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Angola: Petróleo e Dívida. Oportunidades renovadas

Resumo:
Embora Angola esteja a sofrer vários choques económicos em virtude da Covid-19 e da descida do preço do petróleo, além do aumento nominal da dívida pública externa, a verdade é que a situação não apresenta a gravidade apontada nalguns estudos.

Petróleo: O país está bem preparado para beneficiar da recuperação que já está a acontecer do preço do petróleo, e que provavelmente acelerará com o desconfinamento mundial.

Dívida: O problema da dívida resulta essencialmente da depreciação da moeda e a sua solução encontra-se numa negociação política com a China, que detém cerca de metade da dívida pública externa.

Diversificação: As presentes dificuldades são um incentivo real, e não meramente retórico, para o início da diversificação da economia, possibilitada pelas medidas de liberalização da economia.

Nos últimos tempos muito se tem escrito sobre a crise do petróleo angolano, apresentando-se previsões catastróficas para a economia do país e a evolução da exploração petrolífera. À pressão do petróleo, tem-se adicionado a pressão da dívida pública, tudo na embalagem da Covid-19.

Sendo a situação grave, não é desesperada, e há que encarar os vários dados analiticamente com o distanciamento suficiente.

A dívida pública

A questão da dívida pública, que já abordamos em anterior relatório naquilo que se refere à China (https://www.cedesa.pt/2020/05/05/porque-a-china-deve-reduzir-a-divida-de-angola/), não tem o perigo que se atribui considerando apenas uma análise formal dos números.

Se atentarmos aos dados mais recentes do BNA[1], os grandes credores de Angola são a China, a Grã-Bretanha e as Organizações Internacionais.

A soma destes credores iguala cerca de 39,4mil milhões de dólares e equivale a quase 80% da dívida pública externa.

            Figura n.º 1-Stock da dívida externa pública de Angola por países. Fonte: BNA (bna.ao)

Obviamente que a dívida perante a China tem um carácter eminentemente político e não se pode encará-la como uma dívida ordinária. De notar, que o ministro das Relações Exteriores de Angola já está em conversações com o seu homólogo chinês sobre o tema[2]. Portanto, há um efetivo desenvolvimento neste âmbito.

De algum modo, o mesmo acontece com as Organizações Internacionais. É público que as Organizações Internacionais, lideradas pelo Fundo Monetário Internacional estão a propor várias medidas de alívio relativamente ao peso da dívida das economias mais frágeis e de mercados emergentes[3].

Resta a dívida à Grã-Bretanha. Uma parte dessa dívida será proveniente de empresas sedeadas em Londres, mas com relações privilegiadas com Angola e que têm uma perspetiva de longo prazo, como é o caso da Gemcorp[4], pelo que aqui também se terá de encarar com alguma cautela as afirmações demasiado genéricas sobre a gravidade do peso da dívida angolana.

Além do mais, o próprio Fundo Monetário Internacional reconheceu em dezembro de 2019 que cerca de quatro quintos do aumento nominal da dívida angolana se devia à depreciação do kwanza e não a novas responsabilidades[5]. Portanto, qualquer análise da dívida pública externa angolana que não proceda à desagregação dos seus elementos está errada.

É evidente que a dívida pública externa está concentrada em poucos credores que têm várias considerações a tomar além das estritamente financeiras, e depende muito da atitude da China.

Em resumo, a não ser que ocorra algum evento extraordinário adicional, a questão da dívida pública externa angolana não tem a gravidade que possa parecer de uma mera observação nominal, e não se deve tornar num obstáculo ao desenvolvimento. A chave está nas conversações com a China sobre o tema. E obviamente a China não quererá aparecer como um agente negativo em Angola.

O petróleo

O mesmo exagero analítico tem ocorrido a propósito do petróleo e Angola. Obviamente que Angola tem uma dependência excessiva do petróleo, e que este, neste momento, o preço do crude é alvo de duas pressões negativas: a queda da procura em virtude da Covid-19 e uma aparente tendência secular para diminuir o consumo de petróleo substituindo-o por fontes alternativas.

Dois dos mais reputados analistas destas questões relativamente a Angola, Agostinho Pereira de Miranda e Jaime Nogueira Pinto[6], têm, no entanto, desvalorizado o excesso de angústia relativamente a esta questão naquilo que diz respeito a Angola. Tendemos a subscrever esta posição.

O abalo do petróleo na economia angolana subsiste desde 2014 (vide fig. N.º 2)  e é um problema para o qual o governo desde 2018, tem tomado variadas medidas que se centram em duas estratégias: i) modernização e abertura do setor petrolífero e ii) promoção da diversificação da economia.

Em relação ao primeiro aspeto, sublinha-se, entre outros, a criação de uma agência reguladora diferente da Sonangol, permitindo que esta empresa se foque no seu core business, a privatização de subsidiárias secundárias da Sonangol e a assinatura de acordos com várias empresas estrangeiras para aumentar o investimento. Na verdade, as grandes companhias, em que se destaca a Total, Exxon, Chevron, BP, ENI, planeavam operar mais navios de perfuração em Angola do que em qualquer lugar do continente para explorar novas descobertas. Em relação à diversificação tem havido mais retórica do que prática, mas a necessidade, como veremos à frente vai obrigar a que se passe à prática, desde que o governo liberalize efetivamente a economia.

Entretanto, a Covid-19 fez mergulhar o preço do petróleo e as companhias estrangeiras pararam a sua atividade em Angola[7]. No entanto, apesar das más notícias imediatas, a situação tenderá a estabilizar num patamar superior. A Moody´s no final de maio anunciava que previa um patamar genérico futuro entre os USD 45-65. Não se trata de confiar na precisão destes números, mas apenas de anotar que haverá uma tendência de subida.

Atente-se o preço do Brent. Neste momento, situa-se em USD 36, 6 (dados de 22 de maio de 2020)[8]. Portanto, já subiu do número mínimo alcançado a 21 de abril de 2020, USD 19.33. O valor de USD 36, 6 já está acima de vários níveis atingidos após a queda abrupta em 2014. Por exemplo, no início de 2016, o valor andou entre os USD 29 a 32. Significa isto que o preço do petróleo parece entrar, no presente momento, novamente nalguma normalidade, além de que desde 2014, o país já está habituado a lidar com uma grande oscilação nos mercados.

            Figura n.º 2- Picos e Mínimos do Preço Brent USD/Barril (fonte Nasdaq e Oilprice.com)

Figura n.º 3-Evolução do preço do Brent 2020 (Fontes da fig. n.º 2)

Refira-se a propósito que uma boa parte da contratação angolana está revertida em contratos com prazos longos, pelo que oscilações do preço não afetam necessariamente e de imediato a tesouraria pública.

Além do mais muito em breve, passar-se-á de uma época de encerramento das economias em que a procura de petróleo diminuiu substancialmente, para um relançamento das economias. Seja essa recuperação em V, U, W ou outra letra, a verdade é que implicará um aumento da procura de petróleo, o que provavelmente, fará aumentar o preço do petróleo desde que não se reiniciem as “guerras” entre a Rússia ou Arábia Saudita ou outros eventos semelhantes.

A isto acresce que o valor baixo do petróleo será um incentivo ao seu uso numa fase de recuperação económica em que as preocupações com energias limpas, mas mais caras, será, no curto prazo, substituída pela necessidade de colocar as empresas a trabalhar e as pessoas com emprego.

Mesmo que na Europa persistam as preocupações com a emergência climática, é difícil vislumbrar que os grandes motores da economia mundial, como os Estados Unidos, a China e a Índia, não prefiram uma fonte de energia barata que rapidamente coloque as fábricas a mexer.

Angola já se começou a antecipar e ainda na semana de 25-29 de maio, a Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANPG) disponibilizou, um pacote de dados para exploração petrolífera das bacias terrestres do baixo Congo e do Kwanza, para empresas nacionais e internacionais. São os blocos CON1, CON5, CON6, KON5, KON6, KON8, KON9, KON17 e KON20, cujo anúncio oficial, para o início das novas licitações, será feito nos próximos dias.

Em resumo, a reformas organizacionais, de racionalização e incremento do mercado petrolífero em curso em Angola, aliadas à recuperação paulatina do preço do petróleo, no contexto do relançamento da economia mundial no pós Covid-19, permitem acreditar que o setor petrolífero em Angola tem boas condições de recuperação, e afastar os cenários mais pessimistas.

Oportunidade para a diversificação

Uma nota final sobre a política de diversificação que tem sido proclamada constantemente pelos dirigentes angolanos, mas sem sucesso.

Agora há dois incentivos claros para a tornar uma realidade. Por um lado, o petróleo já não é a fonte de receitas segura em que o Estado pode confiar, por outro, há medidas de liberalização da economia e quebra dos anteriores oligopólios. Ainda tímidas, mas existem.

Estes dois factos devem levar os empresários a sentirem-se mais livres e obrigados a procurarem novas áreas de investimento. Essas áreas não deverão ser a construção civil, mas sim outros ligados aos recursos naturais, como o gás natural; a agroindústria (os solos de Angola são alguns dos mais férteis da África e o seu clima é manifestamente propício à agricultura. No passado, Angola era quase autossuficiente em termos agrícolas, sendo o trigo a única exceção); a economia da floresta (as florestas cobrem quase 18,4% da área total do país e formam um dos recursos naturais mais críticos do país), minerais de alta qualidade (minério de ferro, manganês e estanho) e energia solar, entre outros.

Nesta crise, o grande desafio de Angola é aproveitar a oportunidade para se transformar beneficiando da sua variada riqueza.


[1] BNA, Dívida Externa por países (stock): 2012-2019. Disponível em linha https://www.bna.ao/Conteudos/Artigos/lista_artigos_medias.aspx?idc=15419&idsc=16458&idl=1

[2] http://www.novojornal.co.ao/politica/interior/mirex-telefona-a-homologo-chines-com-foco-na-divida-e-em-investimentos-em-angola-87980.html

[3]https://www.imf.org/en/News/Articles/2020/05/28/sp052820-opening-remarks-at-un-event-on-financing-for-development-in-the-era-of-covid-19  

[4] Profundamente envolvida na construção da nova refinaria em Cabinda, por exemplo: https://www.africaoilandpower.com/2020/01/21/sonangol-gemcorp-sign-cabinda-partnership-deal/

[5] https://www.imf.org/en/Publications/CR/Issues/2019/12/18/Angola-Second-Review-of-the-Extended-Arrangement-Under-the-Extended-Fund-Facility-Requests-48887

[6] Cfr. Agostinho Pereira de Miranda, Setor petrolífero angolano está bem preparado para sair da crise – advogado. Disponível online em :https://www.angonoticias.com/Artigos/item/64817/setor-petrolifero-angolano-esta-bem-preparado-para-sair-da-crise-advogado e Jaime Nogueira Pinto, Considerações sobre a crise petrolífera. Disponível em linha https://observador.pt/opiniao/consideracoes-sobre-a-crise-petrolifera/

[7]Noah Browning et al. Angola’s oil exploration evaporates as COVID-19 overshadows historic reforms. Disponível em:  https://www.reuters.com/article/us-global-oil-angola-insight-idUSKBN22W0OZ

[8] NASDAQ-Brent Crude (BZ:NMX). Disponível online em https://www.nasdaq.com/market-activity/commodities/bz%3anmx . Ver também https://oilprice.com/oil-price-charts/46 . Note-se que estes elementos são meramente informativos de tendências e não refletem necessariamente o preço exato das transações do petróleo angolano. Contudo, conferem uma aproximação às possíveis evoluções e perspetivas.

Why China should reduce Angola’s debt

Angola’s public debt at the present

In its December 2019 report on Angola, the International Monetary Fund (IMF) stated that: “Angola’s public debt is sustainable, but the risks have increased and the vulnerabilities remain. [1]”While forecasting a peak of 111% public debt/ GDP by the end of 2019, the IMF’s view was optimistic for several reasons, namely the mobilization of new non-oil revenues in the 2020-2021 budgets, the rapid implementation of structural reforms and the continuation of the privatization program.[2]

The percentage increase in public debt/ GDP forecasting was due to three factors: the depreciation of the kwanza in the fourth quarter of 2019 (about four fifths of the increase), the fall in prices and oil production, and the slow economic recovery. Therefore, the first point to be emphasized is the fact that 80% of the increase in the percentage of public debt/GDP derives from the depreciation of the kwanza.

Consequently, a policy favoured by the IMF (currency depreciation) would negatively influence another aspect considered important by the same organization (public debt / GDP ratio). This means that it was not too important to look at this relationship to calculate the possible fragility of the Angolan public debt, as it essentially reflected nominal and not real fluctuations. In December 2019, Angolan public debt was sustainable.

However, after four months, the state of affairs has become more difficult. Now, the real aspects of the economy may hinder debt service. However, Angola is not in that situation yet, and proper action can avoid any problem. The Covid-19 economic shock has consequences for Angola, adding  pressure on the two material elements that are important for the sustainability of debt payments: the price of oil and the economic recovery. As we already know, oil has seen its price drop sharply, and the prospects for the recovery of the Angolan economy are weak.

Consequently, in April 2020, the same IMF predicted a 1.4% recession for the Angolan economy and a debt value equal to 132% /GDP. The IMF’s forecast is just that, and it does not yet correspond, in terms of public debt, to any new reality. In fact, 2019 closed with a public debt of 109.8%/ GDP and not 111%, slightly better than expected.[3]

It should also be noted that the share corresponding to the external public debt will be 85.4% of GDP, which is what we are interested in analyzing.

The several elements considered so far, leads us to two conclusions: the first: the Angolan public debt was evolving in a sustainable manner, and the nominal degradation of the country’s public debt as a percentage of GDP reflected, above all, the nominal depreciation of the currency and not some absurd lack of control that would have occurred in recent times ath the  public finances. Between 2017 and 2019, in an epoch  of recession, the stock of external debt increased only 14%, whereas it was previously, between 2012 and 2016, that it increased 100%. This means, politically, that the government of José Eduardo dos Santos doubled the external public debt in four years, while João Lourenço has tried to stop this exponential increase. [4]A detailed analysis of the figure below shows the great boost in the Angolan external debt ocurred between 2012 and 2016. There was an attempt to stabilize in 2017 and only a modest increase in 2018 and 2019.

Figure 1 – Angolan external public debt stock (2012-2019) [amounts in millions of dollars; BNA source]

However, and this is the second conclusion, if in the past there was confidence in Angola’s capacity to pay the debt, and its control by the current government, the truth is that the Covid-19 global crisis has launched a cloud of uncertainty over the public debts in global terms, obviously affecting perception in relation to Angola. Naturally, this post-Covid-19 perception requires governments to anticipate and take steps to avoid future problems.

 It is in this context that the possible adjustment of the Angolan external debt to the current reality brought by Covid-19 deserves attention, as well as the need to lighten its weight to guarantee the sustainability of the economic recovery.

The importance of debt to China

The current global situation brought about by Covid-19 implied the need that Angola has to ensure that its public debt is sustainable and do not to disturb the economic kick-start that is urgently necessary to mobilize.

Regarding the essential features of the Angolan public debt, the Cartesian method must be followed. This means that one should not look at the debt as a whole, but divide it into sections, addressing each one independently. It is wrong from a methodological point of view to perceive the Angolan external public debt as a whole due to the huge weight that China has in it.

Total Angolan public external debt (stock) was worth US $ 49,461 million at the end of 2019, according to data from the National Bank of Angola. [5]It turns out that $ 22.424 million is owed to China. [6]This means that China accounted for almost half of Angola’s external responsibilities, more precisely, 45.3%.

Figure 2-Weight of the Angolan external debt to China (in percentage; source: BNA)

It seems clear that the Angolan debt to China represents an enormous magnitude and obviously has the most important weight in Luanda’s public finances.

Given the historical features of Angola’s relationship with China, as well as its global positioning, especially with regard to the relationship with Africa, this is the time to propose a thorough negotiation of the Angolan debt to China, promoting its reduction and time-based rescheduling.

In simple terms, the negotiation of the Angolan public debt to China should lower the debt amount and increase the payment times.

It is easy to see that debt to China may become the main obstacle to Angola’s development.

Nevertheless, China in Angola  must be a factor of development and not of economic recession. At the outset, it should be noted that since 2017, the year when João Lourenço took office, the date on which the debt peaked, Angola has been lowering the stock value (see Fig. No. 3 below) thus demonstrating its capacity and good faith towards China.

There are three very strong reasons for carrying out China to renegotiate its debt with a view to reducing and prolonging it over time.

1-China’s global positioning, especially in Africa.

China is currently one of the great world powers, intending to engage with the United States in terms of projected influence in the world.

In that sense, with a new power comes new responsibilities, as happened  in relation to the United States at the end of the Second World War (1939-1945), in which it took on is shoulders  the European economic reconstruction through the Marshall Plan and actively promoted the creation of which became the EEC (European Economic Community), today the European Union. It was the American commitment that made this reality possible and brought prosperity and peace to Europe.

China has been taking a similar position in relation to Africa, using a rhetoric of friendship and solidarity. President Xi Jinping’s words at the opening ceremony of the China-Africa Cooperation Forum (FOCAC) in 2018: “China seeks common interests and puts friendship first in the search for cooperation. China believes that the right way to boost China-Africa cooperation is for both sides to leverage their respective strength; it is up to China to complement Africa’s development through its own growth, and it is up to China and Africa to seek cooperation for mutual benefit and common development. In doing so, China follows the principle of giving more and receiving less, giving before receiving and giving without asking for a return ” [7](emphasis added).

What is certain is that the current situation caused by the Covid-19 disease presents itself as the ideal one for President Xi Jinping to turn his speech into reality and move on to concrete acts of friendship, giving more and receiving less, as well as giving without ask for return.

In this way, it will build positive China’s image in Africa as a great world power that bets on the effective development of a continent and will show, from the geostrategic point of view , that it is a real competitor  of the United States in the creation of a more prosperous and secure world.

It is at this moment that China’s place in the post-Covid-19 world will be seen.

2-Pragmatism

Deng Xiaoping is attributed with the slogan “It doesn’t matter if the cat is black or white, as long as it hunts mice”. It is precisely this pragmatism that has brought so much success to China that it will justify the remission of the Angolan debt.

Angola has always been presented as the model for investment in Africa. The scientific literature even refers to the “Angolan model” that served as a basis for China’s contemporary performance in Africa.

Thus, it will be worrying for China to see that its model fails and becomes a burden on the economy.

If we look at the numbers, during 2019 Angola spent almost 43% of public revenues to pay debt, where, as already mentioned, China occupies the largest share. Consequently, the continuation of this situation may prove to be justified by the allegations that the US Secretary of State, Mike Pompeo, made during his recent tour of Africa, that the Chinese debt is  becaming an unbearable burden for the development of the continent. In fact, to conclude that this is ocurring in Angola, will turn the whole of China’s African policy into a disaster, since its initial model failed badly.

In addition to this political pragmatism, there is an obvious economic factor. The most recent evaluations show that Chinese companies in Angola recorded a loss of 350 to 500 million dollars due to the COVID-19 pandemic[8]. And these losses can be widened if Angola’s economic situation does not improve. Therefore, it is of Chinese interest to create the conditions for a relaunch for the Angolan economy, as such a relaunch will  benefit in a massive scale Chinese companies. It is called the win-win situation.

Consequently, it is therefore of Chinese practical interest to reduce Angolan debt to show the world that its model of intervention in Africa works and is not predatory, and also help the countless Chinese companies established in Angola.

3-Combat corruption and odious debt

There is a fundamental and ultimate reason to reduce the Angolan debt to China. There is no doubt that part of this debt is what is doctrinally called “odious debt”, ie, debt whose purposes were not the public interest and the common good, but the private appropriation of sovereignty by members of the highest organs of the State . [9]More bluntly, it is a debt that was used in acts of corruption or served to finance the private interests of Angolan leaders and possibly of Chinese officials.

One can never forget the role that Chinese citizen Sam Pa, today, apparently imprisoned in China, played in several businesses in Angola. Names like the CIF-China International Fund, the Queensway Group, or China Sonangol, are paradigms of activities considered illegal that are or have been under close investigation. It is a fact that Chinese money was involved in diverse acts of corruption.

In addition to this, there is another one with undefined contours and that deserves a more careful investigation by researching journalists. The analysis of the disaggregated statistical series provided by the National Bank of Angola on the evolution of Chinese debt shows that in the second quadrimester of 2016 (May to August) this debt went from US $ 10,531 million to US $ 21,228 million. Debt to China doubled in 2016.[10]

Figure 3- Evolution of Angola’s external public debt (stock) to China-2012/2019 (Millions of dollars. Source: BNA)

This movement was relatively recent and it is, still,  badly explained. In terms of timing, this event coincides with an announced trip by José Eduardo dos Santos to China to negotiate a loan in July 2015, which was subsequently followed by several events such as the fall from grace of the Vice President of the Republic, Manuel Vicente, and the Sam Pa’s arrest in October 2015. After this, Isabel dos Santos assumed the presidency of Sonangol in June 2016, coinciding with the launch of the Chinese debt in the BNA’s accounts. Apparently, it was from this new Chinese debt that the Government attributed to Sonangol 10 billion USD. At the time the company was starting to be chaired  by Isabel dos Santos. Apparently from those 10 billion USD, Sonangol paid loans in the total amount of five billion dollars. This allowed the Sonangol`s debt to be reduced from 9.8 billion to 4.8 billion USD. The remaining five billion USD will have been channeled to investments in and from Sonangol.

In view of the judicial controversy that currently involves Isabel dos Santos’s appointment as President of Sonangol and the apparent simultaneity of her appointment with the doubling of the Angolan debt to China that may have served to finance Sonangol, perhaps there should be a suspension of payment of this debt until it becomes clear whether there was any illegality or not, namely in what refers to the 5 billion that were apparently allocated to investments in and from Sonangol.

It should be noted that this is what Chinese law, enforced by Xi Jinping, imposes. The Chinese President and his administration are taking a long and hard fight against corruption in their country. Current Chinese law on corruption is found in the Penal Code of the People’s Republic of China approved in 1981, revised in 1997 and enhanced  in 2015. According to this rule, all activities involving corruption related to foreign rulers are a crime for which Chinese courts have jurisdiction. In effect, since May 1, 2011, it is a crime to pay illegally to foreign officials. The truth is that, currently, the Chinese Penal Code acts beyond its borders, so corrupt payments, the “odious debt”, already has to be considered by the Chinese authorities when making their assessments of situations.

This means that for political reasons as well as for reasons of domestic law, China is obliged and must analyze the debt that may have been incurred for corrupt purposes or for illegitimate benefit. Angola’s debt must be thoroughly reviewed in this perspective.

Figure  4- Reasons for China to reduce Angolan debt

Conclusions

The reasons explained strongly advise China to proceed with a substantial unilateral reduction of the Angolan debt. It is an imperative of its current position in the world, its pragmatism and sinic law.


[1] IMF- Angola, IMF Country Report No. 19/371, p. 54. Available in: https://www.imf.org/en/Publications/CR/Issues/2019/12/18/Angola-Second-Review-of-the-Extended-Arrangement-Under-the-Extended-Fund-Facility-Requests-48887

[2] Idem, p. 54.

[3] IMF- World Economic Outlook, April 2020: The Great Lockdown, p. 24. Available in  https://www.imf.org/en/Publications/WEO/Issues/2020/04/14/weo-april-2020 and also IMF-SUB-SAHARAN AFRICA.COVID-19: An Unprecedented Threat to Development, April 2020, p. 19. Available in https://www.imf.org/en/Publications/REO/SSA/Issues/2020/04/01/sreo0420

[4] BNA-National Bank of Angola, DÍVIDA EXTERNA PÚBLICA POR PAÍSES (STOCK): 2012 – 2019. Available in https://www.bna.ao/Conteudos/Artigos/lista_artigos_medias.aspx?idc=15419&idsc=16458&idl=1

[5] BNA-National Bank of Angola, idem.

[6] BNA-National Bank of Angola, idem.

[7] President Xi Jinping “Full text of Chinese President Xi Jinping’s speech at opening ceremony of 2018 FOCAC Beijing Summit”, XinhuaNet, 3rd September 2018. Available in http://www.xinhuanet.com/english/2018-09/03/c_137441987.htm

[8] Francisco Shen (interviewed by Natacha Roberto), “Empresas chinesas em Angola com perdas de 500 milhões de dólares”, Jornal de Angola, 28 th April 2020. Available in http://jornaldeangola.sapo.ao/economia/empresas-chinesas-em-angola-com-perdas-de-500-milhoes-de-dolares

[9] Robert Howse, The Concept of Odious Debt in Public International Law, UNCTAD, 2007.

[10] BNA-National Bank of Angola, External data by Country, Quarterly Data. Available in https://www.bna.ao/Conteudos/Artigos/lista_artigos_medias.aspx?idc=15420&idsc=16460&idl=1

Porque a China deve reduzir a dívida de Angola

A situação da dívida pública angolana

No seu relatório de dezembro de 2019 sobre Angola, o Fundo Monetário Internacional (FMI) asseverava que: “A dívida pública de Angola é sustentável, mas os riscos aumentaram e as vulnerabilidades permanecem.[1]” Embora previsse um pico da dívida pública para o final de 2019 de 111% do PIB, a visão do FMI era otimista, por várias ordens de razão, designadamente,  a mobilização de novas receitas não petrolíferas nos orçamentos 2020-2021, a implementação rápida de reformas estruturais e a prossecução do programa de privatizações[2].

Na origem da previsão do aumento percentual da dívida pública em termos de PIB encontravam-se três fatores: a depreciação do kwanza no quarto trimestre de 2019 (cerca de quatro quintos do aumento), a baixa dos preços e da produção do petróleo, e a recuperação económica lenta. De sublinhar, portanto, um primeiro aspeto que é a constatação que 80% do aumento do percentual da dívida pública face ao PIB deriva da depreciação do kwanza.

Consequentemente, teríamos uma política preconizada pelo FMI (depreciação moeda) a influenciar negativamente outro índice reputado importante pela mesma organização (relação dívida pública/PIB). Significa isto que não era demasiado importante olhar para esta relação para calcular a possível fragilidade da dívida pública angolana, pois ela refletia essencialmente oscilações nominais e não reais. Em dezembro de 2019, a dívida pública angolana era sustentável.

Contudo, passados quatro meses, a situação tornou-se mais difícil, admitindo-se, agora, que os aspetos reais da economia possam dificultar o serviço da dívida. Ainda não se está nessa situação, e a tomada de medidas pode evitar qualquer problema, pois não se trata de ter sido substancialmente contraída mais dívida, mas do choque proveniente da Covid-19 que está a afetar a economia mundial. Este choque tem consequências para Angola, pressionando dois elementos materiais importantes para a sustentabilidade do pagamento da dívida: o preço do petróleo e a recuperação económica. Como é sabido, o petróleo tem visto o seu preço a descer abruptamente, e as perspetivas de recuperação da economia angolana são débeis.

Consequentemente, em abril de 2020, o mesmo FMI previu uma recessão de 1,4% para a economia angolana e um valor da dívida igual a 132 % do PIB. A previsão do FMI é precisamente só isso, não correspondendo ainda, em termos de dívida pública, a qualquer realidade nova. Na verdade, o ano de 2019 terá fechado com uma dívida pública de 109,8% do PIB e não 111%, ligeiramente melhor do que o previsto[3].

Refira-se ainda que a parte correspondente à dívida pública externa será de 85,4% do PIB, que é a que nos interessa analisar.

Os diversos elementos até aqui considerados, levam-nos a duas conclusões: a primeira: a dívida pública angolana estava a evoluir de forma sustentável, sendo que a degradação nominal da dívida pública do país em percentual do PIB refletia, sobretudo, a depreciação nominal da moeda e não algum descontrolo absurdo que tivesse ocorrido nas finanças públicas nos tempos mais recentes. Se repararmos entre 2017 e 2019, numa época de recessão, o stock da dívida externa aumentou somente 14%, sendo que foi anteriormente, entre 2012 e 2016 que subiu 100%. Isto quer dizer, em termos políticos, que o governo de José Eduardo dos Santos duplicou a dívida pública externa em quatro anos, enquanto João Lourenço tem tentado travar esse aumento exponencial[4]. Uma análise mais fina da figura abaixo apresentada assinala o grande impulso da dívida externa angolana entre 2012 e 2016. Existiu uma tentativa de estabilização em 2017 e apenas aumento modesto em 2018 e 2019.

Figura n.º 1-Stock da dívida pública externa angolana (2012-2019) [valores em milhões de dólares; fonte BNA]

Contudo, e essa é a segunda conclusão, se havia confiança na capacidade de Angola pagar a dívida, e no controlo da mesma por parte do atual governo, a verdade é que a crise mundial da Covid-19 veio lançar uma nuvem de incerteza sobre as dívidas públicas em termos globais, afetando obviamente a perceção em relação a Angola. Naturalmente que essa perceção pós-Covid-19 exige que os governos se antecipem e tomem medidas para evitar problemas futuros.

 É neste contexto que merece atenção a eventual adaptação da dívida externa angolana à realidade presente trazida pela Covid-19, e a necessidade de aligeirar o seu peso para garantir a sustentabilidade da recuperação económica.

A importância da dívida à China

A presente situação mundial trazida pela Covid-19 e a necessidade que Angola tem de garantir que a sua dívida pública é sustentável e de não perturbar o arranque económico que urge mobilizar, implicam que este seja o momento para, sem temor, se avançar com uma renegociação construtiva da dívida externa.

Atendendo às características essenciais da dívida pública angolana, há que seguir o método cartesiano na abordagem dessa negociação. Significa isto, que não se deve olhar para a dívida como um todo, mas dividi-la em secções, abordando cada uma independentemente. É errado do ponto de vista metodológico encarar a dívida pública externa angolana como um todo devido ao peso imenso que a China tem na mesma.

O total de dívida pública externa angolana (stock) tinha o valor de 49.461 milhões de dólares no final de 2019, segundo os dados do Banco Nacional de Angola.[5] Acontece que 22.424 milhões de dólares são devidos à China[6]. Quer isto dizer que a China representara quase metade das responsabilidades externas angolanas, mais precisamente, 45,3%.

Figura n.º 2-Peso da dívida externa angolana à China (em percentagem; fonte: BNA)

Parece claro que a dívida angolana à China representa uma magnitude enorme e tem, obviamente, o peso mais importante nas finanças públicas de Luanda.

Atendendo às características históricas da relação de Angola com a China, bem como ao posicionamento global desta, em especial naquilo que se refere ao relacionamento com África, este é o tempo de propor uma profunda negociação da dívida angolana à China promovendo a sua redução e escalonamento temporal.

Em termos simples, a negociação da dívida pública angolana à China deve baixar o montante da dívida e aumentar o tempo de pagamento.

Facilmente se vê que a dívida à China se pode tornar o principal empecilho para o desenvolvimento de Angola, como no passado, a partir de 2002, terá sido um dos propulsores do arranque.

Ora, a China deve ser um fator de desenvolvimento e não de recessão económica em Angola. Desde logo, deve-se notar que desde 2017, ano da tomada de posse de João Lourenço, data em que a dívida assumiu um pico, que Angola tem vindo a baixar o valor do stock (cfr. Fig. N.º 3 abaixo) demonstrando assim a sua capacidade e boa-fé face à China.

Há três razões muito fortes para levar a China a uma renegociação da dívida com vista à sua redução e prolongamento no tempo.

1-Posicionamento global da China, em especial em África.

A China é, atualmente, uma das grandes potências mundiais, pretendendo ombrear com os Estados Unidos em termos de projeção de influência no mundo.

Nesse sentido, com um novo poder vêm novas responsabilidades, como vieram em relação aos Estados Unidos no final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), em que tomou nos seus ombros a reconstrução económica europeia através do Plano Marshall e promoveu ativamente a criação daquilo que veio a ser a CEE (Comunidade Económica Europeia), hoje União Europeia. Foi o empenho norte-americano que possibilitou esta realidade que trouxe prosperidade e paz à Europa.

Ora, a China tem estado a assumir uma posição semelhante em relação a África, utilizando uma retórica de amizade e solidariedade. Refiram-se as palavras do Presidente Xi Jinping na cerimónia de abertura do Fórum de Cooperação China-África (FOCAC) em 2018: “A China busca interesses comuns e coloca a amizade em primeiro lugar na procura de cooperação. A China acredita que o caminho certo para impulsionar a cooperação China-África é que ambos os lados alavanquem a sua força respetiva; cabe à China complementar o desenvolvimento da África através do seu próprio crescimento, e cabe à China e à África buscar a cooperação em benefício mútuo e o desenvolvimento comum. Ao fazer isso, a China segue o princípio de dar mais e receber menos, dar antes de receber e dar sem pedir retorno”[7] (ênfase nosso).

O certo é que a atual situação provocada pela doença Covid-19 apresenta-se como a ideal para que o Presidente Xi Jinping transforme o seu discurso em realidade e passe a atos concretos de amizade, de dar mais e receber menos, bem como dar sem pedir retorno. Sendo certo que uma doação não é um empréstimo, a verdade, é que o espírito da afirmação do Presidente chinês se aplica perfeitamente a esta situação provocada pela Covid-19.  

Assim construirá uma imagem da China em África de uma grande potência mundial que aposta no desenvolvimento efetivo de um continente e mostrará, do ponto geoestratégico, que é um contendor real dos Estados Unidos na criação de um mundo mais próspero e seguro.

É neste momento que se verá o lugar da China no mundo pós-Covid-19.

2-Pragmatismo

Atribui-se a Deng Xiaoping a frase “Não importa se o gato é preto ou branco, desde que cace ratos”.  Não é relevante saber se a disse realmente ou não, mas o facto é que representa o pragmatismo chinês que permitiu que um Partido Comunista mantivesse o poder, enquanto lançava o país na senda de um crescimento económico acelerado assente num misto de mercado liberal e intervenção estatal. É precisamente este pragmatismo que tanto sucesso trouxe à China que irá justificar a remissão da dívida angolana.

Angola sempre foi apresentado como o modelo do investimento em África. A literatura científica refere-se até ao “Modelo angolano” que serviu de base para a atuação contemporânea da China em África.

Sendo assim, será preocupante para a China ver que o seu modelo falha e se torna um peso para a economia.

Se atentarmos nos números, durante 2019 Angola gastou quase 43% das receitas públicas a pagar dívida, onde, como já se referiu a China ocupa a fatia maior. Consequentemente, a manutenção desta situação pode vir a dar razão às alegações que o Secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, fez durante o seu recente périplo por África, no sentido de a dívida chinesa se tornar uma canga insuportável para o desenvolvimento do continente. Na verdade, chegando-se à conclusão que tal está, ou pode estar a acontecer em Angola, tal constrangimento transforma toda a política africana da China num desastre, uma vez que o seu modelo inicial falhou redondamente.

A adicionar a este pragmatismo político, há um aspeto económico óbvio. As mais recentes avaliações dão conta de que as empresas chinesas em Angola registaram uma perda de 350 a 500 milhões de dólares devido à pandemia da COVID-19[8]. E estas perdas podem-se alargar se a situação económica de Angola não melhorar. Portanto, é de todo o interesse chinês criar as condições de relançamento para a economia angolana, pois tal relançamento aproveita e em larga escala as empresas chinesas. É a chamada situação win-win.

Consequentemente, é, pois, do interesse prático chinês a redução da dívida angolana para mostrar ao mundo que o seu modelo de intervenção em África resulta e não é predatório, e também para ajudar as inúmeras empresas chinesas estabelecidas em Angola.

3-Combate à corrupção e dívida odiosa

Há uma razão fundamental e final de elementar justiça para reduzir a dívida angolana à China. Não existem dúvidas de que parte dessa dívida é aquilo que doutrinariamente se chama “dívida odiosa”, i.e., dívida cujos propósitos não foram o interesse público e o bem comum, mas a apropriação privada da soberania por parte de integrantes dos mais altos órgãos do Estado.[9] Dito de modo mais claro, trata-se de dívida que foi utilizada em atos de corrupção ou serviu para financiar interesses de dirigentes angolanos e possivelmente oficiais chineses.

Nunca se pode esquecer o papel que o cidadão chinês Sam Pa, hoje, aparentemente preso na China, desempenhou nos variados negócios em Angola. Nomes como o CIF-China International Fund ou o Grupo Queensway, ou ainda a China Sonangol, são paradigmas de atividades reputadas como ilegais que estão ou estiveram debaixo de estreita investigação. É um facto que o dinheiro chinês esteve envolvido em vastos atos de corrupção.

Além deste facto, há outro com contornos indefinidos e que merece uma investigação mais atenta por parte dos jornalistas investigativos. A análise das séries estatísticas desagregadas do Banco Nacional de Angola sobre a evolução da dívida chinesa mostra que no segundo quadrimestre de 2016 (maio a agosto) essa dívida passou de 10.531 milhões de dólares para 21.228 milhões de dólares. A dívida à China duplicou em 2016[10].

Figura n.º 3- Evolução da dívida pública externa (stock) de Angola à China-2012/2019 (Milhões de dólares. Fonte: BNA)

Esse movimento foi relativamente recente e está mal explicado. Em termos temporais tal acontecimento coincide com uma anunciada ida de José Eduardo dos Santos à China para negociar um empréstimo em Julho de 2015, a que posteriormente se sucederam vários factos como a queda em desgraça do Vice-Presidente da República, Manuel Vicente, e a prisão de Sam Pa em outubro de 2015. Depois disto, Isabel dos Santos assumiu a presidência da Sonangol em Junho de 2016, coincidindo com o lançamento da dívida chinesa nas contas do BNA. Aparentemente, foi desta nova dívida chinesa que saíram 10 mil milhões USD que o Governo atribuiu à Sonangol liderada por Isabel dos Santos para pagamentos antecipados de seis financiamentos da petrolífera, no valor de cinco mil milhões de dólares. Tal permitiu a redução do stock da dívida da petrolífera de 9,8 mil milhões para 4,8 mil milhões. Os restantes cinco mil milhões terão sido canalizados para investimento na e da Sonangol.

Atendendo à controvérsia judicial que, neste momento, envolve a passagem de Isabel dos Santos pela Presidência da Sonangol e a aparente simultaneidade da sua nomeação com a duplicação da dívida angolana à China que terá servido para financiar a Sonangol, talvez devesse haver uma suspensão do pagamento desta dívida até se perceber se existiu alguma ilegalidade ou não, designadamente naquilo que se refere aos 5 mil milhões que foram, aparentemente, afetos a investimentos na e da Sonangol.

Refira-se que é o que a lei chinesa, reforçada por Xi Jinping, impõe. Como se sabe o Presidente chinês e a sua administração desenvolvem um aturado e intenso combate à corrupção no seu país. A lei chinesa em vigor sobre a corrupção encontra-se no Código Penal da República Popular da China aprovado em 1981, revisto em 1997 e reforçado em 2015. De acordo com essa norma, todas as atividades que envolvam corrupção relativas a governantes estrangeiros são crime para os quais os tribunais chineses têm jurisdição. Com efeito, desde 1 de maio de 2011 é crime o pagamento ilícito a oficiais estrangeiros. A verdade é que, atualmente, o Código Penal chinês atua para além das suas fronteiras, por isso pagamentos corruptos, a “dívida odiosa”, já têm de ser considerados pelas autoridades chinesas quando fazem as suas avaliações das situações.

Quer isto dizer que quer por razões políticas, quer por razões de direito interno, a China está obrigada e deve analisar a dívida que tenha sido eventualmente constituída com propósitos corruptos ou de benefício ilegítimo. A dívida de Angola deve ser revista exaustivamente, nessa perspetiva.

Figura n.º 4- Razões para a China reduzir a dívida angolana

Conclusões

Os motivos expostos aconselham vivamente a que a China proceda a uma substancial redução unilateral da dívida angolana. É um imperativo da sua atual posição no mundo, do seu pragmatismo e do direito sínico.


[1] IMF- Angola, IMF Country Report No. 19/371, p. 54. Disponível em https://www.imf.org/en/Publications/CR/Issues/2019/12/18/Angola-Second-Review-of-the-Extended-Arrangement-Under-the-Extended-Fund-Facility-Requests-48887

[2] Idem, p. 54.

[3] IMF- World Economic Outlook, April 2020: The Great Lockdown, p. 24. Disponível em https://www.imf.org/en/Publications/WEO/Issues/2020/04/14/weo-april-2020 e também IMF-SUB-SAHARAN AFRICA.COVID-19: An Unprecedented Threat to Development, April 2020, p. 19. Disponível em https://www.imf.org/en/Publications/REO/SSA/Issues/2020/04/01/sreo0420

[4] BNA-Banco Nacional de Angola, DÍVIDA EXTERNA PÚBLICA POR PAÍSES (STOCK): 2012 – 2019. Disponível em https://www.bna.ao/Conteudos/Artigos/lista_artigos_medias.aspx?idc=15419&idsc=16458&idl=1

[5] e [6] BNA-Banco Nacional de Angola, idem.                                        

[7] Presidente Xi Jinping “Full text of Chinese President Xi Jinping’s speech at opening ceremony of 2018 FOCAC Beijing Summit”,  XinhuaNet, 3 setembro 2018. Disponível em http://www.xinhuanet.com/english/2018-09/03/c_137441987.htm

[8] Francisco Shen (entrevistado por Natacha Roberto), “Empresas chinesas em Angola com perdas de 500 milhões de dólares”, Jornal de Angola, 28 de abril 2020. Disponível em http://jornaldeangola.sapo.ao/economia/empresas-chinesas-em-angola-com-perdas-de-500-milhoes-de-dolares

[9]  Robert Howse, The Concept of Odious Debt in Public International Law, UNCTAD, 2007.

[10] BNA-Banco Nacional de Angola, Dívida Externa por País, Dados Trimestrais. Disponível em https://www.bna.ao/Conteudos/Artigos/lista_artigos_medias.aspx?idc=15420&idsc=16460&idl=1

Primeira análise do impacto da Covid-19 em Angola e países vizinhos. Boas notícias

A pandemia trazida pelo coronavírus tem tido um impacto brutal por todo o mundo. Os vários países tomaram medidas, umas mais drásticas que outras, e um facto é que, neste momento, o impacto do vírus é assimétrico. Há países extremamente atingidos, como Espanha que atingiu uma cifra desconcertante de 474 mortos por milhão de habitantes e noutros locais como Gibraltar, que como se sabe se situa envolvido por Espanha não existe qualquer morto[1].

O objectivo deste texto é analisar o impacto da pandemia, até ao momento, em Angola e nos países vizinhos de Angola.

A fonte de onde são retirados os números é o Worldometer. O Worldometer analisa manualmente, valida e agrega dados de milhares de fontes em tempo real e fornece estatísticas globais ao vivo do COVID-19. As fontes utilizadas pelo Worldmeter incluem sites oficiais de ministérios da saúde ou outras instituições governamentais e contas de media social de autoridades governamentais[2].

Os países analisados são Angola e os países com que faz fronteira: República do Congo, República Democrática do Congo, Zâmbia e Namíbia. Também se inclui o Botswana, que embora não tendo fronteira directa com Angola, apenas tem a estreita faixa de Caprivi com cerca de 30 quilómetros de largura a separá-la do país, pelo que facilmente um vírus se disseminaria através desse espaço, pelo que se reporta também o Botswana.

A situação no dia 24 de Abril de 2020 é como se reporta no quadro abaixo.

Figura n.º 1- Casos de Covid-19 em Angola e Países vizinhos

País Total de Casos Covid-19 detectados Total de casos detectados por Milhão de Habitantes Mortes Mortes por Milhão de Habitantes
Namíbia 16 6 0 0
Angola 25 0,8 2 0,06
Zâmbia 76 4 3 0,2
Botswana 22 9 1 0,4
R. Democrática Congo 394 4 25 0,3
R. Congo 186 34 6 1

Uma primeira conclusão óbvia é que o número de casos detectados é bastante reduzido e o número de mortes ainda mais, apenas no caso da República Democrática do Congo atinge os dois dígitos. Os índices não se comparam com os atingidos na Europa e nos Estados Unidos. Por exemplo, no Reino Unido as mortes por Milhão de habitantes são 276, enquanto na Alemanha que é considerado um caso de sucesso situam-se nos 67. O país mais afectado no grupo que estudamos é a República do Congo com 1 morto por Milhão de habitantes.

Neste momento, e não entrando em qualquer modelação para a qual não somos aptos, o certo é que a pandemia não atingiu em força estes países. É o facto presente.

E dentro do quadro menos pesado, é evidente que em termos de mortes Angola é o segundo país mais poupado a seguir à Namíbia e aquele que tem menos casos detectados. A sitação angolana parece, dentro das circunstâncias, bastante positiva, mesmo fazendo uma comparação regional. A Covid-19 não está a afectar a saúde da população de forma desmesurada.

Várias razões podem explicar este comportamento positivo de Angola.

A primeira razão é de ordem natural. Pode-se considerar que na sua viagem mortífera o vírus ainda não chegou a Angola, havendo o perigo de tal acontecer no futuro. Não existe base científica, neste momento, para aceitar ou contestar esta conclusão.

A segunda razão pode conter a explicação para o vírus não ter chegado a Angola e assenta na reacção rápida do Governo a fechar fronteiras e declarar o Estado de Emergência limitando as possibilidades de actuação do vírus. Não há dúvida que o executivo de João Lourenço foi rápido a agir e a tomar medidas numa altura em que as manifestações da Covid-19 eram quase inexistentes em Angola. Esta capacidade de decisão imediata pode ter tido efeitos benéficos na saúde pública.

A terceira razão tem a ver com as características climatéricas de Angola, designadamente o tempo quente. Embora não exista ainda um consenso na comunidade científica sobre o tema, têm surgido alguns estudos a demonstrar ou indicar que o tempo quente e/ou a exposição ao sol limitam a disseminação do vírus[3].

Finalmente, há que considerar que a população angolana é extremamente jovem. Na verdade, cerca de 66% da população tem menos de 25 anos. Sabendo-se que na sua maioria a doença ataca os grupos mais seniores, facilmente se percebe que Angola tem uma imunidade natural ao vírus devido à juventude da sua população.

Acreditamos, portanto, que o sucesso-até ao momento- do combate ao Covid-19 em Angola resulta de uma combinação essencial de pelo menos dois factores: a juventude da população angolana aliada à rápida reacção do governo. Eventualmente, e isso merecia um estudo mais aprofundado, as condições climatéricas, sol e calor, também poderão ajudar.

Figura n.º 2. Razões para a fraca penetração presente da Covid-19 em Angola


[1] Dados retirados de Worldmeter. COVID-19 CORONAVIRUS PANDEMIC referentes a 24 de Abril 2020, 7:32 h (GMT). Disponível online https://www.worldometers.info/coronavirus/

[2] Worldmeter. COVID-19 CORONAVIRUS PANDEMIC. Disponível online https://www.worldometers.info/coronavirus/

[3] O National Biodefense Analysis and Countermeasures Center dos Estados Unidos parece estar a chegar a essa conclusão, embora ainda não exista um reporte público. Ver o já publicado WANG, JINGYUAN AND TANG, KE AND FENG, KAI AND LV, WEIFENG, HIGH TEMPERATURE AND HIGH HUMIDITY REDUCE THE TRANSMISSION OF COVID-19 (March 9, 2020). Available at SSRN: https://ssrn.com/abstract=3551767 or http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.3551767

Análise crítica de um Estudo sobre o impacto socio-económico das medidas do Governo angolano para combater a Covid19

IMPACTO SOCIO-ECONÓMICO

1-Introdução

Um consórcio de investigação científica formado pelo Instituto Superior Politécnico Sol Nascente do Huambo (www.ispsn.org) e pela OVILONGWA CONSULTING-Sondagens e Estudo de Opinião em parceria com a TV ZIMBO apresentou um trabalho intitulado ESTUDO DE AVALIAÇÃO DOS IMPACTOS SOCIOECONÓMICOS DAS MEDIDAS DO EXECUTIVO ANGOLANO PARA O COMBATE À COVID19.

Este estudo foi levado a cabo por uma equipa liderada pelos investigadores David Boio do CISN – Centro de Investigação Sol Nascente do Huambo, Carlos Pacatolo e Martinho MBangula da OVILONGWA CONSULTING – Sondagens e Estudos de Opinião Pública[1].

Na verdade, trata-se de uma sondagem seguida de uma curta análise. A sondagem foi realizada a “07, 08 e 09 de Abril de 2020. Foram inquiridos 2291 indivíduos com 18 ou mais anos de idade e residentes em Angola e validados 2271 inquéritos. Para selecção dos inquiridos usou-se a “amostra por conveniência” ou “bola de neve”. Por isso, a amostra não é representativa do conjunto da sociedade angolana.[2]” (bold nosso).

Do universo inquirido destaca-se que 63,5 % frequenta ou frequentou o ensino superior[3] e 60% têm entre 18 e 35 anos de idade.

2-Resultados apresentados

É importante assinalar os principais resultados obtidos pela sondagem:

  • 61,3% dos inquiridos declararam que acompanham com muita atenção as informações sobre a doença e apenas cerca 10% declarou acompanhar as informações sobre a doença com pouca atenção;
  • 34% dos inquiridos afirmaram ter a percepção de que os seus concidadãos estão a encarar os riscos da doença de forma pouco séria;
  • A televisão é o meio de comunicação preferido pelos respondentes e cerca de 70% confiam mais nas notícias veiculadas pela televisão sobre a covid19, seguindo-se a rádio e os familiares, ambos com 55%.
  • As redes sociais constituem a fonte de informação sobre a covid19 que os inqueridos menos confiam. 34,6% dos inqueridos afirmaram não ter nenhuma confiança;
  • 71% confia ou confia muito no Presidente da República para gerir a crise;
  • 74,8% na ministra da Saúde;
  • 52,61% no ministro do Interior;
  •  53% dos inquiridos não possuem condições de subsistência para continuar em isolamento social;
  • Na eventualidade de o período de Estado de Emergência se prolongar por mais um mês, mais de 63,1% dos inquiridos de Luanda afirmou que terá de reduzir o nível de consumo para poder continuar a subsistir;
  • As recomendações para evitar lugares de grande aglomeração parecem ter sido acatadas pela maioria dos inquiridos.
  • 40,8% dos respondentes ao inquérito afirmaram que, habitualmente, realizam as suas compras no mercado informal;
  • Maioria a favor do Estado de Emergência.

3-A análise realizada pelo Estudo

Na apreciação efectuada pelos autores do estudo, ressaltam alguns aspectos. Um facto importante sublinhado é a importância do mercado informal: é fundamental assegurar a sobrevivência das famílias que têm no mercado informal a principal fonte de rendimentos, bem como a sobrevivência das famílias que têm no mercado informal a sua principal fonte de abastecimento alimentar. E assim sendo, “a eficácia das medidas de isolamento social nos mercados informais deve obrigar a mais reflexão e cautela dos decisores públicos”, destacam os autores[4].

Igualmente, com relevo estão as conclusões e recomendações realizadas. Os autores do Estudo consideram que o Governo deve prestar especial atenção aos desempregados, ao sector informal e famílias desfavorecidas, necessitando estas áreas de medidas adicionais de apoio durante o Estado de Emergência, bem como atentar melhor às medidas de redução do tempo de funcionamento dos mercados informais e venda ambulante. Também sugerem uma melhoria da comunicação para os perigos da Covid19.

4-Apreciação crítica do Estudo e visões alternativas

Obviamente que estudos deste tipo são positivos e devem ser acarinhados e promovidos. Contudo, este Estudo em concreto, como os próprios autores reconhecem, não representa, nem pode representar a realidade angolana.

E nessa medida, o Estudo acaba por ser enganador, e pode levar à tomada de medidas erradas e a conclusões desadequadas da realidade.

O Estudo tem como larga maioria dos inquiridos pessoas que frequentam ou já terminaram o Ensino Superior. É óbvio que se trata de uma pequena elite privilegiada em Angola, não representando o grosso da população. É demasiado fantasioso retirar daqui conclusões a não ser aquelas referentes ao que pensam os licenciados angolanos. Não se pode extrapolar para a população qualquer análise ou conclusão.

O quadro que resulta do Estudo é de uma população que apoia o Estado de Emergência, tem confiança no Presidente da República, na ministra da Saúde e no ministro do Interior, utiliza mercados informais, informa-se pela televisão, não confia nas redes sociais e, simultaneamente acha que os outros não levam a doença muito a sério. Também reconhecem que não têm capacidade para aguentar muito tempo em termos económicos o Estado de Emergência.

Este quadro, mesmo apenas considerando o grupo sondado, é ambivalente e permite algumas pistas, enquanto suscita dúvidas e contradições.

As pistas dadas são duas: a doença não é levada muito a sério; um Estado de Emergência efectivo criaria problemas económicos para as famílias, sendo que os mercados informais não podem ser combatidos.

Temos aqui dois temas de fundo para análise.

A Covid 19 em Angola

O primeiro tema é o facto de a doença não ser levada a sério, segundo a sondagem. Apesar da comunicação intensa que está a ser feita, o certo é que as consequências da Covid 19 em Angola, de momento, a não ser para os atingidos, são despiciendas.

Haverá 19 infectados detectados, que foram “importados” e 2 mortos, isto num país de 30 milhões de habitantes, situado numa zona epidémica de malária e de outras doenças.

Quer isto dizer que não há qualquer epidemia registada da Covid 19 em Angola.

Pode vir a haver, pode existir uma deficiência estatística e de controlo, ou pode acontecer que o vírus, como alguns alegam, tenha dificuldade em se disseminar em zonas quentes e húmidas do planeta[5].

Por isso, não descurando a atenção à boa gestão da saúde pública há que não cair em exageros, que acabem por perturbar mais do que resolver.

Estado de Emergência, Economia e Mercados Informais. Necessidade de balanço adequado

A fragilidade da economia angolana, especialmente, das famílias e empresas que suportam uma crise desde 2014 é extremamente sensível, pelo que ao contrário de economias robustas como a dos Estados Unidos ou da Alemanha que podem suportar (embora por pouco tempo) um “encerramento do país”, a economia angola não pode “encerrar”, sem entrar em tremendas dificuldades, pelo que tem de existir um delicado balanço entre um aspecto (Estado de Emergência) e outro (sobrevivência das famílias), e deve ser explorada a possibilidade do perdão da dívida internacional.

Dentro da mesma lógica subscrevemos a preocupação contida no texto sobre os mercados informais no sentido de aligeirar as restrições sobre os mercados informais.

Os enganos do Estudo

Se o Estudo nos permite desenvolver as pistas acima referidas, a verdade é que pode induzir em vários erros de avaliação.

Um primeiro erro de avaliação é o aparente consenso e efeitos positivos do Estado de Emergência. Ao reportar-se apenas a uma população instruída com possível influência portuguesa ou europeia, o Estudo apresenta um cenário de aquiescência ao Estado de Emergência que está longe de se verificar. A realidade em Angola é que o Estado de Emergência tem sido cumprido de forma deficiente e não pode ser imposto na sua efectividade. Se o Estado persistir em o impor enfrentará certamente variada desobediência civil e problemas de agitação social grande. E no fim de contas a população descobrirá que o Estado não tem força para impor as suas regras, podendo criar mais problemas do que resolver. Portanto, é necessário perceber que o Estado de Emergência pode constituir uma demonstração de incapacidade do poder e levar as pessoas a deixar de ter respeito pelas autoridades.

Um segundo erro de avaliação é sobre a popularidade e confiança nas autoridades. Não tendo razões para duvidar que 71,5% da população tenha confiança no Presidente da República para gerir a crise trazida pela Covid 19, não se pode extrapolar o mesmo número para a gestão da economia, onde actualmente se centram as maiores dificuldades, e sobretudo, não é crível aceitar que 52% confia no ministro do Interior relativamente às medidas da Covid 19. É bem sabido que pequenos episódios relativos a este ministro, como o da filha no aeroporto, os dos rebuçados e chocolates, bem ou mal-contados, tornaram o ministro bastante impopular e uma espécie de “saco de pancada” da opinião pública, portanto, não é crível que 52% confiem nele.

Um terceiro erro de avaliação possível surge relativamente à confiança demonstrada nas redes sociais. Cerca de 34% afirma não confiar. Podem afirmar isso, mas a verdade é que quem tem acesso às redes, está lá, permanece lá e vai interiorizando o que lá se escreve. Começa a estar demonstrado o verdadeiro impacto das redes sociais, e não é por se afirmar que não se confia, que não se frequenta e em última análise não se termina por acreditar ou ser influenciado[6].

*

Em resumo, este Estudo é muito interessante, mas pode induzir em vários erros de avaliação, pelo que deve ser tomado como um elemento de trabalho, mas nunca um retrato do pensamento e sentir da população angolana.


[1] BOIO, D., PACATOLO, C., MBANGULA, K, ESTUDO DE AVALIAÇÃO DOS IMPACTOS SOCIO-ECONÓMICOS DAS MEDIDAS DO EXECUTIVO ANGOLANO PARA O COMBATE À COVID19: Relatório Final, (Luanda: 2020).

[2] BOIO et al.  cit, p. 4.

[3] Idem, p.6.

[4] Ibidem, p. 16.

[5] WANG, JINGYUAN AND TANG, KE AND FENG, KAI AND LV, WEIFENG, HIGH TEMPERATURE AND HIGH HUMIDITY REDUCE THE TRANSMISSION OF COVID-19 (March 9, 2020). Available at SSRN: https://ssrn.com/abstract=3551767 or http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.3551767

[6] CHRISTAKIS, NICHOLAS, The Hidden Influence of Social Networks, https://www.ted.com/talks/nicholas_christakis_the_hidden_influence_of_social_networks/transcript

ANÁLISE DAS MEDIDAS DO BNA NO ÂMBITO DO COVID-19

1-Comité de Política Monetária

A 27 de Março de 2020 reuniu o Comité de Política Monetária (CPM) do Banco Nacional de Angola (BNA) com vista a apreciar a situação dos indicadores com relevo monetário e a tomar medidas de preparação para o impacto do Covid-19.

A primeira preocupação do CPM foi a situação da inflação. Se em cadeia a inflação em Fevereiro de 2020 parece abrandar em relação a Janeiro de 2020, com uma variação mensal de 1,72% contra 2,05% em Janeiro, sendo que em Luanda a variação foi de 1,48%, face a 1,84% em Janeiro, em termos homólogos há uma ligeira aceleração da inflação, 18,74% em 2020 contra 17,95% em 2019, não sendo os números de Luanda muito diferentes.

Quer isto dizer que a inflação não está ainda numa trajectória de baixa, nem dominada, o que é preocupante numa situação em que o desemprego abunda e o país aparenta continuar em recessão.

Sendo assim, afigura-se que o país se encontra numa situação de estagflação: inflação alta persistente combinada com alto desemprego e procura estagnada.

Esta situação surge da existência de políticas económicas contraditórias, em que por um lado, se promove a subida de preços, quer seja através do aumento da moeda em circulação ou da desvalorização da moeda, e por outro lado, se restringe a economia, seja por ter taxas de juro elevadas, aumentar impostos ou criar dificuldades à oferta empresarial.

No caso de Angola, a inflação surge essencialmente na área da alimentação e bebidas não alcoólicas importados. Deste facto, podem ser deduzidas duas conclusões:

  1. A perda de valor do Kwanza tem aumentado os preços dos produtos alimentares importados;
  2. A oferta nacional de produtos alimentares é insuficiente.

A insuficiência da oferta nacional de produtos alimentares é notória por outra razão: o facto de a variação de preços de produtos nacionais ser superior à variação de preço dos bens importados. Daqui deriva que as empresas nacionais têm possibilidade de colocar os seus produtos no mercado a preços elevados, funcionando provavelmente em mercados de tipo oligopolista e sem concorrência, possivelmente especulando com o preço.

Consequentemente, ao nível da economia real o instrumento efectivo para combater a inflação será a facilitação de criação de empresas no sector da produção nacional de alimentos e bebidas não alcoólicas, fomentando a concorrência, evitando o sufoco estatal, e eliminando barreiras à entrada no mercado.

*

Uma análise fina das tensões inflacionistas implica atenção à variação da massa monetária em circulação.  A Base Monetária em Moeda Nacional, fruto das chamadas operações de Open Market, expandiu-se em Fevereiro (9,26%), depois de se ter contraído em Janeiro em valor aproximado.

O agregado monetário M2 em moeda nacional que junta a totalidade dos depósitos bancários em moeda nacional mais notas e moedas em poder do público contraiu face a Janeiro. Parece existir aqui uma política do BNA de stop and go (expande/ contrai/expande/contrai). Se assim é, tal apenas serve para confundir os agentes económicos e não baixa a inflação.

O histórico recente de M2 reflecte desde Janeiro de 2019 até Outubro uma subida permanente de M2, aliás como dos indicadores monetários similares que indiciava um aligeiramento suave das restrições monetárias e do combate à inflação com vista a estimular a economia. Em Outubro dá-se uma subida abrupta desse índice, ainda por explicar, tendo depois mantendo-se estável apenas com uma ligeira subida em Janeiro de 2020, que se seguiu a uma curta baixa em Dezembro, e uma baixa mais acentuada em Fevereiro.

Esta evolução mais próxima dos agregados monetários demonstra alguma hesitação, por um lado durante 2019 deixou-se generosamente subir a massa monetária, possivelmente para estimular a economia, como se referiu. Tal não teve especiais efeitos na inflação que foi desacelerando até ao final do ano. Agora reduz-se a massa monetária, o que não controlando a inflação como se vê, acentuará a crise recessiva.

A taxa do mercado interbancário, LUIBOR desceu entre Janeiro e Março de 19,98% para 16,94%, o que traduz maior confiança nos bancos entre si e mais facilidade de financiamento interno. Contudo, preocupante é o facto do stock de crédito se ter contraído 0,38% em Fevereiro, depois de aumentado 1,78% em Janeiro.

Estes números indicam duas realidades ligadas:

a) Parecem confirmar a política stop and go do BNA em termos monetários, o que

b) Tem efeitos recessivos na actividade empresarial, contribuindo para pouca oferta e preços artificialmente altos.

Se as oscilações ao nível da massa monetária em circulação preocupam, há que anotar pela positiva a aparente estabilização da taxa de câmbio de referência entre o Kwanza e o dólar dos Estados Unidos.

Outro ponto sensível é o das Reservas Internacionais. Quer as Reservas Internacionais Brutas, quer as líquidas diminuíram. As Reservas Internacionais Líquidas estão nos 10,89 mil milhões. As Reservas Internacionais Líquidas caiem desde 2014 pelos motivos óbvios ligados à queda do preço do petróleo. Contudo, nos últimos meses tem-se conseguido manter alguma estabilidade destas na ordem dos 10 mil milhões de dólares.

As decisões do CPM.

Face ao cenário apresentado foi decidido:

1-Manter a taxa básica de Juro, Taxa BNA, em 15,5%;

2-Manter a taxa de juro da facilidade permanente de absorção de liquidez, com maturidade overnight em 0%;

3-Reduzir a taxa de juro da facilidade permanente de absorção de liquidez, com maturidade de sete dias, de 10% para 7%;

4-Manter em 22% e 15% os coeficientes de reservas obrigatórias para moeda nacional e estrangeira, respectivamente;

5-Estabelecer uma linha de liquidez com valor máximo de 100 mil milhões de Kwanzas para a aquisição de títulos públicos em posse de sociedades não-financeiras.

Um curto comentário sobre algumas destas decisões. Em relação à manutenção da Taxa BNA em 15,5%, a verdade é que esta está idêntica desde Abril de 2019, altura em que desceu 0,25%.

O problema desta taxa é que não prossegue agressivamente o combate à inflação, nem, por outro lado, estimula a economia. Em 1981, nos Estados Unidos, que viviam uma situação de estagflação desde a presidência de Nixon. Nesse ano, a taxa de inflação era de 14,76%. O então Governador da Reserva Federal, Paul Volcker, assumiu uma postura radical e subiu a taxa do banco central para 20%. Portanto, bem acima da taxa de inflação. Gerou uma crise massiva, mas resolveu o problema, e depois da crise, com Ronald Reagan, o país entrou numa quase permanente prosperidade. Em Angola, a taxa básica do BNA situa-se abaixo do nível de inflação, e assim, nem é agressiva para combater a inflação, nem por outro lado, é suficientemente atractiva para fomentar o crédito e a expansão da economia.

Aparentemente, não mexendo na taxa, o BNA pretende aumentar a liquidez através da baixa de taxa de juro da facilidade permanente de absorção de liquidez, com maturidade de sete dias, de 10% para 7% e do estabelecimento de uma linha de liquidez com valor máximo de 100 mil milhões de Kwanzas para a aquisição de títulos públicos em posse de sociedades não-financeiras.

Conclusões

A inflação continua à espreita na economia angolana. Se existem aspectos causadores da inflação que são de ordem monetária, há um óbvio de características reais, que é a incapacidade da oferta nacional empresarial na área da alimentação e bebidas não alcoólicas e o facto de as empresas existentes não estarem a operar em mercados concorrenciais. Logo, um dos instrumentos fundamentais para colmatar as deficiências é promover o investimento em Angola na área agro-pecuária e alimentar e fomentar a criação de competição e concorrência.

Em termos da política do BNA esta afigura-se timorata e sem determinação, apostando num meio-termo que nem combate a inflação, nem estimula a economia, daí derivando a estagflação. É que este tipo de política acaba por transmitir um sinal confuso aos mercados e empresários que nem os leva a baixar os preços nem a produzir mais. Era fundamental que o BNA adoptasse uma política clara e inequívoca.

Na verdade, existem fortes evidências de que um aumento na disponibilidade de informações claras sobre os objectivos da política monetária diminuem a volatilidade da taxa de câmbio, bem como ajudam a baixar a inflação.

2-Instrutivo n.º 02/ 2020, de 30 de Março obrigando ao uso do FXGO Bloomberg

Esta norma impõe a adopção para a negociação de operações cambiais entre contrapartes, devendo, doravante, as empresas do sector petrolífero, incluindo entidades que se dedicam à produção de gás natural liquefeito, e as instituições financeiras bancárias que pretendam transaccionar moeda estrangeira, negociar todas as operações cambiais através da plataforma de negociação da Bloomberg, designada FXGO. Estão isentas as vendas de moeda estrangeira de valor inferior a 500.000,00 USD.

A plataforma Bloomberg FXGO é uma plataforma de trading electrónico. As plataformas de comércio eletrónico podem fornecer preços simultâneos de vários provedores de liquidez para ajudar tesoureiros ou gestores de portfólio a encontrar instantaneamente uma contraparte que atenda ao seu objectivo comercial. A Bloomberg FXGO replica o processo manual em formato digital, e o faz com mais de 350 bancos – fornecendo aos participantes do mercado uma alargada pool de liquidez para obter o melhor preço num único sistema integrado. Há também a questão da boa comunicação. Enquanto muitas plataformas podem ligar um sistema de mensagens, poucas são capazes de transformar texto em dados accionáveis. A funcionalidade de chat do FXGO, por exemplo, pode ser alterada para colectar dados accionáveis. Ao automatizar o processo e integrá-lo ao sistema comercial mais amplo, os traders podem capturar dados e contexto de negociação, supervisionar mais amplamente as actividades de suas equipes, monitorar melhor os mercados e reduzir o risco de erro humano ao processar pedidos.

Consequentemente, esta medida deverá introduzir mais transparência, liquidez e agilidade no mercado cambial. Além do mais esta plataforma é livre de comissões, baixando assim os custos de transacção.

3-Instrutivo n.º 03/2020, de 30 de Março sobre a formação das taxas de câmbio de referência

Neste Instrutivo encontramos o ajustamento do processo de formação das taxas de câmbio de referência com entrada em funcionamento da plataforma de negociação electrónica Bloomberg FXGO.

O processo será o seguinte: “Com base nas transacções executadas ou executáveis, registadas na plataforma de negociação electrónica “FXGO”, serão publicadas as taxas de câmbio de mercado, actualizadas ao longo do dia para representar, em permanência, o mercado. O Banco Nacional de Angola publicará, na sua página oficial, a média aritmética da taxa de compra e venda de cada moeda publicada na plataforma de negociação electrónica “FXGO” da Bloomberg. A referida publicação será efectuada todos os dias úteis às 16:00, indicando as taxas de câmbio de mercado do Euro e do Dólar dos Estados Unidos da América em relação ao Kwanza.”

Este mecanismo, que é meramente informativo, evita a fixação “secreta” ou manipulada das taxas de câmbio de referência com vista a beneficiar determinados agentes ou prejudicar outros. Trata-se de um esquema perfeitamente transparente e objectivo de informação sobre a formação de preços, neste caso taxas de câmbio.

Há suficiente literatura e prova empírica no sentido de demonstrar que a maior transparência na informação leva à fixação menos arbitrária dos preços e induz liquidez no mercado.

Conclusões

Os Instrutivos n.º 02/ e n.º 03 ambos de 30 de Março ao introduzir mais transparência e rigor técnico no mercado cambial terão como resultado provável o aumento da liquidez no mercado cambial angolano.

4-Instrutivo n.º 05/2020, de 30 de Março sobre a isenção temporária de limites por instrumento de pagamento na importação de bens alimentares da cesta básica, medicamentos e material de biossegurança

Esta norma pretende assumir uma orientação de “facilitação e desburocratização dos procedimentos de licenciamento para importação de bens essenciais”. Nesse sentido, o Instrutivo “isenta temporariamente os limites por instrumento de pagamento na importação de bens alimentares da cesta básica, medicamentos e material de biossegurança.”

Deste modo, ficam excluídos dos limites previamente estabelecidos em Outubro de 2019, as importações de açúcar, arroz, milho, trigo, feijão, leite em pó, óleo alimentar, carne bovina, carne suína, carne de frango, medicamentos e material de biossegurança, desde que os pagamentos sejam efectuados directamente aos produtores dos referidos bens ou seus representantes oficiais.

Acresce que os pagamentos antecipados ou adiantamentos para a importação dos produtos acima referidos, cujo valor seja inferior a 100.000,00 USD (cem mil dólares dos Estados Unidos da América), por operação, dispensam autorização do BNA e/ou apresentação de garantias bancárias de boa execução, sendo que os pagamentos antecipados de valor superior ao acima mencionado ficam sujeitos à autorização do Banco Nacional de Angola.

Este Instrutivo facilita um pouco a importação de bens essenciais e médicos, mas não muito. Na verdade, todos os pagamentos de importações superiores a cem mil dólares continuam a necessitar de autorização do BNA, embora não de garantia bancária de boa execução. É um passo, mas um passo tímido.

Temos aqui uma norma no sentido da simplificação e liberalização. Contudo, ainda mantém vários obstáculos burocráticos que podem efectivamente complicar a fluidez do sistema.

Conclusões globais

O governo tem instintos liberais e modernizadores, o que é uma vantagem apreciável. As medidas agora apresentadas pelo BNA suscitam os seguintes comentários:

a) A medida de adopção do e-terminal Bloomberg FXGO pode trazer transparência e liquidez ao mercado de divisas e, por isso, é de aplaudir, bem como o novo método de formação das taxas de câmbio de referência.

b) A isenção de procedimentos relativamente à importação de bens essenciais vai no bom caminho, mas deixa ainda muita burocracia, sendo timorata.

c) Do ponto de vista da política monetária, o BNA ainda hesita e acaba por se dividir entre controlar a inflação e promover o crescimento, objectivos que exigem aproximações opostas. Por isso, tem uma política contorcionista, dita stop and go, uns dias expande, outros dias contrai. Possivelmente, é este ziguezague na política monetária que é responsável pela estagflação continuada que o país vive.

Neste ponto, é fundamental dar orientações precisas e claras ao BNA relativamente ao objectivo concreto que deve prosseguir. Orientações que devem ser enquadradas na política global do governo. Toma aqui relevo a necessidade de existir uma equipa económica unida, pequena e flexível dentro do governo.

d) É fundamental a facilitação de criação de empresas no sector da produção nacional de alimentos e bebidas não alcoólicas, fomentando a concorrência, evitando o sufoco estatal, e eliminando barreiras à entrada no mercado.

UM PLANO DE RELANÇAMENTO DA ECONOMIA ANGOLANA

INTRODUÇÃO

Em crise desde 2015, e suportando constantes choques económicos, uns esperados e outros assimétricos, as previsões que vão surgindo para a economia angolana são muito desanimadoras, agora em virtude da “guerra” comercial entre a Rússia e a Arábia Saudita que faz baixar o preço do petróleo, que também se encontra debaixo de pressão devido ao Covid-19. Esta pandemia, por sua vez implica um cenário recessivo ou, pelo menos, pouco estimulante para a economia mundial. Assim, parece que Angola está destinada a uma prolongada recessão, que segundo alguns pode implicar o não pagamento da dívida pública e colocar em causa as reformas políticas e legais do Presidente João Lourenço.

Os mais recentes números oficiais dão conta que no mês de Fevereiro de 2020, “o Índice de Preços no Consumidor Nacional (IPCN) divulgado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) apresentou uma variação mensal de 1,72%, abaixo da registada no mês anterior (2,05%), resultando numa variação homóloga de 18,74%, acima da observada em igual período de 2019 (17,95%)[1].” Significa tal número que a inflação, depois de um período de descompressão, está novamente a acelerar.

Em termos de reservas verificou-se que “as Reservas Internacionais Líquidas fixaram-se em USD 10,89 mil milhões, o que representou uma diminuição de 3,92% face ao mês de Janeiro (USD 11,34 mil milhões).” Enquanto, que o “stock das Reservas Internacionais Brutas situou-se em USD 16,39 mil milhões em Fevereiro 2020, contra USD 16,84 mil milhões em Janeiro (-2,61%), equivalente a um grau de cobertura de importações de bens e serviços de 8,34 meses.”. Também, neste particular a situação se encontra em degradação.

O PIB continua com tendência a recuar. Os últimos números oficiais dizem respeito ao 3.º trimestre de 2019 e demonstram uma contracção homóloga de -0,8%. A nível de desemprego a situação também não é animadora, a taxa de desemprego situa-se nos 30,7%, sendo que nas áreas urbanas atinge os 41,1% e na população jovem até aos 24 anos alcança os 56,1%.[2]

A verdade é que o modelo económico assente na exploração petrolífera no estímulo do consumo desenvolvido a partir de 2002, com o fim da Guerra Civil, esgotou as suas potencialidades, se é que alguma vez as teve. Nos últimos anos do mandato do Presidente José Eduardo dos Santos, este viu-se incapaz de fazer face à crise, e o que se tem verificado é que, apesar do voluntarismo indiscutível do novo Presidente João Lourenço, nos primeiros 2,5 anos do seu mandato também não tem obtido resultados. A esta falha de resultados em modificar o modelo que estava em vigor, junta-se agora a crise conjugada proveniente da quebra acentuada do preço do petróleo e dos efeitos recessivos da pandemia trazida pelo Covid-19.

Figura n.º 1: Pressões sobre a Economia Angolana

No entanto, face a estes problemas acumulados e acentuados, o governo de Angola tem a oportunidade de responder com determinação, encetando uma reforma radical da economia que definitivamente resolva a situação em que o país se encontra.

AS VANTAGENS DA ECONOMIA ANGOLANA

O óbvio. Angola não é um país pobre. É importante recapitular as riquezas de Angola. No sector agrícola dispõe, entre outros, de bananas, cana-de-açúcar, café, sisal, milho, algodão, mandioca, tabaco, legumes, gado, produtos florestais e peixe. Na indústria, petróleo; diamantes, minério de ferro, fosfatos, feldspato, bauxite, urânio, ouro, cimento, produtos metálicos básicos, processamento de peixe, processamento de alimentos, fabricação de cerveja, produtos de tabaco, açúcar, têxteis e reparação de navios.

Além dos aspectos estritamente económicos, o país tem uma população jovem e em crescimento, uma acentuada unidade nacional e estabilidade política, e um governo com pendor reformista.

Do ponto de vista geo-estratégico é um país com aproximação ao Ocidente, Estados Unidos, Portugal, França, Reino Unido, Espanha, França, mas também com fortes laços com a China, a Rússia e Israel, e em desenvolvimento com a Índia e a Turquia. Além do mais faz parte da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), que tem perspectivas de acentuar a integração económica dos seus membros, e também da Comunidade Económica dos Estados da África Central (ECCAS). Este posicionamento universalista e integrador angolano permite-lhe ambicionar alcançar os mais variados mercados mundiais e criar as mais estreitas relações económicas internacionais, bem como desenvolver integração económica regional em África.

Quer isto dizer que os fundamentos essenciais para o desenvolvimento económico existem. Riqueza natural, possibilidades de mercado e um governo empenhado. Portanto, o problema situa-se na descoordenação de políticas de desenvolvimento económico e na falta de visão conjunta.

O que é fundamentalmente necessário é criar o enquadramento institucional adequado, o clima social propício e as políticas correctas para tirar o país do atoleiro em que caiu. Não é uma fatalidade, nem uma condenação a que Angola esteja sujeita.

Figura n.º 2-Vantagens da Economia Angolana

A NECESSIDADE DE UMA REFORMA ECONÓMICA DE LARGO ALCANCE (BIG BANG)

É possível estabelecer um plano para relançar, com sucesso, a economia angolana. Para que isso aconteça são necessárias algumas transformações de abordagem, bem como a concepção e implementação desse plano. Existem as condições de base para o sucesso.

Além do apelo ao Fundo Monetário Internacional (FMI), não tem sido muito clara qual a política económica do governo de João Lourenço. Isso acontece porque os responsáveis económicos e financeiros são muitos e com filosofias diversas, e os programas anunciados também múltiplos. Tal multiplicidade não permitiu ver um fio condutor, que efectivamente não existiu. Se a nível doméstico se enredou nalguma confusão, a opção pelo FMI trouxe a vantagem da credibilidade e de um financiamento, mas não resolveu os problemas estruturais da economia, o que tem sentido. O FMI está vocacionado para intervenções conjunturais, genericamente viradas para o controlo dos aspectos monetários e financeiros da economia, designadamente, déficit orçamental e dívida pública. Como veremos adiante, estes aspectos representam apenas uma parte da reforma global necessária.

Programa e equipa económica

A primeira tarefa do governo para sair desta crise é apresentar um único programa económico ao país, e não uma multidão de siglas, bem como uma equipa económica pequena, coesa e determinada. O foco e a tenacidade devem estar presentes nas decisões económicas e não na feudalização do processo decisório e da responsabilidade. Um programa e uma equipa são factores determinantes.

FMI, déficit orçamental e dívida pública

O papel do FMI tem de ser revisto por forma a este ser uma mais-valia para o país e não um obstáculo ao crescimento, como neste momento está a ser em países diferentes como o Egipto, Tunísia ou Jordânia. O FMI tem imposto medidas de cariz financeiro a estes países que não estão a gerar crescimento económico e podem colocar em causa a sua estabilidade política. Isso não deve acontecer em Angola.

A nível do Orçamento Geral do Estado (OGE) o importante não é cortar despesa ou aumentar receitas per si. O fundamental é ter um OGE verdadeiro, transparente e tecnicamente correcto. Verdadeiro implica que os negócios corruptos, os funcionários fantasmas e as obras inexistentes sejam retiradas do OGE. Por aqui poupa-se certamente mais do que com qualquer corte de manual económico. Transparente significa que se sabe onde é gasto o dinheiro e o que tem de ser controlado é controlado, e tecnicamente correcto quer dizer que são utilizadas as mais modernas técnicas para elaborar o OGE. Deve ser, portanto, na metodologia orçamental, controlar como se faz a despesa, remover os fantasmas, combater a corrupção, que o FMI deve ajudar. Não deve ser a querer aumentar impostos ou cortar despesas reais.

Quanto à dívida pública é um mito falar da sua grandeza. A dívida pública só é grande quando não pode ser paga. O que tem de haver é uma gestão prudente do endividamento e do rendimento disponível para o pagar, sendo que só deve ser contraída para objectivos úteis e reais, e evitar uma situação em que haja o perigo público de não a pagar.

O ponto em que o FMI pode ajudar não é em exigir cortes absurdos que só perturbam um país em crise com uma população empobrecida. O auxílio do FMI situa-se na metodologia, apresentar contas certas, claras e com destino transparente. Certamente, que os investidores se acreditarem que Angola tem contas certas e transparentes, se preocuparão menos com o déficit e dívida e mais com o seu investimento.

O papel do Governo será, depois de ter contas certas e transparentes, apresentar um quadro macroeconómico estável e previsível.

O papel do Estado

É no papel do Estado que reside a chave do sucesso de uma grande reforma económica.

1-Reforço das instituições e clima de mercado -A primeira tarefa a que o Estado tem de se dedicar é na criação de instituições e de um clima social propício ao investimento e ao funcionamento do mercado. Isto implica que os tribunais não sejam vistos como corruptos ou defendendo os interesses dos generais ou ministros-empresários, que a abertura negócios seja simples, abolindo a necessidade de Alvarás para iniciar a maior parte dos negócios, como acontece até agora.  Segundo o relatório do Banco Mundial “Doing Business. Angola 2020” demora entre 15 a 45 dias a obter um Alvará para começar um negócio. Isso é desde logo um factor de corrupção. São necessárias repartições públicas que atendam bem e com celeridade e agências de investimento transparentes. Além disso, nos sectores onde não existem mercados concorrenciais, há que os criar, promover a entrada de novas empresas nesses sectores e levantar as barreiras legais, administrativas e técnicas a esses novos acessos. É urgente criar mercados funcionais, sem barreiras à entrada e à competição. Provavelmente, tal passará por derrubar monopólios e oligopólios instalados, levando à cisão obrigatória das firmas existentes que dominam os mercados. Há que estudar cada mercado de bens e serviços, identificar aqueles em que há firmas dominantes que fixam preços altos, e obrigar essas firmas a dividirem-se e/ou a deixarem outras firmas entrar.

2- Kick-Start estratégicos. O próprio Governo há-de reflectir quais são as áreas que reputa essenciais para o desenvolvimento do país e aí deve investir ou promover o investimento em empresas mistas que ocupem espaços não requeridos pelos privados. Deve o Estado concentrar os seus recursos no apoio à criação de empresas de futuro, como por exemplo fábricas de energia solar que assegurem o abastecimento de electricidade à economia.

3-Privatizações. É tempo de avançar com um programa sério de privatizações. Não nos referimos, obviamente, às fazendas ou pequenas fábricas de sacos de cimento, que até agora têm constituído uma espécie de mini-privatização. É preciso chamar a atenção do mundo com a privatização de 30% da Sonangol, 30% da Endiama, 50% da Unitel, 100% dos bancos comerciais todos. Um grande e mundial programa de privatizações.

4-Programa de investimento directo para Emprego e Infra-estruturas. Este programa é de características puramente Keynesianas. Em rigor, é necessário um programa de obras públicas, construção de infra-estruturas e melhoria das condições de vida da população que necessite obrigatoriamente de contratar mão-de-obra nacional. Aqui o papel do Governo é óbvio e consiste na construção de infra-estrutuas básicas para o desenvolvimento: aeroportos, portos, estradas, redes de telecomunicações, hospitais e escolas.

5-Integração económica regional. É igualmente importante criar zonas de mercado único efectivo, que permitam a livre-circulação de bens com países vizinhos, como os Congos, e abrir realmente as fronteiras internas da SADC e da ECCAS.

Figura n.º 3- Aspectos do Plano de Relançamento Económico

Figura n.º 4- Plano de Relançamento Económico


[1] Banco Nacional de Angola, disponível online em https://www.bna.ao/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=175&idl=1&idi=16773

[2] Instituto Nacional de Estatística de Angola, disponível online em https://www.ine.gov.ao/images/Desemp_IEA.pdf