Sonangol. Empresa petrolífera ou de energia?

1-Introdução. A privatização da Sonangol e o mercado do petróleo

No dia 15 de Junho de 2021, pelas 16.00 o preço de venda do petróleo brent (que serve de referência a Angola) estava nos USD 73, 45[1]. Há um mês e meio o preço situava-se na ordem dos USD 66,00, tendo vindo a verificar-se, nos tempos mais recentes, uma subida do sustentada do preço, como havíamos previsto em anterior relatório.[2] Se repararmos, quando fizemos essa previsão (Junho de 2020), o preço do petróleo situava-se em USD 36,6. Na prática, num ano o preço duplicou.

Entretanto, o governo avançou mais detalhes sobre a privatização parcial da Sonangol. O ministro dos Recursos Minerais, Petróleo e Gás, Diamantino Azevedo, repetiu[3] a promessa de aprovar o cronograma relativo à venda de 30%  do capital da Sonangol em bolsa ainda durante o atual mandato presidencial, explicando que será um processo escalonado, e que haverá várias tranches disponíveis: “ações para os trabalhadores da Sonangol, ações para os angolanos que estejam interessados e para parceiros estratégicos que queiram depois ser sócios”, modelo que defendemos oportunamente.[4]

Um terceiro elemento a considerar quando se analisa a da Sonangol é o da transição energética. Nos Estados Unidos e na Europa Ocidental, pelo menos, este tornou-se uma espécie de mantra recorrente obrigando as petrolíferas a modificar as suas estratégias de forma a ficarem menos dependentes do petróleo e a contribuírem para uma economia “verde”. A Sonangol encontra-se neste cruzamento entre a necessidade de recuperar a sua velha aura, ser privatizada, mas não depender apenas do petróleo.

Este relatório vai analisar as possíveis soluções que a petrolífera angolana dispõe e apontar alguns caminhos estratégicos.

2-As duas forças determinantes na estratégia da Sonangol

Existem duas forças algo contrárias relativamente à estratégia que a Sonangol pode adotar no futuro.

A primeira força “cola” a companhia ao preço do petróleo e aponta para a manter como uma empresa petrolífera. Nessa visão, o que a Sonangol deve fazer é concentrar-se no seu “core business” – petróleo- e aí tornar-se eficiente. Portanto, neste âmbito a reestruturação da Sonangol é focada em alcançar lucros no negócio do petróleo, fazendo investimentos rentáveis na área e aumentando o mais possível, ao mais baixo custo, a produção petrolífera. As medidas essenciais tomadas pelo atual governo com vista ao saneamento da empresa vão nesse sentido. Como afirmou o ministro Azevedo: “”A primeira medida que tomámos foi libertar (a Sonangol) da função concessionária, que poderia criar conflitos de interesse. Não podíamos levar para bolsa uma empresa com função concessionária, reguladora e empresarial”, e outra medida foi criar uma empresa “atrativa” e que “encoraje o investimento”, o que passou pela diminuição do número de subsidiárias e venda de empresas não nucleares da petrolífera[5].

A outra força, de certa maneira oposta, é a da transição energética (a economia verde). Aqui defende-se que não deve haver excessiva dependência da Sonangol face ao petróleo, e esta deve tornar-se, tal como acontece com outras empresas, por exemplo, BP, Aramco ou Galp, uma empresa global de energia e não de petróleo. A isto adiciona-se o potencial de recursos naturais energéticos não petrolíferos que o país dispõe, como sol, água, etc.

3-China, Índia e o gap da OPEP

Ao contrário do que se possa pensar numa análise eurocêntrica, a resposta à futura caracterização da Sonangol não é óbvia. Muito depende dos mercados a que a Sonangol queria destinar a sua produção e das necessidades de desenvolvimento do país. Se repararmos, a recente subida do preço do petróleo foi essencialmente “puxada” pela renovada apetência petrolífera da China. Segundo a agência financeira Bloomberg[6]  foi a forte procura por gasolina na China que impulsionou a necessidade de petróleo bruto. A verdade é que a China está entre os maiores fatores de oscilação nos preços do petróleo e a China tem comprado petróleo como se não houvesse amanhã, como resultado, os preços subiram. A dúvida é se a China continuará a propulsionar esta subida no médio-prazo de forma que permita uma estratégia petrolífera sustentável em relação à Sonangol.

Há duas grandes linhas a considerar para tentar antecipar o comportamento futuro da China. A primeira é o seu patamar económico, enquanto a segunda é o seu cometimento com a transição energética.

A China ainda não está num patamar económico que corresponda a um país rico e desenvolvido. Segundo os dados do Banco Mundial, em 2019, o PIB per capita chinês é na ordem dos USD 10.000. Para termo de comparação, Portugal, um dos mais pobres dos países ricos, tem um PIB per capita na mesma data de USD 23.000 e os Estados Unidos estão nos USD 65.000.[7] Países com PIB per capita idêntico ao chinês são a Argentina, Líbano, Bulgária, Cazaquistão, Turquia ou Guiné Equatorial. Facilmente se vê que a China ainda tem um longo caminho para fazer e vai precisar de muita energia, sobretudo petróleo.

A procura de petróleo da China quase triplicou nas últimas duas décadas, respondendo em média por um terço do crescimento da procura global de petróleo a cada ano. Pelo que acabámos de expôr a China continuará a liderar a procura de petróleo nas próximas décadas. Contudo, o ritmo de consumo de petróleo do país não vai crescer de forma tão acelerada, embora mantenha um ritmo crescimento.  Nas últimas duas décadas, o consumo de petróleo da China cresceu mais de 9 milhões de barris por dia (mb / d) de 4,7 mb / d em 2000 para 14,1 mb / d em 2019. Nas próximas duas décadas, a utilização de petróleo por parte da China deve continuar a crescer, embora a um ritmo não tão acelerado, pois a China também realiza uma aposta muito alargada nas energias renováveis.

A China é o líder mundial na produção de eletricidade a partir de fontes renováveis ​​de energia, com mais do dobro da geração do segundo país, os Estados Unidos. No final de 2019, o país contava com uma capacidade total de 790 GW de energia renovável, principalmente hidrolétrica, solar e eólica. O setor de energia renovável da China cresce mais rapidamente do que aquele dos combustíveis fósseis, bem como a capacidade de energia nuclear. A China comprometeu-se a atingir a neutralidade de carbono antes de 2060 e o pico de emissões antes de 2030. Em 2030, a China pretende reduzir as emissões de dióxido de carbono por unidade do PIB em mais de 65% em relação ao nível de 2005, aumentar a participação de energia não fóssil no uso de energia primária para cerca de 25 por cento, e trazer a capacidade total instalada de eletricidade eólica e solar para mais de 1200 GW. A isto acresce que a China vê as energias renováveis ​​como uma fonte de segurança energética e não apenas para reduzir a emissão de carbono[8].[9]

Na Índia, outro dos grandes países do mundo num processo de crescimento a situação é a seguinte: as relações comerciais entre Angola e a Índia ascendem a 4 mil milhões de dólares dos quais 3,7 milhões correspondem a exportações de Angola para o país asiático, sendo 90% relativas a petróleo. Angola é hoje o terceiro exportador africano mais importante para a Índia, quando em 2005 não tinha relevância. Em 2017, o Embaixador da Índia emitiu um comunicado no qual destacou: “O comércio entre Angola e a Índia aumentou 100% em 2017.” O facto a reter é que a Índia se está a tornar um parceiro significativo de Angola por via das sus necessidades de petróleo.

Em termos de PIB per capita, a Índia em 2019, andava pelos USD 2000,00. Facilmente se vê que o crescimento que espera a Índia é enorme, mesmo não tendo as ambições de liderança mundial da China, só para chegar o atual nível desta tem de multiplicar o seu PIB por cinco. Obviamente, que tal implica uma necessidade crescente de petróleo. A Índia foi o terceiro maior importador de petróleo bruto do mundo em 2018, e tem uma dependência de importações de petróleo estimada em 82%. O crescimento económico da Índia está intimamente relacionado à sua procura de energia, portanto, a necessidade de petróleo e gás deve crescer ainda mais, tornando o setor bastante propício para investimentos. Ao mesmo tempo, a Índia é um dos países com grande produção de energia de fontes renováveis. Em 27 de novembro de 2020, 38% da capacidade instalada de geração de eletricidade da Índia provinha de fontes renováveis. No Acordo de Paris, a Índia comprometeu-se com uma meta a atingir 40% da sua geração total de eletricidade a partir de fontes de combustíveis não fósseis até 2030.  O país almeja uma meta ainda mais ambiciosa de 57% da capacidade total de eletricidade de fontes renováveis até 2027.

Dados oficiais apontam que a produção de petróleo de Angola atingiu, em Maio de 2021, apenas 34 milhões 887 mil 890 barris, menos cerca de um milhão em relação a Abril.   Nesse mês obteve-se uma média diária de um milhão 125 mil 416 barris de petróleo, quando a previsão era um milhão 184 mil 813. Isto significa que Angola fica abaixo da meta que lhe foi fixada pela Organização dos Países de Exportadores de Petróleo (OPEP), que era de um milhão 283 mil barris por dia, em Maio, com subidas posteriores.

4- Conclusão: Os desafios da Sonangol

De todo o exposto torna-se evidente, em primeiro lugar que existe uma larga margem para a Sonangol continuar a centrar-se no petróleo, quer pela razão de nem sequer as quotas definidas pela OPEP para Angola são preenchidas, i.e., Angola está a produzir menos do que devia numa situação de restrição de mercado, quer pelo facto de os grandes mercados futuros potenciais de petróleo, como a China e a Índia, irem necessitar de abundantes remessas de petróleo.

Nessa medida, a Sonangol não deverá cometer o erro- como algumas petrolíferas estão a fazer- de menosprezar o potencial do crescimento do mercado petrolífero. No mundo Ocidental com economias maduras é possível que a procura de petróleo não se sinta de forma tão acentuada como no passado, mas nas economias em crescimento acelerado, mais petróleo vai ser necessário, ainda que muitas vezes de forma não tão exponencial como anteriormente.

Há espaço e há mercado para a Sonangol, enquanto empresa petrolífera, crescer. Portanto, a estruturação estratégica em curso da Sonangol deve-se centrar em produzir mais petróleo de forma mais eficiente, quer em termos de custos, quer em termos de ambiente.

No entanto, este modelo focado na eficiência petrolífera tem de ser compaginado com o potencial enorme que se está a abrir nas energias renováveis e a empresa tem de aproveitar as sinergias energéticas, tal como estão a fazer muitas das suas congéneres e também fazem a China e Índia.

No momento presente, em que se pretende privatizar a Sonangol numa perspetiva global, parece sensível cometer à Sonangol tarefas na área das energias renováveis. Na verdade, para ser uma empresa atrativa para o mercado internacional de ações, a Sonangol deve apresentar-se como adotando as últimas tendências das petrolíferas, i.e., também seguindo as necessidades da transição energética.

Não abandonando nem menosprezando o petróleo, a Sonangol deve explorar com arrojo as possibilidades combinadas trazidas pelas energias renováveis.

Essa exploração das energias renováveis por parte da Sonangol não deverá começar do zero, mas sim procurar alguma sustentabilidade e economias de escala. Uma hipótese, que já aflorámos em anterior relatório[10]seria uma parceria estratégica com a Galp para esse efeito. Como se sabe a Galp acelerou o seu processo de transição energética.

Não sendo esta a hipótese adotada, a Sonangol deveria rever a racionalidade da sua permanência na Galp. De facto, neste momento, a posição angolana na Galp está “ensanduichada” entre Isabel dos Santos e a família Amorim, correspondendo a um mero investimento financeiro. Isto já não tem muito sentido. Ou Galp se torna um parceiro estratégico para a transição energética da Sonangol, ou uma revisão da posição torna-se exigível.

A alternativa seria a Sonangol adquirir uma empresa já minimamente estabelecida no ramo e desenvolver as suas atividades a partir dessa nova plataforma. Neste momento, já foram anunciadas parceiras com a ENI e a TOTAL para desenvolver projetos em energias renováveis que estarão a funcionar em 2022. Talvez tenha mais interesse um foco estratégico nesta área, que se traduziria numa aposta interna da Sonangol e, como acima referido, passaria pela compra ou fusão com uma companhia a operar no setor das energias renováveis, para dar lastro inicial à Sonangol.

Em resumo, a Sonangol deve tornar-se numa empresa bi-focada: no petróleo e nas energias renováveis.


[1] https://www.ifcmarkets.com/pt/market-data/commodities-prices/brent

[2] https://www.cedesa.pt/2020/06/03/angola-petroleo-e-divida-oportunidades-renovadas-2/

[3] https://www.dw.com/pt-002/governo-angolano-admite-privatiza%C3%A7%C3%A3o-gradual-de-30-da-sonangol/a-57879593

[4]  https://www.cedesa.pt/2020/01/29/um-modelo-de-privatizacao-da-sonangol/

[5] Idem nota 3.

[6] https://oilprice.com/Latest-Energy-News/World-News/Chinese-Gasoline-Demand-Is-Driving-Oil-Prices-Higher.html

[7] https://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.PCAP.CD?locations=US

[8] Cfr. https://www.oxfordenergy.org/publications/chinas-oil-demand-in-the-wake-of-covid-19/ e

[9] Deng, Haifeng and Farah, Paolo Davide and Wang, Anna, China’s Role and Contribution in the Global Governance of Climate Change: Institutional Adjustments for Carbon Tax Introduction, Collection and Management in China (24 November 2015). Journal of World Energy Law and Business, Oxford University Press, Volume 8, Issue 6, December 2015.

[10] https://www.cedesa.pt/2021/02/10/sonangol-galp-que-futuro-conjunto/