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A Zona de Comércio Livre Africana aumenta o crescimento económico de Angola

1-Introdução: A Zona de Comércio Livre e Angola

Angola depositou a ratificação da adesão à Zona de Comércio Livre Continental Africana (ZCLCA) no passado dia 4 de Novembro de 2020, depois da Assembleia Nacional ter aprovado para ratificação a 28 de Abril do presente ano, e do Presidente da República ter assinado Carta de Ratificação, a 6 de Outubro.

A entrada em vigor do acordo está agendada para o próximo dia 1 de Janeiro de 2021.

A ZCLCA foi ratificada até agora por 30 países e, numa primeira fase, levará à eliminação das tarifas sobre 90% dos produtos. Além disso, o acordo compromete os países a liberalizar progressivamente o comércio de serviços e a lidar com uma série de outras barreiras não tarifárias, como os longos atrasos nas fronteiras nacionais que dificultam o comércio entre os países africanos. Eventualmente, no futuro a livre circulação de pessoas e um mercado único de transporte aéreo africano poderão surgir dentro da área de livre comércio recém-criada.

O objetivo deste acordo é criar a maior zona de livre comércio deste género no mundo, com um mercado gigantesco do Cairo à Cidade do Cabo. A ZCLCA reúne 1,3 mil milhões de pessoas e um produto interno bruto (PIB) combinado de mais de US $ 2 triliões.

Essencialmente, objetivos comerciais do acordo são:

-Criar um mercado único, aprofundando a integração económica do continente;

-Auxiliar a movimentação de capitais e pessoas, facilitando o investimento;

-Avançar para o estabelecimento de uma futura união aduaneira continental.

Como referido, o acordo inicialmente requer que os membros removam as tarifas de 90% dos bens, permitindo o livre acesso a mercadorias, bens e serviços em todo o continente.

Quadro nº 1 – Objectivos da ZCLCA

2-O impacto da ZCL no comércio externo de Angola

Uma modelagem recente da Comissão Económica das Nações Unidas para a África (UNECA) projeta que o valor do comércio intra-africano seja entre 15% e 25% mais alto em 2040 devido à ZCLCA. A análise também mostra que se espera que os países menos desenvolvidos experimentem o maior crescimento no comércio intra-africano de produtos industriais até 35%1.

Não havendo dúvidas que a inserção numa zona de comércio livre aumenta o comércio externo dum país, tal deverá acontecer em Angola, apontando-se, face aos dados das Nações Unidas, para um reforço em pelo menos 25% do comércio externo com a restante África até 2031.

Esta percentagem surge da ponderação da modelagem da UNECA acima referida com fatores específicos em curso em Angola2 como a aposta política na liberalização e diversificação da economia, a operacionalização de algumas estruturas de transportes internacionais como a finalização do Aeroporto Internacional de Luanda, a entrada em funcionamento do porto de águas profundas do Caio, bem como o funcionamento do Corredor do Lobito; um corredor ferroviário para tráfego internacional de mercadorias com início no Porto do Lobito (Benguela) e que integra três países — Angola, República Democrática do Congo e Zâmbia — sendo desejo do governo que seja um dos principais eixos de circulação de matérias-primas e mercadorias nos territórios que atravessa.

Há uma conjugação tripartida que potencia o crescimento a médio prazo de Angola:

  1. a liberalização e diversificação da economia angolana com o fabrico de novos produtos (alguns em que Angola se havia especializado no tempo colonial e depois abandonado) e serviços,
  2. a adesão à zona de comércio livre africana, e
  3. a construção de infraestruturas logísticas de transportes.

Esta interação é fundamental para que a adesão a uma zona de comércio livre tenha sucesso. A zona de comércio livre será o propulsor de crescimento que por sua vez é acelerado pela combinação da diversificação económica e novas estruturas logísticas. As reduções tarifárias podem desempenhar um papel significativo no desenvolvimento do comércio intrarregional, mas devem ser complementadas por políticas de redução dos estrangulamentos não tarifários (por ex. logística).

3- Aumento do comércio externo e crescimento económico em Angola

A previsão é que o resultado desta interação seja um aumento do comércio internacional que acarretará um crescimento mais acelerado do Produto Interno Bruto (PIB).

Em princípio um aumento do comércio internacional leva a um crescimento do PIB3.

Nos últimos dois séculos, a economia mundial experimentou um crescimento económico positivo sustentado e, no mesmo período, esse processo de crescimento económico foi acompanhado por um crescimento ainda mais rápido do comércio global. De forma semelhante, descobrimos que também há uma correlação entre o crescimento económico e o comércio: países com maiores taxas de crescimento do PIB também tendem a ter maiores taxas de crescimento no comércio.

Entre os potenciais fatores de crescimento que podem advir de uma maior integração económica global estão: Concorrência (as empresas que não adotam novas tecnologias e não cortam custos têm maior probabilidade de fracassar e serem substituídas por empresas mais dinâmicas); Economias de escala (as empresas que podem exportar para o mundo enfrentam maior procura e, nas condições certas, podem operar em escalas maiores onde o preço por unidade de produto é menor); Aprendizagem e inovação (as empresas ganham mais experiência e exposição para desenvolver e adotar tecnologias e padrões da indústria de concorrentes estrangeiros).4

No geral, a evidência disponível sugere que a liberalização do comércio melhora a eficiência económica. Essa evidência provém de diferentes contextos políticos e económicos e inclui medidas micro e macro de eficiência. Esse resultado é importante, pois mostra que há ganhos com o comércio que implicam aumento do PIB.

É difícil calcular o impacto no PIB de um incremento de 25% até 2031 do comércio entre Angola e o resto de África. Na verdade, o comércio de Angola com os restantes países de África representava em 2019 apenas 3% do total do comércio externo do país5. Admitimos que a ZCLCA faça aumentar esse número em 25%, provocando um incremento no comércio total angolano entre 0,75% a 1% face ao peso relativo mencionado.

Nesse sentido, uma perspetiva conservadora baseada em dados históricos de relação entre aumento de comércio e crescimento do PIB de outros países com muitas diferenças entre si aponta como possível uma relação de 1:1. (Ver quadro abaixo que permite estabelecer essa correlação com alguma segurança).

Quadro nº 2 – Crescimento PIB e Comércio em vários países (fontes: as referidas no Quadro)

Nesse caso, o incremento do comércio externo até 2031 implicaria um acréscimo médio do PIB anual ao crescimento do PIB entre 0,75% a 1% entre 2021 e 2031 em Angola derivado do funcionamento da ZCLCA. Se por exemplo, para 2022 existisse uma previsão de crescimento do PIB de 2% sem ZCLCA, com ZCLCA essa previsão poderia alcançar os 2,75% a 3% e assim sucessivamente

Note-se que esse resultado só é possível se os seguintes condicionantes se verificarem:

-Efetivo funcionamento da zona de comercio livre;

-Liberalização e diversificação da economia angolana;

-Concretização e operacionalização de projetos logísticos de transportes (aeroporto, porto de águas profundas, e caminho-de-ferro internacional).

O enquadramento político que o governo angolano quer dar à economia de incremento das reformas estruturais e concorrência vai de encontro às vantagens que podem surgir do incremento das trocas comerciais com o resto de África.

Além do mais as políticas públicas devem abordar os custos de ajustamento da integração comercial:

  • Fomentar a produtividade agrícola em economias menos diversificadas;
  • Em alguns países, mobilizar a receita fiscal interna para compensar as perdas;
  • Usar programas sociais e de formação direcionados para facilitar a mobilidade dos trabalhadores entre indústrias para mitigar os efeitos adversos na distribuição de rendimentos.

3-Conclusões

Em conclusão:

É possível antever um crescimento do comércio externo de Angola com África em 25% até 2031 se a Zona de Comércio Livre Africana for realmente implementada e as políticas internas forem as adequadas.

Esse crescimento poderá originar um crescimento médio anual da economia nesses anos de 0,75 % a 1%.

São boas notícias para Angola.

Quadro nº 3 – Previsões Crescimento % PIB do FMI adaptadas6

1 Vera Songwe,  Mamadou Biteye, African  Trade  Agreement: Catalyst  for Growth, UNECA, https://www.uneca.org/stories/african-trade-agreement-catalyst-growth

2 A modelação que adotamos atribui um peso de 60% às previsões da UNECA (que funcionam como mecanismo propulsor) e de 40% aos fatores internos em desenvolvimento domesticamente mencionados (mecanismo acelerador), acreditando que é da combinação virtuosa entre os dois que será possível exponenciar o crescimento do comércio.

3 Frankel, J. A., & Romer, D. H. (1999). Does trade cause growth? American economic review, 89(3), 379-399.

4 Esteban Ortiz-Ospina (2018), Does trade cause growth? https://ourworldindata.org/trade-and-econ-growth

5 Cfr. http://www.expansao.co.ao/artigo/134739/trocas-comerciais-de-angola-com-africa-representam-so-3-do-total-do- comercio-com-o-mundo?seccao=exp_merc

6 https://www.imf.org/en/Countries/AGO / Outubro de 2020. As projeções com ZCL são da nossa exclusiva responsabilidade, embora baseadas nas previsões do FMI de Outubro de 2020 e implicam a verificação de todas as condições prescritas no texto.

As vantagens da desvalorização do Kwanza, o combate à inflação e o crescimento económico

O facto de a 20 de Agosto passado, no mercado informal, o Kwanza ter tido o seu valor mais baixo face ao Euro tem levantado muitos temores, aliado a previsões de desvalorizações cambiais de 50% até ao final do ano. Aliás, as previsões negativas sucedem-se. O presente estudo pretende desmistificar essa narrativa e explicitar o momento necessário que atravessa a economia angolana.

Na verdade, não há que ter temores, mas sim analisar as situações racionalmente, pois fazem parte duma mudança de modelo económico que é fundamental para Angola retornar ao crescimento económico.

O sistema de câmbio semirrígido que vigorou em Angola ao valorizar a moeda nacional artificialmente, contribuiu para a facilitação das importações e devastação da indústria nacional. A manutenção deste sistema só foi possível devido ao alto preço do petróleo, sendo certo que a partir do momento em que o preço do crude começou a baixar, tornou-se insustentável. Era imperativo liberalizar o câmbio e permitir que a produção nacional se relançasse baseada nas exportações. É este o motivo fundamental da liberalização do câmbio e da virtuosidade da desvalorização da moeda: relançar as exportações e promover a indústria nacional.

A presente desvalorização que ocorre não deve, por isso, suscitar ansiedade, mas ser explicada como um processo normal que tem em conta dois aspetos:

Em primeiro lugar, há que anotar que o mercado informal do Kwanza está a ser movido por fatores específicos diferentes do mercado formal. As oscilações da moeda angolana no mercado informal ligam-se aos efeitos das medidas tomadas a propósito da pandemia Covid-19, designadamente interrupção dos voos internacionais, encerramento de fronteiras e diminuição do pequeno comércio com a China, Turquia e Brasil.

Em segundo lugar, e mais importante, a desvalorização da moeda tem vantagens, e são exatamente essas vantagens que se procuram. Com a desvalorização, as exportações tornam-se mais baratas e mais competitivas para os compradores estrangeiros. Portanto, isso impulsiona a procura interna e pode levar à criação de empregos no sector exportador. O maior nível de exportação deve levar à melhoria do déficit da conta corrente. Isso é importante se o país tem um grande déficit de conta corrente devido à falta de competitividade. Exportações e procura agregada mais altas podem levar a taxas mais elevadas de crescimento económico.

Vê-se assim que através da desvalorização do Kwanza se está a procurar criar um círculo virtuoso que aumente as exportações, dinamize a economia interna, crie mais empregos e empresas, e no final acelere o crescimento económico baseado em exportações.

No fundo, a desvalorização vai trazer crescimento através das exportações. Grosso modo, foi aquilo que os chamados “tigres asiáticos” fizeram.

Os mesmos que acenam com os terrores da desvalorização, afirmam também que a inflação se vai acentuar. Isso não é assim. A partir do momento em que se adota um câmbio flexível, “liberta-se” o banco central da obrigação de manter a taxa de juro para garantir o valor da moeda. Pelo contrário, o banco central pode utilizar a taxa de juro para combater a inflação, bem como outras medidas de política monetária ligadas à circulação monetária. Isto quer dizer que o efeito da liberalização cambial é precisamente o oposto do que se afirma: não implica inflação, dá margem de manobra ao banco central para lutar contra a inflação.

Portanto, depois dos momentos de ajustamento difíceis que ocorrem neste momento em Angola, o que se espera com a presente política de câmbio flexível que deixa o Kwanza desvalorizar, permita que as exportações aumentem e a atividade interna comece a melhorar, ao mesmo tempo que o Banco Nacional de Angola reduz a inflação.

Convém perceber a teoria em que a presente política cambial angolana se estriba. Talvez a melhor explicação se encontre no trabalho do Prémio Nobel da Economia Milton Friedman.[1] As taxas de câmbio flutuantes, argumentava Friedman, ajudariam a isolar a economia doméstica de choques externos e dariam às autoridades de política nacional a capacidade de satisfazer as metas domésticas. Isto quer dizer que uma coisa passaria ser o valor de troca da moeda com o estrangeiro, outra a inflação interna. A partir do momento em que se liberaliza a taxa de câmbio, o banco central pode-se ocupar em criar regras monetárias internas para combater a inflação, deixando de haver uma ligação direta entre os dois fenómenos.

Naturalmente, que uma mudança da magnitude da que se pretende operar na economia angolana, habituada a estar acolchoada pelos valores do petróleo, não se faz sem sacrifício e alguma dor. É essa a fase presente da economia. O importante é perceber os fundamentos subjacentes às políticas económicas e perceber que se forem levados com profissionalismo e determinação augurarão um modelo mais próspero para a economia angolana.

Esta é uma fase de transição para uma economia melhor. Obviamente que obriga a adaptações internas. Um país habituado a importar tudo, tem de começar a produzir para si e para o mercado externo.

Este é o desafio que se coloca a Angola: voltar a ser um país produtor de bens e serviços, como já foi, além do petróleo. Portanto, não há que ter medo e perceber que depois da mudança económica a melhoria do nível de vida será assinalável.

A economia angolana está num momento de tentativa de modificação de um modelo oligárquico rentista e improdutivo, para uma economia moderna e competitiva. É um passo difícil, mas necessário.


[1] Friedman, M. (1953) “The Case for Flexible Exchange Rates.” In Essays in Positive Economics, 157–203. Chicago: University of Chicago Press.

A revisão do Orçamento Geral e a reforma da economia angolana

Como está a acontecer em vários países, também em Angola foi necessário proceder à revisão do Orçamento Geral do Estado (OGE) para 2020[1]. Dois motivos fundamentais impuseram essa revisão: a instabilidade do preço do petróleo e a pandemia Covid-19.

Pela forma como este Orçamento aparece desenhado, parece poder afirmar-se que existe aqui uma oportunidade de começar, finalmente, a corrigir os erros da política fiscal passada e adotar uma visão realista e saudável para a economia. Acima de tudo, é um Orçamento que confere tempo ao Presidente da República para acelerar a reforma da economia.

O ORÇAMENTO REVISTO

Os pressupostos macroeconómicos básicos da revisão orçamental são a inflação média de 25 por cento, o preço do petróleo bruto de 33 dólares por barril, preço médio de gás de 19 dólares por barril e um crescimento negativo do produto de 3,6 por cento.

Figura n.º 1- Pressupostos macroeconómicos do OGE (revisto). Fonte: Ministério das Finanças de Angola

Na verdade, segundo o Relatório de Fundamentação do OGE Revisto elaborado pelo ministério das Finanças, para 2020, projeta-se a maior contração da economia angolana dos últimos 38 anos, com o PIB a contrair -3,6%. O PIB do sector de hidrocarbonetos (petrolífero + gás) irá contrair em 7,0%, enquanto a taxa de crescimento média projetada para os demais sectores situou-se em -2,1%. Facilmente, se percebe que a grande quebra do PIB é provocada pelo petróleo e que são os outros setores que ainda seguram a queda, o que não deixa de ser uma ironia.

Figura n. º2- Decréscimo do PIB geral e por setores (%). Fonte: Ministério das Finanças de Angola

As projeções fiscais do OGE 2020 Revisto apontam para um défice fiscal equivalente a 4,0% do PIB, um agravamento de 5,2 pontos percentuais (pp) face ao valor previsto no OGE 2020 Inicial. O saldo primário deverá estar em torno dos 2,2% do PIB, um valor inferior ao inicialmente projetado em 4,9 pp[2]. O atual valor do Orçamento reflete uma redução de 15,7% relativamente ao OGE 2020 Inicial (Kz 15 970,6 mil milhões)[3].

Naturalmente, um OGE mais pequeno, reflete uma economia mais pequena.

Sobre estes pressupostos vamo-nos dedicar à análise do impacto e significado do preço do petróleo a 33 dólares por barril. Como se sabe este valor é meramente indicativo, pois muitos dos contratos petrolíferos já estão com preços anteriormente estabelecidos e não dependem de oscilações. No entanto, analisando os números mais recentes sobre o preço do petróleo verifica-se que o Brent Crude desde 7 de Julho passado oscilou entre USD 42,84 nesse dia, USD 41, 38 a 10 de Julho, e USD 42,18 a 14 de Julho[4]. Num prazo maior, apenas a 15 de Junho esteve abaixo dos USD 40,00.

Sendo a previsão da evolução do preço do petróleo um exercício sempre muito difícil, a verdade é que parece existir uma tendência para ter o preço acima dos USD 40,00, ao mesmo tempo que no curto prazo não se vê razão para não começar a existir uma aumento da procura do petróleo ligado à recuperação das economias mundiais. A isto liga-se a instabilidade cada vez mais intensa no Golfo Pérsico e os problemas na Venezuela.

Figura n.º 3-Gap entre o preço do petróleo no OGE-R e o índice efetivo recente

Todos estes fatores poderão contribuir para alguma pressão no sentido da subida do preço do petróleo. No entanto, essa subida não deverá ser tão acentuada que volte a inundar Angola de petrodólares.

Neste sentido, há aqui um momento ótimo para a economia se libertar da dependência do petróleo com alguma margem. Se o OGE revisto prevê um preço de USD 33 por barril e este vai estando acima dos USD 40, podendo subir, quer dizer que existe alguma margem de manobra para o governo. Nessa medida este orçamento cria a oportunidade de Angola sair da dependência excessiva do petróleo.

Um segundo aspeto que merece destaque é o facto de o Estado passar a gastar mais no sector social do que com os juros da dívida pública[5]. Não se trata tanto de ter aumentado as despesas sociais, mas de se ter diminuído o pagamento da dívida pública, resultado da negociação com a China, que, aparentemente, concedeu uma moratória de capital e juros por três anos. Sempre defendemos que naquilo que tange à dívida o fundamental era encarar a questão chinesa[6], pois é este país que detém quase metade dos créditos externos públicos sobre Angola.

A China terá sido sensível aos argumentos angolanos, e sobretudo, não poderia deixar que o seu modelo de intervenção win-win em África se tornasse num fiasco mundial, por isso, rapidamente se chegou a um acordo.

REFORMA DA ECONOMIA

Quer o preço orçamentado para o petróleo, quer a posição da China permitem que Angola, apesar da intensa recessão económica em que se encontra, ainda tenha margem de manobra para definitivamente reformar a sua economia.

Essa reforma assenta em vários pilares sobejamente conhecidos. O primeiro, e mais importante, é a extinção definitiva da grande corrupção ou “captura do Estado”. É fundamental sublinhar que a luta contra a corrupção não é uma mera política criminal com impacto reduzido na vida nacional. Devido à magnitude do fenómeno, tornou-se o principal problema económico do país pois desviou recursos e impede que a economia funcione de forma livre, sem entraves e na sua plenitude. Há sempre uma sombra de um interesse corrupto à espreita que pode desvirtuar toda a racionalidade e eficiência económica.

Enquanto a grande corrupção, clientelismo e a falta de transparência que lhe estão associadas persistirem, não há revisão orçamental ou documento, por muito bem elaborado que esteja, que permita o desenvolvimento do país.

Não foi o preço do petróleo que lançou o país na recessão, foi a profunda corrupção e captura do Estado por interesses privados que determinaram uma política económica rapace que criou um falso modelo económico incapaz de reagir às oscilações do preço do petróleo. Na verdade, utilizando a terminologia da Ciência Política, um “bandido estacionário” (ou vários) apoderaram-se dos recursos do Estado para seu proveito próprio, e todo o modelo económico foi construído para sustentar essa apropriação privada dos recursos públicos. Consequentemente, em termos estruturais o preço do petróleo acaba por ser irrelevante para se resolver o problema económico angolano.

Figura n.º 4- Causa da presente crise económica

Nessa medida, a erradicação da grande corrupção é a base de qualquer reforma económica, e também a condição necessária para o segundo pilar dessa reforma que é a liberalização da economia e abertura ao investimento privado. Ninguém vai investir num país tido como corrupto.

Este OGE revisto concede tempo ao Presidente da República João Lourenço para efetivar as reformas fundamentais na economia: erradicação da grande corrupção, liberalização dos mercados internos, promoção do investimento privado. A isto tem de se somar uma aposta na produção interna e possivelmente a criação de um programa de transferências monetárias diretas para as populações mais desfavorecidas para minimizar os riscos intensos de pobreza. Em rigor, este programa de transferências diretas não deveria ser unilateral, mas estar ligado a aspetos de promoção individual e social ligados à educação ou saneamento, no fundo, seguindo os programas do mesmo estilo introduzidas pelo Presidente Lula no Brasil. Não se trata apenas de transferir fundos para as populações carentes, mas de as incentivar a frequentar escolas, construir saneamento, ou exercer um ofício.  Este é um tema que abordaremos em separado.

CONCLUSÕES

Em resumo, temos uma revisão sensata do OGE que abre espaço para o Presidente da República acelerar as reformas necessárias na economia e que são: erradicação da grande corrupção; liberalização do acesso aos mercados, promoção efetiva do investimento privado, intensificação da produção interna, transferências diretas sujeitas a condição educativa ou de saneamento para as populações mais desfavorecidas.

Figura n.º 5- Medidas estruturais genéricas de reforma económica


[1]http://www.ucm.minfin.gov.ao/cs/groups/public/documents/document/aw4x/mja1/~edisp/minfin1205333.pdf

[2]http://www.ucm.minfin.gov.ao/cs/groups/public/documents/document/aw4x/mja2/~edisp/minfin1206937.pdf, p. 11.

[3] Idem, p.11 e 12.

[4] https://oilprice.com/oil-price-charts/46

[5] http://expansao.co.ao/artigo/133628/estado-volta-a-gastar-mais-com-o-sector-social-do-que-com-juros-da-divida-p-blica?seccao=5

[6] https://www.cedesa.pt/2020/05/05/porque-a-china-deve-reduzir-a-divida-de-angola/