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Sinais e previsões de Verão para a economia angolana

Sinais

Os últimos números disponíveis do Instituto Nacional de Estatística acerca da economia angolana apontam para um decréscimo do PIB no 1.º trimestre de 2021 na ordem dos -3,4%, uma taxa de desemprego no mesmo trimestre de 30,5%, e uma taxa de inflação homóloga com referência ao mês de julho de 2021 de 25,72%[1] Nenhum destes números que refletem as grandezas macroeconómicas é animador no curto-prazo.

Contudo, há outras realidades económico-financeiras a considerar para se ter uma visão global do movimento em curso na economia angolana, e que permitem ter uma perspetiva mais otimista.

Em primeiro lugar, ao nível do saldo orçamental e da dívida pública, elementos essenciais do programa de apoio do Fundo Monetário Internacional (FMI) a expectativa é que o saldo orçamental de 2021 seja positivo, possivelmente acima dos 2% do PIB (adiante apresentaremos a nossa previsão). Em relação à dívida pública, como aliás havíamos previsto em anteriores relatórios, a sua sustentabilidade encontra-se consolidada, tal como reconhecido pelo representante do FMI em Angola muito recentemente (mais abaixo estará a nossa previsão).[2]

Em termos de taxa de câmbio com referência ao mês de julho de 2021, o Kwanza já se já apreciou 1,8% em relação ao dólar e 6,1% no que respeita ao euro, desde janeiro de 2021, quebrando forte período de forte desvalorização iniciado em 2018. A isto acresce que 3,5 anos depois da flexibilização cambial o gap entre as taxas no mercado formal e no informal está abaixo do objetivo de 20% anunciado pelo banco central na altura da liberalização, situando-se entre os 7% e 8% para o dólar e euro respetivamente. Note-se que no momento antecedente da liberalização o mesmo gap era de 159% e 167%.

Figura 1 – Variação da Taxa de Câmbio do Kwanza face ao dólar e euro (julho 2021)

Atualmente, alguns setores já anunciam o aumento da rentabilidade das exportações em virtude da política cambial favorável. É o caso do cimento, onde Pedro Pinto CEO da Nova Cimangola assegura que “Para potencializar as exportações a desvalorização da moeda ajudou, porque todos os custos que a empresa tem em moeda nacional, em dólares ficaram mais baixos e aumentou, desta forma, a competitividade da empresa para colocar produtos no mercado internacional. Ou seja, todos aqueles produtos que continuamos a comprar em Kzs e que não sofreram grandes variações de preços em dólares ficaram mais baixos e, portanto, permitiu que a empresa tivesse maior rentabilidade com as exportações.[3]

Referência também para o PRODESI (Programa de Apoio à Produção, Diversificação das Exportações e Substituição das Importações), que rendeu desde o início do ano mais de USD 29 milhões de dólares. Como principais produtos exportados, sublinhe-se o cimento, a cerveja, a embalagem de vidro, a banana, os sumos e refrigerantes e o açúcar[4].

Estes movimentos refletem-se ao nível da balança comercial. A balança comercial de Angola registou, no 1º semestre de 2021, um superavit de USD 8.381,9 milhões,[5] um aumento de 40,2 % face aos resultados registados no 2º semestre de 2020 (USD 5.978,8 milhões)[6]. Dentro deste quadro, registou-se um aumento das exportações em 25% naturalmente ainda influenciado pelo aumento das exportações do sector petrolífero em 28,4%.

Figura 2 – Balança Comercial de Angola e Trocas comerciais com a China

Mas também há que registar um aumento importante do comércio com um dos principais parceiros comerciais de Angola, a China. “As trocas comerciais entre Angola e China aumentaram 23,9% no primeiro semestre de 2021, para 10.550 milhões de dólares (8.985 milhões de euros), face ao período homólogo”[7]. De acordo com Gong Tao, embaixador da China em Angola, apesar dos efeitos adversos causados pela pandemia de covid-19, as empresas chinesas mantêm interesse em investir em Angola, salientando como exemplo as recentes construções de fábricas, uma dedicada à produção de azulejos e outra habilitada para a produção de contadores de energia e água.

Previsões de Verão 2021

Na modelação das perspetivas que aqui apresentamos entram em conta vários fatores, entre os quais destacamos os principais. Como primeiro elemento temos o cálculo do preço do petróleo (sempre um elemento determinante na economia angolana). Admitimos que o preço do brent manterá uma ligeira tendência de apreciação situando-se a um nível entre os 65 USD a 75 USD por barril. Faz parte também do nosso modelo uma relativa estabilização ou eventual apreciação do Kwanza face ao dólar e euro o que permite inverter algumas quebras do passado que foram meramente nominais devido à flexibilização da taxa de câmbio. Antevemos que a recuperação mundial pós-Covid-19 trará ânimo às exportações da economia angolana, como aliás já está a acontecer com a China. Finalmente, antecipamos que paulatinamente o ambiente para o investimento externo irá melhorando fruto das reformas legislativas e do empenho do poder político. Temos como exemplo recente os vários anúncios provenientes da Turquia. No final de julho de 2021, Angola e Turquia celebraram 10 acordos de cooperação, nos domínios da economia, comércio, recursos minerais e dos transportes, tendo já sido anunciado um aumento da balança comercial com Angola num valor a rondar os USD 500 milhões de dólares[8].  

Do ponto de vista dos obstáculos, há que referir a falta imensa de capital. Este é o elemento essencial para qualquer retoma sustentada, e também, a inexistência de diversificação da economia[9] e persistência da burocracia administrativa.

Tudo considerado o nosso modelo prevê que no ano de 2021 a economia angolana saia da recessão, e o crescimento do PIB atinja entre 1,4% e 1,75%.

O nosso modelo aponta para um excedente orçamental entre os 2,3% a 2,75%, dependendo da evolução do preço do petróleo até ao final do ano. E considerando a evolução da cotação do câmbio do Kwanza a nossa previsão é que em 2022, o ratio dívida pública/Produto Interno Bruto (PIB) se situe abaixo dos 100% obtendo uma maior consolidação.

Figura 3 – Modelo CEDESA – Previsões para a Economia Angolana

Consequentemente, prevê-se que o período inicial de forte ajustamento e contração da economia angolana chegue ao fim este ano, não existindo mais choques e controlando-se mundialmente a pandemia Covid-19.

O caso especial do Desemprego

Entendemos que o desemprego é um caso especial que deveria ter um tratamento diferenciado, quer estatisticamente, quer ao nível das políticas públicas. Em termos de estatísticas deve ser apurado melhor quem está ocupado com atividades informais produtivas remuneradas e quem não consegue efetivamente obter qualquer trabalho remunerado querendo. Há que evitar enviesamentos estatísticos que perturbam a adequada compreensão da realidade.

Por outro lado, é evidente que não vai ser o mercado ou a economia privada a resolverem no curto-prazo o problema da falta de emprego, sobretudo jovem. Nessa medida, apela-se às autoridades que desenvolvam um programa de tipo keynesiano de promoção de emprego eventualmente com recurso a capitais disponíveis do combate à corrupção, como temos defendido noutros relatórios. O Estado tem de gastar dinheiro na criação de emprego.


[1] Cfr. https://www.ine.gov.ao/

[2] Cfr. https://www.sapo.pt/noticias/atualidade/representante-do-fmi-em-angola-afirma-que_611bf099d1bccf29fd83b48c

[3] https://mercado.co.ao/grandes-entrevistas/a-desvalorizacao-da-moeda-permitiu-que-a-empresa-tivesse-maior-rentabilidade-com-as-exportacoes-XJ1038347

[4] https://www.angonoticias.com/Artigos/item/68811/prodesi-rende-mais-de-usd-29-milhoes-em-exportacoe

[5] https://www.bna.ao/Conteudos/Artigos/lista_artigos_medias.aspx?idc=15419&idsc=15428&idl=1

[6] https://www.angonoticias.com/Artigos/item/68824/balanca-comercial-regista-superavit-de-usd-83819-milhoes

[7] https://www.rtp.pt/noticias/economia/comercio-entre-china-e-angola-recupera-24-no-1o-semestre-apos-forte-quebra-em-2020_n1343994

[8] https://www.angop.ao/noticias/economia/angola-e-turquia-reforcam-balanca-comercial/

[9] Cfr, os elementos mais recentes sobre a participação setorial no PIB que demonstram o peso imenso e reforçado de setor do petróleo. https://www.bna.ao/Conteudos/Artigos/lista_artigos_medias.aspx?idc=15907&idsc=15909&idl=1

Clarões de otimismo na Economia Angolana no início de 2021

0-Introdução. Um diferente foco para a análise económica angolana

As consultoras que se dedicam ao estudo da economia angolana seguem uma metodologia conjuntural em que a narrativa predominante assenta nos números negativos sobre os agregados macroeconómicos e suas eventuais perspetivas.

No entanto, uma análise mais detalhada da evolução da economia de Angola sugere que por detrás dos números da inflação, do desemprego, do crescimento do PIB e da dívida pública, que são pouco animadores,[1]estão a ocorrer um conjunto de reformas políticas públicas aliadas ao reforço de determinadas tendências económicas que indicarão a construção de uma nova realidade económica mais positiva para Angola.

Este estudo versa sobre os elementos positivos que apontam para a correção do rumo da economia angolana num sentido mais consistente com a necessária prosperidade.

A-Tendências positivas na economia angolana

1-O Fundo Monetário Internacional (FMI) e a reforma das políticas públicas

Um primeiro elemento que permite lançar uma luz diferente sobre as perspetivas da economia angolana reside na recente avaliação realizada pelo FMI. Na verdade, a 11 de janeiro passado, o Conselho Executivo do FMI concluiu a quarta revisão do Acordo de Mecanismo do Fundo Alargado para Angola e aprovou o desembolso de mais USD 487,5 milhões.[2]

O importante nesta decisão é a avaliação positiva que o FMI faz da reforma das políticas públicas angolanas. Afirma o FMI que: “As autoridades [angolanas] alcançaram um ajuste orçamental prudente em 2020, que incluiu ganhos de receitas não petrolíferas e contenção de despesas não essenciais, preservando simultaneamente as despesas essenciais com redes de saúde e segurança social. A aprovação do orçamento de 2021 em dezembro consolida esses ganhos. As autoridades também permitiram que a taxa de câmbio funcionasse como um amortecedor de choques e começaram a implementar uma mudança gradual em direção a uma restrição monetária para enfrentar as crescentes pressões sobre os preços”[3].

De acordo com o que explicita o FMI, a política económica seguida pelo governo angolano desenvolve-se nos seguintes vetores:

-A estabilização das finanças públicas que é a pedra angular da estratégia das autoridades. E nesse particular, o governo alcançou um forte ajuste orçamental em 2020. Ademais, o seu orçamento para 2021 consolida os ganhos de receitas não petrolíferas e a contenção das despesas do orçamento para 2020, enquanto protege as despesas sociais e de saúde prioritárias.

Esses avanços ajudam a reduzir a dependência do orçamento das receitas do petróleo.

-Reformulação e gestão da dívida pública. O governo tem implementado acordos de reformulação do perfil da dívida, além de ter beneficiado da extensão da Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida até o final de junho de 2021, o que proporcionará um alívio significativo do serviço da dívida e ajudará a reduzir os riscos relacionados à sustentabilidade da dívida. Sobre a reformulação e gestão da dívida pública desenvolveremos abaixo.

-Política monetária restritiva e flexibilização cambial. Depois de ter atenuado a restrição monetária para mitigar o choque da COVID-19, o Banco Nacional de Angola (BNA) começou, novamente, a fazer face ao aumento das pressões inflacionistas através do aperto da política monetária. É necessário um maior aperto gradual da política monetária para reduzir a inflação. A flexibilidade da taxa de câmbio serviu como um amortecedor valioso durante a crise. Estão em curso esforços para desenvolver um mercado de câmbio liberalizado.

-Reforma do setor financeiro. O progresso contínuo nas reformas do setor financeiro foi fundamental, especialmente a conclusão da reestruturação dos dois bancos públicos em dificuldades. A adoção oportuna da revisão da Lei do BNA e da revisão da Lei das Instituições Financeiras é a chave para continuar este progresso.

Finalmente, o FMI destaca o aspeto fundamental que está subjacente a todas a reforma política que é a manutenção do combate à corrupção.

O que se vê claramente desta avaliação do FMI é que o governo está a seguir uma política reformista assente nos pressupostos enunciados por esta organização internacional, estando a implementar reformas difíceis.

É sabido que muitas destas políticas FMI têm um efeito inicial recessivo, especialmente a consolidação orçamental quando implica aumento de impostos e corte de salários e subsídios, e também a política monetária restritiva para combater a inflação. Portanto, não admira que o primeiro resultado da adoção das políticas do FMI seja a recessão e não o crescimento.

O que se espera é que esta “arrumação da casa” crie as condições para um crescimento sustentado e virtuoso da economia angolana.

Figura n.º 1-Políticas económicas do governo angolano aplaudidas pelo FMI

2-Gestão e reformulação criteriosa da dívida pública

O executivo seguiu uma estratégia adequada ao negociar inicialmente com a China a questão da dívida pública. Como descrevemos em anteriores relatórios, a dívida chinesa é chave para Angola, pois representa cerca de 50% dos compromissos externos.[4]Consequentemente, foi importante, antes de tudo garantir os termos adequados com a China, que embora não sejam do conhecimento público, aparentemente implicam um acordo de suspensão de pagamentos por três anos. Também a adesão já referida ao programa do FMI sobre suspensão de dívida permitiu margem de manobra para o governo. De referir, que os Eurobonds sobre os quais se tem escrito muito e apontado vários perigos, têm um peso menor no total da dívida angolana, rondando os USD 8 mil milhões, não havendo assim, ao contrário, do que se poderia pensar uma pressão exagerada sobre as finanças angolanas neste âmbito.

Assim sendo, por agora, a questão da pressão da dívida pública parece atenuada e dentro das capacidades de gestão do governo.

3-Recuperação meridiana do preço do petróleo

Como também tínhamos antecipado, depois de uma baixa abrupta do preço do petróleo no início da pandemia (Março de 2020) seguir-se-ia uma subida[5], que está paulatinamente a acontecer.

A realidade, é que seguindo uma tendência já bem evidente no final do ano, o barril de brent atingiu finalmente uma cotação acima dos 55 dólares, valor esse que já não era atingido desde finais de Fevereiro de 2020, o mês anterior ao início da pandemia. Sendo ainda o indicador mais relevante para a economia angolana, e considerando que o orçamento para 2021 foi calculado com base em USD 33 por barril, temos uma margem financeira de mais de USD 20. Trata-se de uma “almofada” adicional na gestão das finanças públicas angolanas.

É evidente que não se sabe por quanto tempo esta subida do preço do petróleo se manterá. O empenho da nova administração Biden no Acordo de Paris, a evolução da economia chinesa, as decisões de corte ou aumento de produção por parte da Arábia Saudita e a manutenção das restrições derivadas da pandemia Covid-19 são fatores que podem implicar uma nova descida do preço do petróleo.

Portanto, os movimentos do preço do petróleo são sempre uma incógnita e estes momentos de subida devem ser aproveitados pelo governo para reforçar as suas reservas para futuros investimentos reprodutivos e sociais.

Fig. n.º 2- Evolução do preço do Brent desde Fevereiro 2020

4-Diminuição das importações cesta básica e produção agrícola com relevância continental

A política de diversificação aliada à promoção da indústria nacional através da substituição das exportações tem sido outra “bandeira” deste governo. Esta política permite duma assentada reduzir a dependência externa e criar uma indústria nacional próspera.

Sendo ainda extemporâneo tirar qualquer conclusão definitiva sobre os resultados desta política, surgem alguns números que podem ser animadores, pelo menos em relação à dependência das importações e do gasto de divisas com o comércio externo.

Segundo dados fornecidos pelo Ministério da Indústria e Comércio, Angola conseguiu registar uma redução de quase 100 milhões de dólares na importação de produtos da cesta básica e outros bem essenciais no último mês de 2020, face ao mesmo período homólogo – dezembro de 2019. Em Dezembro de 2019, o Governo desembolsou 250 milhões de dólares para importações, enquanto que no mesmo período de 2020, apenas gastou 152 milhões de dólares[6].

Em concreto, há a assinalar a redução na importação do açúcar, que passou de 2,1 milhões de toneladas, em 2019, ao custo de 17,6 milhões de dólares, para 1.472 toneladas, ao custo de 831.121 dólares. Quanto à importação de arroz corrente, em 2019 Angola importou 136.985 toneladas no valor de 37,2 milhões de dólares e em 2020, apenas 59.505 toneladas, a um valor de 10,5 milhões de dólares. Naquilo que se refere ao frango (a carne mais consumida em Angola), é de referir também uma redução considerável, comparativamente a 2019. Nesse ano, importou-se 46.385 toneladas, por 51,5 milhões de dólares, enquanto que no ano passado, adquiriu-se apenas 32.447 toneladas, por um valor pouco superior a 25 milhões de dólares.

Figura n.º 3- Comparação das importações homólogas de produtos da cesta básica (Dez.2019/2020 em USD milhões)

Estes são apenas alguns dos produtos destacados na redução considerável das importações, contudo esta tendência revelou-se geral nos restantes produtos que compõem a cesta básica.

Para que estes números sejam considerados um sucesso é preciso cotejá-los com o consumo interno dos mesmos bens, e perceber se a diminuição de importações se deveu a uma substituição por produtos internos ou apenas reflete uma descida da procura fruto da crise económica.

Neste último caso, ainda que representem uma poupança de divisas, não significam um sucesso de política, mas um decréscimo da qualidade de vida da população. Contudo, mesmo nesta situação, os investidores nacionais devem ficar alerta para avançarem com investimentos nestas áreas de forma a corresponderam a futuro aumento da procura.

Estatísticas publicadas pelo Ministério da Indústria e Comércio angolano e divulgadas pela agência noticiosa portuguesa Lusa dão conta da sustentabilidade reforçada de alguma produção agrícola angolana.

Angola afirma-se como produtor agrícola de nível continental. Angola é o maior produtor africano de banana e sétimo no mundo com uma oferta de 4,4 milhões de toneladas, de acordo com a mais recente tabela do Fundo das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO). De salientar, que a banana continua a ser a fruta mais produzida e consumida no mundo. Angola, particularmente, há mais de seis anos que se declarou autossuficiente na produção de banana, com realce para as províncias do Bengo e Benguela. Nestas províncias, empresas privadas já exportam o fruto para países como Portugal, Zâmbia, Congo Democrático e planeiam fazer chegar a fruta aos Estados Unidos, o maior consumidor mundial[7].

Em relação à mandioca, Angola tem uma produção anual estimada em mais de 11 milhões de toneladas de mandioca, sendo hoje o terceiro maior produtor de África, depois da Nigéria e o Gana, e quer apostar na sua transformação em amido.[8]

5-Novos investimentos e exportações. Dois exemplos: Rio Tinto e Ouro

A ministra das Finanças afirmou recentemente à Reuters: “Estamos a construir um futuro (através do nosso programa de reformas) que prioriza o investimento directo (não apenas com a China, mas com outros parceiros). Queremos adicionar valor para a nossa Economia, criar empregos. Queremos que o dinheiro fique. Pedir emprestado é uma opção, mas estamos a tentar mudar a forma que nos relacionamos com os nossos parceiros”.[9]

Verifica-se assim que o governo aposta no investimento direto para reanimar a economia e também no aumento das exportações.

Há dois exemplos recentes que são importantes sublinhar neste âmbito. O primeiro é a entrada da poderosa multinacional Rio Tinto no mercado angolano. Aparentemente, tal perspetiva irá concretizar-se este ano.[10]

Também com importância está a primeira exportação de ouro extraído na Huíla em 2020, no montante de mil e seiscentas e noventa e seis onças enviados para Portugal e para os Emirados Árabes Unidos, o que corresponde, ao preço atual, a mais de três milhões de dólares. Obviamente, que o relevante não é a quantidade de ouro exportada, mas o início de uma tendência. Tal como a entrada da Rio Tinto é importante se marcar uma tendência que traga outros grandes investidores como a Anglo-American ou a DeBeers.

Nenhum destes investimentos é muito firme ainda. A sua referência é importante pelo facto de puderem representar eixos futuros de desenvolvimento da economia angolana, agora em semente.

Figura n.º 4-Sinais de otimismo na economia angolana

B-Ajustamentos necessários de políticas

O exposto demonstra que o governo angolano prossegue uma política de reforma económica amparada essencialmente nas receitas do FMI: i)equilíbrio orçamental e controlo da dívida, encarando-se a solvabilidade financeira como condição sine qua non para o crescimento económico; ii) política monetária restritiva para controlar a inflação; iii) política cambial flexível, permitindo uma desvalorização da moeda que fomente as exportações e dificulte as importações; iv) aposta no investimento e setor privado como motores da economia.

No fundo, a política seguida corresponde àquilo que em tempos se chamou o consenso de Washington.[11]Este é o pacote standard de reformas adotado pelo FMI, Banco Mundial e Departamento do Tesouro norte-americano desde finais dos anos 1980s e que corresponde a um modelo liberal da economia, assente na prudência fiscal e mercado livre.

Naturalmente, que este modelo tem potencialidades para Angola, mas não chega. Não existem ainda em Angola instituições suficientemente fortes para garantir o funcionamento de um mercado livre em que uns não acabem por dominar os outros e criar situações oligopolistas e ineficientes, como não há setor privado suficientemente robusto para se tornar o motor da economia.

Fazer depender a reforma económica de Angola apenas de reformas inspiradas no Consenso de Washington não é suficiente, é preciso uma visão mais alargada.

Essa visão mais alargada tem de implicar uma reforma institucional estrutural. Tal significa que os direitos de propriedade têm de ser clarificados abandonando a confusão que a coletivização da propriedade gerou e ainda gera, os tribunais têm de ser colocados a funcionar, a burocracia deixar de ser um empecilho, e obviamente a grande corrupção ser erradicada. Além da reforma institucional estrutural, tem de se perceber que o Estado tem um papel a desempenhar nesta nova fase. Não há setor privado robusto em Angola, nem tudo poderá ser entregue a investidores estrangeiros com perspetivas de curto-prazo. Tem de se arranjar um misto entre Estado e setor privado. Aliás é assim que os países ocidentais mais avançados funcionam, apesar de retórica. É importante adotar o conceito avançado por Mariana Mazzucato de Estado Empreendedor.[12]

O ponto a considerar na reforma económica em Angola é que o papel do governo, nas economias mais bem-sucedidas, foi muito além de criar as infraestruturas certa e definir as regras. O Estado é um agente fundamental para alcançar o tipo de inovação que permite às empresas e economias crescerem, não apenas criando as “condições” que permitem a inovação. Em vez disso, o estado pode criar proativamente uma estratégia em torno de novas áreas de elevado crescimento antes que o potencial seja compreendido pela comunidade empresarial financiando a fase mais incerta da investigação em que o setor privado seja avesso ao risco, buscando novos desenvolvimentos, e muitas vezes até supervisionando o processo de comercialização.

Além do mais, as políticas recessivas do FMI, mesmo sendo necessárias, devem ser compensadas por outro tipo de políticas que aliviem a carga socialmente depredadora daquelas. Em resumo, deve existir um mix de políticas reformistas mais abrangente e adequado a Angola, para que no final os primeiros clarões de sucesso tenham resultados sustentados.

C-Conclusões

Há que ver para além dos números conjunturais negativos da economia angolana e entender que existe uma política reformista da economia que começa a dar os primeiros frutos e marcar algumas tendências novas. Essa política tem sido aplaudida (e possivelmente aconselhada) pelo FMI, e aqui reside a sua força e fraqueza. Força, porque contém algumas medidas indispensáveis para sanear e economia angolana e lançá-la na senda do crescimento. Força também, porque a sua adoção e concretização traz o elogio e apoio do FMI e organizações irmãs. Contudo, essa política também tem fraquezas, entre as quais se destacam a falta de atenção à reforma institucional, a fraqueza do setor privado em Angola, os efeitos recessivos de políticas contracionistas, entre outros.

Consequentemente, havendo sinais de otimismo nas perspetivas de médio-prazo da economia angolana é necessário aperfeiçoar a política económica que está a ser seguida, incluindo a intensificação das reformas institucionais que garantam que o poder judicial funciona, a burocracia não atrapalha, a corrupção não desvia recursos. Além disso, deve ser revisto o papel do Estado como parceiro empreendedor do setor privado.


[1] Cfr.os números mais recentes: Desemprego 34% (III trimestre 2020), Inflação homóloga 25,19% (Dezembro 2020/Dezembro 2019), Crescimento do PIB -5,8% (III trimestre 2020) em https://www.ine.gov.ao/

[2] Vide https://www.imf.org/en/News/Articles/2021/01/12/pr216-angola-imf-executive-board-completes-4th-review-of-the-eff-arrangement-approves-disbursement

[3] Idem

[4] https://www.cedesa.pt/2020/05/05/porque-a-china-deve-reduzir-a-divida-de-angola/

[5] https://www.cedesa.pt/2020/06/03/angola-petroleo-e-divida-oportunidades-renovadas-2/

[6] https://www.noticiasaominuto.com/mundo/1663059/angola-importou-menos-100-milhoes-de-dolares-de-produtos-da-cesta-basica

[7] https://www.plataformamedia.com/2020/12/15/angola-e-o-maior-produtor-de-banana-em-africa-ha-seis-anos/

[8] https://www.noticiasaominuto.com/economia/1663123/angola-e-terceiro-maior-produtor-africano-de-mandioca

[9] https://www.minfin.gov.ao/PortalMinfin/#!/sala-de-imprensa/noticias/8787/angola-prioriza-investimento-directo-nao-apenas-com-a-china

[10] https://mercado.co.ao/negocios/diamantifera-endiama-quer-concretizar-entrada-da-rio-tinto-em-angola-HC1004823

[11] Cfr. https://piie.com/commentary/speeches-papers/what-washington-means-policy-reform e https://web.archive.org/web/20170715151421/http://www.cid.harvard.edu/cidtrade/issues/washington.html

[12] Ler em https://www.wook.pt/livro/the-entrepreneurial-state-mariana-mazzucato/19312561

As vantagens da desvalorização do Kwanza, o combate à inflação e o crescimento económico

O facto de a 20 de Agosto passado, no mercado informal, o Kwanza ter tido o seu valor mais baixo face ao Euro tem levantado muitos temores, aliado a previsões de desvalorizações cambiais de 50% até ao final do ano. Aliás, as previsões negativas sucedem-se. O presente estudo pretende desmistificar essa narrativa e explicitar o momento necessário que atravessa a economia angolana.

Na verdade, não há que ter temores, mas sim analisar as situações racionalmente, pois fazem parte duma mudança de modelo económico que é fundamental para Angola retornar ao crescimento económico.

O sistema de câmbio semirrígido que vigorou em Angola ao valorizar a moeda nacional artificialmente, contribuiu para a facilitação das importações e devastação da indústria nacional. A manutenção deste sistema só foi possível devido ao alto preço do petróleo, sendo certo que a partir do momento em que o preço do crude começou a baixar, tornou-se insustentável. Era imperativo liberalizar o câmbio e permitir que a produção nacional se relançasse baseada nas exportações. É este o motivo fundamental da liberalização do câmbio e da virtuosidade da desvalorização da moeda: relançar as exportações e promover a indústria nacional.

A presente desvalorização que ocorre não deve, por isso, suscitar ansiedade, mas ser explicada como um processo normal que tem em conta dois aspetos:

Em primeiro lugar, há que anotar que o mercado informal do Kwanza está a ser movido por fatores específicos diferentes do mercado formal. As oscilações da moeda angolana no mercado informal ligam-se aos efeitos das medidas tomadas a propósito da pandemia Covid-19, designadamente interrupção dos voos internacionais, encerramento de fronteiras e diminuição do pequeno comércio com a China, Turquia e Brasil.

Em segundo lugar, e mais importante, a desvalorização da moeda tem vantagens, e são exatamente essas vantagens que se procuram. Com a desvalorização, as exportações tornam-se mais baratas e mais competitivas para os compradores estrangeiros. Portanto, isso impulsiona a procura interna e pode levar à criação de empregos no sector exportador. O maior nível de exportação deve levar à melhoria do déficit da conta corrente. Isso é importante se o país tem um grande déficit de conta corrente devido à falta de competitividade. Exportações e procura agregada mais altas podem levar a taxas mais elevadas de crescimento económico.

Vê-se assim que através da desvalorização do Kwanza se está a procurar criar um círculo virtuoso que aumente as exportações, dinamize a economia interna, crie mais empregos e empresas, e no final acelere o crescimento económico baseado em exportações.

No fundo, a desvalorização vai trazer crescimento através das exportações. Grosso modo, foi aquilo que os chamados “tigres asiáticos” fizeram.

Os mesmos que acenam com os terrores da desvalorização, afirmam também que a inflação se vai acentuar. Isso não é assim. A partir do momento em que se adota um câmbio flexível, “liberta-se” o banco central da obrigação de manter a taxa de juro para garantir o valor da moeda. Pelo contrário, o banco central pode utilizar a taxa de juro para combater a inflação, bem como outras medidas de política monetária ligadas à circulação monetária. Isto quer dizer que o efeito da liberalização cambial é precisamente o oposto do que se afirma: não implica inflação, dá margem de manobra ao banco central para lutar contra a inflação.

Portanto, depois dos momentos de ajustamento difíceis que ocorrem neste momento em Angola, o que se espera com a presente política de câmbio flexível que deixa o Kwanza desvalorizar, permita que as exportações aumentem e a atividade interna comece a melhorar, ao mesmo tempo que o Banco Nacional de Angola reduz a inflação.

Convém perceber a teoria em que a presente política cambial angolana se estriba. Talvez a melhor explicação se encontre no trabalho do Prémio Nobel da Economia Milton Friedman.[1] As taxas de câmbio flutuantes, argumentava Friedman, ajudariam a isolar a economia doméstica de choques externos e dariam às autoridades de política nacional a capacidade de satisfazer as metas domésticas. Isto quer dizer que uma coisa passaria ser o valor de troca da moeda com o estrangeiro, outra a inflação interna. A partir do momento em que se liberaliza a taxa de câmbio, o banco central pode-se ocupar em criar regras monetárias internas para combater a inflação, deixando de haver uma ligação direta entre os dois fenómenos.

Naturalmente, que uma mudança da magnitude da que se pretende operar na economia angolana, habituada a estar acolchoada pelos valores do petróleo, não se faz sem sacrifício e alguma dor. É essa a fase presente da economia. O importante é perceber os fundamentos subjacentes às políticas económicas e perceber que se forem levados com profissionalismo e determinação augurarão um modelo mais próspero para a economia angolana.

Esta é uma fase de transição para uma economia melhor. Obviamente que obriga a adaptações internas. Um país habituado a importar tudo, tem de começar a produzir para si e para o mercado externo.

Este é o desafio que se coloca a Angola: voltar a ser um país produtor de bens e serviços, como já foi, além do petróleo. Portanto, não há que ter medo e perceber que depois da mudança económica a melhoria do nível de vida será assinalável.

A economia angolana está num momento de tentativa de modificação de um modelo oligárquico rentista e improdutivo, para uma economia moderna e competitiva. É um passo difícil, mas necessário.


[1] Friedman, M. (1953) “The Case for Flexible Exchange Rates.” In Essays in Positive Economics, 157–203. Chicago: University of Chicago Press.