SONANGOL: A NECESSIDADE DUMA NOVA VISÃO ESTRATÉGICA

As contas de 2019

A 22 de Setembro de 2020, a Sonangol apresentou as suas contas com referência a 31 de Dezembro de 2019[1]. O resultado líquido apurado foi de USD 125 milhões (cento e vinte e cinco milhões de dólares norte-americanos) equivalente a AOA 45 854 milhões (quarenta e cinco mil e oitocentos e cinquenta e quatro milhões de kwanzas), sendo que o EBITDA (Resultados antes de Juros, Impostos, Depreciações e Amortizações) de USD 4.779 milhões representado um crescimento de 10% em relação ao exercício anterior.

As receitas foram idênticas a 2018, enquanto os custos operacionais caíram 11%.

A produção petrolífera também foi semelhante ao ano anterior enquanto a produção de gás aumentou em 6% e de LNG em 8%. A produção de produtos refinados cresceu 37%, após retoma das operações da Refinaria de Luanda.

Este é o resumo das contas conforme anunciado pelo Conselho de Administração da Companhia[2].

Fig.n.º 1-Resumo das Contas da Sonangol 2019 de acordo com o Conselho de Administração

ITEMRESULTADO
Lucro líquido125 M USD
EBITDA4,799M USD
Receitas e Produção PetróleoSimilar 2018
Gás+6%
LNG+8%
Produtos refinados+37%
  
  

As contas fazem amplas referências ao Plano de Regeneração em curso e que tem como objetivos essenciais colocar o foco da empresa nas atividades da cadeia de valor da indústria petrolífera, isto é: prospeção, pesquisa e produção de petróleo bruto e gás natural, refinação, liquefação de gás natural, transporte, armazenagem, distribuição e comercialização de produtos derivados[3].

Combatendo a corrupção na Sonangol e reforço do papel dos Administradores Não-Executivos

O aspeto essencial destas contas começa por ser formal, pois, finalmente, foram eliminadas reservas contabilísticas que perduravam há 15 anos e o reporte financeiro está dotado de transparência reforçada.

É visível um esforço para eliminar a função da Sonangol como “epicentro da corrupção”[4], isto é, como a principal financiadora pública dos negócios e prazeres privados da elite dirigente angolana.

Tal observa-se na tentativa de melhoria da transparência do reporte financeiro e na nomeação de administradores não executivos como Marcolino Moco e Lopo do Nascimento, pessoas com integridade reconhecida. São movimentos no sentido de garantir que as receitas da Sonangol não são usadas para os referidos negócios privados.

A estas medidas acrescem a cessação das funções da Sonangol como Concessionária Nacional e a privatização de várias unidades dispendiosas do grupo e que eram, em muitos casos, apenas veículos de retirada de dinheiro público para fins privados.

No entanto, dentro deste desiderato era importante que os Administradores Não Executivos, além de assinarem publicamente o relatório e contas, emitissem uma declaração de verificação que não houve qualquer apropriação significativa e visível de fundos públicos por entidades privadas. A transparência tem de ir mais longe.

Fig. n.º 2- Medidas de combate à corrupção na Sonangol

As fragilidades da Sonangol

Se a primeira tarefa do Governo e dos órgãos sociais da Sonangol é eliminar a corrupção[5] dentro da empresa, a segunda e não menos importante tarefa é tornar a companhia lucrativa e com perspetivas de futuro.

E aqui apesar da implementação do designado Plano de Regeneração, tal não é suficiente. É necessário um salto qualitativo integral na Sonangol.

Se repararmos os lucros líquidos da companhia caíram em 2019 para 46 mil milhões de kwanzas (cerca de 125 milhões de dólares) comparando com os 80 mil milhões de kwanzas (316 milhões de dólares) em 2018. Há várias razões para que tal tenha acontecido, desde a baixa do preço do petróleo à cessação de recebimento de provimentos como Concessionária Nacional. Contudo, esse número significa uma fragilidade adicional da empresa.

Num estudo recentemente emitido, a agência Reuters[6] afirma que as atividades centrais da Sonangol, em 2019, perderam 351 mil milhões de kwanzas (995 milhões de dólares), comparados com um lucro, em 2018, de 69 mil milhões de kwanzas (274 milhões de dólares). Em 2019, em pagamento de dívidas foram despendidos mil e 800 milhões de dólares, enquanto os lucros operacionais da produção petrolífera, venda e refinação de mil e 570 milhões de dólares.

A isto acresce que o total do passivo em 2019 era de 36 mil milhões de dólares, tendo como referência empréstimos, provisões de risco e contas a pagar.

Note-se, aliás que o lucro líquido final acima mencionado é fruto de resultados extraordinários irrepetíveis como cancelamento de dívidas antigas e vendas de alguns ativos. Não resultam da atividade central da empresa.

A KPGM aponta que os passivos ou obrigações da Sonangol ultrapassam os seus ativos, algo que não acontecia desde 2016.

Quer isto dizer que o core business da empresa não está competitivo. Portanto, modelar o Plano de Regeneração num mero retorno ao core business não será a melhor solução.

Isto significa que não basta à Sonangol concentrar-se no seu core business, como indica o Plano de Regeneração. Não basta e não pode acontecer.

Fig. n.º 3- Sonangol: Dados comparados entre 2018 e 2019 (milhões de dólares)

Além disso, em 2019, a Sonangol teve vendas de 10 mil milhões de dólares, menos 4% do que em relação a 2018, o que é compreensível, como se mencionou acima, uma vez que a meio do ano deixou de receber proventos como Concessionária Nacional. No entanto, além das vendas estarem estagnadas, a produção de barris de petróleo também se encontra parada nos 232 mil barris por dia. A isto acresce que se teme que no futuro o petróleo perca a importância que tinha na economia mundial.

Se repararmos o valor das despesas do Orçamento de Estado angolano para 2020 na versão revista é de 23 mil milhões de dólares. Como apenas uma parte das vendas da Sonangol reverte a favor do Estado temos um contributo direto da Sonangol para a economia nacional muito mais reduzido que no passado. Refira-se ainda que o PIB angolano situa-se na ordem dos 105 mil milhões de dólares. Nesse sentido, o total de vendas da Sonangol não chega já aos 10% do PIB.

Estes elementos levam-nos a duas conclusões:

I) a atividade petrolífera da Sonangol está estagnada;

II) a empresa já não tem magnitude para ser o propulsor da economia angolana.

Estas duas conclusões têm repercussões ao nível da economia nacional e da própria Sonangol.

Naquilo que se refere à economia nacional, a solução é clara e já começa a ser tomada: alargar a base produtiva nacional, diversificar as fontes de rendimento público, promover a criação de uma forte sustentação agropecuária do país, fomentar a abertura de empresas, o investimento e a competição no mercado. É um processo doloroso e difícil, mas necessário.

Estratégia do Harmónio. Ir além do Plano de Regeneração

Em relação à Sonangol, entende-se que não é suficiente e não é a melhor ideia apenas focá-la no petróleo. A reforma da companhia tem de ser mais ambiciosa e com visão de futuro.

Uma parte já defendemos em trabalho anterior[7] e assenta na privatização parcial da empresa. Não se defende a privatização de 100% da empresa, mas sim a privatização de 33% do seu capital de forma a trazer investimento internacional, envolvimento do capital angolano e motivação dos seus trabalhadores. Estes três objetivos seriam atingidos através do seguinte modelo de privatização parcial. Dos 33% de capital social a ser privatizado, 15% seriam para investidores estrangeiros e seriam objeto de uma OPV (Oferta Pública de Venda) numa Bolsa Internacional de referência mundial com liquidez abundante. Os outros 10% seriam para investidores nacionais e seriam objeto de OPV em Luanda. E finalmente, os restantes 8% seriam destinados aos trabalhadores da Sonangol, que se tornariam também donos da empresa pela propriedade das suas ações.

Ter-se-ia a entrada de dinheiro novo, ideias arejadas e pessoas sem ligações ao passado. Isto permitiria uma diferente aproximação aos problemas e uma renovação da visão de futuro.

Contudo, face à evolução negativa da situação mundial e angolana nos últimos meses, por si só não bastará a privatização parcial, como não chega o Plano de Regeneração.

É fundamental uma nova estratégia para a empresa.

A estratégia já não passa por uma excessiva atenção ao foco petrolífero. Deve ser vendido aquilo que não é lucrativo e em que a companhia não é competitiva. Libertar a empresa dos seus pontos fracos. Diminuir. Mas, ao mesmo tempo, aumentar a capacidade e envergadura da empresa. Daí se designe esta opção como Estratégia do Harmónio.

As restantes atividades devem permanecer na Sonangol, sendo simultaneamente  lançada uma estratégia de renovação que assenta em desenvolver um negócio downstream mais forte, capacidade acrescida de refinação, expansão para produtos químicos, e aposta em energias renováveis abundantes em Angola como o sol e água, ao mesmo tempo criando novas tecnologias por meio dos seus esforços de I&D e desenvolvendo novas linhas de negócios por meio de investimentos e aquisições. Quer isto dizer que deverá haver um esforço transformativo da Sonangol e não uma mera redução ou desmantelamento.

Há que seguir aquilo que muitas grandes companhias petrolíferas estrangeiras, sejam dominadas pelo Estado como a Aramco (Arábia Saudita), sejam privadas como a BP, estão a fazer.

E isto é transformar a petrolífera numa empresa de energia integrada impulsionada pela produção de recursos focados em fornecer soluções de energia para os clientes. Construção em escala de investimentos em energias renováveis e bioenergia, posições iniciais em hidrogénio e criação de uma carteira mundial de clientes de gás; são várias das opções que a Sonangol tem pela frente para se tornar numa empresa moderna e competitiva.


[1]https://www.sonangol.co.ao/Portugu%C3%AAs/ASonangolEP/Relat%C3%B3rio%20de%20Contas/Paginas/Relat%C3%B3rio-de-Contas.aspx

[2]https://www.sonangol.co.ao/Portugu%C3%AAs/Not%C3%ADcias/Paginas/Not%C3%ADciasHome.aspx?NewsID=472

[3]https://www.sonangol.co.ao/Portugu%C3%AAs/ASonangolEP/Estrat%C3%A9gias%20Corporativas/Paginas/Estrat%C3%A9gias-Corporativas.aspx

[4] Ver por exemplo sobre o tema: https://www.makaangola.org/2020/09/sonangol-o-epicentro-da-pilhagem-de-sao-vicente-parte-1/

[5] Usamos a palavra corrupção não em sentido técnico, mas no sentido comum corrente em Angola, como toda a apropriação privada ilícita de valores públicos, no fundo correspondendo ao que criminalmente se refere como peculato, abuso de confiança, participação económica em negócio, burla, etc.

[6] https://www.reuters.com/article/angola-oil-sonangol/angolan-energy-giant-made-no-money-from-oil-in-2019-as-debt-bites-idUSL8N2GP4V2

[7] https://www.cedesa.pt/2020/01/29/um-modelo-de-privatizacao-da-sonangol/

As vantagens da desvalorização do Kwanza, o combate à inflação e o crescimento económico

O facto de a 20 de Agosto passado, no mercado informal, o Kwanza ter tido o seu valor mais baixo face ao Euro tem levantado muitos temores, aliado a previsões de desvalorizações cambiais de 50% até ao final do ano. Aliás, as previsões negativas sucedem-se. O presente estudo pretende desmistificar essa narrativa e explicitar o momento necessário que atravessa a economia angolana.

Na verdade, não há que ter temores, mas sim analisar as situações racionalmente, pois fazem parte duma mudança de modelo económico que é fundamental para Angola retornar ao crescimento económico.

O sistema de câmbio semirrígido que vigorou em Angola ao valorizar a moeda nacional artificialmente, contribuiu para a facilitação das importações e devastação da indústria nacional. A manutenção deste sistema só foi possível devido ao alto preço do petróleo, sendo certo que a partir do momento em que o preço do crude começou a baixar, tornou-se insustentável. Era imperativo liberalizar o câmbio e permitir que a produção nacional se relançasse baseada nas exportações. É este o motivo fundamental da liberalização do câmbio e da virtuosidade da desvalorização da moeda: relançar as exportações e promover a indústria nacional.

A presente desvalorização que ocorre não deve, por isso, suscitar ansiedade, mas ser explicada como um processo normal que tem em conta dois aspetos:

Em primeiro lugar, há que anotar que o mercado informal do Kwanza está a ser movido por fatores específicos diferentes do mercado formal. As oscilações da moeda angolana no mercado informal ligam-se aos efeitos das medidas tomadas a propósito da pandemia Covid-19, designadamente interrupção dos voos internacionais, encerramento de fronteiras e diminuição do pequeno comércio com a China, Turquia e Brasil.

Em segundo lugar, e mais importante, a desvalorização da moeda tem vantagens, e são exatamente essas vantagens que se procuram. Com a desvalorização, as exportações tornam-se mais baratas e mais competitivas para os compradores estrangeiros. Portanto, isso impulsiona a procura interna e pode levar à criação de empregos no sector exportador. O maior nível de exportação deve levar à melhoria do déficit da conta corrente. Isso é importante se o país tem um grande déficit de conta corrente devido à falta de competitividade. Exportações e procura agregada mais altas podem levar a taxas mais elevadas de crescimento económico.

Vê-se assim que através da desvalorização do Kwanza se está a procurar criar um círculo virtuoso que aumente as exportações, dinamize a economia interna, crie mais empregos e empresas, e no final acelere o crescimento económico baseado em exportações.

No fundo, a desvalorização vai trazer crescimento através das exportações. Grosso modo, foi aquilo que os chamados “tigres asiáticos” fizeram.

Os mesmos que acenam com os terrores da desvalorização, afirmam também que a inflação se vai acentuar. Isso não é assim. A partir do momento em que se adota um câmbio flexível, “liberta-se” o banco central da obrigação de manter a taxa de juro para garantir o valor da moeda. Pelo contrário, o banco central pode utilizar a taxa de juro para combater a inflação, bem como outras medidas de política monetária ligadas à circulação monetária. Isto quer dizer que o efeito da liberalização cambial é precisamente o oposto do que se afirma: não implica inflação, dá margem de manobra ao banco central para lutar contra a inflação.

Portanto, depois dos momentos de ajustamento difíceis que ocorrem neste momento em Angola, o que se espera com a presente política de câmbio flexível que deixa o Kwanza desvalorizar, permita que as exportações aumentem e a atividade interna comece a melhorar, ao mesmo tempo que o Banco Nacional de Angola reduz a inflação.

Convém perceber a teoria em que a presente política cambial angolana se estriba. Talvez a melhor explicação se encontre no trabalho do Prémio Nobel da Economia Milton Friedman.[1] As taxas de câmbio flutuantes, argumentava Friedman, ajudariam a isolar a economia doméstica de choques externos e dariam às autoridades de política nacional a capacidade de satisfazer as metas domésticas. Isto quer dizer que uma coisa passaria ser o valor de troca da moeda com o estrangeiro, outra a inflação interna. A partir do momento em que se liberaliza a taxa de câmbio, o banco central pode-se ocupar em criar regras monetárias internas para combater a inflação, deixando de haver uma ligação direta entre os dois fenómenos.

Naturalmente, que uma mudança da magnitude da que se pretende operar na economia angolana, habituada a estar acolchoada pelos valores do petróleo, não se faz sem sacrifício e alguma dor. É essa a fase presente da economia. O importante é perceber os fundamentos subjacentes às políticas económicas e perceber que se forem levados com profissionalismo e determinação augurarão um modelo mais próspero para a economia angolana.

Esta é uma fase de transição para uma economia melhor. Obviamente que obriga a adaptações internas. Um país habituado a importar tudo, tem de começar a produzir para si e para o mercado externo.

Este é o desafio que se coloca a Angola: voltar a ser um país produtor de bens e serviços, como já foi, além do petróleo. Portanto, não há que ter medo e perceber que depois da mudança económica a melhoria do nível de vida será assinalável.

A economia angolana está num momento de tentativa de modificação de um modelo oligárquico rentista e improdutivo, para uma economia moderna e competitiva. É um passo difícil, mas necessário.


[1] Friedman, M. (1953) “The Case for Flexible Exchange Rates.” In Essays in Positive Economics, 157–203. Chicago: University of Chicago Press.

Angola: Fundamentos do mercado cambial continuam sólidos

Informação adaptada e divulgada por CEDESA:

A. FACTOS

1. No dia 20 de agosto de 2020, a taxa do euro no mercado informal esteve em EUR|AOA 853,0, enquanto os bancos comerciais o comercializaram a EUR|AOA 700,2.

2. O diferencial entre o câmbio praticado ao nível do BNA e o câmbio praticado ao nível do Mercado Informal passou de 5,0%, no início de abril, para 23,0%, a 20 de agosto, o que comprova que a depreciação no mercado informal não tem origem no mercado formal.

3. Desde o final de 2018, reduziram-se significativamente os tempos de espera na compra de divisas, eliminaram-se os atrasados registados (backlogs) e adotou-se uma plataforma multilateral de compras e vendas (o BNA hoje responde apenas por 57% das aquisições de divisas dos bancos comerciais).

4. A 20 de agosto as Reservas Internacionais Brutas ascendiam aos USD 14,67 mil milhões, cobrindo onze (11) meses de importações, valor muito acima da média dos países africanos.

5. Com o ajustamento cambial registado entre 2019 e 2020, a taxa de câmbio formal já está muito próximo aos valores de equilíbrio de mercado. Com os níveis de Reservas Internacionais atuais, não faz sentido esperar por uma forte desvalorização da taxa de câmbio formal, nos próximos meses. Com a abertura das fronteiras internacionais, devemos esperar pela normalização da taxa de câmbio do mercado informal e do ritmo de evolução dos preços.

B. O QUE EXPLICA ENTÃO A EVOLUÇÃO RECENTE DO MERCADO INFORMAL?

6. Para responder a esta questão, devemos antes recordar que, o mercado informal de divisas é, essencialmente, um mercado de notas.

7. Desde o mês de março de 2020, com o advento da pandemia da covid-19, três fatores levaram ao registo de uma maior pressão sobre a taxa de câmbio no mercado informal:

• 1º FATOR: na sequência da suspensão dos voos internacionais, o BNA orientou os Bancos Comerciais a suspender a venda de divisas para Efeito de Viagem. Ora, se concordarmos que parte da procura de divisas que era adquirida para efeito de viagem, tinha como objetivo último verdadeiro a proteção contra o risco cambial, a decisão do BNA reorientou parte da procura antes dirigida à banca comercial, para o mercado informal, pressionando a respetiva taxa;

• 2º FATOR: Parte significativa da oferta de notas de dividas provém do comércio (legal e ilegal) feito com os países vizinhos. Com o encerramento das fronteiras, a oferta de notas reduziu subitamente, acelerando o ritmo de depreciação das divisas no mercado informal, sem afetar, no entanto, o funcionamento do mercado formal de divisas;

• 3º FATOR: os pequenos comerciantes que operavam com mercados como o da China, Turquia e Brasil estão com a sua atividade parada. À medida que as respetivas vendas de mercadorias ocorrem, não sendo possível adquirir divisas no mercado bancário para efeitos comerciais, canalizam-nas no mercado informal de divisas, ou na compra de bens duradouros como os automóveis.

C. DEVEMOS ESPERAR EFEITOS NEGATIVOS DA ENTRADA EM VIGOR DA NOVA TABELA DE IRT?

8. A nova tabela de IRT é mais justa do que anterior. Um maior número de indivíduos que auferem rendimentos baixos foram beneficiados, com a passagem do limite máximo de isenção dos 34 mil Kwanzas para os 70 mil Kwanzas.

9. Imagine um indivíduo com salário de 300 mil Kwanzas (IRT efetiva = 17%) e outro que aufere 5 milhões de Kwanzas (IRT efetivo = 24%). Na tabela anterior, os dois indivíduos pagariam a mesma taxa de IRT (17%), não obstante o facto do segundo ganhar 16 vezes mais do que o primeiro.

10. Referir, por fim, que o ajustamento da tabela de IRT deve ser vista de forma combinada com a redução do Imposto Industrial ocorrida para a maior parte dos sectores de atividade, para 25%, sendo que as empresas do sector agrícola terão incidência de apenas 10%. Em geral, uma leitura atenta da política tributária do Executivo, leva a concluir que se pretende obter maior contribuição dos indivíduos e empresas que têm maior capacidade contributiva, ao mesmo tempo que se criam condições para a expansão dos negócios e do emprego.

INFLAÇÃO E DESVALORIZAÇÃO DO KWANZA

Resumo:
A flexibilização do câmbio do Kwanza (que está a implicar a sua desvalorização) é condição fundamental para relançar o tecido produtivo angolano e torná-lo competitivo, depois deste ter sido devastado pela política de valorização artificial da moeda. Ao mesmo tempo, autonomiza a política anti-inflação que se torna um elemento doméstico e não importado do exterior. Neste sentido, deve haver cautela com parangonas e análises internacionais que apenas se focam em números negativos do valor do kwanza e da inflação; e estabelecem correlações não necessariamente existentes.

Algumas análises de prestigiadas consultoras económicas têm, ultimamente, emitido alguns relatórios sobre a economia angolana que apenas reproduzem números e projeções negativas, não tomando em consideração nem os modelos teóricos em que assentam algumas das principais decisões de política económica em Angola, nem a realidade concreta da sua economia.

Um dos casos mais intrigantes é a ligação permanente que se faz entre a subida da inflação e a desvalorização do Kwanza, apresentando os dois fenómenos como causa e efeito ou efeito e causa, bem como atribuindo sempre uma carga negativa à expressão “desvalorização[1]”.

O presente texto, não sendo uma previsão, que neste momento de Covid-19 parece despiciendo fazer, tenta abrir outras pistas alternativas para o significado e para a análise da inflação e desvalorização do kwanza, apontando outras justificações e caminhos.

É evidente que o regime cambial semirrígido ou controlado existente antes da adoção do câmbio flexível no último ano, foi um dos responsáveis pela devastação económica angolana. De facto, ao manter-se a moeda angolana num valor elevado face às condições de mercado e não correspondendo ao que seria o resultado da oferta e da procura, estimularam-se as importações fáceis, o consumismo desenfreado e deixou-se declinar a produção interna, uma vez que os preços internacionais foram tornados mais competitivos artificialmente. É a altura em que Luanda se torna a cidade mais cara do mundo[2], e sinais exteriores de riqueza nas elites angolanas abundavam. Tal situação não correspondia a qualquer produção ou desenvolvimento interno, mas ao gasto excessivo de divisas obtidas com os preços elevados do petróleo para manter o valor desadequado do kwanza. Esta era uma situação impossível.


Obviamente, que a recessão prolongada desde 2014, exigia que se terminasse com a valorização artificial do kwanza e se introduzisse um câmbio flexível. Ainda ocorreram alguns anos até tal acontecer, e obviamente, a liberalização do kwanza tem trazido vários problemas graves económicos e sociais a curto-prazo e até mesmo algumas tensões inflacionistas acrescidas.

No entanto, o modelo subjacente à adoção de câmbios flexíveis tem objetivos opostos que se refletirão após um primeiro momento de desconcertoeconómico. Desde o texto seminal de Milton Friedman em 1953[3], sobre as taxas de câmbio flexíveis que dois argumentos sustentam essa política: primeiro, os movimentos livres das taxas de câmbio são uma maneira eficiente de ajustar os preços relativos internacionais em resposta a choques macroeconómicos; segundo, com taxas de câmbio flexíveis, os formuladores de políticas são livres para escolher e seguir sua própria meta de inflação, em vez de depender da taxa de inflação do exterior. Este último aspeto é fundamental ser sublinhado. Milton Friedman enfatizou que as taxas de câmbio, ajudariam a isolar a economia doméstica de choques externos e dariam às autoridades políticas nacionais a capacidade de satisfazer objetivos domésticos. Taxas de câmbio flexíveis fornecem bastante isolamento à economia doméstica se as fontes do choque recessivo estiverem no exterior.


Quer isto dizer que havendo uma taxa de câmbio flexível é possível que o governo/ banco central prossiga uma política anti-inflacionista autónoma do valor externo da moeda.

Na verdade, a desvalorização do kwanza poderá significar que os preços dos bens internacionais  tornam-se excessivamente caros para Angola, e provocar que, ao contrário do que se passava anteriormente, seja mais barato produzir bens em Angola.

Ficando os bens nacionais mais competitivos e substituindo por concorrência, e não por imposição administrativa ineficiente, os bens similares estrangeiros, tal implica que a produção nacional renasça e possa até se constituir como exportadora.

E desde que simultaneamente, o banco central não emita moeda em excesso, outra preocupação da teoria de Milton Friedman, o que a desvalorização cambial acaba por fomentar é o aumento da produção nacional e a redução da inflação, neste último caso se forem seguidas as políticas internas adequadas.

Temos aqui dois efeitos da flexibilização do câmbio:

  • Desvalorizar ou ter uma moeda com valor fraco não é algo de negativo em termos económicos. Pode ser uma questão de afirmação política, mas não é económica. Duas potências económicas mundiais como o Japão e Itália, alcançaram sucesso no pós Segunda Guerra Mundial adotando uma moeda fraca;
  • A flexibilização permite a diferenciação da política cambial do combate à inflação. O combate à inflação passa a depender do acerto das políticas internas. Não há uma ligação necessária entre uma coisa e outra.

Isto não quer dizer que o caminho de transição de uma economia sustentada artificialmente por um kwanza de valor elevado suportado por preços de petróleo em alta para uma economia competitiva e produtiva seja fácil. Está a haver um momento de crise profunda, mais acentuado pela pandemia Covid-19, além de que há sempre um fator sorte a considerar. E sorte não tem havido para Angola, em termos económicos.

Contudo, a política de flexibilização cambial está certa e não há que ter medo da desvalorização. Esta está a tornar a economia mais competitiva face ao exterior e a obrigar à busca de soluções internas. O sucesso passa a depender mais das políticas do governo. É na definição coerente e consistente da política económica do governo que está agora o segredo.

É por isso que os números que estão a ser lançados sobre desvalorização e inflação assustam superficialmente, mas só terão impacto negativo se forem causadores da implementação de políticas erradas por parte do governo. Caso contrário, não têm, por si mesmo, qualquer relevo. É sabido que o Kwanza estava sobrevalorizado e que tal prejudicou imensamente a economia angolana. É sabido que o combate à inflação, com taxas flexíveis, não depende do exterior, mas das decisões certas do governo.

Há consciência que o momento presente é de crise profunda, mas começam a surgir alguns indicadores reais animadores. Um deles é que “Angola desembolsou, no primeiro trimestre do ano, 495 milhões de dólares (436,5 milhões de euros) na importação de bens alimentares, uma diminuição de 31% comparativamente aos 717 milhões de dólares (632,3 milhões de euros) do último trimestre de 2019.[4]


O governo angolano atribuiu esta evolução a uma melhor organização do mercado cambial e a um aumento da procura de produtos nacionais. Fonte oficial afirmou: “Estamos a verificar estes dois fatores, podemos dizer que estamos no caminho certo, há uma procura da produção nacional, há uma diminuição das importações”. Estes factos parecem confirmar a análise que fazemos. Obviamente, que no final tudo dependerá do acerto das políticas públicas internas.


[1] Usamos indistintamente a expressão desvalorização e depreciação, apesar da existência de correntes que defendem serem conceitos diferentes.

[2] https://www.me.mercer.com/newsroom/2015-cost-of-living-survey-rankings-Mercer-Middle-East.html

[3] Friedman, M. (1953) “The Case for Flexible Exchange Rates.” In Essays in Positive Economics, 157–203. Chicago: University of Chicago Press.

[4] https://www.sapo.pt/noticias/economia/angola-importou-menos-31-de-alimentos-no_5f0f32adb34d505496f5eddd

A revisão do Orçamento Geral e a reforma da economia angolana

Como está a acontecer em vários países, também em Angola foi necessário proceder à revisão do Orçamento Geral do Estado (OGE) para 2020[1]. Dois motivos fundamentais impuseram essa revisão: a instabilidade do preço do petróleo e a pandemia Covid-19.

Pela forma como este Orçamento aparece desenhado, parece poder afirmar-se que existe aqui uma oportunidade de começar, finalmente, a corrigir os erros da política fiscal passada e adotar uma visão realista e saudável para a economia. Acima de tudo, é um Orçamento que confere tempo ao Presidente da República para acelerar a reforma da economia.

O ORÇAMENTO REVISTO

Os pressupostos macroeconómicos básicos da revisão orçamental são a inflação média de 25 por cento, o preço do petróleo bruto de 33 dólares por barril, preço médio de gás de 19 dólares por barril e um crescimento negativo do produto de 3,6 por cento.

Figura n.º 1- Pressupostos macroeconómicos do OGE (revisto). Fonte: Ministério das Finanças de Angola

Na verdade, segundo o Relatório de Fundamentação do OGE Revisto elaborado pelo ministério das Finanças, para 2020, projeta-se a maior contração da economia angolana dos últimos 38 anos, com o PIB a contrair -3,6%. O PIB do sector de hidrocarbonetos (petrolífero + gás) irá contrair em 7,0%, enquanto a taxa de crescimento média projetada para os demais sectores situou-se em -2,1%. Facilmente, se percebe que a grande quebra do PIB é provocada pelo petróleo e que são os outros setores que ainda seguram a queda, o que não deixa de ser uma ironia.

Figura n. º2- Decréscimo do PIB geral e por setores (%). Fonte: Ministério das Finanças de Angola

As projeções fiscais do OGE 2020 Revisto apontam para um défice fiscal equivalente a 4,0% do PIB, um agravamento de 5,2 pontos percentuais (pp) face ao valor previsto no OGE 2020 Inicial. O saldo primário deverá estar em torno dos 2,2% do PIB, um valor inferior ao inicialmente projetado em 4,9 pp[2]. O atual valor do Orçamento reflete uma redução de 15,7% relativamente ao OGE 2020 Inicial (Kz 15 970,6 mil milhões)[3].

Naturalmente, um OGE mais pequeno, reflete uma economia mais pequena.

Sobre estes pressupostos vamo-nos dedicar à análise do impacto e significado do preço do petróleo a 33 dólares por barril. Como se sabe este valor é meramente indicativo, pois muitos dos contratos petrolíferos já estão com preços anteriormente estabelecidos e não dependem de oscilações. No entanto, analisando os números mais recentes sobre o preço do petróleo verifica-se que o Brent Crude desde 7 de Julho passado oscilou entre USD 42,84 nesse dia, USD 41, 38 a 10 de Julho, e USD 42,18 a 14 de Julho[4]. Num prazo maior, apenas a 15 de Junho esteve abaixo dos USD 40,00.

Sendo a previsão da evolução do preço do petróleo um exercício sempre muito difícil, a verdade é que parece existir uma tendência para ter o preço acima dos USD 40,00, ao mesmo tempo que no curto prazo não se vê razão para não começar a existir uma aumento da procura do petróleo ligado à recuperação das economias mundiais. A isto liga-se a instabilidade cada vez mais intensa no Golfo Pérsico e os problemas na Venezuela.

Figura n.º 3-Gap entre o preço do petróleo no OGE-R e o índice efetivo recente

Todos estes fatores poderão contribuir para alguma pressão no sentido da subida do preço do petróleo. No entanto, essa subida não deverá ser tão acentuada que volte a inundar Angola de petrodólares.

Neste sentido, há aqui um momento ótimo para a economia se libertar da dependência do petróleo com alguma margem. Se o OGE revisto prevê um preço de USD 33 por barril e este vai estando acima dos USD 40, podendo subir, quer dizer que existe alguma margem de manobra para o governo. Nessa medida este orçamento cria a oportunidade de Angola sair da dependência excessiva do petróleo.

Um segundo aspeto que merece destaque é o facto de o Estado passar a gastar mais no sector social do que com os juros da dívida pública[5]. Não se trata tanto de ter aumentado as despesas sociais, mas de se ter diminuído o pagamento da dívida pública, resultado da negociação com a China, que, aparentemente, concedeu uma moratória de capital e juros por três anos. Sempre defendemos que naquilo que tange à dívida o fundamental era encarar a questão chinesa[6], pois é este país que detém quase metade dos créditos externos públicos sobre Angola.

A China terá sido sensível aos argumentos angolanos, e sobretudo, não poderia deixar que o seu modelo de intervenção win-win em África se tornasse num fiasco mundial, por isso, rapidamente se chegou a um acordo.

REFORMA DA ECONOMIA

Quer o preço orçamentado para o petróleo, quer a posição da China permitem que Angola, apesar da intensa recessão económica em que se encontra, ainda tenha margem de manobra para definitivamente reformar a sua economia.

Essa reforma assenta em vários pilares sobejamente conhecidos. O primeiro, e mais importante, é a extinção definitiva da grande corrupção ou “captura do Estado”. É fundamental sublinhar que a luta contra a corrupção não é uma mera política criminal com impacto reduzido na vida nacional. Devido à magnitude do fenómeno, tornou-se o principal problema económico do país pois desviou recursos e impede que a economia funcione de forma livre, sem entraves e na sua plenitude. Há sempre uma sombra de um interesse corrupto à espreita que pode desvirtuar toda a racionalidade e eficiência económica.

Enquanto a grande corrupção, clientelismo e a falta de transparência que lhe estão associadas persistirem, não há revisão orçamental ou documento, por muito bem elaborado que esteja, que permita o desenvolvimento do país.

Não foi o preço do petróleo que lançou o país na recessão, foi a profunda corrupção e captura do Estado por interesses privados que determinaram uma política económica rapace que criou um falso modelo económico incapaz de reagir às oscilações do preço do petróleo. Na verdade, utilizando a terminologia da Ciência Política, um “bandido estacionário” (ou vários) apoderaram-se dos recursos do Estado para seu proveito próprio, e todo o modelo económico foi construído para sustentar essa apropriação privada dos recursos públicos. Consequentemente, em termos estruturais o preço do petróleo acaba por ser irrelevante para se resolver o problema económico angolano.

Figura n.º 4- Causa da presente crise económica

Nessa medida, a erradicação da grande corrupção é a base de qualquer reforma económica, e também a condição necessária para o segundo pilar dessa reforma que é a liberalização da economia e abertura ao investimento privado. Ninguém vai investir num país tido como corrupto.

Este OGE revisto concede tempo ao Presidente da República João Lourenço para efetivar as reformas fundamentais na economia: erradicação da grande corrupção, liberalização dos mercados internos, promoção do investimento privado. A isto tem de se somar uma aposta na produção interna e possivelmente a criação de um programa de transferências monetárias diretas para as populações mais desfavorecidas para minimizar os riscos intensos de pobreza. Em rigor, este programa de transferências diretas não deveria ser unilateral, mas estar ligado a aspetos de promoção individual e social ligados à educação ou saneamento, no fundo, seguindo os programas do mesmo estilo introduzidas pelo Presidente Lula no Brasil. Não se trata apenas de transferir fundos para as populações carentes, mas de as incentivar a frequentar escolas, construir saneamento, ou exercer um ofício.  Este é um tema que abordaremos em separado.

CONCLUSÕES

Em resumo, temos uma revisão sensata do OGE que abre espaço para o Presidente da República acelerar as reformas necessárias na economia e que são: erradicação da grande corrupção; liberalização do acesso aos mercados, promoção efetiva do investimento privado, intensificação da produção interna, transferências diretas sujeitas a condição educativa ou de saneamento para as populações mais desfavorecidas.

Figura n.º 5- Medidas estruturais genéricas de reforma económica


[1]http://www.ucm.minfin.gov.ao/cs/groups/public/documents/document/aw4x/mja1/~edisp/minfin1205333.pdf

[2]http://www.ucm.minfin.gov.ao/cs/groups/public/documents/document/aw4x/mja2/~edisp/minfin1206937.pdf, p. 11.

[3] Idem, p.11 e 12.

[4] https://oilprice.com/oil-price-charts/46

[5] http://expansao.co.ao/artigo/133628/estado-volta-a-gastar-mais-com-o-sector-social-do-que-com-juros-da-divida-p-blica?seccao=5

[6] https://www.cedesa.pt/2020/05/05/porque-a-china-deve-reduzir-a-divida-de-angola/

Angola: Petróleo e Dívida. Oportunidades renovadas

Resumo:
Embora Angola esteja a sofrer vários choques económicos em virtude da Covid-19 e da descida do preço do petróleo, além do aumento nominal da dívida pública externa, a verdade é que a situação não apresenta a gravidade apontada nalguns estudos.

Petróleo: O país está bem preparado para beneficiar da recuperação que já está a acontecer do preço do petróleo, e que provavelmente acelerará com o desconfinamento mundial.

Dívida: O problema da dívida resulta essencialmente da depreciação da moeda e a sua solução encontra-se numa negociação política com a China, que detém cerca de metade da dívida pública externa.

Diversificação: As presentes dificuldades são um incentivo real, e não meramente retórico, para o início da diversificação da economia, possibilitada pelas medidas de liberalização da economia.

Nos últimos tempos muito se tem escrito sobre a crise do petróleo angolano, apresentando-se previsões catastróficas para a economia do país e a evolução da exploração petrolífera. À pressão do petróleo, tem-se adicionado a pressão da dívida pública, tudo na embalagem da Covid-19.

Sendo a situação grave, não é desesperada, e há que encarar os vários dados analiticamente com o distanciamento suficiente.

A dívida pública

A questão da dívida pública, que já abordamos em anterior relatório naquilo que se refere à China (https://www.cedesa.pt/2020/05/05/porque-a-china-deve-reduzir-a-divida-de-angola/), não tem o perigo que se atribui considerando apenas uma análise formal dos números.

Se atentarmos aos dados mais recentes do BNA[1], os grandes credores de Angola são a China, a Grã-Bretanha e as Organizações Internacionais.

A soma destes credores iguala cerca de 39,4mil milhões de dólares e equivale a quase 80% da dívida pública externa.

            Figura n.º 1-Stock da dívida externa pública de Angola por países. Fonte: BNA (bna.ao)

Obviamente que a dívida perante a China tem um carácter eminentemente político e não se pode encará-la como uma dívida ordinária. De notar, que o ministro das Relações Exteriores de Angola já está em conversações com o seu homólogo chinês sobre o tema[2]. Portanto, há um efetivo desenvolvimento neste âmbito.

De algum modo, o mesmo acontece com as Organizações Internacionais. É público que as Organizações Internacionais, lideradas pelo Fundo Monetário Internacional estão a propor várias medidas de alívio relativamente ao peso da dívida das economias mais frágeis e de mercados emergentes[3].

Resta a dívida à Grã-Bretanha. Uma parte dessa dívida será proveniente de empresas sedeadas em Londres, mas com relações privilegiadas com Angola e que têm uma perspetiva de longo prazo, como é o caso da Gemcorp[4], pelo que aqui também se terá de encarar com alguma cautela as afirmações demasiado genéricas sobre a gravidade do peso da dívida angolana.

Além do mais, o próprio Fundo Monetário Internacional reconheceu em dezembro de 2019 que cerca de quatro quintos do aumento nominal da dívida angolana se devia à depreciação do kwanza e não a novas responsabilidades[5]. Portanto, qualquer análise da dívida pública externa angolana que não proceda à desagregação dos seus elementos está errada.

É evidente que a dívida pública externa está concentrada em poucos credores que têm várias considerações a tomar além das estritamente financeiras, e depende muito da atitude da China.

Em resumo, a não ser que ocorra algum evento extraordinário adicional, a questão da dívida pública externa angolana não tem a gravidade que possa parecer de uma mera observação nominal, e não se deve tornar num obstáculo ao desenvolvimento. A chave está nas conversações com a China sobre o tema. E obviamente a China não quererá aparecer como um agente negativo em Angola.

O petróleo

O mesmo exagero analítico tem ocorrido a propósito do petróleo e Angola. Obviamente que Angola tem uma dependência excessiva do petróleo, e que este, neste momento, o preço do crude é alvo de duas pressões negativas: a queda da procura em virtude da Covid-19 e uma aparente tendência secular para diminuir o consumo de petróleo substituindo-o por fontes alternativas.

Dois dos mais reputados analistas destas questões relativamente a Angola, Agostinho Pereira de Miranda e Jaime Nogueira Pinto[6], têm, no entanto, desvalorizado o excesso de angústia relativamente a esta questão naquilo que diz respeito a Angola. Tendemos a subscrever esta posição.

O abalo do petróleo na economia angolana subsiste desde 2014 (vide fig. N.º 2)  e é um problema para o qual o governo desde 2018, tem tomado variadas medidas que se centram em duas estratégias: i) modernização e abertura do setor petrolífero e ii) promoção da diversificação da economia.

Em relação ao primeiro aspeto, sublinha-se, entre outros, a criação de uma agência reguladora diferente da Sonangol, permitindo que esta empresa se foque no seu core business, a privatização de subsidiárias secundárias da Sonangol e a assinatura de acordos com várias empresas estrangeiras para aumentar o investimento. Na verdade, as grandes companhias, em que se destaca a Total, Exxon, Chevron, BP, ENI, planeavam operar mais navios de perfuração em Angola do que em qualquer lugar do continente para explorar novas descobertas. Em relação à diversificação tem havido mais retórica do que prática, mas a necessidade, como veremos à frente vai obrigar a que se passe à prática, desde que o governo liberalize efetivamente a economia.

Entretanto, a Covid-19 fez mergulhar o preço do petróleo e as companhias estrangeiras pararam a sua atividade em Angola[7]. No entanto, apesar das más notícias imediatas, a situação tenderá a estabilizar num patamar superior. A Moody´s no final de maio anunciava que previa um patamar genérico futuro entre os USD 45-65. Não se trata de confiar na precisão destes números, mas apenas de anotar que haverá uma tendência de subida.

Atente-se o preço do Brent. Neste momento, situa-se em USD 36, 6 (dados de 22 de maio de 2020)[8]. Portanto, já subiu do número mínimo alcançado a 21 de abril de 2020, USD 19.33. O valor de USD 36, 6 já está acima de vários níveis atingidos após a queda abrupta em 2014. Por exemplo, no início de 2016, o valor andou entre os USD 29 a 32. Significa isto que o preço do petróleo parece entrar, no presente momento, novamente nalguma normalidade, além de que desde 2014, o país já está habituado a lidar com uma grande oscilação nos mercados.

            Figura n.º 2- Picos e Mínimos do Preço Brent USD/Barril (fonte Nasdaq e Oilprice.com)

Figura n.º 3-Evolução do preço do Brent 2020 (Fontes da fig. n.º 2)

Refira-se a propósito que uma boa parte da contratação angolana está revertida em contratos com prazos longos, pelo que oscilações do preço não afetam necessariamente e de imediato a tesouraria pública.

Além do mais muito em breve, passar-se-á de uma época de encerramento das economias em que a procura de petróleo diminuiu substancialmente, para um relançamento das economias. Seja essa recuperação em V, U, W ou outra letra, a verdade é que implicará um aumento da procura de petróleo, o que provavelmente, fará aumentar o preço do petróleo desde que não se reiniciem as “guerras” entre a Rússia ou Arábia Saudita ou outros eventos semelhantes.

A isto acresce que o valor baixo do petróleo será um incentivo ao seu uso numa fase de recuperação económica em que as preocupações com energias limpas, mas mais caras, será, no curto prazo, substituída pela necessidade de colocar as empresas a trabalhar e as pessoas com emprego.

Mesmo que na Europa persistam as preocupações com a emergência climática, é difícil vislumbrar que os grandes motores da economia mundial, como os Estados Unidos, a China e a Índia, não prefiram uma fonte de energia barata que rapidamente coloque as fábricas a mexer.

Angola já se começou a antecipar e ainda na semana de 25-29 de maio, a Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANPG) disponibilizou, um pacote de dados para exploração petrolífera das bacias terrestres do baixo Congo e do Kwanza, para empresas nacionais e internacionais. São os blocos CON1, CON5, CON6, KON5, KON6, KON8, KON9, KON17 e KON20, cujo anúncio oficial, para o início das novas licitações, será feito nos próximos dias.

Em resumo, a reformas organizacionais, de racionalização e incremento do mercado petrolífero em curso em Angola, aliadas à recuperação paulatina do preço do petróleo, no contexto do relançamento da economia mundial no pós Covid-19, permitem acreditar que o setor petrolífero em Angola tem boas condições de recuperação, e afastar os cenários mais pessimistas.

Oportunidade para a diversificação

Uma nota final sobre a política de diversificação que tem sido proclamada constantemente pelos dirigentes angolanos, mas sem sucesso.

Agora há dois incentivos claros para a tornar uma realidade. Por um lado, o petróleo já não é a fonte de receitas segura em que o Estado pode confiar, por outro, há medidas de liberalização da economia e quebra dos anteriores oligopólios. Ainda tímidas, mas existem.

Estes dois factos devem levar os empresários a sentirem-se mais livres e obrigados a procurarem novas áreas de investimento. Essas áreas não deverão ser a construção civil, mas sim outros ligados aos recursos naturais, como o gás natural; a agroindústria (os solos de Angola são alguns dos mais férteis da África e o seu clima é manifestamente propício à agricultura. No passado, Angola era quase autossuficiente em termos agrícolas, sendo o trigo a única exceção); a economia da floresta (as florestas cobrem quase 18,4% da área total do país e formam um dos recursos naturais mais críticos do país), minerais de alta qualidade (minério de ferro, manganês e estanho) e energia solar, entre outros.

Nesta crise, o grande desafio de Angola é aproveitar a oportunidade para se transformar beneficiando da sua variada riqueza.


[1] BNA, Dívida Externa por países (stock): 2012-2019. Disponível em linha https://www.bna.ao/Conteudos/Artigos/lista_artigos_medias.aspx?idc=15419&idsc=16458&idl=1

[2] http://www.novojornal.co.ao/politica/interior/mirex-telefona-a-homologo-chines-com-foco-na-divida-e-em-investimentos-em-angola-87980.html

[3]https://www.imf.org/en/News/Articles/2020/05/28/sp052820-opening-remarks-at-un-event-on-financing-for-development-in-the-era-of-covid-19  

[4] Profundamente envolvida na construção da nova refinaria em Cabinda, por exemplo: https://www.africaoilandpower.com/2020/01/21/sonangol-gemcorp-sign-cabinda-partnership-deal/

[5] https://www.imf.org/en/Publications/CR/Issues/2019/12/18/Angola-Second-Review-of-the-Extended-Arrangement-Under-the-Extended-Fund-Facility-Requests-48887

[6] Cfr. Agostinho Pereira de Miranda, Setor petrolífero angolano está bem preparado para sair da crise – advogado. Disponível online em :https://www.angonoticias.com/Artigos/item/64817/setor-petrolifero-angolano-esta-bem-preparado-para-sair-da-crise-advogado e Jaime Nogueira Pinto, Considerações sobre a crise petrolífera. Disponível em linha https://observador.pt/opiniao/consideracoes-sobre-a-crise-petrolifera/

[7]Noah Browning et al. Angola’s oil exploration evaporates as COVID-19 overshadows historic reforms. Disponível em:  https://www.reuters.com/article/us-global-oil-angola-insight-idUSKBN22W0OZ

[8] NASDAQ-Brent Crude (BZ:NMX). Disponível online em https://www.nasdaq.com/market-activity/commodities/bz%3anmx . Ver também https://oilprice.com/oil-price-charts/46 . Note-se que estes elementos são meramente informativos de tendências e não refletem necessariamente o preço exato das transações do petróleo angolano. Contudo, conferem uma aproximação às possíveis evoluções e perspetivas.

Porque a China deve reduzir a dívida de Angola

A situação da dívida pública angolana

No seu relatório de dezembro de 2019 sobre Angola, o Fundo Monetário Internacional (FMI) asseverava que: “A dívida pública de Angola é sustentável, mas os riscos aumentaram e as vulnerabilidades permanecem.[1]” Embora previsse um pico da dívida pública para o final de 2019 de 111% do PIB, a visão do FMI era otimista, por várias ordens de razão, designadamente,  a mobilização de novas receitas não petrolíferas nos orçamentos 2020-2021, a implementação rápida de reformas estruturais e a prossecução do programa de privatizações[2].

Na origem da previsão do aumento percentual da dívida pública em termos de PIB encontravam-se três fatores: a depreciação do kwanza no quarto trimestre de 2019 (cerca de quatro quintos do aumento), a baixa dos preços e da produção do petróleo, e a recuperação económica lenta. De sublinhar, portanto, um primeiro aspeto que é a constatação que 80% do aumento do percentual da dívida pública face ao PIB deriva da depreciação do kwanza.

Consequentemente, teríamos uma política preconizada pelo FMI (depreciação moeda) a influenciar negativamente outro índice reputado importante pela mesma organização (relação dívida pública/PIB). Significa isto que não era demasiado importante olhar para esta relação para calcular a possível fragilidade da dívida pública angolana, pois ela refletia essencialmente oscilações nominais e não reais. Em dezembro de 2019, a dívida pública angolana era sustentável.

Contudo, passados quatro meses, a situação tornou-se mais difícil, admitindo-se, agora, que os aspetos reais da economia possam dificultar o serviço da dívida. Ainda não se está nessa situação, e a tomada de medidas pode evitar qualquer problema, pois não se trata de ter sido substancialmente contraída mais dívida, mas do choque proveniente da Covid-19 que está a afetar a economia mundial. Este choque tem consequências para Angola, pressionando dois elementos materiais importantes para a sustentabilidade do pagamento da dívida: o preço do petróleo e a recuperação económica. Como é sabido, o petróleo tem visto o seu preço a descer abruptamente, e as perspetivas de recuperação da economia angolana são débeis.

Consequentemente, em abril de 2020, o mesmo FMI previu uma recessão de 1,4% para a economia angolana e um valor da dívida igual a 132 % do PIB. A previsão do FMI é precisamente só isso, não correspondendo ainda, em termos de dívida pública, a qualquer realidade nova. Na verdade, o ano de 2019 terá fechado com uma dívida pública de 109,8% do PIB e não 111%, ligeiramente melhor do que o previsto[3].

Refira-se ainda que a parte correspondente à dívida pública externa será de 85,4% do PIB, que é a que nos interessa analisar.

Os diversos elementos até aqui considerados, levam-nos a duas conclusões: a primeira: a dívida pública angolana estava a evoluir de forma sustentável, sendo que a degradação nominal da dívida pública do país em percentual do PIB refletia, sobretudo, a depreciação nominal da moeda e não algum descontrolo absurdo que tivesse ocorrido nas finanças públicas nos tempos mais recentes. Se repararmos entre 2017 e 2019, numa época de recessão, o stock da dívida externa aumentou somente 14%, sendo que foi anteriormente, entre 2012 e 2016 que subiu 100%. Isto quer dizer, em termos políticos, que o governo de José Eduardo dos Santos duplicou a dívida pública externa em quatro anos, enquanto João Lourenço tem tentado travar esse aumento exponencial[4]. Uma análise mais fina da figura abaixo apresentada assinala o grande impulso da dívida externa angolana entre 2012 e 2016. Existiu uma tentativa de estabilização em 2017 e apenas aumento modesto em 2018 e 2019.

Figura n.º 1-Stock da dívida pública externa angolana (2012-2019) [valores em milhões de dólares; fonte BNA]

Contudo, e essa é a segunda conclusão, se havia confiança na capacidade de Angola pagar a dívida, e no controlo da mesma por parte do atual governo, a verdade é que a crise mundial da Covid-19 veio lançar uma nuvem de incerteza sobre as dívidas públicas em termos globais, afetando obviamente a perceção em relação a Angola. Naturalmente que essa perceção pós-Covid-19 exige que os governos se antecipem e tomem medidas para evitar problemas futuros.

 É neste contexto que merece atenção a eventual adaptação da dívida externa angolana à realidade presente trazida pela Covid-19, e a necessidade de aligeirar o seu peso para garantir a sustentabilidade da recuperação económica.

A importância da dívida à China

A presente situação mundial trazida pela Covid-19 e a necessidade que Angola tem de garantir que a sua dívida pública é sustentável e de não perturbar o arranque económico que urge mobilizar, implicam que este seja o momento para, sem temor, se avançar com uma renegociação construtiva da dívida externa.

Atendendo às características essenciais da dívida pública angolana, há que seguir o método cartesiano na abordagem dessa negociação. Significa isto, que não se deve olhar para a dívida como um todo, mas dividi-la em secções, abordando cada uma independentemente. É errado do ponto de vista metodológico encarar a dívida pública externa angolana como um todo devido ao peso imenso que a China tem na mesma.

O total de dívida pública externa angolana (stock) tinha o valor de 49.461 milhões de dólares no final de 2019, segundo os dados do Banco Nacional de Angola.[5] Acontece que 22.424 milhões de dólares são devidos à China[6]. Quer isto dizer que a China representara quase metade das responsabilidades externas angolanas, mais precisamente, 45,3%.

Figura n.º 2-Peso da dívida externa angolana à China (em percentagem; fonte: BNA)

Parece claro que a dívida angolana à China representa uma magnitude enorme e tem, obviamente, o peso mais importante nas finanças públicas de Luanda.

Atendendo às características históricas da relação de Angola com a China, bem como ao posicionamento global desta, em especial naquilo que se refere ao relacionamento com África, este é o tempo de propor uma profunda negociação da dívida angolana à China promovendo a sua redução e escalonamento temporal.

Em termos simples, a negociação da dívida pública angolana à China deve baixar o montante da dívida e aumentar o tempo de pagamento.

Facilmente se vê que a dívida à China se pode tornar o principal empecilho para o desenvolvimento de Angola, como no passado, a partir de 2002, terá sido um dos propulsores do arranque.

Ora, a China deve ser um fator de desenvolvimento e não de recessão económica em Angola. Desde logo, deve-se notar que desde 2017, ano da tomada de posse de João Lourenço, data em que a dívida assumiu um pico, que Angola tem vindo a baixar o valor do stock (cfr. Fig. N.º 3 abaixo) demonstrando assim a sua capacidade e boa-fé face à China.

Há três razões muito fortes para levar a China a uma renegociação da dívida com vista à sua redução e prolongamento no tempo.

1-Posicionamento global da China, em especial em África.

A China é, atualmente, uma das grandes potências mundiais, pretendendo ombrear com os Estados Unidos em termos de projeção de influência no mundo.

Nesse sentido, com um novo poder vêm novas responsabilidades, como vieram em relação aos Estados Unidos no final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), em que tomou nos seus ombros a reconstrução económica europeia através do Plano Marshall e promoveu ativamente a criação daquilo que veio a ser a CEE (Comunidade Económica Europeia), hoje União Europeia. Foi o empenho norte-americano que possibilitou esta realidade que trouxe prosperidade e paz à Europa.

Ora, a China tem estado a assumir uma posição semelhante em relação a África, utilizando uma retórica de amizade e solidariedade. Refiram-se as palavras do Presidente Xi Jinping na cerimónia de abertura do Fórum de Cooperação China-África (FOCAC) em 2018: “A China busca interesses comuns e coloca a amizade em primeiro lugar na procura de cooperação. A China acredita que o caminho certo para impulsionar a cooperação China-África é que ambos os lados alavanquem a sua força respetiva; cabe à China complementar o desenvolvimento da África através do seu próprio crescimento, e cabe à China e à África buscar a cooperação em benefício mútuo e o desenvolvimento comum. Ao fazer isso, a China segue o princípio de dar mais e receber menos, dar antes de receber e dar sem pedir retorno”[7] (ênfase nosso).

O certo é que a atual situação provocada pela doença Covid-19 apresenta-se como a ideal para que o Presidente Xi Jinping transforme o seu discurso em realidade e passe a atos concretos de amizade, de dar mais e receber menos, bem como dar sem pedir retorno. Sendo certo que uma doação não é um empréstimo, a verdade, é que o espírito da afirmação do Presidente chinês se aplica perfeitamente a esta situação provocada pela Covid-19.  

Assim construirá uma imagem da China em África de uma grande potência mundial que aposta no desenvolvimento efetivo de um continente e mostrará, do ponto geoestratégico, que é um contendor real dos Estados Unidos na criação de um mundo mais próspero e seguro.

É neste momento que se verá o lugar da China no mundo pós-Covid-19.

2-Pragmatismo

Atribui-se a Deng Xiaoping a frase “Não importa se o gato é preto ou branco, desde que cace ratos”.  Não é relevante saber se a disse realmente ou não, mas o facto é que representa o pragmatismo chinês que permitiu que um Partido Comunista mantivesse o poder, enquanto lançava o país na senda de um crescimento económico acelerado assente num misto de mercado liberal e intervenção estatal. É precisamente este pragmatismo que tanto sucesso trouxe à China que irá justificar a remissão da dívida angolana.

Angola sempre foi apresentado como o modelo do investimento em África. A literatura científica refere-se até ao “Modelo angolano” que serviu de base para a atuação contemporânea da China em África.

Sendo assim, será preocupante para a China ver que o seu modelo falha e se torna um peso para a economia.

Se atentarmos nos números, durante 2019 Angola gastou quase 43% das receitas públicas a pagar dívida, onde, como já se referiu a China ocupa a fatia maior. Consequentemente, a manutenção desta situação pode vir a dar razão às alegações que o Secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, fez durante o seu recente périplo por África, no sentido de a dívida chinesa se tornar uma canga insuportável para o desenvolvimento do continente. Na verdade, chegando-se à conclusão que tal está, ou pode estar a acontecer em Angola, tal constrangimento transforma toda a política africana da China num desastre, uma vez que o seu modelo inicial falhou redondamente.

A adicionar a este pragmatismo político, há um aspeto económico óbvio. As mais recentes avaliações dão conta de que as empresas chinesas em Angola registaram uma perda de 350 a 500 milhões de dólares devido à pandemia da COVID-19[8]. E estas perdas podem-se alargar se a situação económica de Angola não melhorar. Portanto, é de todo o interesse chinês criar as condições de relançamento para a economia angolana, pois tal relançamento aproveita e em larga escala as empresas chinesas. É a chamada situação win-win.

Consequentemente, é, pois, do interesse prático chinês a redução da dívida angolana para mostrar ao mundo que o seu modelo de intervenção em África resulta e não é predatório, e também para ajudar as inúmeras empresas chinesas estabelecidas em Angola.

3-Combate à corrupção e dívida odiosa

Há uma razão fundamental e final de elementar justiça para reduzir a dívida angolana à China. Não existem dúvidas de que parte dessa dívida é aquilo que doutrinariamente se chama “dívida odiosa”, i.e., dívida cujos propósitos não foram o interesse público e o bem comum, mas a apropriação privada da soberania por parte de integrantes dos mais altos órgãos do Estado.[9] Dito de modo mais claro, trata-se de dívida que foi utilizada em atos de corrupção ou serviu para financiar interesses de dirigentes angolanos e possivelmente oficiais chineses.

Nunca se pode esquecer o papel que o cidadão chinês Sam Pa, hoje, aparentemente preso na China, desempenhou nos variados negócios em Angola. Nomes como o CIF-China International Fund ou o Grupo Queensway, ou ainda a China Sonangol, são paradigmas de atividades reputadas como ilegais que estão ou estiveram debaixo de estreita investigação. É um facto que o dinheiro chinês esteve envolvido em vastos atos de corrupção.

Além deste facto, há outro com contornos indefinidos e que merece uma investigação mais atenta por parte dos jornalistas investigativos. A análise das séries estatísticas desagregadas do Banco Nacional de Angola sobre a evolução da dívida chinesa mostra que no segundo quadrimestre de 2016 (maio a agosto) essa dívida passou de 10.531 milhões de dólares para 21.228 milhões de dólares. A dívida à China duplicou em 2016[10].

Figura n.º 3- Evolução da dívida pública externa (stock) de Angola à China-2012/2019 (Milhões de dólares. Fonte: BNA)

Esse movimento foi relativamente recente e está mal explicado. Em termos temporais tal acontecimento coincide com uma anunciada ida de José Eduardo dos Santos à China para negociar um empréstimo em Julho de 2015, a que posteriormente se sucederam vários factos como a queda em desgraça do Vice-Presidente da República, Manuel Vicente, e a prisão de Sam Pa em outubro de 2015. Depois disto, Isabel dos Santos assumiu a presidência da Sonangol em Junho de 2016, coincidindo com o lançamento da dívida chinesa nas contas do BNA. Aparentemente, foi desta nova dívida chinesa que saíram 10 mil milhões USD que o Governo atribuiu à Sonangol liderada por Isabel dos Santos para pagamentos antecipados de seis financiamentos da petrolífera, no valor de cinco mil milhões de dólares. Tal permitiu a redução do stock da dívida da petrolífera de 9,8 mil milhões para 4,8 mil milhões. Os restantes cinco mil milhões terão sido canalizados para investimento na e da Sonangol.

Atendendo à controvérsia judicial que, neste momento, envolve a passagem de Isabel dos Santos pela Presidência da Sonangol e a aparente simultaneidade da sua nomeação com a duplicação da dívida angolana à China que terá servido para financiar a Sonangol, talvez devesse haver uma suspensão do pagamento desta dívida até se perceber se existiu alguma ilegalidade ou não, designadamente naquilo que se refere aos 5 mil milhões que foram, aparentemente, afetos a investimentos na e da Sonangol.

Refira-se que é o que a lei chinesa, reforçada por Xi Jinping, impõe. Como se sabe o Presidente chinês e a sua administração desenvolvem um aturado e intenso combate à corrupção no seu país. A lei chinesa em vigor sobre a corrupção encontra-se no Código Penal da República Popular da China aprovado em 1981, revisto em 1997 e reforçado em 2015. De acordo com essa norma, todas as atividades que envolvam corrupção relativas a governantes estrangeiros são crime para os quais os tribunais chineses têm jurisdição. Com efeito, desde 1 de maio de 2011 é crime o pagamento ilícito a oficiais estrangeiros. A verdade é que, atualmente, o Código Penal chinês atua para além das suas fronteiras, por isso pagamentos corruptos, a “dívida odiosa”, já têm de ser considerados pelas autoridades chinesas quando fazem as suas avaliações das situações.

Quer isto dizer que quer por razões políticas, quer por razões de direito interno, a China está obrigada e deve analisar a dívida que tenha sido eventualmente constituída com propósitos corruptos ou de benefício ilegítimo. A dívida de Angola deve ser revista exaustivamente, nessa perspetiva.

Figura n.º 4- Razões para a China reduzir a dívida angolana

Conclusões

Os motivos expostos aconselham vivamente a que a China proceda a uma substancial redução unilateral da dívida angolana. É um imperativo da sua atual posição no mundo, do seu pragmatismo e do direito sínico.


[1] IMF- Angola, IMF Country Report No. 19/371, p. 54. Disponível em https://www.imf.org/en/Publications/CR/Issues/2019/12/18/Angola-Second-Review-of-the-Extended-Arrangement-Under-the-Extended-Fund-Facility-Requests-48887

[2] Idem, p. 54.

[3] IMF- World Economic Outlook, April 2020: The Great Lockdown, p. 24. Disponível em https://www.imf.org/en/Publications/WEO/Issues/2020/04/14/weo-april-2020 e também IMF-SUB-SAHARAN AFRICA.COVID-19: An Unprecedented Threat to Development, April 2020, p. 19. Disponível em https://www.imf.org/en/Publications/REO/SSA/Issues/2020/04/01/sreo0420

[4] BNA-Banco Nacional de Angola, DÍVIDA EXTERNA PÚBLICA POR PAÍSES (STOCK): 2012 – 2019. Disponível em https://www.bna.ao/Conteudos/Artigos/lista_artigos_medias.aspx?idc=15419&idsc=16458&idl=1

[5] e [6] BNA-Banco Nacional de Angola, idem.                                        

[7] Presidente Xi Jinping “Full text of Chinese President Xi Jinping’s speech at opening ceremony of 2018 FOCAC Beijing Summit”,  XinhuaNet, 3 setembro 2018. Disponível em http://www.xinhuanet.com/english/2018-09/03/c_137441987.htm

[8] Francisco Shen (entrevistado por Natacha Roberto), “Empresas chinesas em Angola com perdas de 500 milhões de dólares”, Jornal de Angola, 28 de abril 2020. Disponível em http://jornaldeangola.sapo.ao/economia/empresas-chinesas-em-angola-com-perdas-de-500-milhoes-de-dolares

[9]  Robert Howse, The Concept of Odious Debt in Public International Law, UNCTAD, 2007.

[10] BNA-Banco Nacional de Angola, Dívida Externa por País, Dados Trimestrais. Disponível em https://www.bna.ao/Conteudos/Artigos/lista_artigos_medias.aspx?idc=15420&idsc=16460&idl=1

Análise crítica de um Estudo sobre o impacto socio-económico das medidas do Governo angolano para combater a Covid19

IMPACTO SOCIO-ECONÓMICO

1-Introdução

Um consórcio de investigação científica formado pelo Instituto Superior Politécnico Sol Nascente do Huambo (www.ispsn.org) e pela OVILONGWA CONSULTING-Sondagens e Estudo de Opinião em parceria com a TV ZIMBO apresentou um trabalho intitulado ESTUDO DE AVALIAÇÃO DOS IMPACTOS SOCIOECONÓMICOS DAS MEDIDAS DO EXECUTIVO ANGOLANO PARA O COMBATE À COVID19.

Este estudo foi levado a cabo por uma equipa liderada pelos investigadores David Boio do CISN – Centro de Investigação Sol Nascente do Huambo, Carlos Pacatolo e Martinho MBangula da OVILONGWA CONSULTING – Sondagens e Estudos de Opinião Pública[1].

Na verdade, trata-se de uma sondagem seguida de uma curta análise. A sondagem foi realizada a “07, 08 e 09 de Abril de 2020. Foram inquiridos 2291 indivíduos com 18 ou mais anos de idade e residentes em Angola e validados 2271 inquéritos. Para selecção dos inquiridos usou-se a “amostra por conveniência” ou “bola de neve”. Por isso, a amostra não é representativa do conjunto da sociedade angolana.[2]” (bold nosso).

Do universo inquirido destaca-se que 63,5 % frequenta ou frequentou o ensino superior[3] e 60% têm entre 18 e 35 anos de idade.

2-Resultados apresentados

É importante assinalar os principais resultados obtidos pela sondagem:

  • 61,3% dos inquiridos declararam que acompanham com muita atenção as informações sobre a doença e apenas cerca 10% declarou acompanhar as informações sobre a doença com pouca atenção;
  • 34% dos inquiridos afirmaram ter a percepção de que os seus concidadãos estão a encarar os riscos da doença de forma pouco séria;
  • A televisão é o meio de comunicação preferido pelos respondentes e cerca de 70% confiam mais nas notícias veiculadas pela televisão sobre a covid19, seguindo-se a rádio e os familiares, ambos com 55%.
  • As redes sociais constituem a fonte de informação sobre a covid19 que os inqueridos menos confiam. 34,6% dos inqueridos afirmaram não ter nenhuma confiança;
  • 71% confia ou confia muito no Presidente da República para gerir a crise;
  • 74,8% na ministra da Saúde;
  • 52,61% no ministro do Interior;
  •  53% dos inquiridos não possuem condições de subsistência para continuar em isolamento social;
  • Na eventualidade de o período de Estado de Emergência se prolongar por mais um mês, mais de 63,1% dos inquiridos de Luanda afirmou que terá de reduzir o nível de consumo para poder continuar a subsistir;
  • As recomendações para evitar lugares de grande aglomeração parecem ter sido acatadas pela maioria dos inquiridos.
  • 40,8% dos respondentes ao inquérito afirmaram que, habitualmente, realizam as suas compras no mercado informal;
  • Maioria a favor do Estado de Emergência.

3-A análise realizada pelo Estudo

Na apreciação efectuada pelos autores do estudo, ressaltam alguns aspectos. Um facto importante sublinhado é a importância do mercado informal: é fundamental assegurar a sobrevivência das famílias que têm no mercado informal a principal fonte de rendimentos, bem como a sobrevivência das famílias que têm no mercado informal a sua principal fonte de abastecimento alimentar. E assim sendo, “a eficácia das medidas de isolamento social nos mercados informais deve obrigar a mais reflexão e cautela dos decisores públicos”, destacam os autores[4].

Igualmente, com relevo estão as conclusões e recomendações realizadas. Os autores do Estudo consideram que o Governo deve prestar especial atenção aos desempregados, ao sector informal e famílias desfavorecidas, necessitando estas áreas de medidas adicionais de apoio durante o Estado de Emergência, bem como atentar melhor às medidas de redução do tempo de funcionamento dos mercados informais e venda ambulante. Também sugerem uma melhoria da comunicação para os perigos da Covid19.

4-Apreciação crítica do Estudo e visões alternativas

Obviamente que estudos deste tipo são positivos e devem ser acarinhados e promovidos. Contudo, este Estudo em concreto, como os próprios autores reconhecem, não representa, nem pode representar a realidade angolana.

E nessa medida, o Estudo acaba por ser enganador, e pode levar à tomada de medidas erradas e a conclusões desadequadas da realidade.

O Estudo tem como larga maioria dos inquiridos pessoas que frequentam ou já terminaram o Ensino Superior. É óbvio que se trata de uma pequena elite privilegiada em Angola, não representando o grosso da população. É demasiado fantasioso retirar daqui conclusões a não ser aquelas referentes ao que pensam os licenciados angolanos. Não se pode extrapolar para a população qualquer análise ou conclusão.

O quadro que resulta do Estudo é de uma população que apoia o Estado de Emergência, tem confiança no Presidente da República, na ministra da Saúde e no ministro do Interior, utiliza mercados informais, informa-se pela televisão, não confia nas redes sociais e, simultaneamente acha que os outros não levam a doença muito a sério. Também reconhecem que não têm capacidade para aguentar muito tempo em termos económicos o Estado de Emergência.

Este quadro, mesmo apenas considerando o grupo sondado, é ambivalente e permite algumas pistas, enquanto suscita dúvidas e contradições.

As pistas dadas são duas: a doença não é levada muito a sério; um Estado de Emergência efectivo criaria problemas económicos para as famílias, sendo que os mercados informais não podem ser combatidos.

Temos aqui dois temas de fundo para análise.

A Covid 19 em Angola

O primeiro tema é o facto de a doença não ser levada a sério, segundo a sondagem. Apesar da comunicação intensa que está a ser feita, o certo é que as consequências da Covid 19 em Angola, de momento, a não ser para os atingidos, são despiciendas.

Haverá 19 infectados detectados, que foram “importados” e 2 mortos, isto num país de 30 milhões de habitantes, situado numa zona epidémica de malária e de outras doenças.

Quer isto dizer que não há qualquer epidemia registada da Covid 19 em Angola.

Pode vir a haver, pode existir uma deficiência estatística e de controlo, ou pode acontecer que o vírus, como alguns alegam, tenha dificuldade em se disseminar em zonas quentes e húmidas do planeta[5].

Por isso, não descurando a atenção à boa gestão da saúde pública há que não cair em exageros, que acabem por perturbar mais do que resolver.

Estado de Emergência, Economia e Mercados Informais. Necessidade de balanço adequado

A fragilidade da economia angolana, especialmente, das famílias e empresas que suportam uma crise desde 2014 é extremamente sensível, pelo que ao contrário de economias robustas como a dos Estados Unidos ou da Alemanha que podem suportar (embora por pouco tempo) um “encerramento do país”, a economia angola não pode “encerrar”, sem entrar em tremendas dificuldades, pelo que tem de existir um delicado balanço entre um aspecto (Estado de Emergência) e outro (sobrevivência das famílias), e deve ser explorada a possibilidade do perdão da dívida internacional.

Dentro da mesma lógica subscrevemos a preocupação contida no texto sobre os mercados informais no sentido de aligeirar as restrições sobre os mercados informais.

Os enganos do Estudo

Se o Estudo nos permite desenvolver as pistas acima referidas, a verdade é que pode induzir em vários erros de avaliação.

Um primeiro erro de avaliação é o aparente consenso e efeitos positivos do Estado de Emergência. Ao reportar-se apenas a uma população instruída com possível influência portuguesa ou europeia, o Estudo apresenta um cenário de aquiescência ao Estado de Emergência que está longe de se verificar. A realidade em Angola é que o Estado de Emergência tem sido cumprido de forma deficiente e não pode ser imposto na sua efectividade. Se o Estado persistir em o impor enfrentará certamente variada desobediência civil e problemas de agitação social grande. E no fim de contas a população descobrirá que o Estado não tem força para impor as suas regras, podendo criar mais problemas do que resolver. Portanto, é necessário perceber que o Estado de Emergência pode constituir uma demonstração de incapacidade do poder e levar as pessoas a deixar de ter respeito pelas autoridades.

Um segundo erro de avaliação é sobre a popularidade e confiança nas autoridades. Não tendo razões para duvidar que 71,5% da população tenha confiança no Presidente da República para gerir a crise trazida pela Covid 19, não se pode extrapolar o mesmo número para a gestão da economia, onde actualmente se centram as maiores dificuldades, e sobretudo, não é crível aceitar que 52% confia no ministro do Interior relativamente às medidas da Covid 19. É bem sabido que pequenos episódios relativos a este ministro, como o da filha no aeroporto, os dos rebuçados e chocolates, bem ou mal-contados, tornaram o ministro bastante impopular e uma espécie de “saco de pancada” da opinião pública, portanto, não é crível que 52% confiem nele.

Um terceiro erro de avaliação possível surge relativamente à confiança demonstrada nas redes sociais. Cerca de 34% afirma não confiar. Podem afirmar isso, mas a verdade é que quem tem acesso às redes, está lá, permanece lá e vai interiorizando o que lá se escreve. Começa a estar demonstrado o verdadeiro impacto das redes sociais, e não é por se afirmar que não se confia, que não se frequenta e em última análise não se termina por acreditar ou ser influenciado[6].

*

Em resumo, este Estudo é muito interessante, mas pode induzir em vários erros de avaliação, pelo que deve ser tomado como um elemento de trabalho, mas nunca um retrato do pensamento e sentir da população angolana.


[1] BOIO, D., PACATOLO, C., MBANGULA, K, ESTUDO DE AVALIAÇÃO DOS IMPACTOS SOCIO-ECONÓMICOS DAS MEDIDAS DO EXECUTIVO ANGOLANO PARA O COMBATE À COVID19: Relatório Final, (Luanda: 2020).

[2] BOIO et al.  cit, p. 4.

[3] Idem, p.6.

[4] Ibidem, p. 16.

[5] WANG, JINGYUAN AND TANG, KE AND FENG, KAI AND LV, WEIFENG, HIGH TEMPERATURE AND HIGH HUMIDITY REDUCE THE TRANSMISSION OF COVID-19 (March 9, 2020). Available at SSRN: https://ssrn.com/abstract=3551767 or http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.3551767

[6] CHRISTAKIS, NICHOLAS, The Hidden Influence of Social Networks, https://www.ted.com/talks/nicholas_christakis_the_hidden_influence_of_social_networks/transcript