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Os novos parceiros estratégicos de Angola e a posição de Portugal

Os novos parceiros estratégicos de Angola: Espanha e Turquia

Duas recentes intensas trocas diplomáticas ao mais alto nível fazem despontar o surgimento de novas parcerias estratégicas para Angola. Já em anterior relatório alertámos para os realinhamentos da política externa angolana.[1] Ora, o que se verifica é que esse realinhamento continua, e a um ritmo intenso. O Presidente da República João Lourenço está claramente a imprimir uma nova dinâmica aos negócios estrangeiros de Angola, que não se vê que esteja a ser afetada por alguma agitação interna que se verifica no caminho para o processo eleitoral de 2022.

Os exemplos mais recentes da atividade diplomática do Presidente são a Espanha e a Turquia. O importante nas relações com estes países não é haver ou não uma visita ao mais alto nível, é haver uma intensidade de visitas de parte a parte e objetivos claros desenhados. Pode-se dizer que na perspetiva mútua, Espanha e Turquia estão a tornar-se parceiros estratégicos de Angola.

Comecemos por Espanha. Em abril último, o primeiro-ministro de Espanha, Pedro Sanchez, que pouco abandonou o país durante a pandemia Covid-19, visitou Angola. A visita foi encarada como marcando uma nova era na cooperação bilateral entre os dois países e originou a assinatura de quatro memorandos sobre Agricultura e Pescas, Transportes, Indústria e Comércio. Teve especial relevância o acordo referente ao desenvolvimento do agro-negócio, para futuramente montar uma indústria que transforme a matéria-prima em produto acabado, contando com a experiência dos empresários espanhóis. Como se sabe, a agropecuária é uma das áreas de aposta do governo angolano para o relançamento e diversificação da economia.[2] Portanto, este acordo dedica-se a um vetor fundamental da política económica angolana.

Mais recentemente, em finais de setembro de 2021, o Presidente da República de Angola visitou Espanha onde foi recebido pelo Rei e pelo primeiro-ministro. Nessa visita, João Lourenço afirmou claramente que estava em Espanha em busca duma “parceria estratégica” que ultrapassasse a esfera meramente económica e empresarial. [3] Por sua vez, as autoridades espanholas consideram Angola como “país prioritário[4]“.

Agora ver-se-á como estas intenções alargadas se concretizarão na prática, mas o certo é que ambos os países estão a apostar manifestamente num incremento das relações quer económicas, quer políticas e as suas declarações e objetivos parecem ter um rumo e um sentido.

O mesmo tipo de relação intensificada se está a estabelecer com a Turquia. Em julho passado, João Lourenço visitou a Turquia, onde foi extremamente bem-recebido. Aí desde logo ficou acordado que companhia aérea Turkish Airlines iria voar duas vezes por semana da Turquia para Luanda. Também foi anunciado que a Turquia abriu uma linha de crédito no seu Exxim Bank impulsionar a relação económica bilateral. Isto quer dizer que o sistema financeiro turco vai financiar os empresários turcos para investir em Angola. Já em outubro de 2021, o Presidente turco Erdogan visitou Angola. Essa visita foi rodeada de toda a pompa e circunstância e manifestou uma excelente relação entre os dois países. Tal como a Espanha a Turquia tem uma estratégia agressiva para África, onde pretende obter espaço para a sua economia e influência política. Os acordos assinados por Erdogan e João Lourenço foram sete, nomeadamente, um acordo de assistência mútua em matéria aduaneira; um acordo de cooperação no domínio da agricultura; um acordo de cooperação no domínio da indústria; uma declaração conjunta para o estabelecimento da comissão económica e comercial conjunta; um memorando de entendimento no domínio do turismo e um protocolo de cooperação entre a Rádio Nacional de Angola e a Corporação de Rádio e Televisão da Turquia[5].

A abordagem com a Turquia, tal como a de Espanha, tem como objetivo imediato e estruturante “que [os Turcos] tragam sobretudo know-how que nos permita diversificar e aumentar com rapidez e eficiência a nossa produção interna de bens e serviços”, usando as palavas de João Lourenço[6].

Nestas duas apostas de João Lourenço há uma determinação óbvia, ou melhor duas.

Em primeiro lugar buscar novas fontes de investimento que amparem a fundamental diversificação da economia angolana. Tal é de extremo relevo, e as economias turca e espanhola são devidamente diversas para puderem corresponder ao modelo pretendido por Angola.

O segundo aspeto da aposta refere-se à necessidade que Lourenço sente de descolar Angola de uma excessiva relação com a China e a Rússia, sem as hostilizar, mas procurando novos parceiros. O peso geopolítico da Guerra Fria e a sequente implementação do modelo chinês em África, com o qual Angola está identificado pesam muito nas avaliações das chancelarias e investidores. Assim, Angola procura novas aberturas e uma “descolagem” dessa marca anterior, até porque a Rússia não tem músculo financeiro para realizar grandes investimentos em Angola, e a China está no meio dum turbilhão económico. Como é público, a “economia chinesa cresceu 4,9% no terceiro trimestre deste ano, a mais baixa taxa num ano, reflectindo não apenas os problemas que está a enfrentar com o endividamento do sector imobiliário, mas também, e já, os efeitos da crise energética.”[7] Isto quer dizer que a China precisa e muito do petróleo angolano, mas não terá disponibilidades financeiras para avultados investimentos em Angola.

Na verdade, as relações entre a China e Angola e a necessidade de uma reavaliação da mesma, sobretudo ao nível do fornecimento de petróleo e da opacidade dos arranjos terá que ser um tema para um relatório autónomo que iremos produzir no futuro próximo.

A posição de Portugal. A desberlinização em curso

Estabelecida que está a relevância da intensificação das relações de Angola com Espanha e a Turquia, coloca-se uma questão óbvia: e Portugal?

Portugal tem tentado ser o parceiro por excelência de Angola, e para isso tem-se acomodado, no passado, aos vários ímpetos da governação angolana.

Atualmente, existem boas relações políticas entre Angola e Portugal. Ainda recentemente, João Lourenço afirmou o seguinte: “Tive a felicidade de durante este meu primeiro mandato termos sabido manter a um nível bastante alto as relações de amizade e cooperação entre os nossos dois países[8].” Acrescentando ainda que as “relações pessoais também ajudam. Portanto, nós soubemos construir ao longo dos anos essa mesma relação com o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa e com o primeiro-ministro António Costa.” Não existem dúvidas que estão estabelecidas relações favoráveis entre Angola e Portugal.  A isso ajuda também que Portugal conta com três laços que se fazem sentir todos os dias; os laços históricos, os laços culturais, sobretudo linguísticos, e os laços emotivos.

Contudo, e apesar do contentamento expresso pelo Presidente angolano naquilo que diz respeito às boas relações entre os dois países, há questões estruturais que lançam sombras no relacionamento e tornam a posição de Portugal menos relevante para Angola do que no passado, gerando alguma cautela da parte angolana em relação a demasiados envolvimentos com Portugal. Efetivamente, há um declínio da posição portuguesa em Angola, face a Espanha ou a Turquia, ou a Alemanha, França ou Reino Unido. Há uma desberlinização em curso da política externa angolana. João Lourenço verá Portugal como aliado na CPLP, mas não como porta de entrada ou plataforma para a Europa. Aí quer relacionar-se diretamente a cada um dos países europeus em concreto. A velha ideia que perpassava nalgumas chancelarias europeias que os assuntos angolanos eram específicos de Portugal e deviam ser tratados a partir, ou pelo menos, com o concurso de Lisboa (que chamamos berlinização), terminou. Cada um dos países europeus lida agora com Angola sem a intermediação portuguesa e vice-versa.

Este facto resulta essencialmente de três fatores. Um de natureza económica, e dois de natureza política.

Em primeiro lugar, Angola procura nesta sua incursão pelo mundo países com potencialidade e capital para investir. Está à procura de capital para desenvolver a sua economia. Ora Portugal, saltando de crise em crise e tendo uma manifesta falta de capital para o seu desenvolvimento, muito menos terá meios para deslocar para Angola. E no famoso Plano de Recuperação e Resiliência português não se encontra nada específico para investimento em África ou Angola em concreto. Consequentemente, não havendo provisões destacadas para Angola no Plano português, bem se percebe que o país africano terá de ir procurar massivos investimentos noutras paragens.

No entanto, acreditamos que este não é a principal causa para o declínio relativo da posição portuguesa nas prioridades da política externa angolana. Existem outras duas razões, aliás interligadas.

Neste sentido, existe um fator que tem causado a inquietação da atual liderança angolana face a Portugal. Este fator reside no facto de no passado próximo, Portugal ter constituído aquilo a que o Financial Times de 19 de outubro[9] qualifica como o local onde a elite rica (e corrupta) de Angola colecionou troféus em ativos, uma espécie de recreio dos filhos do Presidente José Eduardo dos Santos e de outros membros da oligarquia. Ora, a governação angolana, aparentemente, olha com alguma desconfiança para Portugal devido a isso, sobretudo, considerando a intervenção que bancos, advogados, consultores e toda uma panóplia de prestadores de serviços portugueses tiveram no branqueamento e ocultação de ativos adquiridos com dinheiro ilicitamente saído de Angola. Há o perigo de todas estas entidades estarem a desenvolver esforços para prejudicar o famoso combate contra a corrupção encetado por João Lourenço.

O que se verificou durante os anos de crescimento feérico de Angola, entre 2004 e 2014, sensivelmente, é que Portugal funcionou como íman para as poupanças e rendimentos dos angolanos. As elites dirigentes angolanas em vez de investir o dinheiro no seu país foram investi-lo, ou meramente parqueá-lo em Portugal, com consequências desastrosas para Angola, que se viu sem o capital necessário para tornar sustentável o seu crescimento. O raciocínio que se poderá atribuir ao governo angolano é que Portugal deixou que o dinheiro angolano obtido ilicitamente fosse branqueado no seu sistema económico e financeiro com tal profundidade que agora é de recuperação muito difícil. Ana Gomes, sensatamente, sempre alertou sobre isto. Na verdade, se repararmos em relação a ativos recuperados por Angola com grande significado ainda não houve notícia pública que algum deles proviesse de Portugal. Houve os 500 milhões de dólares que vieram de Inglaterra, mas em Portugal, a EFACEC foi nacionalizada pelo governo português- e bem do ponto de vista do interesse nacional de Lisboa- mas percebeu-se que Angola não receberia nada daí, como também não se vê um caminho claro de recebimento de outras situações.

A este fenómeno adiciona-se um segundo que se nota presentemente. Lisboa está a servir como plataforma para a articulação mais ou menos dissimulada de fortes ataques da oposição ao governo angolano. Seja através de consultoras, imprensa ou escritórios de advogados. Neste caso, ao contrário eventualmente, do caso dos investimentos e possíveis branqueamentos, essas atividades decorrerão de acordo com a lei e as proteções adequadas dos direitos fundamentais. No entanto, criará um mal-estar na liderança angolana, que possivelmente verá uma ligação entre os dois fenómenos, isto é, entre o facto de Portugal ter sido um safe heaven para ativos angolanos obtidos ilicitamente, no passado, e agora se tornar um local de encontro e conspiração da oposição, sobretudo, à chamada luta contra a corrupção. Percebe-se que muitos dos movimentos ocorrem em Portugal e as suas elites continuam a ajudar aqueles que foram apelidados por João Lourenço como “marimbondos”, seja em termos judiciais, seja na procura de novos locais para esconderem o seu dinheiro.

Em termos concretos, o episódio da nacionalização EFACEC aliado à recente decisão judicial de “descongelar” as contas de Tchizé dos Santos em Portugal, e à generalização de uma corrente anti João Lourenço em largos espaços da comunicação social portuguesa, embora constituam decisões ou atitudes que se justificam em termos políticos, legais ou éticos em Portugal, são eventos que fazem reforçar alguma desconfiança angolana face à atitude portuguesa, que podem ver a antiga potência colonial numa espécie de jogo de sombras.

Estas situações que se têm alargado nos últimos meses, estão a provocar algum desconforto em Angola, que poderão considerar Portugal como uma espécie de porto seguro para atividades que prejudicam o país. Paulatinamente, as conspirações oriundas de território português abundam, como as reuniões, encontros e demais eventos

São precisamente os motivos acima referidos que nos levam a identificar alguma tentativa de distanciamento político do governo de Angola face a Portugal. Não há respostas fáceis a estas equações, embora a sua enunciação tenha de ser feita para reflexão de todos os intervenientes.


[1] CEDESA, 2021, https://www.cedesa.pt/2021/05/18/os-realinhamentos-da-politica-externa-de-angola/

[2] Ver nosso Relatório CEDESA, 2020, https://www.cedesa.pt/2020/06/15/plano-agro-pecuario-de-angola-diversificar-para-o-novo-petroleo-de-angola/

[3] Deutsche Welle, 2021, https://www.dw.com/pt-002/jo%C3%A3o-louren%C3%A7o-em-espanha-em-busca-de-parceria-estrat%C3%A9gica/a-59344760

[4] Idem nota 3.

[5] Presidência da República de Angola, 2021, https://www.facebook.com/PresidedaRepublica

[6] Idem, nota 5.

[7] Helena Garrido, 2021, https://observador.pt/opiniao/o-choque-energetico-e-o-orcamento-em-duodecimos/

[8] Observador, 2021, https://observador.pt/2021/10/22/pr-de-angola-ve-relacoes-de-amizade-e-cooperacao-com-portugal-em-nivel-bastante-alto/

[9] Financial Times, 2021, https://www.ft.com/content/4652e15a-f7ba-4d21-9788-41db251c5a76

A Sonangol e a reinvenção da economia angolana

Este é um tempo de reinvenção para Angola. A Sonangol deixou de ser o motor da economia angolana e é necessário encontrar um novo propulsor. Há duas razões para a necessidade de superar o modelo económico assente num único produto -o petróleo.

A primeira razão é a própria Sonangol. Os resultados referentes a 2019, apresentados pela petrolífera angolana são desanimadores do ponto vista estrutural. Se bem que apresentem lucro, esse lucro deriva de resultados extraordinários irrepetíveis e os elementos essenciais da operação petrolífera estão estagnados: a produção não aumenta, as vendas não superam o nível de anos anteriores. O resultado líquido empresa foi de USD 125 milhões. Mas, as receitas mantiveram-se estáveis face ao ano anterior. A Sonangol produziu cerca de 232 mil barris de petróleo bruto por dia, número semelhante ao passado e realizou vendas de USD 10.231 milhões o que representa uma redução de 4% face ao exercício de 2018.

Em resumo, a exploração de petróleo já não sustenta convenientemente a Sonangol. Não sustentando a Sonangol não sustenta o país.

A esta estagnação da Sonangol, junta-se o facto de o petróleo estar a ser cada vez mais encarado com ceticismo, procurando-se apostar em energias alternativas e afastando-se o uso do ouro negro. Este obviamente não é um processo de curto-prazo, mas terá sido acelerado com a pandemia Covid-19. O petróleo ainda terá subidas de preços, eventualmente picos de maior procura, mas tudo indica que os anos glutões terão acabado, pois surgirão outras fontes energéticas que substituirão mais ou menos paulatinamente o petróleo. Basta ver que nos últimos meses o preço do barril Brent oscilou entre os USD 53 em Outubro de 2019, os USD 60 em Janeiro de 2020, os USD 12,78 em Abril ou os USD 40,7 recentemente. Contudo, nunca mais voltou aos números de 2014 em que muitas vezes estava acima dos USD 100.

Estes dois motivos levam a que a economia angolana tenha de se reinventar, e mais depressa do que julga. Não é uma mera questão de reestruturar a Sonangol e focá-la no negócio do petróleo. Não chega, pois esse negócio está estagnado. É a própria economia que necessita de reestruturação, o que no jargão oficial do governo angolano se chama diversificação.

O problema é que a diversificação implica a criação de uma nova oferta na economia angolana, da produção de bens e serviços não existentes no passado recente. E para existir produção é necessário investimento. Investimento obriga, obviamente, à aportação de capital.

E aqui entramos num outro problema que afeta a economia angolana que é o da falta de capital e das políticas recessivas que intensificam essa falta. Seguindo os parâmetros escolhidos pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e a ortodoxia neoclássica da economia está a ser imposto a Angola um programa de contenção/ diminuição da dívida pública e redução do déficit.

Temos muitas dúvidas se tal programa se justifica no caso da economia angolana, sobretudo considerando os aportes doutrinários na Teoria Monetária Moderna, mas o facto é que está a ser seguido tal programa de corte de despesa e aumento de impostos.  Ora a prossecução de tal política acaba por limitar a disponibilidade de capital para investimento, seja público, seja privado. Portanto, inviabiliza a denominada diversificação que tão necessária é para superar a estagnação da Sonangol.

Assim, o panorama com que se confronta neste momento a economia angolana é difícil. Por um lado, o seu motor- a Sonangol-está parado, por outro, a criação de capital para mobilizar investimento produtivo para diversificar a economia encontra-se em estrangulamento devido às políticas recessivas adotadas. Isto tem reflexos óbvios nos números da economia. O crescimento do PIB é negativo, na ordem dos – 3,6%. O desemprego assume o número assustador de 32,7% e a inflação de 22,8% (homólogo agosto de 2020). Nenhum destes números é animador.

A economia angolana precisa de coragem política para inverter este estado de coisas.

A Sonangol tem de ser reestruturada, mas como empresa de energia e não meramente de petróleo. Na realidade, não lhe basta focar-se no petróleo, haverá que se apresentar com uma empresa moderna de energias renováveis, aproveitando, por exemplo, o sol. Se recentemente o Reino Unido, anunciou que se quer transformar na Arábia Saudita do vento, Angola pode ser a Arábia Saudita do sol. Portanto, é necessária uma reestruturação imaginativa da Sonangol.

Simultaneamente, tem de ser abandonada a política económica recessiva. Se bem que deva existir disciplina orçamental e não se pagarem obras duas vezes ou liquidar salários a funcionários fantasmas, bem como não contrair dívida pública para alimentar bolsos privados, o certo é que a política de rigor financeiro deve ser complementada por uma política de estímulo fiscal que permita construir uma suficiente base de capital para proceder ao investimento reprodutivo necessário. Uma política fiscal pró-investimento público e privado é fundamental na reinvenção da economia angolana.

Angola: Petróleo e Dívida. Oportunidades renovadas

Resumo:
Embora Angola esteja a sofrer vários choques económicos em virtude da Covid-19 e da descida do preço do petróleo, além do aumento nominal da dívida pública externa, a verdade é que a situação não apresenta a gravidade apontada nalguns estudos.

Petróleo: O país está bem preparado para beneficiar da recuperação que já está a acontecer do preço do petróleo, e que provavelmente acelerará com o desconfinamento mundial.

Dívida: O problema da dívida resulta essencialmente da depreciação da moeda e a sua solução encontra-se numa negociação política com a China, que detém cerca de metade da dívida pública externa.

Diversificação: As presentes dificuldades são um incentivo real, e não meramente retórico, para o início da diversificação da economia, possibilitada pelas medidas de liberalização da economia.

Nos últimos tempos muito se tem escrito sobre a crise do petróleo angolano, apresentando-se previsões catastróficas para a economia do país e a evolução da exploração petrolífera. À pressão do petróleo, tem-se adicionado a pressão da dívida pública, tudo na embalagem da Covid-19.

Sendo a situação grave, não é desesperada, e há que encarar os vários dados analiticamente com o distanciamento suficiente.

A dívida pública

A questão da dívida pública, que já abordamos em anterior relatório naquilo que se refere à China (https://www.cedesa.pt/2020/05/05/porque-a-china-deve-reduzir-a-divida-de-angola/), não tem o perigo que se atribui considerando apenas uma análise formal dos números.

Se atentarmos aos dados mais recentes do BNA[1], os grandes credores de Angola são a China, a Grã-Bretanha e as Organizações Internacionais.

A soma destes credores iguala cerca de 39,4mil milhões de dólares e equivale a quase 80% da dívida pública externa.

            Figura n.º 1-Stock da dívida externa pública de Angola por países. Fonte: BNA (bna.ao)

Obviamente que a dívida perante a China tem um carácter eminentemente político e não se pode encará-la como uma dívida ordinária. De notar, que o ministro das Relações Exteriores de Angola já está em conversações com o seu homólogo chinês sobre o tema[2]. Portanto, há um efetivo desenvolvimento neste âmbito.

De algum modo, o mesmo acontece com as Organizações Internacionais. É público que as Organizações Internacionais, lideradas pelo Fundo Monetário Internacional estão a propor várias medidas de alívio relativamente ao peso da dívida das economias mais frágeis e de mercados emergentes[3].

Resta a dívida à Grã-Bretanha. Uma parte dessa dívida será proveniente de empresas sedeadas em Londres, mas com relações privilegiadas com Angola e que têm uma perspetiva de longo prazo, como é o caso da Gemcorp[4], pelo que aqui também se terá de encarar com alguma cautela as afirmações demasiado genéricas sobre a gravidade do peso da dívida angolana.

Além do mais, o próprio Fundo Monetário Internacional reconheceu em dezembro de 2019 que cerca de quatro quintos do aumento nominal da dívida angolana se devia à depreciação do kwanza e não a novas responsabilidades[5]. Portanto, qualquer análise da dívida pública externa angolana que não proceda à desagregação dos seus elementos está errada.

É evidente que a dívida pública externa está concentrada em poucos credores que têm várias considerações a tomar além das estritamente financeiras, e depende muito da atitude da China.

Em resumo, a não ser que ocorra algum evento extraordinário adicional, a questão da dívida pública externa angolana não tem a gravidade que possa parecer de uma mera observação nominal, e não se deve tornar num obstáculo ao desenvolvimento. A chave está nas conversações com a China sobre o tema. E obviamente a China não quererá aparecer como um agente negativo em Angola.

O petróleo

O mesmo exagero analítico tem ocorrido a propósito do petróleo e Angola. Obviamente que Angola tem uma dependência excessiva do petróleo, e que este, neste momento, o preço do crude é alvo de duas pressões negativas: a queda da procura em virtude da Covid-19 e uma aparente tendência secular para diminuir o consumo de petróleo substituindo-o por fontes alternativas.

Dois dos mais reputados analistas destas questões relativamente a Angola, Agostinho Pereira de Miranda e Jaime Nogueira Pinto[6], têm, no entanto, desvalorizado o excesso de angústia relativamente a esta questão naquilo que diz respeito a Angola. Tendemos a subscrever esta posição.

O abalo do petróleo na economia angolana subsiste desde 2014 (vide fig. N.º 2)  e é um problema para o qual o governo desde 2018, tem tomado variadas medidas que se centram em duas estratégias: i) modernização e abertura do setor petrolífero e ii) promoção da diversificação da economia.

Em relação ao primeiro aspeto, sublinha-se, entre outros, a criação de uma agência reguladora diferente da Sonangol, permitindo que esta empresa se foque no seu core business, a privatização de subsidiárias secundárias da Sonangol e a assinatura de acordos com várias empresas estrangeiras para aumentar o investimento. Na verdade, as grandes companhias, em que se destaca a Total, Exxon, Chevron, BP, ENI, planeavam operar mais navios de perfuração em Angola do que em qualquer lugar do continente para explorar novas descobertas. Em relação à diversificação tem havido mais retórica do que prática, mas a necessidade, como veremos à frente vai obrigar a que se passe à prática, desde que o governo liberalize efetivamente a economia.

Entretanto, a Covid-19 fez mergulhar o preço do petróleo e as companhias estrangeiras pararam a sua atividade em Angola[7]. No entanto, apesar das más notícias imediatas, a situação tenderá a estabilizar num patamar superior. A Moody´s no final de maio anunciava que previa um patamar genérico futuro entre os USD 45-65. Não se trata de confiar na precisão destes números, mas apenas de anotar que haverá uma tendência de subida.

Atente-se o preço do Brent. Neste momento, situa-se em USD 36, 6 (dados de 22 de maio de 2020)[8]. Portanto, já subiu do número mínimo alcançado a 21 de abril de 2020, USD 19.33. O valor de USD 36, 6 já está acima de vários níveis atingidos após a queda abrupta em 2014. Por exemplo, no início de 2016, o valor andou entre os USD 29 a 32. Significa isto que o preço do petróleo parece entrar, no presente momento, novamente nalguma normalidade, além de que desde 2014, o país já está habituado a lidar com uma grande oscilação nos mercados.

            Figura n.º 2- Picos e Mínimos do Preço Brent USD/Barril (fonte Nasdaq e Oilprice.com)

Figura n.º 3-Evolução do preço do Brent 2020 (Fontes da fig. n.º 2)

Refira-se a propósito que uma boa parte da contratação angolana está revertida em contratos com prazos longos, pelo que oscilações do preço não afetam necessariamente e de imediato a tesouraria pública.

Além do mais muito em breve, passar-se-á de uma época de encerramento das economias em que a procura de petróleo diminuiu substancialmente, para um relançamento das economias. Seja essa recuperação em V, U, W ou outra letra, a verdade é que implicará um aumento da procura de petróleo, o que provavelmente, fará aumentar o preço do petróleo desde que não se reiniciem as “guerras” entre a Rússia ou Arábia Saudita ou outros eventos semelhantes.

A isto acresce que o valor baixo do petróleo será um incentivo ao seu uso numa fase de recuperação económica em que as preocupações com energias limpas, mas mais caras, será, no curto prazo, substituída pela necessidade de colocar as empresas a trabalhar e as pessoas com emprego.

Mesmo que na Europa persistam as preocupações com a emergência climática, é difícil vislumbrar que os grandes motores da economia mundial, como os Estados Unidos, a China e a Índia, não prefiram uma fonte de energia barata que rapidamente coloque as fábricas a mexer.

Angola já se começou a antecipar e ainda na semana de 25-29 de maio, a Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANPG) disponibilizou, um pacote de dados para exploração petrolífera das bacias terrestres do baixo Congo e do Kwanza, para empresas nacionais e internacionais. São os blocos CON1, CON5, CON6, KON5, KON6, KON8, KON9, KON17 e KON20, cujo anúncio oficial, para o início das novas licitações, será feito nos próximos dias.

Em resumo, a reformas organizacionais, de racionalização e incremento do mercado petrolífero em curso em Angola, aliadas à recuperação paulatina do preço do petróleo, no contexto do relançamento da economia mundial no pós Covid-19, permitem acreditar que o setor petrolífero em Angola tem boas condições de recuperação, e afastar os cenários mais pessimistas.

Oportunidade para a diversificação

Uma nota final sobre a política de diversificação que tem sido proclamada constantemente pelos dirigentes angolanos, mas sem sucesso.

Agora há dois incentivos claros para a tornar uma realidade. Por um lado, o petróleo já não é a fonte de receitas segura em que o Estado pode confiar, por outro, há medidas de liberalização da economia e quebra dos anteriores oligopólios. Ainda tímidas, mas existem.

Estes dois factos devem levar os empresários a sentirem-se mais livres e obrigados a procurarem novas áreas de investimento. Essas áreas não deverão ser a construção civil, mas sim outros ligados aos recursos naturais, como o gás natural; a agroindústria (os solos de Angola são alguns dos mais férteis da África e o seu clima é manifestamente propício à agricultura. No passado, Angola era quase autossuficiente em termos agrícolas, sendo o trigo a única exceção); a economia da floresta (as florestas cobrem quase 18,4% da área total do país e formam um dos recursos naturais mais críticos do país), minerais de alta qualidade (minério de ferro, manganês e estanho) e energia solar, entre outros.

Nesta crise, o grande desafio de Angola é aproveitar a oportunidade para se transformar beneficiando da sua variada riqueza.


[1] BNA, Dívida Externa por países (stock): 2012-2019. Disponível em linha https://www.bna.ao/Conteudos/Artigos/lista_artigos_medias.aspx?idc=15419&idsc=16458&idl=1

[2] http://www.novojornal.co.ao/politica/interior/mirex-telefona-a-homologo-chines-com-foco-na-divida-e-em-investimentos-em-angola-87980.html

[3]https://www.imf.org/en/News/Articles/2020/05/28/sp052820-opening-remarks-at-un-event-on-financing-for-development-in-the-era-of-covid-19  

[4] Profundamente envolvida na construção da nova refinaria em Cabinda, por exemplo: https://www.africaoilandpower.com/2020/01/21/sonangol-gemcorp-sign-cabinda-partnership-deal/

[5] https://www.imf.org/en/Publications/CR/Issues/2019/12/18/Angola-Second-Review-of-the-Extended-Arrangement-Under-the-Extended-Fund-Facility-Requests-48887

[6] Cfr. Agostinho Pereira de Miranda, Setor petrolífero angolano está bem preparado para sair da crise – advogado. Disponível online em :https://www.angonoticias.com/Artigos/item/64817/setor-petrolifero-angolano-esta-bem-preparado-para-sair-da-crise-advogado e Jaime Nogueira Pinto, Considerações sobre a crise petrolífera. Disponível em linha https://observador.pt/opiniao/consideracoes-sobre-a-crise-petrolifera/

[7]Noah Browning et al. Angola’s oil exploration evaporates as COVID-19 overshadows historic reforms. Disponível em:  https://www.reuters.com/article/us-global-oil-angola-insight-idUSKBN22W0OZ

[8] NASDAQ-Brent Crude (BZ:NMX). Disponível online em https://www.nasdaq.com/market-activity/commodities/bz%3anmx . Ver também https://oilprice.com/oil-price-charts/46 . Note-se que estes elementos são meramente informativos de tendências e não refletem necessariamente o preço exato das transações do petróleo angolano. Contudo, conferem uma aproximação às possíveis evoluções e perspetivas.