo-W-curvas.svgCEDESA-Editor2021-05-18 10:09:002021-12-29 20:44:28Os realinhamentos da política externa de Angola
I-Introdução. O renascimento do interesse na industrialização
A industrialização de Angola tornou-se um dos objetivos do atual governo debaixo da liderança do Presidente da República João Lourenço. De facto, quer na Cimeira Internacional sobre Desenvolvimento Sustentável “O Futuro de África” realizada em Abu Dhabi em 2019, quer na terceira edição da Global Summit on Manufacturing and Industrialization, promovida pela Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (ONUDI) em 2020, Lourenço enfatizou sempre que a industrialização era uma necessidade premente com vista a criar riqueza e bem-estar para os cidadãos e emprego como principal fonte para todas as oportunidades.
Na verdade, não dispondo Angola de quadros e competências com suficiente massa crítica ao nível dos serviços, e tendo-se verificado recentemente as fragilidades estratégicas das economias demasiado assentes em serviços, é normal que qualquer arranque económico do país assente também na indústria.
A industrialização de Angola deve ser pensada com base em três pressupostos.
O primeiro é que se baseará numa agricultura forte. Não se trata de substituir a agricultura pela indústria, mas de simultaneamente desenvolver a agropecuária como fundamento de um renovado arranque industrial.
O segundo pressuposto é que aquilo que se denomina industrialização atualmente será diferente do que se considerava no início do século XX em que tal movimento estava ligado às dita indústrias pesadas: aço, cimento, etc. Além do mais, industrialização não é manufatura apenas, mas um conjunto de processos transformativos.
Finalmente, os vetores de industrialização em Angola terão de estar ligados aos aspetos específicos que tragam valor acrescentado para a economia ou em que esta tenha vantagens competitivas. Não se tratando por isso de realizar meras cópias de modelos industriais, mas de perceber onde Angola tem benefícios em se industrializar.
II- A indústria na economia angolana
Como escrevem Nuno Valério e Maria Paula Fontoura “em 1975, [quando] Angola se tornou um Estado independente, (…) a economia apresentava-se próspera, quer devido à existência de exportações consideráveis de produtos agrícolas (café, algodão, açúcar, sisal e outros provenientes de plantações; milho proveniente de explorações tradicionais) e minerais (diamantes, ferro e petróleo) e mesmo de serviços (particularmente através de trânsito para o Shaba, antigo Catanga, pelo caminho de ferro de Benguela), quer devido ao início de um processo de industrialização. “[1]
O arranque industrial angolano começou nos anos 1960, ainda debaixo do domínio colonial. Na realidade, a partir dessa época, enquadrada nas medidas gerais de liberalização e pró-europeias que Portugal tomou, na criação de uma zona de comércio livre lusitana e na expansão do mercado interno por via das tropas e famílias deslocadas com a guerra ultramarina “entre 1960 e 1970, o valor bruto da produção da indústria transformadora cresceu à taxa média anual de 17,8 % e o PIB 10% em termos nominais.[2]”
Na verdade, nas vésperas da independência (1973) a indústria angolana (excluindo a construção civil) representava 41% do PIB. As indústrias importantes eram a indústria de alimentação, com 36% do valor bruto da produção do sector transformador; seguia-se a indústria têxtil, com 32%, bebidas, com 11%, química, produtos minerais não metálicos e tabaco, com 5%, derivados de petróleo e produtos metálicos, com 4%, pasta de papel, papel e derivados, com 3%[3].
Fig. n.º 1- Principais indústrias de Angola em 1973 (% valor bruto produção sector transformador)
Alimentação
36%
Têxtil
32%
Bebidas
11%
Química, produtos minerais não metálicos e tabaco
5%
Derivados do petróleo e produtos metálicos
4%
Pasta de papel, papel e derivados
3%
Fonte: Nuno Valério e Maria Paula Fontoura,op.cit.
Note-se, contudo, que por esta época, o “mal” da economia angolana já estava presente, i.e., a excessiva dependência das matérias-primas para exportação. Na realidade, a indústria transformadora apenas contribuía para cerca de 20% das exportações angolanas, sendo que os principais produtos exportados em 1973 eram: petróleo (30%), café (27%), diamantes (10%).
Fig. n.º 2- Principais exportações de Angola em 1973 (%)
Petróleo
30%
Café
27%
Diamantes
10%
Fonte: idem Fig. n.º 1
Este arranque liberalizador da indústria angolana foi objeto de algumas críticas, e nos anos 1970, o governo de Lisboa começou a impor uma perspetiva protecionista ao desenvolvimento industrial angolano. Tal não afetou o crescimento saudável da indústria. De facto, como anotam Nuno Valério e Maria Paula Fontoura: “o VBP da indústria transformadora cresceu à taxa média anual de 21% entre 1970 e 1973.”[4]
É sabido que a situação de prosperidade foi interrompida pela guerra civil e apenas após 2002 se assistiu a um forte relançamento da economia. Contudo, esse re-arranque foi baseado na exploração bruta do petróleo e não em qualquer processo de industrialização sustentado. Mesmo naquilo que se refere ao petróleo não houve a preocupação de o integrar num processo de industrialização e fazer com que Angola fosse um país que apostasse na transformação da sua matéria prima em vez de a exportar bruta. Isso significava investir na refinação, na petroquímica, na produção de fertilizantes o que não aconteceu.[5]
Chegados à segunda década do século XXI, a situação da economia torna-se preocupante quando a exploração do petróleo já não satisfaz devido à baixa do seu preço. Neste quadro, começa-se a falar de diversificação da economia e a olhar para a indústria, mas o cenário não é animador em termos da força da indústria no âmbito do Produto Interno Bruto (PIB) angolano, pelo que é fundamental gizar e fomentar ativamente um projeto de lançamento da atividade industrial.
Os dados mais recentes referentes ao peso da indústria transformadora (exceto refinação de petróleo bruto) datados do segundo trimestre de 2020 apontam para uma contribuição de 4,8% para o PIB. Essa contribuição era de 3,69% em 2002, e 4% em 2017 e 2018. Nessa mesma data a variação homóloga da indústria transformadora tinha sido negativa em 4%. O Valor Acrescentado Bruto também era despiciendo[6].
Fig.n.º 3-Peso da indústria transformadora em Angola (II trimestre de 2020)
Contribuição para o PIB (%)
4,8
Variação homóloga (%)
-4
Fonte: Banco Nacional de Angola. Contas Nacionais (bna.ao)
III. Projeto de relançamento da indústria em Angola
Qualquer projeto de relançamento da indústria tem de começar por ter o contexto adequado. Esse contexto é de uma economia livre com um clima social propício ao investimento. O clima social assenta em seis pressupostos necessários:
Inexistência de corrupção massiva. A corrupção distorce as regras da competição económica e inviabiliza o livre acesso aos mercados, condições fundamentais para o desenvolvimento industrial;
Os empresários devem ter liberdade para obter os seus fatores de produção e se instalar a produzir;
Sistema de Justiça funcional. O sistema de Justiça não deve ser visto como corrupto, lento e incompetente, mas como aplicando as regras, punindo quem não cumpre contratos e havendo formas legais e normais de cobrança de dívidas;
Impostos razoáveis. Os impostos devem ser tendencialmente moderados e não sufocar a atividade produtiva;
Desburocratização. A administração pública deve ser pró-negócios e não criar entraves burocráticos administrativos à instalação e laboração de empresas.
Estado pró-negócios. O Estado deve ter um papel fomentador e pró-ativo na industrialização, apontando e enquadrando caminhos, construindo infraestruturas, qualificando a mão de obra e estabelecendo parcerias.
Fig .n.º 4- Contexto para o relançamento industrial
Visto o contexto necessário, o importante é apontar os eixos pelos quais se deviam canalizar os esforços de recrudescimento industrial.
Vislumbramos quatro eixos de industrialização de Angola. Estes eixos são escolhidos tendo em conta a histórica económica de Angola, as suas riquezas e potencialidades, as experiências de industrialização globais e as possíveis tendências dos mercados nas próximas décadas.
Assim, propomos um desenvolvimento industrial de acordo com os seguintes pontos que podem ser interconectados ou complementares:
1-Agropecuária;
2-Indústrias de necessidades básicas;
3-Indústrias de desenvolvimento de riquezas naturais;
4-Futuro: energias renováveis e digitalização.
Fig. n. º5. Eixos do Projeto de relançamento industrial
1-Agropecuária
A indústria agropecuária representa o desenvolvimento natural das potencialidades angolanas já em exploração e que já foi objeto de nosso relatório anterior.[7]
Basta suscitar um pequeno exemplo para se aferir das potencialidades. Recentemente, foi comunicado que Angola é o principal produtor de bananas de África há seis anos consecutivos. Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), Angola é o maior produtor africano de banana e sétimo no mundo com uma oferta de 4,4 milhões de toneladas.[8]
Facilmente se entenderá que será fácil e possível criar uma fileira industrial baseada na banana: sumos de frutos (indústria de bebidas), exploração medicinal da banana/potássio (indústria química/farmacêutica), etc, são algumas das possibilidades na indústria de refrigeração ou farmacêutica relativamente à banana.
O mesmo tipo de raciocínio se poderá aplicar a produtos e recursos naturais que Angola tenha ou explore em abundância. Ao transformar internamente os seus recursos e produtos naturais o país acrescenta-lhes valor deixando de estar dependente da mera evolução do preço mundial das matérias primas.
2-Indústrias de necessidades básicas
Entende-se como necessidades básicas a alimentação, o vestuário e a habitação. Este eixo industrial representa uma indústria em que não se exige uma sofisticação específica e se torna possível fazer uma substituição de importações sem especiais perdas de competitividade, além de poder ser possível criar mercados exportadores em países congéneres. A isto acresce que Angola já teve uma indústria poderosa na área da alimentação, bebidas e têxteis. Com um mercado de 30 milhões de pessoas que facilmente poderá ser alargado a muitos milhões mais com os desenvolvimentos da Comunidade da África Austral (SADC) e da Zona de Comércio Livre do Continente Africano, Angola tem suficiente procura potencial para produtos de primeira necessidade: roupa, calçado, casas(obviamente), produtos alimentares básicos desde iogurtes a cervejas. Não há razão nenhuma para não criar indústria própria com marcas próprias, imitando em muitos casos o que se fez em países com sucesso nestas áreas como o Bangladesh e o Vietnam.
3-Indústrias de desenvolvimento de riquezas naturais
Outro eixo industrial, que no fundo replica de forma mais abrangente aquilo que se mencionou no primeiro eixo, foca-se nas riquezas nacionais, agora não agropecuárias, mas as restantes. Tem toda a lógica e racionalidade económica utilizar e transformar o que existe em Angola acrescentando-lhe valor em lugar de exportar em bruto deixando que as mais-valias sejam apropriadas por outros. Aqui temos o exemplo mais óbvio que é o do petróleo. O que tem sentido é desenvolver a indústria a jusante do petróleo: refinação, petroquímica, plásticos, fertilizantes, etc. Como referiu o perito das Nações Unidas Carlos Lopes “A questão é clara: não é virar as costas a uma riqueza, como o petróleo, mas integrá-lo na transformação e fazer com que Angola seja um país que aposta na transformação da sua matéria prima em vez de a exportar bruta. Isso significa investir, além na refinação, na petroquímica, na produção de fertilizantes, etc”[9]
4-Futuro: energias renováveis e digitais
O eixo final liga-se às energias renováveis e à transição digital. É hoje um dado assente que existe uma procura da substituição do petróleo por energias limpas e renováveis. No Reino Unido, anunciou-se o objetivo de em 10 anos se terminar com a circulação de automóveis a gasolina ou gasóleo. A eletricidade gerada por energias renováveis parece ser o futuro. Grandes empresas petrolíferas como a BP ou Aramco transformam-se ou abraçam estas áreas. Ora Angola dispõe de excelentes condições naturais para essa aposta em energias renováveis. Desde logo energia solar. Um nicho industrial à volta da energia solar e da produção de eletricidade seria uma aposta a considerar de forma muito séria.
Do ponto de vista da transição digital, Angola poderá efetuar um salto qualitativo importante utilizando as técnicas digitais para o desenvolvimento de aplicações para a massificação da educação básica e secundária, para a saúde básica e na área financeira. Aqui temos uma indústria de aplicações digitais para ensino, saúde e banca que poderia ser desenvolvida em Angola por angolanos conjugando imediatamente uma sinergia entre a aposta na saúde e educação a par da industrialização digital.
IV-Coordenação do projeto de relançamento industrial
Por parte do Estado deve haver um empenho neste projeto que essencialmente competirá ao setor privado.
Mas o Estado deverá fazer o enquadramento jurídico e institucional, preparar estímulos financeiros e fiscais, construir infraestruturas, promover a formação de agentes capazes da mudança e estabelecer parcerias.
Para a tarefa de coordenação das atividades do Estado com vista ao relançamento industrial deveria existir um coordenador dependente diretamente do Presidente da República: um Czar do Projeto Industrial.
Fig. n.º 6. Papel do Estado no relançamento da indústria
[1]Nuno Valério e Maria Paula Fontoura, A evolução económica de Angola durante o segundo período colonial — uma tentativa de síntese, Análise Social, Quarta Série, Vol. 29, No. 129 (1994), pp. 1193-1208, p.1193.
https://www.cedesa.pt/wp-content/uploads/2020/12/industrializacao.jpg168300CEDESA-Editorhttps://www.cedesa.pt/wp-content/uploads/2020/01/logo-CEDESA-completo-W-curvas.svgCEDESA-Editor2020-12-23 09:00:312021-01-08 11:33:17Um projeto de industrialização para Angola
Angola depositou a ratificação da adesão à Zona de Comércio Livre Continental Africana (ZCLCA) no passado dia 4 de Novembro de 2020, depois da Assembleia Nacional ter aprovado para ratificação a 28 de Abril do presente ano, e do Presidente da República ter assinado Carta de Ratificação, a 6 de Outubro.
A entrada em vigor do acordo está agendada para o próximo dia 1 de Janeiro de 2021.
A ZCLCA foi ratificada até agora por 30 países e, numa primeira fase, levará à eliminação das tarifas sobre 90% dos produtos. Além disso, o acordo compromete os países a liberalizar progressivamente o comércio de serviços e a lidar com uma série de outras barreiras não tarifárias, como os longos atrasos nas fronteiras nacionais que dificultam o comércio entre os países africanos. Eventualmente, no futuro a livre circulação de pessoas e um mercado único de transporte aéreo africano poderão surgir dentro da área de livre comércio recém-criada.
O objetivo deste acordo é criar a maior zona de livre comércio deste género no mundo, com um mercado gigantesco do Cairo à Cidade do Cabo. A ZCLCA reúne 1,3 mil milhões de pessoas e um produto interno bruto (PIB) combinado de mais de US $ 2 triliões.
Essencialmente, objetivos comerciais do acordo são:
-Criar um mercado único, aprofundando a integração económica do continente;
-Auxiliar a movimentação de capitais e pessoas, facilitando o investimento;
-Avançar para o estabelecimento de uma futura união aduaneira continental.
Como referido, o acordo inicialmente requer que os membros removam as tarifas de 90% dos bens, permitindo o livre acesso a mercadorias, bens e serviços em todo o continente.
Quadro nº 1 – Objectivos da ZCLCA
2-O impacto da ZCL no comércio externo de Angola
Uma modelagem recente da Comissão Económica das Nações Unidas para a África (UNECA) projeta que o valor do comércio intra-africano seja entre 15% e 25% mais alto em 2040 devido à ZCLCA. A análise também mostra que se espera que os países menos desenvolvidos experimentem o maior crescimento no comércio intra-africano de produtos industriais até 35%1.
Não havendo dúvidas que a inserção numa zona de comércio livre aumenta o comércio externo dum país, tal deverá acontecer em Angola, apontando-se, face aos dados das Nações Unidas, para um reforço em pelo menos 25% do comércio externo com a restante África até 2031.
Esta percentagem surge da ponderação da modelagem da UNECA acima referida com fatores específicos em curso em Angola2 como a aposta política na liberalização e diversificação da economia, a operacionalização de algumas estruturas de transportes internacionais como a finalização do Aeroporto Internacional de Luanda, a entrada em funcionamento do porto de águas profundas do Caio, bem como o funcionamento do Corredor do Lobito; um corredor ferroviário para tráfego internacional de mercadorias com início no Porto do Lobito (Benguela) e que integra três países — Angola, República Democrática do Congo e Zâmbia — sendo desejo do governo que seja um dos principais eixos de circulação de matérias-primas e mercadorias nos territórios que atravessa.
Há uma conjugação tripartida que potencia o crescimento a médio prazo de Angola:
a liberalização e diversificação da economia angolana com o fabrico de novos produtos (alguns em que Angola se havia especializado no tempo colonial e depois abandonado) e serviços,
a adesão à zona de comércio livre africana, e
a construção de infraestruturas logísticas de transportes.
Esta interação é fundamental para que a adesão a uma zona de comércio livre tenha sucesso. A zona de comércio livre será o propulsor de crescimento que por sua vez é acelerado pela combinação da diversificação económica e novas estruturas logísticas. As reduções tarifárias podem desempenhar um papel significativo no desenvolvimento do comércio intrarregional, mas devem ser complementadas por políticas de redução dos estrangulamentos não tarifários (por ex. logística).
3- Aumento do comércio externo e crescimento económico em Angola
A previsão é que o resultado desta interação seja um aumento do comércio internacional que acarretará um crescimento mais acelerado do Produto Interno Bruto (PIB).
Em princípio um aumento do comércio internacional leva a um crescimento do PIB3.
Nos últimos dois séculos, a economia mundial experimentou um crescimento económico positivo sustentado e, no mesmo período, esse processo de crescimento económico foi acompanhado por um crescimento ainda mais rápido do comércio global. De forma semelhante, descobrimos que também há uma correlação entre o crescimento económico e o comércio: países com maiores taxas de crescimento do PIB também tendem a ter maiores taxas de crescimento no comércio.
Entre os potenciais fatores de crescimento que podem advir de uma maior integração económica global estão: Concorrência (as empresas que não adotam novas tecnologias e não cortam custos têm maior probabilidade de fracassar e serem substituídas por empresas mais dinâmicas); Economias de escala (as empresas que podem exportar para o mundo enfrentam maior procura e, nas condições certas, podem operar em escalas maiores onde o preço por unidade de produto é menor); Aprendizagem e inovação (as empresas ganham mais experiência e exposição para desenvolver e adotar tecnologias e padrões da indústria de concorrentes estrangeiros).4
No geral, a evidência disponível sugere que a liberalização do comércio melhora a eficiência económica. Essa evidência provém de diferentes contextos políticos e económicos e inclui medidas micro e macro de eficiência. Esse resultado é importante, pois mostra que há ganhos com o comércio que implicam aumento do PIB.
É difícil calcular o impacto no PIB de um incremento de 25% até 2031 do comércio entre Angola e o resto de África. Na verdade, o comércio de Angola com os restantes países de África representava em 2019 apenas 3% do total do comércio externo do país5. Admitimos que a ZCLCA faça aumentar esse número em 25%, provocando um incremento no comércio total angolano entre 0,75% a 1% face ao peso relativo mencionado.
Nesse sentido, uma perspetiva conservadora baseada em dados históricos de relação entre aumento de comércio e crescimento do PIB de outros países com muitas diferenças entre si aponta como possível uma relação de 1:1. (Ver quadro abaixo que permite estabelecer essa correlação com alguma segurança).
Quadro nº 2 – Crescimento PIB e Comércio em vários países (fontes: as referidas no Quadro)
Nesse caso, o incremento do comércio externo até 2031 implicaria um acréscimo médio do PIB anual ao crescimento do PIB entre 0,75% a 1% entre 2021 e 2031 em Angola derivado do funcionamento da ZCLCA. Se por exemplo, para 2022 existisse uma previsão de crescimento do PIB de 2% sem ZCLCA, com ZCLCA essa previsão poderia alcançar os 2,75% a 3% e assim sucessivamente
Note-se que esse resultado só é possível se os seguintes condicionantes se verificarem:
-Efetivo funcionamento da zona de comercio livre;
-Liberalização e diversificação da economia angolana;
-Concretização e operacionalização de projetos logísticos de transportes (aeroporto, porto de águas profundas, e caminho-de-ferro internacional).
O enquadramento político que o governo angolano quer dar à economia de incremento das reformas estruturais e concorrência vai de encontro às vantagens que podem surgir do incremento das trocas comerciais com o resto de África.
Além do mais as políticas públicas devem abordar os custos de ajustamento da integração comercial:
Fomentar a produtividade agrícola em economias menos diversificadas;
Em alguns países, mobilizar a receita fiscal interna para compensar as perdas;
Usar programas sociais e de formação direcionados para facilitar a mobilidade dos trabalhadores entre indústrias para mitigar os efeitos adversos na distribuição de rendimentos.
3-Conclusões
Em conclusão:
É possível antever um crescimento do comércio externo de Angola com África em 25% até 2031 se a Zona de Comércio Livre Africana for realmente implementada e as políticas internas forem as adequadas.
Esse crescimento poderá originar um crescimento médio anual da economia nesses anos de 0,75 % a 1%.
2 A modelação que adotamos atribui um peso de 60% às previsões da UNECA (que funcionam como mecanismo propulsor) e de 40% aos fatores internos em desenvolvimento domesticamente mencionados (mecanismo acelerador), acreditando que é da combinação virtuosa entre os dois que será possível exponenciar o crescimento do comércio.
3 Frankel, J. A., & Romer, D. H. (1999). Does trade cause growth? American economic review, 89(3), 379-399.
6 https://www.imf.org/en/Countries/AGO / Outubro de 2020. As projeções com ZCL são da nossa exclusiva responsabilidade, embora baseadas nas previsões do FMI de Outubro de 2020 e implicam a verificação de todas as condições prescritas no texto.
https://www.cedesa.pt/wp-content/uploads/2020/12/zcl2.jpg8101440CEDESA-Editorhttps://www.cedesa.pt/wp-content/uploads/2020/01/logo-CEDESA-completo-W-curvas.svgCEDESA-Editor2020-12-05 07:28:002020-12-02 12:29:28A Zona de Comércio Livre Africana aumenta o crescimento económico de Angola
Resumo: A agropecuária é um dos sectores em que Angola tem mais vantagens competitivas para diversificar a economia, podendo transformar-se no seu novo “petróleo”. É fundamental seguir um Plano de Desenvolvimento da Agropecuária em que o Estado tenha um papel impulsionador e o sector privado nacional e estrangeiro venha a ser o grande ator, a par dos pequenos agricultores. Neste estudo é enunciada uma estratégia para o desenvolvimento acelerado do sector, tornando Angola autossuficiente e também exportadora do ponto de vista alimentar.
Introdução
Angola não é só petróleo e diamantes. Aliás, a instabilidade
do preço do petróleo aliada à intenção política do novo governo de cortar com
as práticas corruptas do passado, e à criação de um modelo económico de
desenvolvimento assente na competição e diversificação da economia, impõe que
se olhe para outros sectores da economia angolana como fontes de crescimento.
Um dos sectores mais promissores e com mais potencial é a
agropecuária. Há neste momento uma conjugação de fatores que a tornam uma das
apostas mais rentáveis para o investimento em Angola.
Até ao momento este sector não tem tido um peso especial no
PIB angolano, como se verá no quadro abaixo, razão pela qual o seu potencial de
crescimento é enorme.
Fig. n.º 2 A agropecuária no PIB de Angola (2014 e 2017).
Fonte BNA
O que se verifica neste quadro é que a participação do
sector Agropecuário no PIB tem vindo a aumentar percentualmente desde 2014
(linha laranja), embora o seu contributo em termos de Valor Acrescentado Bruto
(linha azul) e o seu crescimento homólogo tenha sido manifestamente
desanimador, em linha com a restante economia. Temos aqui um problema de
produtividade e de menorização deste sector. Ora esta situação tem resultado de
uma política errada, tendo em conta as potencialidades naturais de Angola nesta
área, bem como o passado económico que já foi de sucesso.
Há que desenvolver uma estratégia adequada para o sector agropecuário.
Esta estratégia vê a agricultura e a pecuária como o motor do crescimento, com
base nas suas potencialidades concretas. No fundo, um novo “petróleo” para
Angola, mas agora bem utilizado.
Vantagens comparativas naturais para a Agropecuária
Em primeiro lugar, o país tem riqueza e condições
naturais, que agora podem ser perfeitamente exploradas. Angola é um dos países
do mundo com maior potencial na agricultura, dispondo de mais de 40 milhões de
hectares de terras aráveis, abundantes recursos hídricos, e energia solar radiante
ao longo de todo o ano.
Na verdade, os dados apontam para que Angola tenha
capacidade para ser exportadora de alimentos para a crescente população
mundial, pois conta com uma área de 53 milhões de hectares aráveis, dos quais
pouco mais de 10 % estão a ser utilizados para o efeito, apresentando-se o país
como o 16º no mundo em termos de potencial agrícola. Portanto, de importador de
alimentos pode, devido às suas condições naturais, vir a tornar-se um grande
exportador de alimentos.
Esta potencialidade é reforçada pela existência de
diversas vantagens comparativas angolanas. Além das acima mencionadas, merecem
ainda destaque a existência de terras com chuvas adequadas, topografia plana, rios
de bom caudal que permitem captação para irrigação, altitude para boas
produções agrícolas de vários cereais. Devido às condições favoráveis em boa
parte do território, é possível realizar uma colheita anual sob regime de
chuvas (sequeiro) e 2,5 colheitas anuais em projetos com regadio. A pequena
distância até aos portos (de 400 a 1.000 km) e a proximidade com o mercado
asiático e africano, oferece a Angola o menor custo de frete como vantagem
competitiva, quando comparada com outros países onde as áreas agrícolas podem chegar
a estar afastadas 1.500 km dos portos.
Figura n.º 3- Vantagens comparativas para a agropecuária
em Angola
Contudo, a fertilidade dos solos é baixa, pois cerca de 45,35%
dos solos são ferralíticos. As pesquisas levadas a cabo no passado, pelo então
Instituto de Investigação Agronómica de Angola, mostraram que 92% dos solos
angolanos apresentavam carências de azoto, e 94% tinham carência de fósforo. O
azoto e o fósforo são os dois nutrientes cuja ausência mais limita a
produtividade dos solos tropicais, e em particular dos angolanos. No entanto, no
período colonial, a agricultura teve um papel muito relevante na economia,
satisfazendo a maior parte das necessidades alimentares do mercado nacional, e
exportando a produção das culturas de rendimento: café, algodão, sisal e
banana. Os estudiosos atuais fundamentam o sucesso desta produção agrícola no conhecimento
científico e técnico dos solos de Angola, através da especialização dos engenheiros
agrónomos de então em questões de pedologia e em problemas respeitantes à
fertilidade dos solos.[1]
Mas o mesmo e mais aperfeiçoadamente pode ser feito hoje. “Essencialmente a agricultura nos solos de Angola
só difere das áreas com solos mais férteis na correção da pobreza natural de
nutrientes e de sua acidez. Uma vez superada essa limitação, a agricultura
angolana equiparar-se-á à escala mundial”.[2]
Portanto, a baixa fertilidade dos solos pode ser corrigida adequadamente, e não
constitui um obstáculo insuperável ao desenvolvimento do sector.
Criação de clima político favorável
Como já referimos, no passado Angola chegou a ser um dos
maiores exportadores mundiais de café, algodão, sisal, milho, mandioca e
banana.
Tendo Angola excelentes condições naturais, como se enunciou
acima, a chave do seu futuro sucesso remete para as políticas públicas, a boa gestão
e a correta utilização de tecnologias agrárias. E é neste âmbito que estão a
surgir desenvolvimentos promissores.
Há uma nova abertura ao investimento estrangeiro, que se
está a traduzir em várias medidas legais que obedecem a dois vetores: por um lado,
permitir que esse investimento surja em Angola sem restrições protecionistas
que obrigavam a sócios locais; por outro, a simplificação administrativa e
burocrática na instalação de empresas e atividades económicas no país. Existe
uma tentativa séria do governo de criar um ambiente político, legal e
burocrático favorável ao investidor estrangeiro e de diversificação da economia.[3]
Neste âmbito terão especial destaque as privatizações. Inseridos no pacote de
privatizações, além das terras para cultivo e pasto, estão previstos incentivos
equivalentes a cerca de 2 mil milhões, entre garantias e linhas de crédito
asseguradas junto de bancos, FMI, BNA, Banco Africano de Desenvolvimento e
Banco Mundial. Na área da agroindústria, o governo pôs a concurso 17 ativos
entre matadouros, entrepostos frigoríficos e fábricas de transformação de
tomate e banana, com uma referência de licitação de $61,1 milhões. Na agropecuária
há várias fazendas à venda, com fábricas, silos e secadores num total de 43 mil
hectares, e a referência para licitação é de $110 milhões. Na verdade, uma boa
parte das privatizações ocorridas até ao momento são na agroindústria.
UM PLANO AGROPECUÁRIO PARA ANGOLA
Face ao exposto, é facilmente percetível que é
fundamental gizar e implementar um Plano Agropecuário[4]
ambicioso para Angola. Esse Plano terá como desígnios:
Produção de alimentos para consumo interno e exportação
Neste âmbito, deverá ser promovida a produção dos
seguintes produtos:[5]
milho e
transformação em fuba, rações;
mandioca e
transformação em fuba; farinha torrada; tapioca; etc;
arroz;
feijão;
soja,
transformar em óleo e produtos para uso humano e para rações;
girassol,
transformar em óleo e produtos para uso humano e para rações;
amendoim,
transformar em óleo e componentes alimentares;
batata rena;
batata
doce;
café,
processamento e torrefação;
frutas
tropicais, produto in natura e fornecimento para fabricação de
sumos;
gado bovino
para corte, produção de carne e cortes processados, e pele;
gado bovino
para leite, produção de leite e derivados;
gado suíno
para corte, produção de carne e pele;
aves para
corte, produção de carne de frango e cortes processados;
avicultura
de postura, produção de ovos.
Crescimento económico e aumento do bem-estar da população, em especial a rural
O sucesso do Plano implicará a geração de novos empregos
e negócios, a fixação de populações rurais e qualificação da sua mão de obra, o
que implica menor êxodo rural e consequente diminuição da pressão sobre a
infraestrutura urbana. Há que enfatizar o potencial de criação de autoemprego e
de novos empregos que este Plano contém.
Como objetivo último, o crescimento económico do país sem
estar assente no petróleo, e o incremento das exportações, que permite obter
mais divisas. Também a segurança alimentar fica assegurada.
Pressupostos físicos do Plano
O objetivo físico do Plano é alcançar 836.866 hectares
cultivados com grãos (corresponde a 0,67% da superfície do País) e 3,9 milhões
de hectares em pastagens (corresponde a 3,1 % da superfície do País).
Uma estimativa bastante aproximada da necessidade de produtos
e respetivas áreas a serem cultivadas, para suprir as necessidades eliminando
as importações, é dada pelo quadro seguinte:
Figura n.º 4 – Necessidade de produtos agrícolas
Figura n.º 5- Necessidades de produção animal
O valor agregado da produção adicional, dependendo das
oscilações dos preços no mercado, oscilará entre 2,5 mil milhões e 4 mil
milhões de USD.
Figura n.º 6 – Objetivos básicos do Plano agropecuário
No início da década de 70, Angola chegou a ter 200.000
juntas de bois que eram responsáveis pelo cultivo de 1,2 milhões de hectares,
pelo que, mais de 40 anos depois, com os avanços da maquinaria, equipamentos agrícolas,
e das tecnologias de produção, não é uma meta ousada prever o cultivo de
836.866 hectares em grãos (soma das tabelas em área para lavoura, não incluindo
pastagens ), e 213.134 hectares em outras culturas, tanto para exportação como
para consumo interno (café; cana; soja; algodão), totalizando 1.050.000
hectares cultivados.
Regras de Política e Planeamento
O que está em
causa não é a falta de condições agrícolas, de solos adequados, de elementos
geográficos. Tudo isso existe. O fundamental é uma adequada política e gestão
de solos e da produção.
O aumento da produção agrícola pode ser alcançado através
da expansão da área cultivada, ou através da intensificação, isto é, aumento da
produtividade da terra cultivada. Em Angola, dever-se-á optar por uma abordagem
conjunta, de modo a adotar uma exploração sustentável e não destruidora do
ambiente, procurando-se que não haja um excesso de utilização do solo, nem um
exagero de conquista de novos solos para a agricultura que perturbem os
equilíbrios do ecossistema.
Regras político-administrativas
Em termos político-administrativos, além da abertura geral
ao investimento privado e estrangeiro e a criação de um clima seguro para os
negócios que abordamos no início deste texto, existem duas regras fundamentais
a seguir:
– A primeira é a da definição clara e garantida por lei
dos direitos de propriedade de cada um, quer em caso de propriedades coletivas quer
pertencentes a aldeias ou clãs, a sua especificidade e atribuição transparente
de direitos e deveres.
– Em segundo lugar, é preciso adaptar a máquina
administrativa a este esforço, e assim, antes de qualquer intervenção rural, ao
nível da Administração Pública deve-se proceder à remoção de obstáculos
administrativos e burocráticos associados ao registo e emissão de licenças
comerciais, com vista a simplificar drasticamente o fornecimento de licenças
comerciais de exportação e de importação.
Figura n.º 7 – Regras político-administrativas
Gestão agropecuária
Este Plano agropecuário, que visa tornar Angola um país autossuficiente
e exportador de bens alimentares, desenvolver-se-á por três eixos práticos:
1 – Privatização
Há que privatizar as empresas agropecuárias. Neste âmbito
estão as quatro fazendas agropecuárias de Camaiangala, Longa, Sanza Pombo e
Cuimba, com aproximadamente 45 mil hectares, que entraram num processo de privatização
e estão avaliadas em cerca de USD 110 milhões. O Presidente da República foi
claro ao declarar que, no sector agrícola, o Estado tinha tido maus resultados
em grandes fazendas que não produzem quase nada. Afirmando que não se deve
persistir no erro, devem-se privatizar essas empresas do sector agrícola.
2 – Agricultura familiar e pequenos agricultores
A produtividade dos “pequenos agricultores” por
meio da difusão de fertilizantes e sementes melhoradas, juntamente com o
estabelecimento de esquemas de crédito e a expansão das infraestruturas –
sistema rodoviário, melhoria da atenção primária à saúde, educação primária e
abastecimento de água – será um dos eixos essenciais da nova estratégia
agro-pecuária.
Aqui o objetivo é empregar a mão de obra familiar em
pequenas propriedades até 50 ha de área. Podem ser implantadas nas aldeias e
comunas, com forte apoio técnico, com o planeamento de produtos a serem
cultivados, dependendo das condições naturais e das necessidades do País.
Neste módulo de produção, utilizando mão de obra familiar
e com utilização intensiva de pequenas áreas de 5 a 50 ha, visa-se o
abastecimento interno, e num futuro próximo a exportação de frutas.
Recomenda-se o início do projeto com as culturas de milho, feijão, mandioca,
legumes, verduras e frutas em geral. A fruticultura de exportação poderá ser
explorada por pequenos e médios produtores, trazendo receitas ao País e
melhoria da renda média no campo.
Note-se que, para ter sucesso, esta iniciativa terá de
contar com técnicas modernas de cultivo que aumentem a produtividade das terras.
Para que essas técnicas cheguem ao destino é necessária adequada formação e financiamento,
em termos que descreveremos adiante em capítulo próprio.
Figura n.º 8- Eixos de Desenvolvimento agropecuário
Grandes fazendas
Produção de grãos
As grandes fazendas permitirão as economias de escala e a
utilização de tecnologia que assegura uma elevada produtividade. Pretende-se
criar 83 fazendas de 10.000 hectares cada uma, num total de 830.000 hectares.
Estas grandes explorações serão adjudicadas ao sector privado, obedecendo a uma
parametrização clara que é a necessidade destas fazendas contarem com a mais
avançada tecnologia. Havendo uma utilização intensiva de irrigação, esta
permitirá a existência de 2,5 colheitas por ano.
Pecuária
Angola tem uma grande área de capim nativo que poderá ser
utilizado com sucesso na produção pecuária, com resultados económicos muito positivos.
Para se interromper as importações há necessidade de um acréscimo no rebanho de
3,8 milhões de cabeças, com genética predominante zebuína, por apresentar boa
conversão alimentar das pastagens tropicais e ter boas taxas reprodutivas no
clima tropical. Calculando-se uma taxa de lotação de 1 animal por hectare, há
uma necessidade de 3,8 milhões de hectares de pastagens entre nativas e
cultivadas. Para as áreas semiáridas do Sul,
devem-se calcular 5 hectares por bovino, mas a menor oferta de alimento diminui
as taxas reprodutivas com relação ao planalto onde o regime de chuvas é de maior
volume, proporcionando melhor desempenho para o rebanho.
Há a necessidade de abate anual de 763.000 bois, para se
interromper as importações. Portanto, é necessário um acréscimo no rebanho
atual de 3,8 milhões de cabeças, entre vacas, touros, vitelos, e bois até 2
anos. No 1º ano implementam-se as infraestruturas, e no 2º ano importam-se os
animais.[6]
Poderá haver importação num primeiro momento um rebanho de 200.000 vacas e
7.000 touros em 30 fazendas de 20.000 hectares cada, planeando sucessivamente
as futuras expansões.
Naquilo que se refere ao leite, para atender à atual procura
deverão ser implantadas 56 fazendas com capacidade de produção de 10.000 litros
por dia cada uma, com produção intensiva sob sistema de free stall
(confinamento). Cada fazenda terá 500 vacas em lactação, com média de produção
de 20 litros por vaca. O custo estimado de implantação por fazenda, a ser confirmado
por estudo de viabilidade económica, é de USD 6,89 milhões por fazenda,
portanto para o país ser autossuficiente em leite há uma necessidade de
investimento da ordem de USD 385 milhões. As regiões mais adequadas para esta
produção seriam Kwanza Sul, Huambo, Bié, Huila.[7]
A carne de frango é a carne mais consumida em Angola, com
um consumo de 8,3 kg/habitante/ano; pelos dados das Alfândegas as importações
de 2011 resultaram num consumo de 13,9 kg/habitante/ano. Para suprimir as
importações é necessário o abate de 448.025 frangos por dia, com estrutura de
criação de 2400 naves de 800 m² para criação, fábrica de ração e matadouros montados.
O Estado investirá, como se verá abaixo no ordenamento do
território, através de benefícios fiscais, delimitação de parcelas, infraestruturas
e formação, e assegurará em parte programas de financiamento, mas competirá aos
investidores privados lançarem estes projetos.
Figura n.º 9 – Quadro
das Grandes Fazendas a implantar
Formação e financiamento
Financiamento
Será estabelecido um esquema de financiamento original
através duma instituição financeira paraestatal resultante de uma parceria
entre Estado/ Organizações Internacionais e Empresas. Os empréstimos não serão
em dinheiro, mas em equipamento, tecnologia, etc. Cedem-se os utensílios
necessários à produção. Esta abordagem pragmática torna mais fácil a
recuperação e a garantia da sua utilização.
Formação
A formação terá os seguintes objetivos:
– Preparar e qualificar mão de obra nacional em várias
especialidades e níveis;
– Introduzir know-how adequado, com tecnologias,
técnicas e mão de obra qualificada;
Quanto à formação, será estabelecido um programa alargado
de aprendizagem com dois vetores essenciais: o básico do cultivo da terra, e o
técnico. O vetor básico será alargado a todos os potenciais agricultores,
sobretudo jovens desempregados, e consistirá no ensino do manejo dos utensílios
e técnicas básicas da agropecuária. Será estabelecida uma rede público-privada
por todo o país para treino dos agricultores.
A mesma rede também se encarregará de proporcionar o
ensino médio técnico para criar peritos agrícolas que introduzam as técnicas
adequadas para aumentar a produtividade da terra.
Esta rede será impulsionada pelo governo, mas tenderá a
basear-se nos contributos da sociedade civil e também em parceiras externas com
instituições brasileiras, uma vez que o Brasil é líder mundial na produção
agropecuária em clima tropical. Portugal, pela sua experiência bem-sucedida no
passado na agricultura angolana, será outra fonte de parcerias.
Papel do Estado e investimento privado e estrangeiro
Este Plano assume que o Estado tem um papel fundamental,
mas não poderá fazer tudo, bem pelo contrário. O Estado apontará os caminhos
estratégicos, criará as redes de formação, promoverá a instituição financeira
de base, dará o enquadramento legal, estabelecerá as regras e prioridades no
ordenamento do território, mas não será o investidor único, nem o principal. Os
investidores serão privados, quer nacionais, quer estrangeiros, que se adequarão
às linhas estratégicas do Plano.
Estratégia global e enquadramento legal
Competirá ao Estado definir a estratégia global inicial
para o relançamento do sector agropecuário indicando os passos essenciais a dar,
procedendo ao devido enquadramento legal, definindo os direitos de propriedade,
promovendo a desburocratização e criando um clima favorável ao investimento.
Rede de Formação
O Estado será o promotor e coordenador da rede de
formação agropecuária, articulando com os vários atores públicos, privados e
internacionais, uma vasta rede autónoma e modular de centros de ensino e
formação agrícola.
Instituto Financeiro de Desenvolvimento Agropecuário
O Estado estabelecerá esta instituição financeira e
dar-lhe-á os meios para começar a agir, além de ir buscar os sócios privados e
internacionais para o desenvolvimento do projeto. Note-se que o fulcro não é
emprestar dinheiro, mas sim maquinaria, equipamento e sementes. Assim,
poder-se-ão associar algumas empresas fabricantes industriais para a cedência de
equipamento ou sementes.
Ordenamento do Território
O Estado indicará as zonas do território em que cada uma
das atividades agrícolas ou pecuárias se poderá desenvolver, desenhando e
emparcelando as áreas geográficas das grandes fazendas que serão adjudicadas ao
sector privado e internacional para exploração económica.
Privatizações
Todas as explorações agrícolas e pecuárias estatais que
sejam deficitárias serão privatizadas.
Infraestruturas
Esta tarefa tradicional do Estado continuar-lhe-á
cometida, cabendo-lhe, entre outras tarefas, construir e financiar Centros de
Investigação adequados ao Plano, bem como silos, redes de frio, e promover a
exploração de minas de calcário para permitir a fertilização dos solos – mais
concretamente aplicar calcário ao solo (a sua calagem), etapa do preparo do
solo para o cultivo agrícola em que materiais de carácter básico são
adicionados ao solo para neutralizar a sua acidez.
Figura n.º 10 – Atividades do Estado
O investimento privado e estrangeiro terá um papel
fundamental neste plano, pois será o efetivo motor e agente de inovação no projeto.
O Estado funcionará como catalisador e kick-start, mas depois competirá
aos empresários e pequenos agricultores trabalhar afincadamente para o sucesso
do Plano.
Planeamento e ordenamento do território
Dos estudos já efetuados considera-se que as Províncias
com maior aptidão para a agricultura e a pecuária em larga escala, com melhor
índice de chuvas e solos, são Malange, Kwanza Norte, Kwanza Sul, Uíge, Huambo, Bié
e Huila. Províncias onde a cultura da soja e pecuária de corte poderiam ser
desenvolvidas devido às suas características são: Lunda Norte, Lunda Sul e Moxico.
Províncias da zona costeira onde se poderá desenvolver ou a fruticultura tropical
irrigada, ou a pecuária de corte extensiva: Cabinda, Zaire, Bengo, Luanda, Benguela,
Namibe, Cunene, Kwando Kubango.
Em termos de afetação da produção, vislumbra-se a
seguinte distribuição:
– Bengo, Kwanza Norte e Zaire: milho, feijão,
caju, mandioca, frutos tropicais, amendoim, girassol, bovinos, caprino, aves,
fábrica de fuba, fábrica de sumos, fábrica de óleo, fábrica de ração.
Infraestruturas necessárias: matadouro, centro de
investigação, minas de calcário, rede de frio, silos.
– Kwanza Sul, Huambo e Bié: milho, feijão, soja,
trigo, batata rena, frutas de clima temperado, gado bovino e caprino, aves,
fábrica de fuba de milho, fábrica de óleo, fábrica de lacticínios.
Infraestruturas: matadouro, centro de investigação, rede
de frio, fábrica de adubo, silo.
– Uíge e Malange: milho, feijão, arroz, algodão,
frutas tropicais, gado bovino e caprino, aves, transf. milho, fábrica de sumos,
fábrica de alimentos.
Infraestruturas: matadouro, centro de investigação, minas
de calcário, rede de frio, silos.
– Moxico e Lunda Norte: arroz, batata rena, batata doce, amendoim,
bovinos, caprinos, aves, fábrica de alimentos, fábrica de óleo.
Infraestruturas: matadouro, minas de calcário, silos,
rede de frio.
– Kwando Kubango: cebola e alho, frutas de clima
temperado, bovinos, caprinos, fábrica de alimentos.
Infraestruturas: matadouro, centro de investigação, rede
frio.
[4] Baseado nos aspetos técnicos reportados em Rodolfo Wartto Cyrineu e Carlos
E. F. Salgado, Plano Agro-Pecuário para Angola, Suporte Rural, Luanda,
2014.
https://www.cedesa.pt/wp-content/uploads/2020/06/agropecuaria-1.jpeg520800CEDESA-Editorhttps://www.cedesa.pt/wp-content/uploads/2020/01/logo-CEDESA-completo-W-curvas.svgCEDESA-Editor2020-06-15 10:20:462020-06-15 10:20:49PLANO AGRO-PECUÁRIO DE ANGOLA: DIVERSIFICAR PARA O NOVO “PETRÓLEO” DE ANGOLA
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