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Os bloqueios e a reforma da justiça angolana

1-Introdução. O foco na justiça

A visão inicial do papel da justiça em Angola ficou estabelecida na lei constitucional inicial a seguir à independência em 1975, a Lei Constitucional de 11 de novembro de 1975. Esta lei fundamental considerou os tribunais como órgãos de Estado, cabendo-lhes em exclusivo o exercício da função jurisdicional com vista à realização duma justiça democrática (artigo 44.º), sendo assegurado que no exercício das suas funções os juízes são independentes (Artigo 45.º).

Curiosamente, o princípio básico referente ao poder judicial não é muito diferente do atualmente consagrado na Constituição da República de Angola de 2010 (CRA), apesar das mudanças de sistema político entretanto ocorridas. Os tribunais continuam a ser órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo (artigo 105.º e 174.º) e “no exercício da função jurisdicional, os tribunais são independentes e imparciais, estando apenas sujeitos à Constituição e à lei.” (artigo 175.º). Há uma continuidade estrutural na conceptualização essencial do poder judicial desde a independência, embora as suas formas e práticas tenham variado ao longo do tempo[1].

Em termos de relevância, talvez o denominado “combate à corrupção” anunciado em 2017 pelo Presidente João Lourenço tenha trazido um foco para a justiça que nunca tinha existido anteriormente, e por isso, hoje seja fundamental discutir a reforma da justiça.

Pelo que se vê pela referência sumária que se fez aos textos constitucionais, não houve ao longo do tempo especial preocupação doutrinal ou mesmo prática com os juízes e a aplicação da justiça. Aliás, em 1977, ficou famoso ao dito atribuído ao então Presidente da República Agostinho Neto, a propósito dos eventos do 27 maio, em que foi fuzilada uma multidão de pessoas: “Não vamos perder tempo com julgamentos[2]”. A justiça ocupou sempre um papel secundário nas preocupações principais dos governos angolanos e provavelmente da opinião pública.

Só após o início de processos sobre os “famosos” (Filomeno dos Santos, Augusto Tomás, Manuel Rabelais, e no cível Isabel dos Santos) e algumas acusações e julgamentos é que a justiça se tornou o palco da luta política e centrou atenções. É um facto muito interessante que João Lourenço tenha escolhido entregar o combate contra a corrupção à justiça ordinária e com isto desafiando-a a ser eficaz. Mais tarde, a luta política ainda entrou mais nos tribunais, com o famoso acórdão do Tribunal Constitucional sobre a UNITA que declarou nula a eleição de Adalberto da Costa Júnior[3].

Estes dois factos convergentes, a entrega do combate à corrupção aos tribunais ordinários e a destituição de Adalberto da Costa Júnior pelo tribunal constitucional originaram dois fenómenos inovadores no mundo judicial angolano.

Em primeiro lugar, ligou-se uma espécie de luz muito forte que passou a iluminar as atividades do poder judicial. O que antes se passava na obscuridade e ininteligibilidade do linguajar jurídico passou a estar visível para o grande público, e muitos defeitos do sistema surgiram a olho nu: a lentidão, a falta de especialização técnica ou a ausência de meios materiais.

Em segundo lugar, os tribunais tornaram-se o objeto do forte ataque de todos os que não concordavam com as decisões ou não teriam medo de ser abrangidos por elas. Assim, uma boa parte da elite angolana, que tem receio de ir parar a um tribunal, começou a criticar ferozmente os tribunais, as suas decisões, o seu funcionamento, a sua independência. O objetivo destas atitudes é muito simples: deslegitimar as decisões judiciais., desvalorizando o seu peso. A isto juntam-se as declarações bombásticas de muitos dos advogados de defesa, que não hesitam na crítica cerrada às decisões que não beneficiam os seus constituintes. Ao mesmo tempo, este desagrado e “campanha” anti- tribunais foi acelerada pelo descontentamento com a decisão do tribunal constitucional referente à UNITA.

Consequentemente, os tribunais tornaram-se um campo de luta política e legal. É falso e errado afirmar aquele velho jargão que “a justiça e a política não se misturam”. Na realidade, em Angola estão bem misturadas, como em Portugal ou nos Estados Unidos[4].

Todos estes factos levam ao questionamento do papel da justiça em Angola, sublinhando-se, sobretudo, a sua lentidão e eventual politização. Na verdade, esta discussão acaba por ser benéfica porque do questionamento, surge a discussão e a necessidade de reforma.

O que há que garantir é que esta justiça em que a política entrou, se mantém imparcial e independente, tomando as suas decisões sem influências, de forma transparente e tecnicamente fundamentada no direito. É com esse desiderato que a justiça angolana poderia ser reformada.

2-Os bloqueios: o paradigma legal, os meios materiais e orçamento, a corrupção, a questão política.

Com o intuito de se propor uma reforma adequada da justiça angolana, haverá que prioritariamente identificar os bloqueios e impedimentos ao bom funcionamento desta, pois será nestes “nós górdios” e não em declarações gerais e abstratas que se deverá centrar o processo reformista.

             Identificámos cinco bloqueios que impedem o bom funcionamento da justiça em Angola:

             1-O paradigma legal inadequado;

             2-A falta de meios materiais e gestão eficiente do orçamento;

             3- A corrupção;

             4- A questão política.

              Vamos analisar, ainda que sumariamente, cada um destes bloqueios.

2.1-O paradigma legal inadequado

O primeiro bloqueio do sistema judicial angolano é aquele que não se vê, pois envolve todo o sistema e por isso deixa de haver a perceção da sua existência. Trata-se do paradigma legal em que o direito angolano se move. É fácil entender que apesar de alguma proximidade com as fórmulas marxistas entre 1975 e 1992, o direito angolano se manteve essencialmente idêntico ao direito português, quer nos grandes corpos legislativos, quer na doutrina, quer na formação.

Em termos de legislação é um facto que durante décadas após a independência, as leis portuguesas continuaram a ser as leis angolanas. O Código Civil e o Código de Processo Civil ainda são os recebidos do Portugal na década de 1960, enquanto o Código Penal da Monarquia e o Código do Processo Penal do início do Estado Novo apenas foram substituídos em 2021, e por textos muito semelhantes, quando não cópias, dos textos entretanto aprovados em Portugal após o 25 de abril de 1974.

Se ao nível legislativo impera a influência portuguesa, ao nível doutrinal também. Os professores portugueses são os mais citados na jurisprudência angolana. Basta exemplificar com o acórdão do Tribunal Constitucional referente à UNITA (Acórdão n.º 700/2021), cuja doutrina citada é principalmente portuguesa. São referidos Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio da Nora, Carvalho Fernandes, Abílio Neto, Alberto dos Reis, Ana Prata, todos portugueses, para consubstanciar a deliberação dos juízes. Apenas um angolano, Raul Araújo, é mencionado. Naturalmente, que este pequeno detalhe doutrinal revela o quanto o direito angolano ainda é subsidiário de Portugal.

O mesmo acontece em termos de formação. Uma boa parte dos Manuais utilizados no ensino ainda é de autores portugueses ou escrito em colaboração entre angolanos e portugueses o que já é uma evolução. No direito constitucional pontifica o manual do professor Bacelar Gouveia, português, ou dos professores Jónatas Machado, Nogueira da Costa e Esteves Hilário, aqui uma colaboração mista Portugal-Angola, como acontece com o manual fundamental de direito administrativo de Carlos Feijó e Diogo Freitas do Amaral. Ao mesmo tempo, ainda é tido como a graduação mais prestigiante obter um mestrado ou doutoramento em direito nas universidades de Lisboa ou Coimbra.

Não haveria aqui problema especial se o direito português correspondesse às exigências da modernidade e a sua prática se traduzisse em simultâneo em algo de justo e eficaz. O problema é que o direito português, e por absorção o direito angolano, vivem num paradigma burocrático e pouco prático. As normas e formas de agir do direito português estão desatualizadas, a interpretação da lei tornou-se exageradamente subjetiva, nunca se sabendo exatamente ao que se vem, as normas processuais implicam longos julgamentos, e a tendência, na área criminal tem sido de diminuição dos direitos dos arguidos, chegando-se a uma situação em que nem os processos terminam em tempo útil para a justiça, nem já os arguidos têm defesas e garantias adequadas. No direito criminal português caiu-se no pior dos mundos, processos lentos, inquisitórios e arguidos sem direitos, dependendo do bom-senso dos magistrados e pouco mais. É um direito injusto. Por sua vez, o direito processual foi transformado, sobretudo pelo famoso professor coimbrão Alberto dos Reis numa ciência demasiado elaborada a que poucos iniciados têm acesso, atravancando os processos, e em que os objetivos de velocidade e justiça deixaram de existir.

O sistema jurídico português, em cujo paradigma Angola se move, é lento, confuso e pouco adequado aos tempos atuais, geralmente não sendo justo, nem célere, deixando em demasia tudo nas mãos dos juízes. Ora, esse é o problema essencial com que se debate o sistema judicial angolano e o primeiro bloqueio a superar.

2.2-A falta de meios materiais e gestão eficiente do orçamento

Tem sido persistente a contenção de que a justiça angolana está depauperada e não tem meios. No, agora longínquo ano de 2017, a 26 de maio, entrara no Tribunal Provincial da Comarca de Luanda um requerimento da Associação dos Juízes de Angola, com vista ao procedimento de uma “notificação judicial avulsa” à República de Angola nas pessoas dos seus ministros da Justiça e das Finanças. Essa notificação lembrava que variados subsídios legalmente previstos e outros instrumentos necessários para realizar o trabalho dos magistrados não eram postos à disposição pelo poder político. Segundo a descrição dos juízes, não viria longe o dia em que estariam a viver em casas sem luz e sem água, e em que não poderiam dirigir-se para o tribunal, por não terem carro nem qualquer outro meio de deslocação[5]. Afirmavam os magistrados judiciais que, desde 2013, se veem na obrigação de custear as despesas com o material de trabalho. Concretamente: papel, tinteiros, fotocópias das folhas processadas (com timbre dos vários modelos usados nos tribunais), deslocações dos oficiais de justiça para efeitos de citações e notificações, compra de telefones celulares e um plano mensal de recarga para auxiliar nas citações/notificações dos advogados e utentes, combustível para os geradores (nas salas em que estes existem). Ainda na época, referiam que a sala do Julgado de Menores, sita no Zango 3, em Viana, estava sem energia elétrica regular no período diurno, em horário de expediente. Tal impossibilitava que os magistrados pudessem desempenhar cabalmente as suas funções, obrigando-os a redigir à mão as audiências, designadamente interrogatórios, julgamentos, instrução processual, inquéritos sociais… O gerador encontrava-se avariado. Acresce que, devido à distância, os funcionários que lá trabalhavam faziam-se transportar numa das viaturas da instituição, cujo combustível e manutenção era suportado a suas expensas.

A situação não melhorou significativamente desde aí, apesar do novo foco na justiça. Em julho de 2021 houve protestos públicos de juízes e magistrados do ministério público; queixavam-se da “falta de condições técnicas e até de baixos salários (…) O presidente do Sindicato Nacional dos Magistrados do Ministério Público (SNMMP), José Buengas, afirmou mesmo que a maior parte dos tribunais e das procuradorias” de Angola funcionam com dinheiro dos próprios magistrados que “tiram do seu bolso para comprar papel e tinteiro. O dia em que deixar de fazer isso e ficar à espera de que uma resma de papel para o mês todo chegue para imprimir todos os documentos, os constituintes, os advogados e a população vão ficar à espera, com todas as consequências que disso pode advir`”[6]

O Orçamento Geral do Estado (OGE) para 2022 prevê uma dotação de 1,21 % das receitas para os órgãos judiciais, equivalendo a 113.777.899.457,00 Kwanzas. Tal representa uma subida em mais de 100% em relação ao ano de 2020 em que apenas 0,37% das receitas eram imputadas aos órgãos judiciais, representando 49.414.027.773,00 Kwanzas. Considerando que a inflação acumulada neste período terá andado entre os 45% a 48%, a verdade é que temos um aumento real dos gastos com a justiça superior a 50%.

Comparando, por sua vez o ano em curso (2021) e o previsto para 2022 temos um gasto monetário previsto de 133,8 mil milhões de kwanzas, contra 55,9 mil milhões de kwanzas em 2021. Tal corresponde a um aumento nominal de 103,5%. E corresponde respetivamente a 1,2%, 0,6% e 0,2% da despesa fiscal, despesa fiscal e percentagem do PIB[7].

Portanto, temos aqui um certo paradoxo que se transforma num obstáculo ao eficiente funcionamento da justiça. Por um lado, há uma persistente e constante queixa dos magistrados, que pode ser comprovada em muitos tribunais visualmente, acerca da falta de meios materiais, por outro, há um efetivo esforço do Estado em aumentar os meios disponíveis para o setor da justiça, tendo procedido a uma orçamentação que prevê a duplicação dos gastos com a justiça em dois anos (2020-2022), que aliás acelera na transição de 2021 para 2022.  

2.3- A corrupção

A corrupção na magistratura angolana é um fenómeno pouco estudado, mas muito falado. Um curto inquérito fechado levado a cabo por este centro em relação à corrupção na magistratura angolana entre operadores judiciais permitiu chegar à conclusão que a maioria acredita que os juízes se deixam influenciar por razões monetárias ou políticas (este último veremos abaixo), e nesse sentido muitas das decisões são tomadas com base nessas influências, não tendo em conta o direito aplicável. Existiram mesmo referências por parte de magistrados de tentativas variadas de ofertas de presentes ou quantias monetárias.

Este inquérito não tem uma amostra suficientemente alargada para permitir retirar conclusões científicas, apenas nos dá uma impressão das opiniões existentes entre advogados, magistrados e funcionários judiciais.

A outro nível, o portal do jornalista investigativo Rafael Marques, MakaAngola, tem contado várias histórias de decisões judiciais inexplicáveis, que possivelmente, só poderiam ter sido tomadas devido a estímulos externos[8].

O certo é que esta é uma situação de que muito se fala, mas sobre a qual existe pouca informação, mas tem criado uma imagem de insegurança jurídica junto dos operadores judiciários e investidores e por isso é fundamental ser ultrapassada.

2.4- A questão política

Na ordem do dia está a questão da politização dos tribunais angolanos. Não existe dia que não surja uma opinião publicada, geralmente, ligada à oposição, indicando a falta de credibilidade, sobretudo, dos tribunais superiores, e nestes do tribunal constitucional, devido à sua politização[9].

          A argumentação centra-se em dois eixos fundamentais.

O primeiro eixo liga-se à filiação partidária dos juízes. O caso da presente Presidente do Tribunal Constitucional, Laurinda Cardoso, tem sido invocado à sociedade, pois até ao momento da sua nomeação estava filiada no MPLA e além de ser membro do governo de João Lourenço, estava também nos órgãos superiores do partido. O facto de ter suspenso a filiação não a tem absolvido das críticas de comprometimento político, especialmente tendo em conta que um dos seus primeiros atos foi subscrever o já mencionado acórdão n.º 700 que destituiu Adalberto da Costa Júnior da liderança da UNITA.

O segundo eixo é de cariz mais institucional, e assenta na argumentação que direta ou indiretamente a larga maioria dos juízes acaba por depender da nomeação do Presidente da República ou do partido maioritário na Assembleia Nacional, o MPLA. De facto, ao nível do Tribunal Constitucional, a CRA determina que quatro juízes em onze são designados pelo Presidente da República e outros quatro por uma maioria de 2/3 na Assembleia Nacional, que o MPLA tem detido desde sempre. Nessa medida, pelo menos 8 dos 11 juízes estariam alinhados com o poder político. Já quanto ao Tribunal Supremo, o Presidente e Vice-Presidente são nomeados pelo Presidente da República de entre 3 candidatos selecionados por 2/3 dos Juízes Conselheiros em efetividade de funções.

Atendendo a estes vários fatores tem crescido nalguma opinião pública o sentimento da dependência do poder judicial face ao poder político, servindo para variados ataques deslegitimadores das decisões judiciais.

3-Os eixos da reforma judicial: mudança paradigma legal, reforço dos meios materiais e nova gestão pública, combate à corrupção, transparência na politização: o modelo alemão.

Mudança de paradigma legal: a “desberlinização” do Direito

A primeira prioridade de uma reforma do sistema judicial é a mudança do paradigma legal, ou dito de outro modo, a modificação da mentalidade jurídica e dos padrões utilizados. Defendemos que a excessiva cópia dos modelos, normas, doutrinas e professores portugueses é perniciosa para Angola, pois não dota a cultura jurídica do país de instrumentos e formas de pensar adequados aos desafios concretos em que está envolvido.

Assim, há que buscar novas inspirações noutras paragens. Uma investigação alargada deveria ser realizada em relação a casos de estabilidade e/ou sucesso na própria África, como é o caso da Namíbia e sobretudo do Botsuana. Parece ter lógica jurídica verificar o tipo de princípios e normas, bem como de organização judicial adotado no Botsuana e adaptar aquilo que se entenda para Angola. Outra ordem jurídica que poderia ser explorada de forma mais profunda, designadamente no que diz respeito à organização judiciária e processual, bem como ao direito criminal é o Brasil, especialmente, na perspetiva do combate à corrupção e dos vários instrumentos normativos que tem “importado” do direito norte-americano.

Naquilo que diz respeito ao combate à corrupção, o sistema jurídico angolano tem de se “americanizar”, investindo no direito premial, na delação premiada, nos acordos de sentença, e nas polícias específicas.

A fim de acelerar a mudança de paradigma ao nível dos juízes, estes deveriam passar a contar com assessores especializados que estudem e preparem as decisões de acordo com o novo paradigma legal.

Uma sugestão seria instituir uma comissão de reforma do direito não apenas contendo as luminárias angolanas assessoradas por portugueses, como acontece agora, mas admitindo contributos multinacionais. Assim, a comissão de reforma do direito deveria conter especialistas angolanos e portugueses, mas também do Botsuana, Namíbia, Brasil e se possível dos Estados Unidos da América e Grã-Bretanha. O mais importante de tudo é haver uma renovação da pluralidade de contributos e de fontes meta-legais para o direito angolano.

Reforço dos meios materiais e novo modelo de gestão

Em relação ao reforço dos meios materiais e de um novo modelo de gestão haverá três itens a considerar[10].

O primeiro é natural e trata-se do reforço do Orçamento Geral do Estado para a justiça. De sublinhar que o governo parece ter sido sensível a este aspeto, porquanto, como acima se referiu, em 2022 temos um gasto monetário previsto de 133,8 mil milhões de kwanzas, contra 55,9 mil milhões de kwanzas em 2021. Há, portanto, mais do que uma duplicação nas verbas destinadas à justiça, o que é de aplaudir.

Uma segunda medida já foi tomada, e também é de aplaudir, exceto num detalhe. Em causa está o Decreto Presidencial n.º 69/21, de 16 de março, que aprova o regime de comparticipação atribuída aos órgãos de administração da justiça pelos ativos, financeiros e não financeiros, por si recuperados. A ideia subjacente é positiva. Trata-se de entregar aos órgãos de justiça alguns dos bens obtidos no combate à corrupção, criando um estímulo para atuação efetiva e eficiente na recuperação de ativos, além de dotar a justiça de meios que não teria doutra forma. Esta disposição está certa. Os órgãos de justiça devem beneficiar dos bens que apreendem, apenas deviam ter ficado de fora os magistrados judiciais que são quem decide as apreensões e perdas a favor do Estado, pois pode-se argumentar que a sua imparcialidade ficaria obstruída ao decidir que alguém perde determinado bem, sabendo que eventualmente determinado magistrado iria beneficiar direta ou indiretamente dele. Salvaguardado expressamente esse aspeto, esta ideia é de fomentar, e vem no seguimento do que temos defendido em anteriores relatórios no sentido de ser necessário colocar os fundos obtidos no combate contra a corrupção ao serviço direto do interesse público.

Em último lugar, além do reforço de verbas, seja através do Orçamento Geral do Estado, seja através dos bens recuperados nos processos da corrupção, deve ser encarado um novo modelo de gestão dos dinheiros da justiça que garanta a racionalidade e eficiência da alocação de recursos.

Não se defende a entrega da gestão aos juízes. Mas a criação de um instituto autónomo e com gestão transparente da administração da justiça, que geriria as receitas orçamentais, as receitas do combate contra a corrupção e poderia ter receitas próprias ligadas às atividades da justiça. Este instituto teria gestores profissionais e seria auditado por uma empresa internacional de auditoria. O seu funcionamento seria descentralizado com um gestor adstrito a cada tribunal de comarca e tribunal superior.

Haveria assim, a par do reforço de verbas, uma autonomização da gestão dos dinheiros da justiça que seriam administrados por um instituto com gestores profissionais constituído para o efeito e que funcionaria de forma descentralizada em cada tribunal.

Combate à corrupção no sistema judicial: uma polícia própria dependente da Assembleia Nacional

Este é um tema difícil. Como se viu acima é um tema de que muitos falam, mas não existem provas concretas. Além disso, é complicado ter um sistema de combate à corrupção dentro da magistratura que não afete de algum modo a independência dos juízes ou seja vista como uma intromissão no poder judicial. No entanto, acreditar na autorregulação em termos de combate à corrupção na magistratura judicial também não parece remediar o problema, pois haverá tendência a soluções corporativas de encapotamento.

Propendemos para uma solução radical, mas provisória. Essa solução seria a criação de uma Polícia Anticorrupção na Magistratura (PACOM) dependente da Assembleia Nacional; o poder legislativo é diretamente dependente da vontade soberana popular e por isso com legitimidade para sindicar os juízes. A PACOM seria criada por sete anos, com poderes de investigação dos magistrados judiciais limitados a situações de corrupção (teria um mandato muito restrito para evitar acusações de interferência) e seria controlada pela Assembleia Nacional e também pela sociedade civil. O controlo pela sociedade civil dar-se-ia através de um sistema estilo Grande Júri norte-americano. Qualquer investigação que a PACOM decidisse levar a cabo contra algum magistrado judicial só avançaria depois de validada por um grupo de 12 membros da sociedade civil que funcionariam como filtro e fiscalizador das intenções da Polícia anticorrupção em relação aos magistrados.

Portanto, a investigação da corrupção de determinado juiz, não seria apenas uma decisão policial, mas também da sociedade. Este sistema vigoraria provisoriamente por sete anos, após o que seriam implementados sistemas de autocontrolo dentro da própria magistratura, esperando que no final desse tempo uma nova pedagogia e prática tivessem sido adotadas.

Transparência na politização: o modelo alemão

A politização da justiça angolana, sobretudo dos tribunais superiores, é a acusação que mais frequentemente se faz ouvir atualmente. Contudo, esta questão não é típica de Angola, havendo vários países, especialmente, quando as decisões dos tribunais têm consequências políticas ou se assiste a uma certa judicialização da política em que a politização dos tribunais é tema recorrente. É o caso dos Estados Unidos, em que o Presidente Trump conduziu uma intensa campanha para criar uma maioria de direita no Supremo Tribunal e em que este tribunal está debaixo de intenso escrutínio para ver se entra numa deriva política ou não com a tal maioria de direita, notando-se um forte empenho do seu presidente, John Roberts, em procurar soluções equilibradas nas decisões e evitar essas acusações de politização[11]. A politização foi também um dos epítetos mais usados pelo antigo presidente Lula no Brasil para confrontar as decisões judiciais que lhe foram desfavoráveis a propósito da operação Lava-Jato.

Não sendo um monopólio angolano, a realidade é que a questão da influência política nas decisões judiciais tem sido trazida à colação amiúde. A solução geralmente apontada para solucionar essa suposta influência política tem sido a modificação dos modos de designação dos juízes dos tribunais superiores pelo poder político, seja o executivo, seja o legislativo. Afirma-se que o facto de ser o Presidente da República ou a maioria qualificada de dois terços dos deputados da Assembleia Nacional redunda sempre no mesmo: o MPLA a designar os dirigentes dos tribunais superiores, e no caso do tribunal constitucional, a sua larga maioria.

Como alternativa propõe-se que exista um sistema de autosseleção de escolha dos juízes, ou um modelo estilo concurso público/ comissão independente e ainda que que sejam criados mecanismos institucionais de garantia da independência dos juízes, que os autonomizem e isolem da influência política. No fundo, estas soluções acabam por ser corporativas: os juízes a escolher juízes e os juízes a controlar os juízes. E nessa medida, têm um problema de legitimidade. Não há nenhuma boa razão que justifique que sejam os juízes a escolher os seus pares ou que constituam um círculo fechado em que ninguém tenha uma palavra a dizer.

 A magistratura, como qualquer órgão soberano tem de ter uma justificação política que legitime a sua escolha. No sistema idealizado por Platão do rei-sábio[12], poder-se-ia pensar numa espécie de exames de alta qualificação em que aqueles que se mostrassem os mais sábios se tornariam juízes. Teríamos a legitimidade platónica do rei-filósofo, que de certa forma, foi também adotado pelas fórmulas confucionistas do mandarinato na China, a partir da dinastia Sui, e apenas baseado no mérito após os Song[13]. No entanto, não se vive nem no modelo idealizado por Platão, nem na China imperial, mas em estados de direito democrático. E a realidade é que a prevalência do princípio democrático impõe que os juízes assentem, em última instância, a sua legitimidade no processo democrático. E nessa medida o poder político deve sempre intervir na escolha dos juízes. Afastar o poder político da escolha judicial é retirar-lhe democraticidade, logo legitimidade. O poder político tem de estar presente no processo de escolha dos magistrados, pois é daí que deriva a sua legitimidade popular e democrática.

Por outra via, não parece que a fórmula de escolha dos juízes ou os órgãos de controlo e gestão sejam verdadeiramente determinantes da sua independência. Acaba por ser melhor existir transparência, saber-se o que pensa e defende cada juiz e aferir o seu trabalho pela análise da fundamentação das decisões que toma, do que criar inúmeros mecanismos que só servem para confundir. É melhor existir um Presidente da República ou um Parlamento a nomear um juiz, o que confere mediatamente legitimidade democrática ao juiz e saber-se a que partido o juiz pertence, do que se criarem ficções de independência que apenas tornam as nomeações e decisões opacas.

O que interessa essencialmente à sociedade é aferir da independência do juiz nas suas decisões judiciais. Por isso, essas devem ser publicadas, conhecidas e sujeitas a discussão; à parte disso, o juiz é uma mulher ou homem como outro qualquer e isso deve ser assumido e dito.

Neste sentido, o sistema em vigor na República Federal da Alemanha acaba por ser o mais honesto. Neste país, que detém uma das magistraturas mais reputadas do mundo,” é permitido aos magistrados serem filiados em partidos políticos, bem como pronunciarem-se publicamente sobre questões políticas. Os juízes com aspirações a serem nomeados para os tribunais superiores podem até considerar de alguma vantagem a filiação partidária, principalmente se for em um dos dois maiores partidos (SPD e CDU). Neste enquadramento legal também não existe qualquer impedimento para um juiz exercer um cargo num partido político[14]”. Por exemplo, a seção 36 da Deutsches Richtergesetz (Lei dos Juízes Alemães) admite que um juiz seja candidato ao parlamento, concedendo-lhe as férias necessárias para preparar sua eleição nos últimos dois meses antes da eleição, sem remuneração.

O sistema alemão, podendo parecer bizarro, tem duas vantagens. A primeira já se referiu é a da transparência. A segunda, é de cariz mais técnica e obriga a que o direito seja dito de forma universalmente aceite e compreensível, sujeito à maior discussão e publicidade crítica. O que se pretende é que os juízes sejam técnicos independentes nas suas decisões, por isso, haverá modelos de decisão e lógica jurídica que todos seguirão, adotando os mais altos critérios da ciência do direito. O que aqui interessa é que o juiz decida de acordo com a lei e de forma metodologicamente correta, daí a importância das regras de metodologia e interpretação na doutrina alemã. Quer-se aplicar uma conduta de raciocínio sindicável e que garanta a autonomia. O treino e a preparação técnica dos juízes são a garantia da sua independência.[15]

Parece-nos que este método seria mais honesto para Angola, exigência jurídica e desconsideração dos aspetos políticos que dificilmente não existirão.

Conclusões

Face ao exposto uma reforma real da justiça angolana envolverá a mudança do paradigma de cultura legal, a “desberlinização do direito”, procurando-se outras novas influências além das portuguesas, como de países vizinhos africanos com sucesso tal como o Botsuana, além do Brasil e dos Estados Unidos.

A isto acrescerá o reforço orçamental e a criação de um instituto autónomo e descentralizado para a administração financeira da justiça.

É também advogada uma polícia própria assente na Assembleia Nacional e com a participação da sociedade para combater a corrupção

E finalmente a assunção do modelo alemão de transparência e exigência técnica para garantir a não politização das decisões judiciais, admitindo que os juízes podem estar filiados em partidos políticos.


[1] Sobre a evolução dos textos constitucionais angolanos ver Adérito Correia e Bornito de Sousa, (1996), Angola. História Constitucional. Almedina.

[2] São inúmeras as referências a esta afirmação de Agostinho Neto, ver por exemplo Edgar Valles, (2020), 27 de Maio: reconciliação e perdão em Angola? PÚBLICO, https://www.publico.pt/2020/05/27/opiniao/noticia/27-maio-reconciliacao-perdao-angola-1918297

[3] Acórdão n.º 700/2021 do Tribunal Constitucional, https://jurisprudencia.tribunalconstitucional.ao/wp-content/uploads/2021/10/ACORDAO-No-700.pdf

[4] J.A.G. Griffith,(2010), The politics of the judiciary, Fontana Press; Rui Verde, (2015) Juízes: O Novo Poder

Ensaio sobre a acção e reforma do poder judicial em Portugal. RCP Edições

[5] MakaAngola (2017), A reivindicação dos juízes. https://www.makaangola.org/2017/06/a-reivindicacao-dos-juizes/

[6] Deutsche Welle, Borralho Ndomba (2021), Falta de condições para juízes põe em causa combate à corrupção em Angola, https://p.dw.com/p/3yYSJ

[7] Ministério das Finanças de Angola, https://www.minfin.gov.ao/PortalMinfin/?fbclid=IwAR1C597oUjdNas8WFrR9R4u0B_1gb_NH-82fQEVyUGl52HUBcazWITEYo4I#!/materias-de-realce/orcamento-geral-do-estado/oge2022

[8] Cfr. por exemplo, Rui Verde, (2019) Ignorância ou corrupção na justiça, MakaAngola, https://www.makaangola.org/2019/01/ignorancia-ou-corrupcao-na-justica/ ou Moiani Matondo, (2020),A droga de justiça, MakaAngola, https://www.makaangola.org/2020/07/a-droga-da-justica/

[9] A título exemplificativo, Sousa Jamba, (2021) Tribunal Constitucional. MakaAngola (2020), https://www.makaangola.org/2020/07/a-droga-da-justica/ ou Kajim Ban-Gala (2021) Laurinda Cardoso: antinomia, filiação partidária e incompatibilidade, https://www.correioangolense.co.ao/2021/12/27/laurinda-cardoso-antinomia-filiacao-partidaria-e-incompatibilidade/

[10] Ver sobre o tema Nuno Coelho (2015), Gestão dos Tribunais e Gestão Processual, CEJ, http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/outros/Gestao_Tribunais_Gestao_Processual.pdf e E B McConnell (1991), Court Management: The Judge’s Role and Responsibility, Justice System Journal Volume: 15 Issue: 2.

[11] Ver as análises contidas em SCOTUSBlog. https://www.scotusblog.com/2021/12/the-lives-they-lived-and-the-court-they-shaped-remembering-those-we-lost-in-2021/ 

[12] Eric Brown, (2017) “Plato’s Ethics and Politics in The Republic”, The Stanford Encyclopedia of Philosophy, Edward N. Zalta (ed.), https://plato.stanford.edu/archives/fall2017/entries/plato-ethics-politics/

[13] Mark Cartwright (2019), The Civil Service Examinations of Imperial China, https://www.worldhistory.org/article/1335/the-civil-service-examinations-of-imperial-china/

[14] Vânia Gonçalves Álvares (2015), O governo da justiça: O Conselho Superior da Magistratura. Universidade Nova. P.33.

[15] Sobre o treino e preparação de juízes na Alemanha ver: Johannes Riedel, (2013). Training and Recruitment of Judges in Germany. International Journal for Court Administration, 5(2), pp.42–54. DOI: http://doi.org/10.18352/ijca.12

CEDESA Note nº2

The Global Gateway initiative of the European Union and Angola: seize the opportunity now

The European Union (EU) has recently unveiled its Global Gateway project, seen as a European alternative to China’s Belt and Road Initiative (BRI).

The Global Gateway is a €300 billion infrastructure spending plan that aims to boost EU supply chains and trade around the world.

The difference that the EU intends to emphasize compared to the Chinese model of BRI, is that on the European side it will not grant loans, but promote public and private investments, presenting what it considers to be transparent and more favorable financing, especially for developing countries.

The Global Gateway aims to be a more modern version of BRI, focusing on investments in future-oriented and environmentally responsible projects in the digital, healthcare, education, scientific research, renewable energy and other sectors.

It is clear that Africa, and in this, among others, Angola is the logical target of this EU initiative, as it is also where a good part of the Chinese influence through the BRI can be verified. The European Commission does not mention the African market as a priority goal, but it is logical that it should be, as it was the arrival of Chinese financing that most harmed European companies, which often lost market share. And Angola served as a model for the intervention of China in Africa, through the establishment of the so-called “Angolan model”.

The Angolan authorities will have every interest in contacting those responsible for this European Union program to be the first to develop a solid partnership that promotes investments in three fundamental areas for Angola: renewable energies, education and health.

Eventually, the great qualitative leap that one wants to take in Angolan education could be the first bet of this European project. The EU could be the major funder of the qualification of universities and scientific research in Angola, since it is a soft power supporter, and it would be an area in which it has an extremely favorable competitive advantage, easy to the alleged Chinese competition.

On the other hand, an immediate approach by Angola to implement the program will allow the assessment of the seriousness and commitment of the European Union in this program, verifying that it is not a mere advertisement for propaganda purposes, as many claim.

In conclusion, immediate Angolan action is strongly recommended to benefit from the Global Gateway in the area of ​​education.

Nota CEDESA nº2

A iniciativa Global Gateway da União Europeia e Angola: aproveitar já a oportunidade

A União Europeia (UE) revelou, recentemente, o seu projeto Global Gateway, encarado como uma alternativa europeia para Belt and Road Initiative (BRI) da China.

O Global Gateway é um plano de 300 mil milhões de euros de despesas em infraestruturas que pretende incrementar as cadeias de abastecimento da UE e o comércio em todo o mundo.

A diferença que a UE pretende sublinhar face ao modelo chinês da BRI, é que do lado europeu não se vai conceder empréstimos, mas promover investimentos públicos e privados, apresentando aquilo que considera um financiamento transparente e mais favorável, especialmente para os países em desenvolvimento.

O Global Gateway quer ser uma versão mais moderna do BRI, com foco em investimentos em projetos voltados para o futuro e ambientalmente responsáveis ​​nos setores digital, saúde, educação, investigação científica, energias renováveis e outros.

É evidente que África, e nesta, entre outros, Angola é o alvo lógico desta iniciativa da UE, pois é também onde se verifica uma boa parte da influência chinesa através do BRI. A Comissão Europeia não cita o mercado africano como objetivo prioritário, mas é lógico que o seja, pois foi a chegada de financiamentos chineses que mais prejudicou as empresas europeias, que muitas vezes perderam quota de mercado. E Angola serviu de modelo para a intervenção de China em África, através do estabelecimento do chamado “modelo Angolano”

As autoridades angolanas terão todo o interesse em se colocar em contacto com os responsáveis por este programa da União Europeia para serem as primeiras a desenvolver uma parceria sólida que promova investimentos em três áreas fundamentais para Angola: as energias renováveis, a educação e a saúde.

Eventualmente, o grande salto qualitativo que se quer dar na educação angolana poderia ser a primeira aposta deste projeto europeu. A UE poderia ser a grande financiadora da qualificação das universidades e da investigação científica em Angola, uma vez que é uma adepta do soft power, e seria uma área em que tem uma vantagem competitiva extremamente favorável fácil à alegada concorrência chinesa.

Por outro lado, uma abordagem imediata de Angola para implementação do programa permitirá aferir da seriedade e empenho da União Europeia neste programa, verificando que não se trata de um mero anúncio para efeitos propagandísticos, como muitos alegam.

Em conclusão, recomenda-se vivamente a ação imediata angolana para beneficiar do Global Gateway na área da educação.

CEDESA Note nº 1

Invitation to investors: The metals needed for the energy transition exist in Angola

The transition to clean energy needed to avert the worst effects of climate change could trigger an unprecedented demand for metals in the coming decades, requiring up to 3 billion tonnes.

A typical electric vehicle battery, for example, needs about 8 kilograms of lithium, 35 kilograms of nickel, 20 kilograms of manganese and 14 kilograms of cobalt, while charging stations require substantial amounts of copper. For green energy, solar panels use large amounts of copper, silicon, silver and zinc, while wind turbines require iron ore, copper and aluminum[1].

Metal prices have already seen large increases as economies reopen, highlighting a critical need to look into what could constrain production and delay supply responses.

Analyzes of the current production of metals worldwide seem to indicate a gap of 30 to 40% of supply versus demand, meaning that it will be necessary to increase world production.

It is here that Angola may have a new economic opportunity by relaunching the exploration, which will essentially be dormant, for metals. If we look at it, the country has an immensity of metals. The first one is iron, which in the past was heavily exported. Significantly, from the second half of the 1950s to 1975, iron ore was extracted in the provinces of Malanje, Bié, Huambo and Huíla, and several million tons were produced. The civil war naturally disrupted this activity and then the crash in world prices. But everything indicates that currently, the context is different and could be used by the Angolan authorities to promote more investments in ferrous mining.

In relation to the other key metals for the energy transition, it should be noted that Angola has potential for manganese, copper, gold, lead, zinc, tungsten, tin, among others.

Cobalt also appears to be abundant in Angola. A recent study concluded that the copper and cobalt region of Zambia and the Democratic Republic of Congo extends into Angolan territory by at least 116,000 square kilometres. Apparently, the magnetic anomalies detected by the study favourable signs of prospecting metallic and non-metallic minerals such as iron, diamonds, copper, manganese, titanium, zinc, lead, bauxite and even radioactive minerals and phosphates[2].

This results in an obvious conclusion. Angola is very well placed to take advantage of the exploration of metals necessary for the energy transition. Now investments have to come.


[1] Nico Valckx, Martin Stuermer, Dulani Seneviratne and Ananthakrishnan Prasad, Metals Demand From Energy Transition May Top Current Global Supply, FMI, 2021, https://blogs.imf.org/2021/12/08/metals-demand-from-energy-transition-may-top-current-global-supply/?utm_medium=email&utm_source=govdelivery

[2] Cfr. http://www.sigame-cplp.com/noticias/angola-tem-grandes-depositos-de-cobre-e-cobalto.html

Nota CEDESA nº1

Convite aos investidores: os metais necessários para a transição energética existem em Angola

A transição para a energia limpa necessária para evitar os piores efeitos da mudança climática pode desencadear uma procura de metais sem precedentes nas próximas décadas, exigindo até 3 mil milhões de toneladas.

Uma bateria típica de um veículo elétrico, por exemplo, precisa de cerca de 8 quilogramas de lítio, 35 quilogramas de níquel, 20 quilogramas de manganês e 14 quilogramas de cobalto, enquanto as estações de carregamento requerem quantidades substanciais de cobre. Para a energia verde, os painéis solares usam grandes quantidades de cobre, silício, prata e zinco, enquanto as turbinas eólicas requerem minério de ferro, cobre e alumínio[1].

Os preços dos metais já tiveram grandes aumentos com a reabertura das economias, destacando uma necessidade crítica de analisar sobre o que pode restringir a produção e atrasar as respostas de fornecimento.

As análises sobre a presente produção de metais a nível mundial parecem indicar um gap de 30 a 40% da oferta face à procura querendo isto dizer que será preciso aumentar a produção mundial.

É aqui que Angola pode ter uma nova oportunidade económica ao relançar a exploração, que estará essencialmente adormecida, de metais. Se repararmos, o país tem uma imensidão de metais. O primeiro deles é o ferro, que no passado foi muito exportado. Sensivelmente, desde a segunda metade da década de 1950 a 1975, o minério de ferro foi extraído nas províncias de Malanje, Bié, Huambo e Huíla, e vários milhões de toneladas produzidas. A guerra civil naturalmente perturbou essa atividade e depois a quebra dos preços mundiais. Mas tudo indica que atualmente, o contexto é outro e poderá ser aproveitado pelas autoridades angolanas para promover mais investimentos na mineração ferrosa.

Em relação aos restantes metais fulcrais para a transição energética, há que referir que Angola tem potencial para o manganês, cobre, ouro, chumbo, zinco, tungstênio, estanho, entre outros.

O cobalto também parece abundar em Angola. Um recente estudo concluiu que a região com cobre e cobalto da Zâmbia e da República Democrática do Congo estende-se até ao território angolano em pelo menos 116 mil quilómetros quadrados. Aparentemente, as anomalias magnéticas detetadas pelo estudo evidenciam sinais favoráveis de prospeção de minerais metálicos e não-metálicos tais como ferro, diamantes, cobre, manganês, titânio, zinco, chumbo, bauxite e ainda minerais radioativos e fosfatos[2].

Daqui resulta uma conclusão óbvia. Angola está muito bem situada para aproveitar a exploração de metais necessários para a transição energética. Agora têm de surgir os investimentos.


[1] Nico Valckx, Martin Stuermer, Dulani Seneviratne and Ananthakrishnan Prasad, Metals Demand From Energy Transition May Top Current Global Supply, FMI, 2021, https://blogs.imf.org/2021/12/08/metals-demand-from-energy-transition-may-top-current-global-supply/?utm_medium=email&utm_source=govdelivery

[2] Cfr. http://www.sigame-cplp.com/noticias/angola-tem-grandes-depositos-de-cobre-e-cobalto.html

Proposal for a transversal youth policy in Angola

Many countries don’t need a robust youth policy, either because the youth population is not significant, with most socio-economic problems being in the elderly, or because they have healthy economies and societies that easily encourage and incorporate young people.

This is not the case in Angola. The numbers on Angolan youth demand special attention from the political power to this age group. With reference to July 2021, it is estimated that 47.83% of the Angolan population is between 0-14 years old and 18.64% between 15-24 years old; therefore, 66.47% of the population is up to 24 years old, or in other words, about 2/3 of the Angolan population is young. It is an immense and impressive mass of babies, teenagers and young adults that constitute the immensity of the Angolan people.[1]

Fig. 1- Angola population pyramid (2021)

This impressive demographic is joined by unemployment figures. According to the most recent data available, unemployment affects 59.2% of the young population (here considered to be aged 15-24) in the third quarter of 2021, with a year-on-year increase in this situation of 2.8%. It is clear that this number does not reflect those who were somehow absorbed by the informal economy, however, its magnitude will always be remarkable[2].

In fact, from a sociopolitical point of view, it has been verified that the demonstrations against the government policy in Angola, and the activism in social networks, is carried out, in large part, by young people.

Youth is, therefore, a huge force in the Angolan economy and societies, which is on the boil.

These various factors: extremely relevant number of young people in the total population, youth unemployment and socio-political discontent that force the consideration of a transversal and encompassing youth policy for Angola.

***

Youth policy is defined as the government’s commitment and practice to guarantee good living conditions and opportunities for a country’s young population[3]. Youth policy is a strategy implemented by public authorities to provide young people with opportunities and experiences that support their successful integration into society and allow them to be active and responsible members of society and agents of change[4].

In these terms, a youth policy seeks to create opportunities for young people, promoting their participation, inclusion, autonomy, solidarity, in addition to well-being, learning, leisure, employment.

The government’s role will be to launch policies with these goals in relation to youth and to work together with the various actors involved in the information, development and implementation of youth policies, such as: youth councils, youth NGOs, interest groups, groups of young people, young workers, researchers, schools, teachers, employers, medical personnel, social workers, religious groups, media[5].

The model we developed attributes three axes to youth policies:

a) The axis of employment;

b) The axis of sport and leisure;

c) The axis of culture and training.

We understand that a youth policy must translate into measures in these three axes in order to provide young people with an integral and complete personal development.

In Angola there is a Ministry of Youth and Sports (Minjud) whose main function is to assist the President of the Republic in the elaboration and execution of the State’s youth policy (Article 2 of the Organic Statute of the Ministry of Youth and Sports, Presidential Decree no. 228/20, of September 7th).

However, in addition to advertisements or programs with a rhetorical value, there is no vision of a transversal and active youth policy such as is needed in Angola. And such a policy is essential. The relevant news that is noted about the activity of Minjud focus essentially on football and football stadiums.

It is therefore urgent to go further and launch a youth policy that will necessarily cover several ministries and will have to be coherent and consistent. As we mentioned, this youth policy would unfold along three axes, paying attention to employment, sports and culture.

***

It is proposed to adopt a youth policy for Angola described in the following terms.

The youth policy would be transversal to several ministries, not dependent only on one ministry, and therefore necessarily coordinated directly by the President of the Republic. As mentioned, it would have three axes that would complement each other.

• In the first axis, referring to employment, a program to guarantee full employment would be launched for all those aged between 22 and 23 years old and having completed a degree. The State would assume the responsibility to employ them in its structure or to subsidize for a period of time not less than 2 years a workplace in the private sector[6]. Therefore, the State would either ensure employment in its several administrations, institutes or public companies, or it would subsidize private companies for the creation and hiring of jobs for young people. All young graduates aged 22-23, in addition to receiving training and assistance to find work, would have guaranteed paid work, with the State having to pay 100% of their salary in a private company or employ participants in the public sector or support creation of a microenterprise. All participants would receive at least a minimum wage fixed in accordance with the Presidential Decree that regulates the subject adequate to a life with dignity[7]. In a second phase, the guarantee of employment for all young people aged 22-23, regardless of their qualification, would also be studied, although those without formal qualifications should attend training to acquire some ability in art or craft.

• In the second axis referring to sports, an integrated sports project in school and in the community would be promoted. In this context, a proposal should not be developed to do everything everywhere, or as referred to in connection with a previous plan “to involve sport modalities of handball, athletics, basketball, football, volleyball, gymnastics and chess” in all schools[8].

The plan would aim at the rational use of scarce resources and with the search for specialization. Thus, each school would be required to dedicate itself to only one sport and to develop it freely within its midst. They would not aim for national championships, nor for large structures, but they would bet on focus and specialization. Each school with its sport. Only one, but open to all young people. At the same time and in competition with schools, each municipality would also promote a sport open to all young people. We would thus have a sport project for everyone with a specialization from each institution and with no other initial ambition other than to put young people in sport.

• Finally, the third axis dedicated to culture would also have to be based on specialization. Here, efforts would be made to concentrate resources on promoting reading by young people. We would start by adopting a project launched by the Gulbenkian Foundation in Portugal in the middle of the last century and already sporadically adopted in Angola in provincial initiatives, such as the “Giro do Saber” promoted by the Provincial Library of Malanje[9].

Reading for youth based on traveling libraries and street readings would be a project aimed at encouraging young people’s taste and reading habits. The traveling libraries will consist of vans that would travel across the country with volunteers and books offered and would stop at each location allowing the reading of these books and explaining some of them. At the same time, these volunteers would perform street readings of books appealing to youth in a mixed spectacle of reading and music, thus attracting target audiences.

One would look for this reading project to be financed by the penal system. That is, it would give rise to a change in the law that would allow all prison sentences of up to two years for economic and financial crimes to be exchanged for donations of vans, books and volunteer support.

Fig. 2- Description of a transversal youth policy

With these measures in the field of employment, sport sand culture, a youth policy that is so necessary for Angola would be launched.

There is nothing like taking advantage of the present party Congresses to promote and discuss these proposals.


[1] Cfr. https://www.cia.gov/the-world-factbook/countries/angola/#people-and-society

[2] https://mercado.co.ao/economia/desemprego-afecta-592-dos-jovens-em-angola-YX1077607

[3] Finn Denstad, Youth Policy Manual, 2009

[4] Conselho da Europa CM / Rec (2015) 3

[5] https://www.coe.int/en/web/youth/about-youth-policy

[6] We have developed proposals for these full-employment programs in other CEDESA reports, see for example https://www.cedesa.pt/2020/11/16/proposta-de-um-esquema-piloto-de-garantia-de-emprego-em-angola/

[7] See the study referred to in the previous note

[8] https://www.angop.ao/noticias/desporto/polidesportivo-desporto-escolar-carece-de-continuidade/

[9] https://www.angop.ao/noticias/lazer-cultura/biblioteca-itinerante-chega-ao-municipio-de-cacuso/

Proposta de uma política transversal de juventude em Angola

Muitos países não necessitam de uma política robusta de juventude, ou porque a população jovem não é significativa, situando-se a maior parte dos problemas socioeconómicos nas faixas mais idosas, ou porque têm economias e sociedades saudáveis que estimulam e incorporam facilmente os jovens.

Não é o caso de Angola. Os números sobre a juventude angolana exigem uma especial atenção por parte do poder político a esta faixa etária. Com referência a julho de 2021, estima-se que 47.83% da população angolana tenha entre 0-14 anos e 18.64% entre 15-24 anos; logo 66,47% da população tem até 24 anos, ou dito de outro modo, cerca da 2/3 da população angolana é jovem. É uma massa imensa e impressionante de bebés, adolescentes e jovens adultos que constituem a imensidão do povo angolano.[1]

Fig. n.º 1- Pirâmide populacional de Angola (2021)

A esta demografia impressiva juntam-se os números do desemprego. De acordo, com os dados disponíveis mais recentes, o desemprego afeta 59,2% da população jovem (aqui considerada dos 15-24 anos) no terceiro trimestre de 2021, estando a haver um acréscimo anual homólogo desta situação em 2,8%.[2] É evidente que este número não reflete aqueles que de alguma forma foram absorvidos pela economia informal, no entanto, a sua magnitude será sempre assinalável.

Aliás, do ponto de vista sociopolítico tem-se verificado que as manifestações contra a política governamental em Angola, e o ativismo nas redes sociais é levado a cabo, em larga expressão, por jovens.

A juventude é, portanto, uma força enorme na economia e sociedades angolanas, que está em ebulição.

São estes vários fatores: número extremamente relevante de jovens no total da população, desemprego juvenil e descontentamento sociopolítico que obrigam à consideração de uma política transversal e englobante de juventude para Angola.

***

A política de juventude define-se como o compromisso e prática do governo para garantir boas condições de vida e oportunidades para a população jovem de um país.[3] A política de juventude corresponde a uma estratégia implementada pelas autoridades públicas para proporcionar aos jovens oportunidades e experiências que apoiem a sua integração bem-sucedida na sociedade e que lhes permita ser membros ativos e responsáveis ​​da sociedade e agentes de mudança.[4]

Nestes termos, uma política de juventude procura criar oportunidades para os jovens, promover a sua participação, inclusão, autonomia, solidariedade, além do bem-estar, aprendizagem, lazer, emprego.

O papel do governo será lançar políticas com estes objetivos em relação à juventude e trabalhar em conjunto com os vários atores envolvidos na informação, desenvolvimento e implementação de políticas de juventude, tais como: conselhos de jovens, ONGs de juventude, grupos de interesse, grupos de jovens, trabalhadores jovens, investigadores, escolas, professores, empregadores, pessoal médico, assistentes sociais, grupos religiosos, comunicação social[5].

O modelo que desenvolvemos atribui às políticas de juventude três eixos:

  1. O eixo do emprego;
  2. O eixo do desporto e tempos livres;
  3. O eixo da cultura e formação.

Entendemos que uma política de juventude se deve traduzir em medidas nestes três eixos de modo a proporcionar aos jovens um desenvolvimento pessoal integral e completo.

Em Angola existe um Ministério da Juventude e Desportos (Minjud) cuja principal função é auxiliar o Presidente da República na elaboração e execução da política juvenil do Estado (artigo 2.º do Estatuto Orgânico do Ministério da Juventude e Desportos, Decreto-presidencial n.º 228/20, de 7 de setembro).

Contudo, para além de anúncios ou programas com valor retórico, não se vislumbra uma política de juventude transversal e atuante como a que é necessária em Angola. E tal política é fundamental. As notícias com relevo que se anotam sobre a atividade do Minjud debruçam-se essencialmente sobre futebol e estádios de futebol.

Torna-se por isso urgente ir mais além e lançar uma política de juventude que forçosamente abrangerá vários ministérios e terá de ser coerente e consistente. Como referimos essa política de juventude desdobrar-se-ia por três eixos, prestando atenção ao emprego, desporto e cultura.

***

Propõe-se a adoção de uma política de juventude para Angola descrita nos termos seguintes.

A política de juventude seria transversal aos vários ministérios, não dependente apenas dum ministério, e por isso forçosamente coordenada diretamente pelo Presidente da República. Como mencionado teria três eixos que se complementariam.

  • No primeiro eixo referente ao emprego seria lançado um programa de garantia de pleno emprego para todos aqueles que tivessem entre 22 e 23 anos e terminassem uma licenciatura. O Estado assumiria a responsabilidade de lhes dar emprego na sua estrutura ou de subsidiar durante um período de tempo não inferior a 2 anos um local de trabalho no setor privado.[6] Portanto, o Estado ou asseguraria emprego nas suas diversas administrações, institutos ou empresas públicas, ou subsidiaria as empresas privadas para a criação e contratação de postos de trabalho para jovens. Todos os jovens recém-licenciados com 22-23 anos, além de receber formação e assistência para conseguir trabalho, teriam garantido o trabalho remunerado, devendo o Estado pagar 100% do salário numa empresa privada ou empregar participantes no setor público ou ainda apoiar a criação de uma microempresa. Todos os participantes receberiam pelo menos um salário mínimo fixado de acordo com o Decreto Presidencial que regula a matéria adequado a uma vida com dignidade[7]. Numa segunda fase, estudar-se-ia também a garantia de emprego para todos os jovens de 22-23 independentemente da sua habilitação, embora, aqueles sem habilitações formais devessem frequentar uma formação de aquisição de alguma capacidade em arte ou ofício.
  • No segundo eixo referente ao desporto, promover-se-ia um projeto integrado de desporto na escola e na comunidade. Neste âmbito não se deveria desenvolver uma proposta de fazer tudo em todo o lado, ou como se referia a propósito de um anterior plano “envolver modalidades de andebol, atletismo, basquetebol, futebol, voleibol, ginástica e xadrez” em todas as escolas[8].

O plano apontaria para a utilização racional de meios escassos e com a procura de especialização. Assim, exigir-se-ia que cada escola se dedicasse a um desporto apenas e o desenvolvesse livremente no seu seio. Não se apontariam para campeonatos nacionais, nem grandes estruturas, mas apostar-se-ia no foco e na especialização. Cada escola com o seu desporto. Apenas um, mas aberto a todos os jovens. Ao mesmo tempo e em concorrência com as escolas, cada município também promoveria um desporto aberto a todos os jovens. Teríamos assim um projeto de desporto para todos com uma especialização de cada instituição e sem outra ambição inicial que não fosse colocar os jovens no desporto.

  • Finalmente, o terceiro eixo dedicado à cultura, teria também que assentar na especialização. Aqui procurar-se-ia concentrar recursos na promoção da leitura por parte dos jovens. Começar-se-ia por adotar um projeto lançado pela Fundação Gulbenkian em Portugal em meados do século passado e já por vezes esporadicamente adotado em Angola em iniciativas provinciais, como é o caso do “Giro do Saber” promovido pela Biblioteca Provincial de Malanje.[9]

A leitura para a juventude assente em bibliotecas itinerantes e leituras de rua seria um projeto destinado a incentivar o gosto e os hábitos de leitura por parte da juventude. As bibliotecas itinerantes serão constituídas por carrinhas que se deslocariam pelo país fora com voluntários e livros oferecidos e parariam em cada localidade permitindo a leitura desses livros e explicando alguns deles. Ao mesmo tempo esses voluntários realizariam leituras de rua de livros apelativos para a juventude num espetáculo misto de leitura e música, atraindo assim os públicos-alvo.

Procurar-se-ia que este projeto de leitura fosse financiado pelo sistema penal. Isto é, originasse uma modificação da lei que permitisse que todas as penas de prisão até dois anos em crimes económico-financeiros fossem trocadas por doações de carrinhas, livros e suporte ao voluntariado.

Fig. n.º 2- Descrição de uma política de juventude transversal

Com estas várias medidas, no âmbito do emprego, do desporto e da cultura estaria lançada uma política de juventude que tão necessária é para Angola.

Nada como aproveitar os presentes Congressos partidários para a promoção e discussão destas propostas.


[1] Cfr. https://www.cia.gov/the-world-factbook/countries/angola/#people-and-society

[2] https://mercado.co.ao/economia/desemprego-afecta-592-dos-jovens-em-angola-YX1077607

[3] Finn Denstad, Youth Policy Manual, 2009

[4] Conselho da Europa CM / Rec (2015) 3

[5] https://www.coe.int/en/web/youth/about-youth-policy

[6] Temos desenvolvido as propostas para estes programas de pleno-emprego noutros relatórios CEDESA. Ver por exemplo, https://www.cedesa.pt/2020/11/16/proposta-de-um-esquema-piloto-de-garantia-de-emprego-em-angola/

[7] Ver estudo referido na nota anterior

[8] https://www.angop.ao/noticias/desporto/polidesportivo-desporto-escolar-carece-de-continuidade/

[9] https://www.angop.ao/noticias/lazer-cultura/biblioteca-itinerante-chega-ao-municipio-de-cacuso/

Angola’s new strategic partners and Portugal’s position

Angola’s new strategic partners: Spain and Turkey

Two recent intense diplomatic exchanges at the highest level point to the emergence of new strategic partnerships for Angola. In a previous report, we warned of realignments in Angola’s foreign policy[1]. Now, what happens is that this realignment continues, and at an intense pace. The President of the Republic João Lourenço is clearly giving a new dynamic to Angola’s foreign affairs, which is not seen to be affected by some internal unrest on the way to the 2022 electoral process.

The most recent examples of the President’s diplomatic activity are Spain and Turkey. The important thing in relations with these countries, is not whether or not there is a visit at the highest level, it is about having an intensity of visits by both parties and clear objectives designed. It can be said that from a mutual perspective, Spain and Turkey are becoming Angola’s strategic partners.

Let’s start with Spain. Last April, the prime minister of Spain, Pedro Sanchez, who barely left the country during the Covid-19 pandemic, visited Angola. The visit was seen as marking a new era in bilateral cooperation between the two countries and led to the signing of four memoranda on Agriculture and Fisheries, Transport, Industry and Trade. The agreement regarding the development of agribusiness was particularly relevant, in order to build an industry that transforms raw material into finished product in the future, relying on the experience of Spanish businessmen. As is well known, agriculture is one of the Angolan government’s areas of investment in relaunching and diversifying the economy[2]. Therefore, this agreement is dedicated to a fundamental vector of Angolan economic policy.

More recently, at the end of September 2021, the President of the Republic of Angola visited Spain where he was received by the King and the Prime Minister. On that visit, João Lourenço clearly stated that he was in Spain in search of a “strategic partnership” that went beyond the merely economic and business sphere[3]. In turn, the Spanish authorities consider Angola as a “priority country”[4].

Now it will be seen how these broad intentions will materialize in practice, but what is certain is that both countries are clearly betting on an increase in both economic and political relations and their declarations and goals seem to have a direction and meaning.

The same kind of intensified relationship is being established with Turkey. Last July, João Lourenço visited Turkey, where he was extremely well received. From then on, it was agreed that Turkish Airlines would fly twice a week from Turkey to Luanda. It was also announced that Turkey has opened a credit line on its Exxim Bank to boost bilateral economic relationship. This means that the Turkish financial system will finance Turkish businessmen to invest in Angola. As early as October 2021, Turkish President Erdogan visited Angola. This visit was surrounded by all the pomp and circumstance and expressed an excellent relationship between the two countries. Like Spain, Turkey has an aggressive strategy for Africa, where it wants to gain space for its economy and political influence. The agreements signed by Erdogan and João Lourenço were seven, namely, an agreement on mutual assistance in customs matters; a cooperation agreement in the field of agriculture; an agreement for cooperation in the field of industry; a joint declaration for the establishment of the joint economic and trade commission; a memorandum of understanding in the field of tourism and a cooperation protocol between the National Radio of Angola and the Radio and Television Corporation of Turkey[5].

The approach with Turkey, like that of Spain, has as an immediate and structuring objective “that [the Turks] bring above all know-how that allows us to quickly and efficiently diversify and increase our internal production of goods and services”, using the words of João Lourenço[6].

In these two challenges by João Lourenço there is an obvious determination, or rather two.

First, seek new sources of investment that support the fundamental diversification of the Angolan economy. This is extremely important, and the Turkish and Spanish economies are properly diverse to be able to correspond to the model intended by Angola.

The second aspect refers to the need Lourenço feels to detach Angola from an excessive relationship with China and Russia, without harassing them, but looking for new partners. The geopolitical weight of the Cold War and the subsequent implementation of the Chinese model in Africa, with which Angola is identified, weigh heavily in the evaluations of foreign ministries and investors. Thus, Angola is looking for new openings and a “detachment” from that previous brand, not least because Russia does not have the financial muscle to make large investments in Angola, and China is in the middle of an economic turmoil. As we already know, “the Chinese economy grew 4.9% in the third quarter of this year, the lowest rate in a year, reflecting not only the problems it is facing with the indebtedness of the real estate sector, but also the effects of the energy crisis.”[7] This means that China needs a lot of Angolan oil, but it will not have financial resources for large investments in Angola.

In fact, the relations between China and Angola and the need for a reassessment of the same, especially in terms of oil supply and the opacity of the arrangements, will have to be a theme for an autonomous report that we will produce in the near future.

Portugal’s position. The ongoing deberlinization

Having established that the importance of the intensification of Angola’s relations with Spain and Turkey is established, an obvious question arises: and Portugal?

Portugal has tried to be Angola’s partner par excellence, and for this it has accommodated itself, in the past, to the several impulses of Angolan governance.

Currently, there are good political relations between Angola and Portugal. Just recently, João Lourenço said: “I was fortunate that during my first term in office we were able to maintain a very high level of friendship and cooperation between our two countries.” He also added that “personal relationships also help. Therefore, over the years, we have been able to build that same relationship with President Marcelo Rebelo de Sousa and Prime Minister António Costa”.[8] There is no doubt that favorable relations are established between Angola and Portugal. It also helps that Portugal has three ties that are felt every day; historical ties, cultural ties, especially linguistic ties, and emotional ties.

However, despite the satisfaction expressed by the Angolan President regarding the good relations between the two countries, there are structural issues that cast shadows on the relationship and make Portugal’s position less relevant to Angola than in the past, generating some caution on the part of Angola in relation to excessive involvement with Portugal. Actually, there is a decline in the Portuguese position in Angola, vis-à-vis Spain or Turkey, or Germany, France or the United Kingdom. There is an ongoing de-Berlinization of Angola’s foreign policy. João Lourenço sees Portugal as an ally in the CPLP, but not as a gateway or platform to Europe. There, he wants to relate directly to each of the specific European countries. The old idea that pervaded in some European chancelleries that Angolan topics were specific to Portugal and should be dealt with from, or at least, with the Lisbon competition (which we call Berlinization), ended. Each of the European countries now deals with Angola without Portuguese intermediation and vice versa.

This fact results essentially from three factors. One of an economic nature, and two of a political nature.

In the first place, Angola seeks, in its foray around the world, countries with the potential and capital to invest. It is searching for capital to develop its economy. Now Portugal, jumping from crisis to crisis and having a clear lack of capital for its development, will have much less means to move to Angola. And in the famous Portuguese Recovery and Resilience Plan there is nothing specific for investment in Africa or Angola in particular. Consequently, with no provisions highlighted for Angola in the Portuguese Plan, it is clear that the African country will have to go looking for massive investments elsewhere.

However, we believe that this is not the main cause for the relative decline of the Portuguese position in Angolan foreign policy priorities. There are two other reasons, which are interlinked.

In this sense, there is na element that has caused the disquiet of the current Angolan leadership towards Portugal. This element entails in the fact that in the near past, Portugal constituted what the Financial Times of October 19th[9] described as the place where Angola’s rich (and corrupt) elite collected trophies in assets, a kind of playground for the President’s sons José Eduardo dos Santos and other members of the oligarchy. Now, the Angolan government, apparently, looks with some suspicion at Portugal because of this, specially considering the intervention that banks, lawyers, consultants and a whole myriad of Portuguese service providers had in the laundering and concealment of assets acquired with illicitly withdrawn money of Angola. There is a danger that all these entities are making efforts to undermine the famous fight against corruption launched by João Lourenço.

What happened during the years of inspiring growth in Angola, between 2004 and 2014, significantly, is that Portugal acted as a magnet for Angolans’ savings and income. The Angolan ruling elites, instead of investing the money in their country, went to invest it, or merely park it in Portugal, with disastrous consequences for Angola, which found itself without the necessary capital to make its growth sustainable. The reasoning that can be attributed to the Angolan government is that Portugal allowed the Angolan money obtained illicitly to be laundered in its economic and financial system with such depth that it is now very difficult to recover. Ana Gomes, wisely, always warned about this. In fact, if we look at the assets recovered by Angola, with great significance, there has not yet been public news that any of them came from Portugal. There was the 500 million dollars that came from England, but in Portugal, EFACEC was nationalized by the Portuguese government – and that’s okay from the Lisbon’s national interest point of view- but it was realized that Angola would not receive anything from there, as well as one can’t regard a clear path of receiving from other situations.

To this phenomenon is added a second that is presently noted. Lisbon is serving as a platform for the more or less concealed articulation of strong opposition attacks on the Angolan government. Whether through consultants, press or law firms. In this case, unlike possibly in the case of investments and possible money laundering, these activities will take place in accordance with the law and adequate protections of fundamental rights. However, it will create discomfort in the Angolan leadership, which will possibly see a link between the two phenomena, that is, between the fact that Portugal was a safe heaven for Angolan assets obtained illicitly in the past, and now it has become a local of opposition and conspiracy, above all, to the so-called fight against corruption. It is noticed that many of the movements take place in Portugal and its elites continue to help those who were dubbed by João Lourenço as “hornets”, either judicially or in the search for new places to hide their money.

In concrete terms, the episode of EFACEC nationalization combined with the recent judicial decision to “unfreeze” the accounts of Tchizé dos Santos in Portugal, and the generalization of an anti João Lourenço current in large spaces of the Portuguese media, although they constitute decisions or attitudes that are justified in political, legal or ethical terms in Portugal, they are events that reinforce some Angolan distrust of the Portuguese attitude, which can see the former colonial power in a kind of shadow play.

These situations, which have broadened in recent months, are causing some discomfort in Angola, which may consider Portugal as a kind of safe haven for activities that harm the country. Gradually, conspiracies from Portuguese territory abound, such as meetings and other events

It is precisely the reasons mentioned above that lead us to identify some attempt at political distance between the Angolan government and Portugal. There are no easy answers to these equations, although its enunciation has to be made for reflection by all those involved.


[1] CEDESA, 2021, https://www.cedesa.pt/2021/05/18/os-realinhamentos-da-politica-externa-de-angola/

[2] See report CEDESA, 2020, https://www.cedesa.pt/2020/06/15/plano-agro-pecuario-de-angola-diversificar-para-o-novo-petroleo-de-angola/

[3] Deutsche Welle, 2021, https://www.dw.com/pt-002/jo%C3%A3o-louren%C3%A7o-em-espanha-em-busca-de-parceria-estrat%C3%A9gica/a-59344760

[4] Idem note 3.

[5] Presidência da República de Angola, 2021, https://www.facebook.com/PresidedaRepublica

[6] Idem, note 5.

[7] Helena Garrido, 2021, https://observador.pt/opiniao/o-choque-energetico-e-o-orcamento-em-duodecimos/

[8] Observador, 2021, https://observador.pt/2021/10/22/pr-de-angola-ve-relacoes-de-amizade-e-cooperacao-com-portugal-em-nivel-bastante-alto/

[9] Financial Times, 2021, https://www.ft.com/content/4652e15a-f7ba-4d21-9788-41db251c5a76

Os novos parceiros estratégicos de Angola e a posição de Portugal

Os novos parceiros estratégicos de Angola: Espanha e Turquia

Duas recentes intensas trocas diplomáticas ao mais alto nível fazem despontar o surgimento de novas parcerias estratégicas para Angola. Já em anterior relatório alertámos para os realinhamentos da política externa angolana.[1] Ora, o que se verifica é que esse realinhamento continua, e a um ritmo intenso. O Presidente da República João Lourenço está claramente a imprimir uma nova dinâmica aos negócios estrangeiros de Angola, que não se vê que esteja a ser afetada por alguma agitação interna que se verifica no caminho para o processo eleitoral de 2022.

Os exemplos mais recentes da atividade diplomática do Presidente são a Espanha e a Turquia. O importante nas relações com estes países não é haver ou não uma visita ao mais alto nível, é haver uma intensidade de visitas de parte a parte e objetivos claros desenhados. Pode-se dizer que na perspetiva mútua, Espanha e Turquia estão a tornar-se parceiros estratégicos de Angola.

Comecemos por Espanha. Em abril último, o primeiro-ministro de Espanha, Pedro Sanchez, que pouco abandonou o país durante a pandemia Covid-19, visitou Angola. A visita foi encarada como marcando uma nova era na cooperação bilateral entre os dois países e originou a assinatura de quatro memorandos sobre Agricultura e Pescas, Transportes, Indústria e Comércio. Teve especial relevância o acordo referente ao desenvolvimento do agro-negócio, para futuramente montar uma indústria que transforme a matéria-prima em produto acabado, contando com a experiência dos empresários espanhóis. Como se sabe, a agropecuária é uma das áreas de aposta do governo angolano para o relançamento e diversificação da economia.[2] Portanto, este acordo dedica-se a um vetor fundamental da política económica angolana.

Mais recentemente, em finais de setembro de 2021, o Presidente da República de Angola visitou Espanha onde foi recebido pelo Rei e pelo primeiro-ministro. Nessa visita, João Lourenço afirmou claramente que estava em Espanha em busca duma “parceria estratégica” que ultrapassasse a esfera meramente económica e empresarial. [3] Por sua vez, as autoridades espanholas consideram Angola como “país prioritário[4]“.

Agora ver-se-á como estas intenções alargadas se concretizarão na prática, mas o certo é que ambos os países estão a apostar manifestamente num incremento das relações quer económicas, quer políticas e as suas declarações e objetivos parecem ter um rumo e um sentido.

O mesmo tipo de relação intensificada se está a estabelecer com a Turquia. Em julho passado, João Lourenço visitou a Turquia, onde foi extremamente bem-recebido. Aí desde logo ficou acordado que companhia aérea Turkish Airlines iria voar duas vezes por semana da Turquia para Luanda. Também foi anunciado que a Turquia abriu uma linha de crédito no seu Exxim Bank impulsionar a relação económica bilateral. Isto quer dizer que o sistema financeiro turco vai financiar os empresários turcos para investir em Angola. Já em outubro de 2021, o Presidente turco Erdogan visitou Angola. Essa visita foi rodeada de toda a pompa e circunstância e manifestou uma excelente relação entre os dois países. Tal como a Espanha a Turquia tem uma estratégia agressiva para África, onde pretende obter espaço para a sua economia e influência política. Os acordos assinados por Erdogan e João Lourenço foram sete, nomeadamente, um acordo de assistência mútua em matéria aduaneira; um acordo de cooperação no domínio da agricultura; um acordo de cooperação no domínio da indústria; uma declaração conjunta para o estabelecimento da comissão económica e comercial conjunta; um memorando de entendimento no domínio do turismo e um protocolo de cooperação entre a Rádio Nacional de Angola e a Corporação de Rádio e Televisão da Turquia[5].

A abordagem com a Turquia, tal como a de Espanha, tem como objetivo imediato e estruturante “que [os Turcos] tragam sobretudo know-how que nos permita diversificar e aumentar com rapidez e eficiência a nossa produção interna de bens e serviços”, usando as palavas de João Lourenço[6].

Nestas duas apostas de João Lourenço há uma determinação óbvia, ou melhor duas.

Em primeiro lugar buscar novas fontes de investimento que amparem a fundamental diversificação da economia angolana. Tal é de extremo relevo, e as economias turca e espanhola são devidamente diversas para puderem corresponder ao modelo pretendido por Angola.

O segundo aspeto da aposta refere-se à necessidade que Lourenço sente de descolar Angola de uma excessiva relação com a China e a Rússia, sem as hostilizar, mas procurando novos parceiros. O peso geopolítico da Guerra Fria e a sequente implementação do modelo chinês em África, com o qual Angola está identificado pesam muito nas avaliações das chancelarias e investidores. Assim, Angola procura novas aberturas e uma “descolagem” dessa marca anterior, até porque a Rússia não tem músculo financeiro para realizar grandes investimentos em Angola, e a China está no meio dum turbilhão económico. Como é público, a “economia chinesa cresceu 4,9% no terceiro trimestre deste ano, a mais baixa taxa num ano, reflectindo não apenas os problemas que está a enfrentar com o endividamento do sector imobiliário, mas também, e já, os efeitos da crise energética.”[7] Isto quer dizer que a China precisa e muito do petróleo angolano, mas não terá disponibilidades financeiras para avultados investimentos em Angola.

Na verdade, as relações entre a China e Angola e a necessidade de uma reavaliação da mesma, sobretudo ao nível do fornecimento de petróleo e da opacidade dos arranjos terá que ser um tema para um relatório autónomo que iremos produzir no futuro próximo.

A posição de Portugal. A desberlinização em curso

Estabelecida que está a relevância da intensificação das relações de Angola com Espanha e a Turquia, coloca-se uma questão óbvia: e Portugal?

Portugal tem tentado ser o parceiro por excelência de Angola, e para isso tem-se acomodado, no passado, aos vários ímpetos da governação angolana.

Atualmente, existem boas relações políticas entre Angola e Portugal. Ainda recentemente, João Lourenço afirmou o seguinte: “Tive a felicidade de durante este meu primeiro mandato termos sabido manter a um nível bastante alto as relações de amizade e cooperação entre os nossos dois países[8].” Acrescentando ainda que as “relações pessoais também ajudam. Portanto, nós soubemos construir ao longo dos anos essa mesma relação com o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa e com o primeiro-ministro António Costa.” Não existem dúvidas que estão estabelecidas relações favoráveis entre Angola e Portugal.  A isso ajuda também que Portugal conta com três laços que se fazem sentir todos os dias; os laços históricos, os laços culturais, sobretudo linguísticos, e os laços emotivos.

Contudo, e apesar do contentamento expresso pelo Presidente angolano naquilo que diz respeito às boas relações entre os dois países, há questões estruturais que lançam sombras no relacionamento e tornam a posição de Portugal menos relevante para Angola do que no passado, gerando alguma cautela da parte angolana em relação a demasiados envolvimentos com Portugal. Efetivamente, há um declínio da posição portuguesa em Angola, face a Espanha ou a Turquia, ou a Alemanha, França ou Reino Unido. Há uma desberlinização em curso da política externa angolana. João Lourenço verá Portugal como aliado na CPLP, mas não como porta de entrada ou plataforma para a Europa. Aí quer relacionar-se diretamente a cada um dos países europeus em concreto. A velha ideia que perpassava nalgumas chancelarias europeias que os assuntos angolanos eram específicos de Portugal e deviam ser tratados a partir, ou pelo menos, com o concurso de Lisboa (que chamamos berlinização), terminou. Cada um dos países europeus lida agora com Angola sem a intermediação portuguesa e vice-versa.

Este facto resulta essencialmente de três fatores. Um de natureza económica, e dois de natureza política.

Em primeiro lugar, Angola procura nesta sua incursão pelo mundo países com potencialidade e capital para investir. Está à procura de capital para desenvolver a sua economia. Ora Portugal, saltando de crise em crise e tendo uma manifesta falta de capital para o seu desenvolvimento, muito menos terá meios para deslocar para Angola. E no famoso Plano de Recuperação e Resiliência português não se encontra nada específico para investimento em África ou Angola em concreto. Consequentemente, não havendo provisões destacadas para Angola no Plano português, bem se percebe que o país africano terá de ir procurar massivos investimentos noutras paragens.

No entanto, acreditamos que este não é a principal causa para o declínio relativo da posição portuguesa nas prioridades da política externa angolana. Existem outras duas razões, aliás interligadas.

Neste sentido, existe um fator que tem causado a inquietação da atual liderança angolana face a Portugal. Este fator reside no facto de no passado próximo, Portugal ter constituído aquilo a que o Financial Times de 19 de outubro[9] qualifica como o local onde a elite rica (e corrupta) de Angola colecionou troféus em ativos, uma espécie de recreio dos filhos do Presidente José Eduardo dos Santos e de outros membros da oligarquia. Ora, a governação angolana, aparentemente, olha com alguma desconfiança para Portugal devido a isso, sobretudo, considerando a intervenção que bancos, advogados, consultores e toda uma panóplia de prestadores de serviços portugueses tiveram no branqueamento e ocultação de ativos adquiridos com dinheiro ilicitamente saído de Angola. Há o perigo de todas estas entidades estarem a desenvolver esforços para prejudicar o famoso combate contra a corrupção encetado por João Lourenço.

O que se verificou durante os anos de crescimento feérico de Angola, entre 2004 e 2014, sensivelmente, é que Portugal funcionou como íman para as poupanças e rendimentos dos angolanos. As elites dirigentes angolanas em vez de investir o dinheiro no seu país foram investi-lo, ou meramente parqueá-lo em Portugal, com consequências desastrosas para Angola, que se viu sem o capital necessário para tornar sustentável o seu crescimento. O raciocínio que se poderá atribuir ao governo angolano é que Portugal deixou que o dinheiro angolano obtido ilicitamente fosse branqueado no seu sistema económico e financeiro com tal profundidade que agora é de recuperação muito difícil. Ana Gomes, sensatamente, sempre alertou sobre isto. Na verdade, se repararmos em relação a ativos recuperados por Angola com grande significado ainda não houve notícia pública que algum deles proviesse de Portugal. Houve os 500 milhões de dólares que vieram de Inglaterra, mas em Portugal, a EFACEC foi nacionalizada pelo governo português- e bem do ponto de vista do interesse nacional de Lisboa- mas percebeu-se que Angola não receberia nada daí, como também não se vê um caminho claro de recebimento de outras situações.

A este fenómeno adiciona-se um segundo que se nota presentemente. Lisboa está a servir como plataforma para a articulação mais ou menos dissimulada de fortes ataques da oposição ao governo angolano. Seja através de consultoras, imprensa ou escritórios de advogados. Neste caso, ao contrário eventualmente, do caso dos investimentos e possíveis branqueamentos, essas atividades decorrerão de acordo com a lei e as proteções adequadas dos direitos fundamentais. No entanto, criará um mal-estar na liderança angolana, que possivelmente verá uma ligação entre os dois fenómenos, isto é, entre o facto de Portugal ter sido um safe heaven para ativos angolanos obtidos ilicitamente, no passado, e agora se tornar um local de encontro e conspiração da oposição, sobretudo, à chamada luta contra a corrupção. Percebe-se que muitos dos movimentos ocorrem em Portugal e as suas elites continuam a ajudar aqueles que foram apelidados por João Lourenço como “marimbondos”, seja em termos judiciais, seja na procura de novos locais para esconderem o seu dinheiro.

Em termos concretos, o episódio da nacionalização EFACEC aliado à recente decisão judicial de “descongelar” as contas de Tchizé dos Santos em Portugal, e à generalização de uma corrente anti João Lourenço em largos espaços da comunicação social portuguesa, embora constituam decisões ou atitudes que se justificam em termos políticos, legais ou éticos em Portugal, são eventos que fazem reforçar alguma desconfiança angolana face à atitude portuguesa, que podem ver a antiga potência colonial numa espécie de jogo de sombras.

Estas situações que se têm alargado nos últimos meses, estão a provocar algum desconforto em Angola, que poderão considerar Portugal como uma espécie de porto seguro para atividades que prejudicam o país. Paulatinamente, as conspirações oriundas de território português abundam, como as reuniões, encontros e demais eventos

São precisamente os motivos acima referidos que nos levam a identificar alguma tentativa de distanciamento político do governo de Angola face a Portugal. Não há respostas fáceis a estas equações, embora a sua enunciação tenha de ser feita para reflexão de todos os intervenientes.


[1] CEDESA, 2021, https://www.cedesa.pt/2021/05/18/os-realinhamentos-da-politica-externa-de-angola/

[2] Ver nosso Relatório CEDESA, 2020, https://www.cedesa.pt/2020/06/15/plano-agro-pecuario-de-angola-diversificar-para-o-novo-petroleo-de-angola/

[3] Deutsche Welle, 2021, https://www.dw.com/pt-002/jo%C3%A3o-louren%C3%A7o-em-espanha-em-busca-de-parceria-estrat%C3%A9gica/a-59344760

[4] Idem nota 3.

[5] Presidência da República de Angola, 2021, https://www.facebook.com/PresidedaRepublica

[6] Idem, nota 5.

[7] Helena Garrido, 2021, https://observador.pt/opiniao/o-choque-energetico-e-o-orcamento-em-duodecimos/

[8] Observador, 2021, https://observador.pt/2021/10/22/pr-de-angola-ve-relacoes-de-amizade-e-cooperacao-com-portugal-em-nivel-bastante-alto/

[9] Financial Times, 2021, https://www.ft.com/content/4652e15a-f7ba-4d21-9788-41db251c5a76

2022 Angolan elections and the United States

Recently, rumors have circulated in Luanda and received echo in generally well-informed portals[1] about a possible increased interest of the United States in the Angolan elections, which would lead the Western power to demand that the elections have impartial international observers to guarantee the electoral truth, as well as the threat of possible sanctions against the João Lourenço government if it did not comply with these American recommendations. Specifically, it is announced that the Biden Administration has been threatening the application of financial sanctions, visa restrictions and travel bans against government officials who undermine elections in their countries[2]. From there it is extrapolated that it will be doing the same in relation to Angola.

This apparent position represents a break with the relative passivity with which the United States of America in the past has faced the general elections in Angola, at least since 2008, it is necessary to try to understand if this change in US policy verifiably exists and in what terms.

Firstly, the sources we consulted state that they are not aware of any reversal of US foreign policy towards Angola, noting that the rumors essentially originate from documents sent by Angolan Non-Governmental Organizations to the State Department, which has always happened and will happen and also in the usual inquiries that the American Embassy in Luanda carried out, but which it has always carried out in the past and will carry out in the future. Therefore, nothing new.

Secondly, and this is the object of our study, it is interesting to investigate whether the structural conditions of US foreign policy imply a more accentuated intervention/concern with the elections and the situation in Angola, which could lead to serious misunderstandings between the Biden Administration. and the executive of João Lourenço.

The Biden Administration’s foreign policy, curiously, in its broad lines follows the policy adopted by Donald Trump, breaking only in specific aspects, such as the weather emergency or some multilateralism. Thus, Biden’s foreign policy is based on a commitment to dealing with the relationship with China, a pragmatism in most relations and a lack of interest in Africa.

The withdrawal, as it took place, from Afghanistan is a typical example of this approach, in which Americans do not want to get involved in “nation building” projects or actively promoting values ​​in other countries. They now prefer a strategy that benefits them commercially, guarantees stability and helps control China.

The idealism of the neoconservatives who embraced George Bush Jr., in his attempt to build democracies and the rule of law in Iraq and Afghanistan, is no longer part of the American foreign policy guide. So don’t expect this idealism to come to Africa. There will be no interventions in Africa to promote any kind of American values, not even muscular interventions of any kind.

What exists on the North American side is a desire for the African continent to be as stable as possible and the supply of essential raw materials ensured in the most adequate way possible.

This October, in the prestigious Foreign Affairs magazine, they wrote “President Joe Biden’s administration has been similarly slow out of the blocks on Africa. Aside from its focused diplomatic response to the horrific civil war in Ethiopia and a few hints about other areas of emphasis, such as trade and investment, Biden has not articulated a strategy for the continent.[3]

Consequently, in terms of the structural lines of American foreign policy, it appears that with the withdrawal from Afghanistan, any wish for “Nation building” or intervention in a third country that does not directly threaten the national interest has been abandoned.

Additionally, the focus was placed on China and its control and more generally on Asia.

The US State Department’s statement from May this year is very clear on the importance of China and the role it plays in the American approach: “Strategic competition is the frame through which the United States views its relationship with the People’s Republic of China (PRC). The United States will address its relationship with the PRC from a position of strength in which we work closely with our allies and partners to defend our interests and values.  We will advance our economic interests, counter Beijing’s aggressive and coercive actions, sustain key military advantages and vital security partnerships, re-engage robustly in the UN system, and stand up to Beijing when PRC authorities are violating human rights and fundamental freedoms. When it is in our interest, the United States will conduct results-oriented diplomacy with China on shared challenges such as climate change and global public health crises[4]”.

If the structuring lines of American foreign policy are those mentioned above, and Africa does not occupy a relevant place, it is worth pointing out, however, what the United States wants or expects from Africa. Essentially, it can be summed up in a colloquial phrase: The US wants Africa not to bother them and provide some economic profits.

Following this strategy, the US has handed over a good part of the anti-terrorist fight to France and counts on African countries to guarantee local stability, pursuing strong alliances with some of them. Only if US national interests and security are affected by Islamic terrorism will the United States intervene strongly. It should be noted that the US also has its trauma here, which occurred in Somalia, and so well portrayed in the beautiful film Black Hawk Down[5], masterfully directed by Ridley Scott. There is no US willingness to get inside any imbroglio in Africa. This idea is reinforced by the donwsizing proposals regarding its Africom (United States Command for Africa).

To this extent, the US has a very practical view of the balance of power and needs for Africa. And in reality its history with Angola demonstrates this. In fact, even when in the 1980s they reportedly supported Jonas Savimbi’s UNITA against José Eduardo dos Santos’ MPLA, they were careful that such support did not disrupt the activities of their oil companies operating in territory dominated by the MPLA government. At the time, Cuba sent an additional 2,000 soldiers to protect Chevron’s oil rigs (in Cabinda). In 1986 Savimbi called Chevron’s presence in Angola, already protected by Cuban troops, as a UNITA “target”. So, we had Savimbi backed by the Americans to invective an American company protected by the Cubans[6]. Later, it was rumored that a company linked to the conservative Dick Cheney, future vice president of George Bush Jr., had a role in the location and death of Jonas Savimbi[7].

This means that the US attitude towards Angola has always been ambivalent, and it will not be now that it will embark on a path of confrontation, when Angola became an important ally for two very realistic reasons.

Firstly, Angola, specially under the leadership of João Lourenço, has played a role of pacification in its area of ​​influence. Remember that Angola helped a peaceful and electoral broadcast in the Democratic Republic of Congo (DRC), tries to establish some peacefulness between the triangle DRC, Uganda and Rwanda, besides having contributed decisively to the recent peace in the Central African Republic (CAR). In fact, in the latter country, President Touadéra highlighted the crucial role played by the Angolan state in achieving peace. Angola is an ally of US peace in Africa and obviously the Americans will not neglect Angola’s diplomatic and military support and collaboration for African tranquility.

It is also a strong bulwark against any penetration of Islamic terrorism.

Secondly, it is clear that Angola is currently pursuing a new foreign policy, intending to “detach itself” from the excessive dependence on China. Now, given its experience with China, which pioneered intervention in Africa and the current attempt to a more Western foreign policy, Angola constitutes an experimental platform par excellence for US policy towards China, where the true implications of this policy will be tested and how far the US effort to counterbalance China will go.

To that extent, an American failure with Angola will be a global failure of its strategic approach to China. Here, as in the Cold War in relation to the Soviet Union, the reality of American action in relation to China will be measured.

Thus, it does not seem that the Biden Administration embarks on any hostility or change in relation to the João Lourenço government, as this does not correspond to American interests in relation to Africa and even in relation to China. All rumors in another sense should be seen as part of the Angolan infighting and not any muscular American positioning.


[1] CLUB-K, 2021,  https://club-k.net/index.php?option=com_content&view=article&id=46062:eua-ameacam-sancoes-contra-regimes-africanos-que-recorrem-a-fraude-eleitoral&catid=11:foco-do-dia&lang=pt&Itemid=1072

[2] idem

[3] Foreign Affairs, 2021, https://www.foreignaffairs.com/articles/africa/2021-10-08/africa-changing-and-usstrategynotkeeping?utm_medium=promo_email&utm_source=lo_flows&utm_campaign=registered_user_welcome&utm_term=email_1&utm_content=20211026

[4] USA State Department, 2021, https://www.state.gov/u-s-relations-with-china/

[5] Black Hawk Down, 2001, https://www.imdb.com/title/tt0265086/

[6] Franklyn, J. (1997), Cuba and the United States: a chronological history

[7] Madsen, W. (2013). National Security Agency surveillance: Reflections and revelations 2001-2013