Este é um tempo de reinvenção para Angola. A Sonangol deixou de ser o motor da economia angolana e é necessário encontrar um novo propulsor. Há duas razões para a necessidade de superar o modelo económico assente num único produto -o petróleo.
A primeira razão é a própria Sonangol. Os resultados referentes a 2019, apresentados pela petrolífera angolana são desanimadores do ponto vista estrutural. Se bem que apresentem lucro, esse lucro deriva de resultados extraordinários irrepetíveis e os elementos essenciais da operação petrolífera estão estagnados: a produção não aumenta, as vendas não superam o nível de anos anteriores. O resultado líquido empresa foi de USD 125 milhões. Mas, as receitas mantiveram-se estáveis face ao ano anterior. A Sonangol produziu cerca de 232 mil barris de petróleo bruto por dia, número semelhante ao passado e realizou vendas de USD 10.231 milhões o que representa uma redução de 4% face ao exercício de 2018.
Em resumo, a exploração de petróleo já não sustenta convenientemente a Sonangol. Não sustentando a Sonangol não sustenta o país.
A esta estagnação da Sonangol, junta-se o facto de o petróleo estar a ser cada vez mais encarado com ceticismo, procurando-se apostar em energias alternativas e afastando-se o uso do ouro negro. Este obviamente não é um processo de curto-prazo, mas terá sido acelerado com a pandemia Covid-19. O petróleo ainda terá subidas de preços, eventualmente picos de maior procura, mas tudo indica que os anos glutões terão acabado, pois surgirão outras fontes energéticas que substituirão mais ou menos paulatinamente o petróleo. Basta ver que nos últimos meses o preço do barril Brent oscilou entre os USD 53 em Outubro de 2019, os USD 60 em Janeiro de 2020, os USD 12,78 em Abril ou os USD 40,7 recentemente. Contudo, nunca mais voltou aos números de 2014 em que muitas vezes estava acima dos USD 100.
Estes dois motivos levam a que a economia angolana tenha de se reinventar, e mais depressa do que julga. Não é uma mera questão de reestruturar a Sonangol e focá-la no negócio do petróleo. Não chega, pois esse negócio está estagnado. É a própria economia que necessita de reestruturação, o que no jargão oficial do governo angolano se chama diversificação.
O problema é que a diversificação implica a criação de uma nova oferta na economia angolana, da produção de bens e serviços não existentes no passado recente. E para existir produção é necessário investimento. Investimento obriga, obviamente, à aportação de capital.
E aqui entramos num outro problema que afeta a economia angolana que é o da falta de capital e das políticas recessivas que intensificam essa falta. Seguindo os parâmetros escolhidos pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e a ortodoxia neoclássica da economia está a ser imposto a Angola um programa de contenção/ diminuição da dívida pública e redução do déficit.
Temos muitas dúvidas se tal programa se justifica no caso da economia angolana, sobretudo considerando os aportes doutrinários na Teoria Monetária Moderna, mas o facto é que está a ser seguido tal programa de corte de despesa e aumento de impostos. Ora a prossecução de tal política acaba por limitar a disponibilidade de capital para investimento, seja público, seja privado. Portanto, inviabiliza a denominada diversificação que tão necessária é para superar a estagnação da Sonangol.
Assim, o panorama com que se confronta neste momento a economia angolana é difícil. Por um lado, o seu motor- a Sonangol-está parado, por outro, a criação de capital para mobilizar investimento produtivo para diversificar a economia encontra-se em estrangulamento devido às políticas recessivas adotadas. Isto tem reflexos óbvios nos números da economia. O crescimento do PIB é negativo, na ordem dos – 3,6%. O desemprego assume o número assustador de 32,7% e a inflação de 22,8% (homólogo agosto de 2020). Nenhum destes números é animador.
A economia angolana precisa de coragem política para inverter este estado de coisas.
A Sonangol tem de ser reestruturada, mas como empresa de energia e não meramente de petróleo. Na realidade, não lhe basta focar-se no petróleo, haverá que se apresentar com uma empresa moderna de energias renováveis, aproveitando, por exemplo, o sol. Se recentemente o Reino Unido, anunciou que se quer transformar na Arábia Saudita do vento, Angola pode ser a Arábia Saudita do sol. Portanto, é necessária uma reestruturação imaginativa da Sonangol.
Simultaneamente, tem de ser abandonada a política económica recessiva. Se bem que deva existir disciplina orçamental e não se pagarem obras duas vezes ou liquidar salários a funcionários fantasmas, bem como não contrair dívida pública para alimentar bolsos privados, o certo é que a política de rigor financeiro deve ser complementada por uma política de estímulo fiscal que permita construir uma suficiente base de capital para proceder ao investimento reprodutivo necessário. Uma política fiscal pró-investimento público e privado é fundamental na reinvenção da economia angolana.
https://www.cedesa.pt/wp-content/uploads/2020/10/sonangol.png554924CEDESA-Editorhttps://www.cedesa.pt/wp-content/uploads/2020/01/logo-CEDESA-completo-W-curvas.svgCEDESA-Editor2020-10-21 08:30:272020-10-21 08:30:28A Sonangol e a reinvenção da economia angolana
Resumo: Embora Angola esteja a sofrer vários choques económicos em virtude da Covid-19 e da descida do preço do petróleo, além do aumento nominal da dívida pública externa, a verdade é que a situação não apresenta a gravidade apontada nalguns estudos.
Petróleo: O país está bem preparado para beneficiar da recuperação que já está a acontecer do preço do petróleo, e que provavelmente acelerará com o desconfinamento mundial.
Dívida: O problema da dívida resulta essencialmente da depreciação da moeda e a sua solução encontra-se numa negociação política com a China, que detém cerca de metade da dívida pública externa.
Diversificação: As presentes dificuldades são um incentivo real, e não meramente retórico, para o início da diversificação da economia, possibilitada pelas medidas de liberalização da economia.
Nos
últimos tempos muito se tem escrito sobre a crise do petróleo angolano,
apresentando-se previsões catastróficas para a economia do país e a evolução da
exploração petrolífera. À pressão do petróleo, tem-se adicionado a pressão da
dívida pública, tudo na embalagem da Covid-19.
Sendo
a situação grave, não é desesperada, e há que encarar os vários dados
analiticamente com o distanciamento suficiente.
Se
atentarmos aos dados mais recentes do BNA[1],
os grandes credores de Angola são a China, a Grã-Bretanha e as Organizações
Internacionais.
A
soma destes credores iguala cerca de 39,4mil milhões de dólares e equivale a
quase 80% da dívida pública externa.
Figura n.º 1-Stock da dívida externa pública de Angola
por países. Fonte: BNA (bna.ao)
Obviamente
que a dívida perante a China tem um carácter eminentemente político e não se
pode encará-la como uma dívida ordinária. De notar, que o ministro das Relações
Exteriores de Angola já está em conversações com o seu homólogo chinês sobre o
tema[2].
Portanto, há um efetivo desenvolvimento neste âmbito.
De
algum modo, o mesmo acontece com as Organizações Internacionais. É público que
as Organizações Internacionais, lideradas pelo Fundo Monetário Internacional
estão a propor várias medidas de alívio relativamente ao peso da dívida das
economias mais frágeis e de mercados emergentes[3].
Resta
a dívida à Grã-Bretanha. Uma parte dessa dívida será proveniente de empresas
sedeadas em Londres, mas com relações privilegiadas com Angola e que têm uma
perspetiva de longo prazo, como é o caso da Gemcorp[4],
pelo que aqui também se terá de encarar com alguma cautela as afirmações
demasiado genéricas sobre a gravidade do peso da dívida angolana.
Além
do mais, o próprio Fundo Monetário Internacional reconheceu em dezembro de 2019
que cerca de quatro quintos do aumento nominal da dívida angolana se devia à
depreciação do kwanza e não a novas responsabilidades[5].
Portanto, qualquer análise da dívida pública externa angolana que não proceda à
desagregação dos seus elementos está errada.
É
evidente que a dívida pública externa está concentrada em poucos credores que
têm várias considerações a tomar além das estritamente financeiras, e depende
muito da atitude da China.
Em
resumo, a não ser que ocorra algum evento extraordinário adicional, a questão
da dívida pública externa angolana não tem a gravidade que possa parecer de uma
mera observação nominal, e não se deve tornar num obstáculo ao desenvolvimento.
A chave está nas conversações com a China sobre o tema. E obviamente a China
não quererá aparecer como um agente negativo em Angola.
O petróleo
O
mesmo exagero analítico tem ocorrido a propósito do petróleo e Angola. Obviamente
que Angola tem uma dependência excessiva do petróleo, e que este, neste
momento, o preço do crude é alvo de duas pressões negativas: a queda da procura
em virtude da Covid-19 e uma aparente tendência secular para diminuir o consumo
de petróleo substituindo-o por fontes alternativas.
Dois
dos mais reputados analistas destas questões relativamente a Angola, Agostinho
Pereira de Miranda e Jaime Nogueira Pinto[6],
têm, no entanto, desvalorizado o excesso de angústia relativamente a esta
questão naquilo que diz respeito a Angola. Tendemos a subscrever esta posição.
O
abalo do petróleo na economia angolana subsiste desde 2014 (vide fig. N.º 2) e é um problema para o qual o governo desde
2018, tem tomado variadas medidas que se centram em duas estratégias: i) modernização
e abertura do setor petrolífero e ii) promoção da diversificação da economia.
Em
relação ao primeiro aspeto, sublinha-se, entre outros, a criação de uma agência
reguladora diferente da Sonangol, permitindo que esta empresa se foque no seu
core business, a privatização de subsidiárias secundárias da Sonangol e a
assinatura de acordos com várias empresas estrangeiras para aumentar o
investimento. Na verdade, as grandes companhias, em que se destaca a Total,
Exxon, Chevron, BP, ENI, planeavam operar mais navios de perfuração em Angola
do que em qualquer lugar do continente para explorar novas descobertas. Em
relação à diversificação tem havido mais retórica do que prática, mas a
necessidade, como veremos à frente vai obrigar a que se passe à prática, desde
que o governo liberalize efetivamente a economia.
Entretanto,
a Covid-19 fez mergulhar o preço do petróleo e as companhias estrangeiras pararam
a sua atividade em Angola[7].
No entanto, apesar das más notícias imediatas, a situação tenderá a estabilizar
num patamar superior. A Moody´s no final de maio anunciava que previa um
patamar genérico futuro entre os USD 45-65. Não se trata de confiar na precisão
destes números, mas apenas de anotar que haverá uma tendência de subida.
Atente-se o preço do Brent. Neste momento, situa-se em USD 36, 6 (dados de 22 de maio de 2020)[8]. Portanto, já subiu do número mínimo alcançado a 21 de abril de 2020, USD 19.33. O valor de USD 36, 6 já está acima de vários níveis atingidos após a queda abrupta em 2014. Por exemplo, no início de 2016, o valor andou entre os USD 29 a 32. Significa isto que o preço do petróleo parece entrar, no presente momento, novamente nalguma normalidade, além de que desde 2014, o país já está habituado a lidar com uma grande oscilação nos mercados.
Figura n.º 2- Picos e Mínimos do Preço Brent USD/Barril
(fonte Nasdaq e Oilprice.com)
Figura
n.º 3-Evolução do preço do Brent 2020 (Fontes da fig. n.º 2)
Refira-se
a propósito que uma boa parte da contratação angolana está revertida em
contratos com prazos longos, pelo que oscilações do preço não afetam
necessariamente e de imediato a tesouraria pública.
Além
do mais muito em breve, passar-se-á de uma época de encerramento das economias
em que a procura de petróleo diminuiu substancialmente, para um relançamento das
economias. Seja essa recuperação em V, U, W ou outra letra, a verdade é que
implicará um aumento da procura de petróleo, o que provavelmente, fará aumentar
o preço do petróleo desde que não se reiniciem as “guerras” entre a Rússia ou
Arábia Saudita ou outros eventos semelhantes.
A
isto acresce que o valor baixo do petróleo será um incentivo ao seu uso numa
fase de recuperação económica em que as preocupações com energias limpas, mas
mais caras, será, no curto prazo, substituída pela necessidade de colocar as
empresas a trabalhar e as pessoas com emprego.
Mesmo
que na Europa persistam as preocupações com a emergência climática, é difícil
vislumbrar que os grandes motores da economia mundial, como os Estados Unidos,
a China e a Índia, não prefiram uma fonte de energia barata que rapidamente
coloque as fábricas a mexer.
Angola
já se começou a antecipar e ainda na semana de 25-29 de maio, a Agência
Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANPG) disponibilizou, um pacote de
dados para exploração petrolífera das bacias terrestres do baixo Congo e do
Kwanza, para empresas nacionais e internacionais. São os blocos CON1, CON5,
CON6, KON5, KON6, KON8, KON9, KON17 e KON20, cujo anúncio oficial, para o
início das novas licitações, será feito nos próximos dias.
Em
resumo, a reformas organizacionais, de racionalização e incremento do mercado
petrolífero em curso em Angola, aliadas à recuperação paulatina do preço do
petróleo, no contexto do relançamento da economia mundial no pós Covid-19,
permitem acreditar que o setor petrolífero em Angola tem boas condições de
recuperação, e afastar os cenários mais pessimistas.
Oportunidade para a diversificação
Uma
nota final sobre a política de diversificação que tem sido proclamada
constantemente pelos dirigentes angolanos, mas sem sucesso.
Agora
há dois incentivos claros para a tornar uma realidade. Por um lado, o petróleo
já não é a fonte de receitas segura em que o Estado pode confiar, por outro, há
medidas de liberalização da economia e quebra dos anteriores oligopólios. Ainda
tímidas, mas existem.
Estes dois factos devem levar os empresários a sentirem-se mais livres e obrigados a procurarem novas áreas de investimento. Essas áreas não deverão ser a construção civil, mas sim outros ligados aos recursos naturais, como o gás natural; a agroindústria (os solos de Angola são alguns dos mais férteis da África e o seu clima é manifestamente propício à agricultura. No passado, Angola era quase autossuficiente em termos agrícolas, sendo o trigo a única exceção); a economia da floresta (as florestas cobrem quase 18,4% da área total do país e formam um dos recursos naturais mais críticos do país), minerais de alta qualidade (minério de ferro, manganês e estanho) e energia solar, entre outros.
Nesta
crise, o grande desafio de Angola é aproveitar a oportunidade para se
transformar beneficiando da sua variada riqueza.
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